sexta-feira, 29 de março de 2013

Não é para meninos


Um dos principais méritos do Jesus no seu trabalho do Benfica, para não dizer mesmo o principal, foi ter trazido para o clube uma dimensão de realismo e pragmatismo que, por força dos sucessivos falhanços desportivos, este perdera. Quando se falha muito a tendência é para se duvidar de tudo o que se faz, o bom e o mau, e nesse processo perde-se não só a estrutura como a noção da realidade. É assim que aparecem, de repente, jogadores de terceira categoria a jogar com uma camisola de primeira e se fica a pensar que, por causa disso, o jogador também é de primeira. Centenas de jogadores de terceira categoria passaram pelo Benfica nos últimos anos.

O sinal mais evidente desse pragmatismo do Jesus – um tipo que tem a virtude de pensar pela própria cabeça, e, por vezes, o defeito de achar que só a cabeça dele é que pensa – é a dificuldade de entrar na equipa do Benfica.

Entre aqueles em quem ele apostou (por achar que lhe serviam o «sistema táctico») e falharam – o Bruno César, ou o defesa-esquerdo do ano passado de quem já nem lembro o nome, por exemplo – e aqueles que as pessoas lhe quiseram impingir por acharem que uma equipa de futebol do Benfica é um jogo de computador ou uma vitrina, já houve, nestes três anos, inúmeras ocasiões para esta equipa do Benfica se estampar ao comprido.

Se os editores dos jornais e a geração-Football Manager tivessem levado a sua avante, se o Jesus não soubesse mais de futebol do que eles todos juntos – notem que as minhas críticas em relação ao Jesus não têm e nunca terão nada a ver com o seu conhecimento acumulado e com a sua experiência como profissional de futebol, assim como não me provoca nenhuma comichão se ele sabe falar dinamarquês ou não, se enfia o dedo não sei onde ou se é bem ou mal educado seja com quem for – hoje, o Quim continuaria a ser guarda-redes do Benfica (porque é português, porque foi campeão, porque tem o cabelo aos caracóis…), o Roderick e o Nélson Oliveira seriam titulares (porque vieram dos juniores, porque são portugueses, jovens, porque o Benfica, vá-se lá saber porquê, tem de ser, para algumas pessoa, uma espécie de viveiro da Selecção, porque é politicamente correcto), o Carlos Martins também, o Miguel Rosa já estava no lugar do Gaitán, já havia um trinco qualquer a jogar à frente da defesa, em vez de um sérvio que custou 5 milhões de euros e de que ninguém ouvira falar, o Rodrigo já era titularíssimo, e por aí fora.

Ainda no final da época passada andava tudo a querer que o Benfica fosse buscar miúdos para meter logo a jogar, a defesa-esquerdo, a médio, a avançado, em todo o lado.

Eu reafirmo: a vitalidade desportiva e económica de um clube da dimensão do Benfica não pode depender de voluntarismos bacocos e de projecções de optimismo irrealista. O exemplo do Ola John é excelente. O Ola John tem, hoje, no Benfica, exactamente o lugar que devia ter, e que eu esperei que tivesse: é um mais, sem ser decisivo; acrescenta valor sem ter a influência que um miúdo de 19 anos não pode ter numa equipa que joga para ser campeã; e está a preparar-se para ser um jogador decisivo quando tiver 2/3 anos de experiência numa equipa deste nível. Numa equipa competitiva, um jogador como o Ola John não pode ser mais do que isto. Se for, é sinal de que a equipa tem estrutura de campeã. O mesmo se passa com o Rodrigo, o André Gomes, o André Almeida

O que é uma estrutura de campeã?

Uma estrutura de campeã é uma equipa chegar ao momento decisivo de um campeonato e, independentemente de o ganhar, ou independentemente da categoria individual destes jogadores, ter uma espinha dorsal composta por cinco jogadores que se encontram no topo de maturidade competitiva da sua carreira (Artur, Luisão, Garay, Lima e Cardozo) e mais dois que se encontram muito perto de aí chegar (Matic e Enzo Pérez).

Aí, no rau de maturidade, encontra-se uma das grandes diferenças desta equipa do Benfica em relação às anteriores, e que lhe permite ter subido um nível qualitativo apesar de continuar a ter um tipo de jogo altamente falível e pouco fiável e de, fisicamente, continuar a ser uma incerteza permanente.

Se a bitola elevada do Jesus tivesse sido influenciada pelo politicamente correcto de apostar num jogador porque é português, ou porque vende camisolas, ou porque dá entrevistas, ou porque está na moda, ou porque o pessoal que compra jornais está farto de ver as mesmas cara, esta espinha dorsal do Benfica não existiria. Provavelmente, destes, só jogariam o Luisão e o Cardozo, e é porque já fazem parte da mobília. Se os jornais e as redes sociais fizessem plantéis o Benfica hoje teria a jogar o Quim, o Roderick, o Sydney, o Nélson Oliveira (que nem no Corunha joga!) e uma série de outros cavalinhos de cortesia. E muito provavelmente estaria a disputar um lugar de acesso à Liga dos Campeões com o Braga e o Paços de Ferreira.

Ou alguém tem dúvidas de que se o Cardozo estivesse no Porto a marcar penáltis e o Jackson no Benfica o Porto já podia encomendar as faixas? Alguém é melhor a marcar penáltis, em qualquer lugar do mundo, neste momento, que o Cardozo? E isso não tem a ver com maturidade? Comparem como ele os marcava há dois anos e como os marca agora. Pois…

Acho que é uma boa lição a retirar. Eu, que também já vivi essas ilusões de fazer equipas no papel, já a retirei há uns anos, e esta é uma boa altura para os benfiquistas (e não só, note-se) perceberem que uma equipa campeã se faz, sobretudo, com qualidade e com experiência, e não com boas intenções e jogadores que são «projectos a longo prazo».
O «projecto» do Sporting, por exemplo, não vai dar em nada, porque a equipa vai perder. Daqui a três ou quatro anos vão chegar à conclusão a que o Duque e o Freitas já tinham chegado e voltar a fazer o que eles fizeram, porque perceberão que, de outra forma, não têm hipótese e transformam-se num Braga, que só joga para mostrar jogadores. Não é assim que funciona um clube grande. O «projecto» do Sporting não estava errado, nem falhou por ser errado. Falhou porque foi mal gerido. O que o Sporting tentou fazer é a única via, e foi o que o Benfica fez. Por isso é que tem uma dívida de 500 milhões de euros. Mas é a única via para um clube grande.
O Pinto da Costa, há dois anos, não andou a comprar ex-juniores para voltar a ganhar. Apostou financeiramente e apostou forte (comprou o Moutinho, manteve o Hulk a ganhar uma fortuna e outros jogadores que estavam an altura de sair, etc). Senão tinha perdido. E, se perder este ano (ou para o ano, em boa verdade), a sua única alternativa é voltar a endividar-se, porque com criancinhas não vai lá – e esse é que é o verdadeiro problema do Porto: a sua dificuldade em gerar receitas para além da Champions/transferências que lhe permitam controlar o endividamento, como o Benfica consegue controlar, apesar de ser muito superior, e como o Sporting não consegue.
Por isso digo, por exemplo, do Djuricic o mesmo que disse do Ola John há um ano: é muito bem vindo, vai ser um a mais, se correr tudo bem vai ser uma mais-valia desportiva e económica, vale a pena apostar – mas importante, importante é encontrar um defesa-central com experiência e categoria que possa entrar e pegar de estaca a substituir o Garay, um gajo internacional ou perto disso, com 24/25 anos; e um médio da mesma cepa, para jogar ao lado do Enzo Pérez ou para substituir o Matic (que vai sair, porque é o único jogador de topo europeu que o Benfica tem e vale muita massa). É com esses que se ganha campeonatos. Não é com meninos.

E se me começam a falar em dinheiro, como é costume, a resposta é fácil: ganhar um campeonato ou ir mais longe na Champions, por exemplo, vale muito mais dinheiro do que vender um jogador. Façam as contas a tudo o que isso gera, em bilheteira, marketing, valorização de jogadores, quotização, entrada de sócios, etc, etc, e digam-me lá se, mesmo abatendo os 5 milhões que custou, o Lima, em dois anos, não vai dar muito mais dinheiro a ganhar ao Benfica do que o Nélson Oliveira (como já se percebeu) alguma vez dará?

Não é tanto o barato que sai caro. O fácil é que sai caro.

terça-feira, 26 de março de 2013

Eu, Paulo Bento


Era assim que devia ser:

«- Paulo Bento, uma vitória importante aqui em Baku…

- Uma vitória fundamental, apesar de estarmos a falar de uma equipa que ficou em terceiro lugar no Campeonato da Europa. Todos os dias os jogadores têm de se lembrar que o que está feito não vale nada, porque, se não se lembrarem, é certo que alguém os recordará disso.

- Sente que é uma resposta às últimas críticas à equipa e a si pessoalmente?

- Sinto que todos os portugueses de segunda, como eu, estão, hoje, satisfeitos pelo resultado da sua Selecção. Quanto aos portugueses de primeira, também sabemos que a Selecção serve, sobretudo, para ser utilizada como arma de arremesso em proveito próprio. Para esses, hoje, o dia foi mau.

- Está a referir-se a Pinto da Costa?

- Estou a referir-me à aristocracia, de uma forma geral. Há uns tempos ouvi falar de uma rainha Isabel, e achei estranho, porque cresci a pensar que vivemos numa república, mas, de facto, olhando para a nossa realidade, e para as decisões que chegam de quem tem o poder político, e judicial, sou obrigado a concluir que há portugueses de primeira e portugueses de segunda. Há os que têm de viver dentro das regras, pagar impostos, fazer contas no fim do mês, e há os que se sentem à vontade para dizerem e fazerem o que querem.

- São palavras muito duras…

- O futebol é um meio muito duro. Quem não é profissional de futebol dos que avivem sentados à secretária sabe que tem de estar preparado para levar pancada, para sofrer, para jogar com dores. Se queremos viver do futebol temos de estar preparados para dar o corpo ao manifesto. Um jogador de futebol está sempre tocado, está sempre lesionado, acorda e adormece com dores. São os ossos do ofício. Quando jogamos futebol profissional aprendemos a ser duros, e continuamos a ser duros depois de terminar a carreira. Eu, como treinador, comecei nos juniores, e nunca tive 100 milhões de euros para fazer uma equipa. Mesmo assim, só não fui campeão porque, de há muitos anos a esta parte, o futebol joga-se dentro de campo mas os títulos decidem-se à mesa das marisqueiras. Lancei muitos jogadores, alguns deles estiveram aqui hoje, e conheço-os muito bem. O Nani, o Miguel Veloso, o João Moutinho, por exemplo. Sei a vontade que eles têm de ganhar, e de lutar pelo seu país. É esse profissionalismo que os torna tão valiosos para os clubes ricos do futebol europeu. Se eu fosse contra esse espírito de campeão estaria a ir contra aquilo que os torna especiais. E as pessoas que ganham dinheiro à conta do talento deles deviam agradecer-me por eu zelar pelos seus interesses.»

domingo, 24 de março de 2013

Morrer não morre, mas é quase a mesma coisa


Parece que o Carvalho vai ser o próximo presidente do Sporting. Pessoalmente, preferia que o Couceiro tivesse ganho as eleições. Com as toneladas de vaidade que ele já tem em cima sem nunca ter feito nada que o justificasse, a ideia de o ter como presidente, a sacudir a água do capote à primeira adversidade (como tem feito sempre), a minar aquilo tudo por dentro para não parecer o incompetente que é, atrai-me bastante. Mas, infelizmente, parece que não vai dar.

Chamaram a este Bruno Carvalho um Vale e Azevedo, mas duvido muito. O Vale e Azevedo era um verdadeiro artista, um megalómano, alguém que vivia numa realidade paralela e suficientemente louco para aldrabar meio Portugal com esse convencimento. Vale e Azevedo ficará para a história como um dos grandes burlões na história de Portugal, porque é um tipo alienado. Não me parece que este Bruno Carvalho, que ninguém sabe quem é ou o que fez a não ser aquilo que ele disse que é e fez, tenha essa grandeza de alienação.

Prefiro compará-lo ao Sousa Cintra porque aparece no Sporting na sequência do mesmo tipo de experiência democrática e porque, apesar de não ser tão estroina, vai acabar da mesma maneira que o Sousa Cintra se cometer o mesmo erro que ele.

O erro do Sousa Cintra foi ter cedido à tentação de tentar destruir o Benfica, quando se devia ter juntado a ele. O resultado foi que o Benfica o destruiu a ele, ao mesmo tempo que lançava o Sporting para o terceiro lugar do ranking de clubes em Portugal.

O Bruno de Carvalho terá a mesma tentação. Pinto da Costa irá tentar seduzi-lo, porque precisa do Sporting – sempre precisou do Sporting contra o Benfica, ou do Benfica contra o Sporting (como no tempo de João Rocha, em que se associou a Fernando Martins). A Juve Leo, que o elegeu, quererá que ele faça a figura do Bettencourt, que roube jogadores ao Benfica e os apresente no jantar da claque. A brigada do reumático, que continua a confundir rivalidade com estratégia e não percebe nada de nada a não ser de peneiras, vai picá-lo até conseguir virá-lo contra o Vieira.

O mais provável é que o Carvalho, no meio dos maus resultados que se adivinham, venha a sucumbir e a fazer a mesma figura que fez o Godinho Lopes. O mais provável é que o Sporting continue a consumir-se numa guerra contra o adversário errado, uma vez que o Bruno de Carvalho, que foi eleito pelo populismo, não deverá conseguir resistir a apelar ao populismo para manter a cabeça fora de água. Mais do que um ou dois anos de resultados miseráveis, esse foi o resultado do falhanço do Luís Duque: o falhanço da aliança ao Benfica.

O Sporting não consegue resistir ao complexo de inferioridade (ou de falsa superioridade) e à obsessão que tem em relação ao Benfica. O Porto até pode ir buscar o Rui Patrício, o Carrillo ou o Bruma no próximo Verão. Desde que use a marca de vaselina que tem usado, os sportinguistas continuarão a aceitar essa constante menorização de forma submissa, e a olhar para o Benfica com um rancor que, na verdade, não se justifica.

O erro fundamental dos sportinguistas é não perceberem que o seu rival é o Benfica, mas que o seu inimigo é o Porto. A relação com o Benfica, sendo de antagonismo, é saudável, e reforça o Sporting. A relação com o Porto é venenosa, e enfraquece o Sporting. Apesar de o Porto só lhes ter dado, desde sempre, razões para desconfiar, continuam a achar que é no Benfica que está o pecado. O mal que o Porto já fez ao Sporting é incomparável com as tristezas que o Benfica já lhe provocou. Mas a lagartagem não percebe isto. Pensa que é conversa da treta, de vendedor de banha da cobra. É difícil de explicar. Por isso e que é um complexo psicológico.

E também não percebem que o Benfica já resistiu ao pior da tempestade e que está cada vez mais forte, que vai começar a ganhar campeonatos, e que isso terá repercussões sérias.

 O verdadeiro problema estratégico do Sporting é ter parado no tempo e continuar a viver nos anos 70 – na era pré-Porto.

As notícias da morte do Sporting, aventadas pelos próprios candidatos, são amplamente exageradas. Nenhum clube com 3 milhões de adeptos acaba. Até pode mudar de nome, mas leva cem anos a morrer. A questão não é essa. A questão é demográfica.

O que tem mantido a nação sportinguista estável, em termos de números, é a proximidade competitiva em relação ao Benfica. O Sporting tem ganho muito pouco, mas o Benfica também, o que tem levado a que os dois clubes tenham competido directamente para o segundo lugar, atrás do Porto. Essa competição mantém a chama acesa na zona de Lisboa, e traduz-se numa renovação da rivalidade nas novas gerações. Para os novos sportinguistas, o Benfica ainda é do mesmo campeonato. Isso leva-se para a escola, para o trabalho, onde há benfiquistas, e assim o Sporting vai mantendo os números mais ou menos estáveis.

Mas, se Benfica e Porto voltarem ao registo dos anos 80, de dividir campeonatos enquanto o Sporting ficava a ver a banda passar, como parece que está a acontecer, o Sporting corre o risco de cair abruptamente no número de adeptos.

O país tem metade da população em Lisboa e Porto, e 80 por cento no litoral. O Porto é uma coutada, e não se consegue lá entrar. Na Grande Lisboa, no entanto, que é o ponto nevrálgico da economia e da sociedade portuguesa, o Benfica não tem conseguido ganhar adeptos ao Sporting, ao contrário do Porto, porque não tem ganho o suficiente. Mas, se começar a ganhar a sério, ganhará um grande ascendente também Lisboa, e aí sim, o Sporting, se não conseguir mais que ganhar dois ou três campeonatos nos próximos vinte anos, pode passar para um quinhão de apenas 10 ou 15 por cento entre os novos adeptos, o que seria fulminante a longo prazo, pois colocaria o Sporting num limbo – nem seria o clube grande que ainda é hoje, com ambições legítimas ao título de campeão, nem seria um clube pequeno. Em termos funcionais, perderia, definitivamente, a capacidade de competir, sobretudo com o Benfica, que está em dinâmica de crescimento, e o campeonato português ganharia uma forma parecida com o campeonato escocês – presumivelmente, com um ascendente acentuado do Benfica sobre o Porto, sem chegar à hegemonia.

A grande jogada de Bruno Carvalho seria perceber a corrente da História, e entender que, se fosse para sucumbir a uma aliança Porto-Sporting, o Benfica já teria sucumbido. Não sucumbiu. E está a recuperar a sua dimensão. O Benfica já deu a volta. Já bateu no fundo, e agora só pode subir. Isto é evidente para qualquer observador disposto a distanciar-se dos facciosismos.

A hora para o Sporting de livrar da doença que é Pinto da Costa (até hoje só perdeu com isso) e agarrar-se à bóia que vai a subir é agora. Se o fizesse, assegurava a sua sobrevivência como grande clube. Mas duvido muito que o vá fazer. A doença é muito profunda. É muito mais provável que volte a confundir rival com inimigo e que, como tem acontecido ao longo dos últimos 30 anos, essa confusão o encaminhe para a vulgaridade.

segunda-feira, 18 de março de 2013

100 milhões por uma bejeca?


Não teria havido campeonato para o Benfica sem uma vitória em Guimarães, mas o Porto continua a ser favorito. Agora 55, 45.

Para ser campeão, o Benfica terá de vencer os próximos cinco jogos no campeonato, com uma e provavelmente duas eliminatórias europeias pelo meio, e sendo que a segunda, a acontecer, deverá  ser contra Chelsea ou Tottenham nas meias-finais da Liga Europa, com a deslocação a casa do Marítimo no meio. O Newcastle saíu a pedido, é uma equipa à medida deste Benfica e do Jesus. Só uma boa equipa inglesa tem capacidade para ganhar a um Benfica motivado, e o Newcastle não é uma delas. Tem 20 por cento de hipóteses de eliminar o Benfica.

Esta equipa do Benfica dá-me úlceras e põe-me aos gritos. Já me falta o verbo para a qualificar, mas penso que o que acho em relação a ela está bem explícito noutros posts. Tem três ou quatro jogadores que conseguem passar um jogo, literalmente, sem pensarem naquilo que estão a fazer, e, como equipa, só funciona aos repelões, quer a atacar quer a defender. No entanto, pode alcançar a dobradinha. Inacreditável. Mas o futebol é isto, como diria o Gabriel Alves. Vale mais ter sorte do que ser bom.

Por outro lado, a eliminação europeia irá, de facto, beneficiar o Porto. Tal como no ano passado. Em condições normais, o jogo na Madeira era o último em que a Europa podia fazer pagar factura. Aconteceu. A questão é que a estrela parece tê-los abandonado.

A partir do jogo da Luz, correu tudo ao contrário para o Porto, que está a dar razões aos seus adeptos para, genuinamente, se assustarem. Tal como o Benfica, este ano mudou a ordem das voltas, começou bem e está a acabar mal. Inverte uma tendência de muitos anos de fazer épocas em crescendo. Não é uma grande ideia.

O clube que não falha está a um mau resultado, no campeonato, de pagar 100 milhões de euros por aquilo a que chamou de taça da cerveja. Basta mais um, seja contra quem for. Nesta altura, os 18 milhões pagos pelo lateral-direito não passam de uma loucura cara, a jogada de génio de trazer de volta Lucho já não parece tão genial – porque agora dava jeito ter um jogador que substituísse o Moutinho depois do Verão –, a golpada ao Sporting pelo Izmailov, que não jogou praticamente nada nos últimos dois encontos (decisivos), não parece tão boa, porque compraram um problema mental de 30 anos, e a contratação do Liedson, que continua a «recuperar a melhor condição» está tornar-se uma anedota.

Se, a isto, juntarmos o facto do «ciclo Villas-Boas», onde se enquadram estes negócios e os dois anos Vítor Pereira, ser, fundamentalmente, um período de forte investimento financeiro no momento para combater o advento de Jesus no Benfica, e de Jesus não só continuar no Benfica (contrariando o que era normal, que era o Benfica mudar de treinador quando as coisas começavam a correr mal só para depois ficar pior) como estar prestes a fazer a melhor época do clube desde 1983, o cenário pode tornar-se realmente complicado para Pinto da Costa.

Os insultos no aeroporto a uma equipa bicampeã dificilmente terão a mesma resposta que tiveram na última época de Jesualdo Ferreira. O Porto não tem hipóteses financeiras de voltar a cometer as loucuras que cometeu então, tem consumido uma parte substancial dos seus recursos na tentativa do «ganhar agora» (em Luchos, Liedsons, Izmailovs, Mankos), prescindindo da filosofia de investimento a médio prazo – porque Pinto da Costa sente que o Benfica está num momento de crescimento e que não pode parar de o pressionar – e o Benfica, em vez de vergar, está cada vez mais competitivo. Até já compra jogos ingleses e tudo.

A solução óbvia e única parece ser a de ir roubar Jesus ao Benfica. Um plano que já deve estar em curso.

Cá no fundo, tenho uma vontade secreta de que isso acontecesse. Se, por acaso, o Porto perdesse o campeonato, fosse buscar o Jesus, o Benfica encontrasse alguém tão bom ou melhor e voltasse a ganhar o campeonato, seria de tal forma desastroso para o Porto que o processo de enfraquecimento, que se prevê lento, seria acelerado vários anos.

Um campeonato ganha-se sempre. Mas a oportunidade de assistir a uma coisa destas justifica correr riscos. Ainda para mais, ao contrário do que é a opinião comum, acho que esta equipa cresceria imenso, em termos de qualidade, se passasse a ser treinada, por exemplo, por um Fernando Santos. E também gostava imenso de ver o homem que não é de se meter en«m estruturas a tentar encaixar-se na «estrutura» que funciona tão bem que até os adjuntos são os melhores do mundo. Sobretudo, gostava de ver isso a acontecer se a Rainha Isabel fosse obrigada a aparecer nos treinos de segunda-feira muitas vezes.

Mas, voltando à Terra, é mais provável que o Porto chegue à jornada 29 sem voltar a perder pontos do que o Benfica ganhar os próximos cinco jogos.

No entanto, esse é o desafio. Se o conseguir, será campeão.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Foi à Benfica


O Luisão ficou chateado com o pessoal no fim do jogo com o Bordéus, e até lhe fica bem – acho de uma falta de personalidade enorme, por exemplo, ver as figuras do Rui Patrício, com cara de choro, a chamar os colegas para o centro do relvado para agradecer (ou pedir desculpa?) aos adeptos enquanto estes lhes chamam de chulos para cima.

Fica-lhe bem, desde que, depois, tenha a humildade de perceber porque é que foi assobiado.

É que, com a treta de que «futebol é resultado», que vai fazendo escola, os profissionais de futebol convencem-se mesmo disso, e perdem a perspectiva certa.

A reacção dos adeptos durante o jogo é o melhor barómetro da qualidade de uma equipa. Quer no entusiasmo que gera, quer na frustração, é nessas reacções que mais nos aproximamos da verdade. Naquele momento, é todo o instinto e a compreensão subconsciente do futebol, pelo adepto, que vem cá para fora. Em relação ao jogo em si, as pessoas começam a complicar quando começam a pensar, porque aí já começam a tentar encontrar justificações e álibis para defender as suas paixões. Depois do jogo acabar, com um resultado positivo, o adepto tenta desculpar os jogadores, não por causa dos jogadores mas porque, ao fazê-lo, está a tentar justificar-se a si próprio. Afinal, se aquela equipa não joga nada, que boa razão haveria para ele lhe pertencer? Não, isso não pode ser. Ele não seria assim tão irracional. A única explicação é de que, afinal, ele é que não estava a ver bem. O adepto prefere remeter a sua irracionalidade (que ele sabe que existe) para as reacções que tem durante o jogo, porque o jogo acaba, e com ele, supostamente, acabaria a irracionalidade. A alternativa seria aceitar que se é irracional nos intervalos entre os jogos...

Só que a irracionalidade, realmente, começa quando o jogo acaba. Antes disso só há naturalidade, e o que é natural, e genuíno, só muito raramente não é verdadeiro. Irracional, irracional, é negar as evidências.

Apesar das 1500 vitórias do Jesus, dos 3000 golos, do melhor Benfica da última geração, que aparecem todos os dias nos jornais para que alguém os compre, as pessoas que vão ao futebol, que já vêem futebol há muito tempo e que sabem muito mais de futebol do que aquilo que julgam, sabem ver quando uma equipa está a jogar aquém daquilo que pode, sabem ver quando um jogador está cansado ou é preguiçoso, sabem ver quando um jogador está cansado porque andou muito tempo a dar mais do que podia ou quando está cansado porque é preguiçoso e não trabalhou o que devia para se cansar menos.

Ao contrário do que se pensa e do que se diz, as pessoas não são estúpidas. Podem não saber dizer o que pensam, podem não ter argumentos para defender um ponto de vista, podem não se saber explicar ou explicar porque pensam como pensam, mas percebem muito rapidamente as coisas essenciais. Ser básico não é ser estúpido. Nós percebemo-nos todos muito bem uns aos outros, mesmo sendo quase todos bastante básicos.

As pessoas percebem perfeitamente que o nível de exigência desta equipa do Benfica, e sobre ela, é baixo. Porque se tomam as opções mais fáceis. Porque se desresponsabiliza quando se devia responsabilizar e só se responsabiliza na hora de sacudir a água do capote.

Não é tudo evidente, valha-nos isso. São as pequenas coisas, os gestos habituais. Os jogadores, os treinadores e os dirigentes, que são pessoal muito esperto, muito vivaço, sobretudo adaptam-se. Percebem qual é o ponto mínimo de esforço que têm de atingir para serem desculpados em caso da coisa correr mal e trabalham para atingir esse ponto. Se a coisa corre bem, óptimo. Se corre mal, paciência, «porque nós trabalhamos todos os dias para atingir o sucesso.» É apenas humano. Por mais que se goste do trabalho que se tem, ninguém gosta de ter de trabalhar para viver. Eles fazem o que toda a gente faz. Não é crime.

Mas é o grau de exigência que determina o grau do sucesso.

Em termos de resultados, o Benfica, hoje em dia, é um clube vulgar. Ao todo, ganhou três ou quatro títulos em dez anos, e só um ou dois de verdadeira importância. É um clube vulgar, em resultados, porque se exige pouco. Exige-se que se ganhe jogos em vez de se exigir que se ganhe campeonatos. Exige-se que se corra muito em vez de se exigir que se seja inteligente, que é muito mais importante. Exige-se que se comece bem a época em vez de se exigir que se acabe bem a época – e é por isso que cada época do Benfica tem duas épocas diferentes, a de antes do Ano Novo e a de depois do Ano Novo.

Nada disto é dramático porque tudo isto é um processo. Há dez anos era muito pior. Hoje já se exige mais. E a única forma de impedir que o clube seja colonizado por jogadores, treinadores ou dirigentes medíocres é exigir que eles vão além do que pensam que têm para dar. Para forçar os medícores a sair e fazer a selecção natural dos bons, entenda-se.

Um jogador medíocre é o que, no fim do jogo que ganha, se chateia com o público que o assobia, vai para casa e, no treino seguinte, continua convencido de que tem razão. O bom profissional é o que vai para casa, percebe que tem mais qualquer coisa para dar e, no treino seguinte, vai à procura dessa margem.

Acho bem que o Luisão e a equipa façam birra. Birra significa personalidade. É como com as crianças, e somos todos crianças a olhar para uma bola. Mas a resposta que interessa é a que se dá a seguir, e não é nos jornais, porque nos jornais só há conversa.

Que os adeptos assobiem a equipa quando ela perde e joga mal é inevitável. Que assobiem quando ela ganha e joga mal é muito saudável. É um sinal de evolução.

E qualquer jogador, treinador ou dirigente que ache que um clube vencedor se faz a meio-gás, a gerir apenas expectativas baixas, que não goste que lhe exijam mais do que ele se exige a si próprio, não tem carácter para estar num clube de ADN como o do Benfica.

Como eu já disse no último post, no Benfica, e ao contrário do que a maior parte das pessoas foi instruída para pensar, não se valoriza quem ganha, valoriza-se quem se entrega completamente enquanto tenta ganhar. Os resultados são, e foram sempre, apenas uma consequência natural.

Para mim, o final do jogo com o Bordéus foi o primeiro momento realmente à Benfica nesta temporada.