domingo, 12 de fevereiro de 2012

Futebol entrançado

Fui à bola com a sacerdotisa. Da última vez que a tinha levado ao Benfica tínhamos perdido 3-0 com a Académica. Da primeira tínhamos empatado a 2 com o Beira-Mar. A minha mulher dá azar ao Benfica. Quando levo a mulher à bola e o Benfica ganha 4-1 não há razões para se esta preocupado. Vai tudo correr bem.

No regresso ela disse-me para não vir para aqui estragar a noite aos benfiquistas com as minhas exigências. «A equipa até deu bons toques na bola (sic) e marcou bons golos», disse-me ela.

Por deferência à esposa, e também porque, quando vinha para casa, ouvi o Jesus no rádio a dizer que o Benfica tinha feito uma das melhores exibições da época, vou dedicar esta crónica a alguns fait-divérs mais levezinhos.



Por exemplo, sabemos que um jogador é o elo mais fraco de uma equipa quando uma equipa amputada dos seus dois ou três melhores jogadores, com uma meia-final da Taça de Portugal perdida dois dias antes e uma viagem da Madeira para Portugal pelo meio, depois de tentar explorar, durante 15 minutos, o facto de a outra equipa ter um médio-ofensivo a jogar a defesa-direito, rapidamente percebe que obterá melhores resultados se canalizar todo o seu jogo ofensivo para o outro lado, onde está o defesa-esquerdo titular, porque aí é que pode estar o tesouro.



Durante 45 minutos pensei que o Witsel tivesse rapado o cabelo. Só quando mudaram de campo é que vi que tinha trancinhas. Foi nesse momento que me apercebi da plena potencialidade do cabelo do Witsel. O Witsel devia ter um penteado para cada posição. Quando joga a médio-centro, usar a afro. A defesa-direito, as trancinhas. A 10, pôr o cabelo todo liso, para trás, à maestro. Quando jogar a extremo-esquerdo fazer risco ao lado. Esta é uma ideia demasiado espectacular para se perder num blog clandestino. Alguém com poder que pegue nisto e faça história. «Camaleão Witsel».



A equipa do Benfica tem três partes. A parte de trás, que é relativamente boa; a parte do meio, que precisa de muito espaço para funcionar; e a parte da frente, que é uma coisa do caraças. O grande desafio desta equipa do Benfica é conseguir chegar à linha imaginária que atravessa o campo de um lado ao outro cerca de 15 metros à frente da grande-área adversária. Se o Benfica chega aos últimos 35 metros do campo, passa a ser um problema de classe mundial que os outros têm para resolver. É um futebol entrançado, que dá poucas hipóteses à defesa. Com melhores jogadores a executar, este estilo de ataque é mortífero. É muito parecido com o da equipa que ganhou o campeonato em 1994, com o João Pinto, o Rui Costa, o Isaías, o Águas, o Paneira… Mas essa defendia muito pior.

Agora só falta conseguir chegar a esses 35 metros sem ser em jogadas de transição. Não é impossível. Se não se estragar o que já está feito, se se for prudente com o que se tem, profissional, audacioso e ambicioso com o que ainda não se tem, e se se acertar muito mais do que o que se errar, daqui a 5 ou 6 anos é possível.



Antes do Cardozo marcar o penálti disse à minha mulher: «O Cardozo vai tentar marcar em jeito e falha.» (Porque o Cardozo, juntamente com as anémonas e os corais, é um dos invertebrados marinhos mais previsíveis do oceano). Ela encolheu os ombros, porque enquanto vocês só apanham comigo aos poucochinhos ela apanha comigo todos os dias. Aquele encolher de ombros era uma forma de dizer: «Cala-te, chato.» Depois, o Cardozo tentou marcar em jeito, falhou o penálti e ela ficou a olhar em frente, sem abrir a boca, e a tentar não se desmanchar a rir para não irritar os benfiquistas em redor.

Devo dizer que, hoje, o Cardozo me mostrou, de facto, que está a fazer a melhor época dele no Benfica. Está um jogador muito mais leve, mais colectivo e ligeiramente mais criativo do que da última vez que o vi. Este Cardozo vale mesmo pontos – e olhem que, em quatro anos, este é o maior elogio que já lhe fiz.



O Rodrigo é um competidor nato. Com aquela capacidade física, cultura táctica e facilidade técnica, aos 20 anos de idade, confesso que, ao vivo (e ao vivo percebe-se perfeitamente tudo isto, sobretudo o seu poder físico, que o coloca claramente acima dos defesas), vi poucos. Posso estar a exagerar, mas, se há uns dias disse que ele e o Witsel, daqui a poucos anos, estariam nas melhores equipas da Europa, hoje digo que o Rodrigo, aos 27 anos, se não houver lesões e se não quiser dar um passo maior do que a perna – ou seja, se não quiser subir depressa demais para ganhar dinheiro e com isso ficar encostado metade do tempo numa equipa acima das suas capacidades – vai estar entre os cinco melhores avançados da Europa. E, na próxima época, será já o jogador mais importante na equipa do Benfica.



Já em casa, ouvi o Grande J dizer na conferência de imprensa que o Benfica tinha «um estádio a três dimensões» e, depois disto, só se pode ir para a cama com um sorriso nos lábios.

7 comentários:

  1. E eu a pensar que o Estádio da Luz era a 5 dimensões. Ora porra! :-))

    ResponderEliminar
  2. E o Aimar continua a ser "apenas" um bom médio ofensivo... Já agora, para POrtuguês, vou dissertar sobre o teu post que tratava a relação entre o futebol e a política. Espero que nao te importes ; )

    ResponderEliminar
  3. Hugo,

    Se olhasses só para o ataque, como bem dizes, a forma como a equipa jogou ontem foi bem satisfatória. O Nacional, tal como antes o Leiria do mesmo Caixinha, não está para incomodar os grandes, mas mesmo assim houve futebol bem bonito na Luz. Se jogarmos assim o resto do mês, vamos andar com o tal sorriso nos lábios.

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. "bem satisfatória" ??!! Falhámos uns 8 golos feitos!! Se não tivéssemos ganho queria ver...

    ResponderEliminar
  5. "SE nao tivessemos ganho". :-)

    'As vezes tenho a impressao que alguns benfiquistas tem (pelo menos um bocadinho de) saudades do tempo em que la pelo Natal, Dia dos Namorados no maximo, diziam "Para o ano 'e que 'e!!"

    Eu sei, eu sei, deviam ter sido quinjajero.

    Faltam 12 jogos para sermos campeoes ESTE ANO.

    ResponderEliminar
  6. Foi um triunfo repousado, é verdade (caraças, de vez em quando também é preciso!) mas pouco significativo em termos de resposta à pressão. Dá para sorrir, para somar pontos (o fundamental, claro), mas pouco mais. Não podemos deixar de nos questionar se, num jogo a sério, aqueles três golos feitos, com o resultado em 1-0, não valeriam pontos - como já tantas vezes aconteceu.
    Pessoalmente, estou-me borrifando para a nota artísica. Valorizo mais a eficácia. E só não estou aqui a desancá-los por uma razão: porque, nos tais jogos a sério, o Benfica tem sido relativamente eficaz, e daí a grande quantidade de bons resultados sob pressão real alcançados esta época.
    O campeonato a sério volta dentro de uma semana - e é mesmo a sério, num jogo fora depois de outro jogo disputado a -10º na Rússia. Mais a sério do que isto é difícil.

    ResponderEliminar
  7. Miklos, disserta à vontade. Só não te esqueças de manter o espírito crítico, sobretudo num aspecto: apesar de assentar em conhecimento adquirido, obviamente, o que eu escrevo aqui não é científico, nem é académico, é meramente opinativo. Não obedece ao método científico. Até melhor opinião, são meros fait-divers.
    O meu conselho é que uses qualquer informação que tires daqui para basear pesquisas, não para basear opiniões, e que depois de pesquisares melhor, de cruzares informação e de te certificares, formes a opinião e a exponhas. Uma coisa é Net, outra coisa é escola. Só para te dar um exemplo, se baseares um trabalho universitário na própria Wikipédia arriscas-te a perder um ou dois valores, porque nem aí a informação é cem por cento credível e muitas vezes é inexacta.
    Abraço.

    ResponderEliminar