domingo, 29 de abril de 2012

Carta aberta a Jorge Jesus

Caro Jorge,



O teu comboio está na estação e o teu tempo acabou.

Eu sei que estás indeciso, mas confia em mim: as coisas não vão correr como pensas.

Como és um optimista, e como és um vencedor, convenceste-te de que, como só não ganhaste o campeonato este ano por teres tido de jogar a Liga dos Campeões desde a pré-época, e como isso não vai acontecer para o ano, e como o Porto vai ficar sem o Hulk, é praticamente impossível não seres outra vez campeão com o Benfica na próxima época.

Isso até pode parecer tudo certo, e não te posso repreender por pensares assim, mas não é isso que vai acontecer.

O que vai acontecer é o seguinte: a equipa que pensas que vais ter para a próxima época não é a que vais encontrar em Julho. Não vais perder só o Gaitán. Da maneira que as coisas estão, ficas sem o Gaitán, o Cardozo e o Witsel. Mas isso nem é o pior. Para isso até já estás tu preparado, e até tens soluções à vista. Os jogadores não vão ser um problema, e aí acho que tens razão.

O problema é que vais perder os jogadores.

Quando chegares para a pré-época vais perceber que a tua ligação aos jogadores já não vai funcionar. Vai correr mal, porque eles não vão querer correr por ti. Vão estar cansados dos mesmos exercícios, das mesmas caras, das mesmas palavras, dos mesmos métodos, da mesma lenga-lenga e sobretudo vão estar cansados de já não terem nada de novo para aprender contigo. Não os podemos levar a mal. Tu sabes bem que, no futebol, o metabolismo é acelerado. Vivem-se quatro anos no espaço de dez meses. Como tu dizes, e bem, o futebol é o momento, e não há amanhã. Pois tu, no Benfica, já chegaste ao depois de amanhã.

No fundo, tu sabes que é assim.

Se fosses dirigente, não terias dúvidas em injectar sangue novo, por mais competente que fosse o teu treinador. E, como treinador, sabes perfeitamente que as coisas vão ser muito mais complicadas do que o teu optimismo te quer fazer crer.

Tu, que sabes muito de bola, sabes que o que iria acontecer se ficasses seria isto: começarias a época sem crédito, porque nem tu nem o presidente já conseguem iludir ninguém – nem os teus colegas treinadores, que já te toparam, e às tuas tácticas; aos primeiros maus resultados, os adeptos, que já estão fartos de ti, iriam contestar-te; irias perder os jogadores porque também eles já não acreditam que tu os podes guiar ao sucesso – o título já foi há muito tempo; para piorar tudo isto, lá no fundo, sabes que o Porto não vai propriamente entregar o campeonato – vai meter dois ou três jogadores novos, perde umas semanitas a integrá-los e a partir de Janeiro está outra vez fino, ao contrário da tua equipa, que, como todas as tuas equipas, no Inverno começa a pedalar para trás. E ainda te arriscas a ver o Sporting passar-te por cima da cabeça. Pensa no que aconteceu ao Paulo Bento e ao Jesualdo.

Vá lá, Jorge, admite, em Portugal três anos num clube é uma carreira, e tu já não vais para miúdo.

Tu sabes que deves aceder ao que o Vieira te pediu e aceitar o convite do Villarreal, ou do Sevilha, ou seja lá o que for. Levas um milhãozito, para não ficares a perder, é justo, vais à tua vida e prestas o teu último serviço ao Benfica, que é abrir o espaço para contratar o Paulo Bento antes de começar o Europeu.

Dito isto, quero dizer-te que fico bem contigo. Foste importante. Trouxeste uma mentalidade vencedora para a equipa e, mesmo não concordando com muitas coisas que fizeste, concordei com a maior parte. O que quer dizer que fizeste muito. Ajudaste a recolocar o Benfica num nível médio-alto depois de muitos anos na mediocridade real.

Só há uma coisa que tenho dificuldade em engolir: nunca abriste o peito na luta contra o Porto. Tiveste sempre a tua carreira à frente do clube. Não te posso recriminar, porque, no fundo, achas que ainda vais ser campeão europeu pelo Porto, mas fico ressentido com isso. Nunca te entregaste completamente ao Benfica. Sim, eu sei, a culpa é minha, mas mesmo assim não te perdoo isso, porque acho que, se fosse menos egoísta, tinhas tido mais sucesso.

Mas também tenho de te dizer, porque a honestidade me obriga, que já não tens mãos para este barco. Contigo já não vamos a mais lado nenhum, e nós, no Benfica, não nos damos bem com segundos lugares e com quartos-de-final.

O teu comboio vai partir, Jorge. Está na hora. Não o percas.

Um abraço.

Assinado: o gajo chato do blogue.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Dois pesos e duas medidas


Estou completamente de acordo com o Mourinho e com os comentários feitos aqui a propósito do jogo de ontem. Aliás, estou convencido de que se o clássico espanhol não tivesse sido no sábado a final seria mesmo Barcelona-Real Madrid, não diria que facilmente, sobretudo no caso do Real, mas naturalmente.

Mas são estas coisas que tornam o calendário um factor tão importante em cada época, e é por isto que é tão raro haver equipas – mesmo estas duas, que estão, na minha opinião, entre as dez melhores que já vi jogar (o Barcelona diria mesmo que a melhor) – a conseguirem ganhar campeonato e competição europeia no mesmo ano.

Geralmente, nas poucas vezes em que isso acontece, tem de haver quase que um domínio esmagador a nível interno para poder descansar a cabeça (mais do que as pernas) no campeonato. A mim não me espantou nada que o caso do Jacinto Paixão se desse num Porto-Beira-Mar, porque o que estava ali em causa realmente era o jogo a seguir, para a Liga dos Campeões. Era preciso levantar o pé naquele jogo para manter a cabeça fresca para o jogo de quarta-feira.

(A propósito disto, quando vi o Mourinho a escrever que «Pinto da Costa era o Porto» e que era o melhor presidente do mundo, não resisti a pensar como teria sido giro um jornalista catalão perguntar-lhe qualquer coisa deste género: «Então um presidente que corrompe árbitros em Portugal é o melhor do mundo e aqui você passa a vida a insinuar que o Barcelona só ganha porque tem os árbitros na mão? Mas nós somos o quê, para si? Sacos de merda?» Teria sido bonito. E fino, conhecendo o Mourinho…)

Voltando à vaca fria, o desfecho destas meias-finais da Liga dos Campeões só valoriza a época desportiva do Benfica, a única equipa em Portugal que conseguiu manter, durante praticamente toda a época (e tendo a sua época mais um mês que a época dos outros, note-se) a competição em aberto nas duas frentes.

É bom que todos tenhamos a cabeça fria para raciocinar desta forma, porque, gostando-se ou não do homem, estando-se ou não mais que fartos dele, é justo.

Hoje, à beira do correr do pano, e a propósito disto, recordo-me do que pensei quando saíu o calendário da época que está a acabar.

Gostei de ver o Benfica a jogar com o Porto, percebi que havia dois ou três ciclos complicados – um deles aquele que liquidou a equipa, no combo Guimarães-Coimbra-Porto+Liga dos Campeões (o que me levou, secretamente ou não tanto, a torcer pela eliminação na fase de grupos, sobretudo quando o Benfica ficou à cabeça do campeonato) –, de uma forma geral era um bom calendário, mas com dois problemas.

Um, menos importante, o de ir jogar a Alvalade a seis jornadas do fim. Menos importante porque o Benfica só perde em Alvalade porque perdeu a liderança na Luz, para o Porto. Com hipóteses reais de ser campeão o Benfica não perderia em Alvalade.

Outro, mais importante, o da ordem de jogos com o Porto.

Estou convicto de que se o Benfica tivesse recebido o Porto naquele primeiro terço do campeonato teria tido grandes hipóteses de vencer o jogo e o campeonato. O jogo das Antas tornou-se decisivo para o Benfica no sentido de não poder perder, e, não perdendo, manteve-se vivo no campeonato, mas ganhar ao Porto significaria ganhar o título, e a conjuntura ideal para jogar com o Porto teria sido recebendo-o e numa fase inicial da época, quando o Benfica estava com um ritmo superior (o que lhe permitiu empatar lá, por exemplo) e o Porto  numa previsível depressão pós-parto.

Foi o que eu pensei na altura e hoje não tenho razões para corrigir.

Por fim…

Uma equipa passa duas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, elimina o campeão inglês, elimina o campeão russo, é eliminado por um finalista da Liga dos Campeões nos quartos-de-final dessa competição, ganha a Taça da Liga eliminando o campeão nacional num confronto directo, é eliminada pelo quinto classificado do campeonato para a Taça de Portugal a jogar fora, acaba em segundo no campeonato e apura-se directamente para a fase de grupos da Liga dos Campeões, e tem uma espera de adeptos no estádio a chamar-lhe nomes.

Outra equipa acaba no quarto lugar do campeonato, e eliminada da Taça da Liga pelo Gil Vicente, joga a final da Taça de Portugal ao 16.º classificado do campeonato depois de ganhar as meias-finais, a duas mãos, ao oitavo classificado, elimina o segundo classificado do campeonato inglês, o terceiro classificado do campeonato ucraniano, é eliminada nas meias-finais da Liga Europa pelo sétimo classificado campeonato espanhol, e tem uma multidão á espera no aeroporto para agradecer.

Expliquem-me lá, por favor, como se eu fosse uma criança de seis anos, essa história de que «o futebol são os resultados».

Tretas.

O futebol são as expectativas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Pedretas

Ver uma equipa alemã de alto nível a jogar futebol, para mim, é quase uma ideologia.

Só encontro uma palavra suficientemente significativa e definidora: carácter.

Escrevo isto enquanto vejo o Real Madrid-Bayern, está 2-1 e não sei como vai acabar, mas é indiferente. Um dia, o Mourinho já não vai estar no Real, vai estar outro pior que ele, nem o Ronaldo, o Real vai ser qualquer coisa de titubeante, e nesse dia o Bayern, qualquer que seja o seu treinador e quaisquer que sejam os seus jogadores, continuará a ser, senão melhor, uma equipa superior em mentalidade, compostura, disciplina. Em carácter. Com alemães, ganeses, argentinos, peruanos ou brasileiros.

O Bayern sofre o primeiro golo a abrir num penálti inventado pelo Santiago Bernabéu e mantém-se firme. Sofre o segundo num repelão e aguenta-se. Continua na mesma. Não treme. Marca, evidentemente, como estava já claro que conseguiria marcar, e enquanto festeja, já metade dos jogadores faz questão de recordar à outra metade que ainda falta ganhar o jogo. A jogar fora, com a melhor equipa da Europa do momento, o Bayern toma conta do jogo. O Real, por estratégia ou não, faz figura de equipa menor. Provavelmente vai ganhar, porque tem melhores jogadores, funciona melhor como equipa e tem o factor casa (é, portanto, tecnicamente muito superior), mas esta equipa do Bayern faz jus à melhor tradição alemã e é uma garantia de que, como disse Lineker, o futebol continuará a ser um jogo simples, de onze contra onze, em que os alemães ganham no fim.

Porque é praticamente invulnerável aos estados de alma.



Não são os estados de alma que ganham os títulos. É raríssimo isso acontecer. A velha máxima de que o segredo para o sucesso é 90 por cento de transpiração e 10 por cento de inspiração é completamente certa, e os estados de alma só imperam quando, por uma grande coincidência, entram em competição duas ou mais equipas que transpiram igualmente muito.

Quando começo a ouvir falar em motivação, em superação, em benfiquismos, sportinguismos ou portismos, começo logo a pedalar para trás.

São tretas. Costumo dizer que são Pedretas.

Lembro-me sempre de uma história que me contou um amigo jornalista da velha guarda sobre o Joaquim Meirim, quando estava no Belenenses, e andava com essas patranhas da mentalização na cabeça, nos anos 70. Um dia o Belenenses estava em estágio num hotel e o Meirim meteu na cabeça que ia meter um jogador que não sabia nadar a nadar. Era um defesa brasileiro, de que não me lembro o nome. Levou o rapaz para a beira da piscina e começou a mentalizá-lo. E «está tudo na tua cabeça», e «tu és capaz», e «tu és o melhor nadador do mundo», e não sei que mais, e o jogador, a certo ponto, tanto se convenceu de que se quisesse sabia nadar que se atirou à piscina. Tiveram de ir tirá-lo à água para não morrer afogado.

É verdade que toda a gente pode começar a nadar bem de um momento para o outro, mas não é na primeira vez que se atira à água.



Desconfio sempre das equipas que melhoram com as chicotadas psicológicas. É porque são fracas da cabeça e, quando se acabar o estado de alma, não têm carácter lá dentro. As equipas verdadeiramente fortes melhoram contra as dificuldades, não quando as dificuldades são mitigadas. As verdadeiras equipas crescem perante as dificuldades.

Eu, como dirigente, até poderia recorrer à chicotada psicológica, mas se ela resultasse preocupar-me-ia, realmente, em trocar de jogadores o mais rápido possível.



Ouço e leio notícias sobre o Só Pinto, ouço-o a falar, vejo-o a orientar a equipa, e só vejo ali um caso psicológico.

Aparentemente, a equipa do Sporting, seis anos depois, continua a precisar (desesperadamente) apenas de… tranquilidade.

Os cirurgiões embevecem-se, os engenheiros coninhas encostam-se, as velhas glórias revêem-se, os pretorianos enchem o peito e cantam o hino, os jogadores voltam a sentir-se relevantes, e tudo está lindo e perfeito. Vão ganhar a Taça à Académica, talvez cheguem à final da Liga Europa, e depois vão de férias. E quando vierem de férias vão encontrar quem realmente têm: um psicólogo amador, só que então já sem ninguém para tratar. E se o psicolólogo não tiver mais tácticas para usar nos jogos a sério a não ser a do autocarro vão ganhar exactamente os mesmos campeonatos que ganharam com o último: zero. E o novo psicólogo, que até é capaz de ficar em segundo uma ou duas vezes, como o outro, sai pela mesma porta por onde entrou.



Dizem que o grande segredo do Mourinho é ser um grande psicólogo, que é conseguir entrar na cabeça dos jogadores. Não é, porque não é segredo nenhum. Toda a gente sabe. Só é segredo para quem só está preparado para compreender até aí.

O verdadeiro segredo do Mourinho é fazer as pessoas acreditar que os mind games são o seu trunfo. É levar os outro a pensar que é mágico, que tem um toque de Midas. Os jornalistas idolatram-no e os outros técnicos tentam imitá-lo. O segredo dele é enganar as pessoas com a verdade, quando diz que ganha mais porque trabalha mais. O verdadeiro segredo do Mourinho é que o factor menos importante do seu sucesso são os estados de alma. Ele ganha porque trabalha melhor que os outros.

Se o Mourinho dependesse de estados de alma hoje estava a treinar o Besiktas.

sábado, 21 de abril de 2012

Menos é mais

Tenho aqui uma buchazita para meter a propósito do Sporting, e do Sé Pinto, e dos treinadores, mas ainda não está acabada, e os jogos do Benfica são sempre um motivo para nos pormos a pensar sobre (lá está…) o Benfica, mesmo quando já metemos a chave à porta para acabar uma época e começamos a pensar na outra, como é o meu caso nas últimas semanas.



Algumas ideias soltas, mas que acho que são interessantes, a propósito do onze do Benfica.

Matic no lugar de García, por exemplo. Acho que estamos perante um caso típico de protecção de um jogador, que um bom treinador tem de saber fazer. Javi está claramente numa péssima forma. Em Alvalade fez, provavelmente, o pior jogo desde que está no Benfica, e quando isso acontece num jogo daqueles, com um animal competitivo como é Javí, é porque fisicamente o jogador está de rastos.

Mas duvido que Jesus tivesse feito isto em Dezembro ou em Janeiro. A filosofia do Jesus – e é por isso que os jogadores acabam por ficar tão queimados – é que a forma de eles superarem a fossa física é continuando a correr. Não é o único, nem é necessariamente errado. Há muitos treinadores, em muitas modalidades, que têm a mesma postura, e alguns com grande sucesso. É uma forma de trabalhar.

A questão é que, se se tem essa forma de trabalhar, a filosofia dos grandes plantéis não faz sentido. Se se quer apostar num núcleo curto (13 jogadores de campo + substitutos), que é o que o Jesus faz, na prática, tem de se gastar dinheiro a melhorar esse núcleo, e não a reforçar o fim do banco.

Eu não tenho nada contra o Jesus apostar numa equipa curta – para dizer a verdade, até me parece a melhor filosofia, embora sempre numa perspectiva de uma época/um título, que é a realista, e não na de «queremos ganhar tudo ou ir o mais longe possível», que é óptima para não se ganhar nada – mas se assim é os 13 jogadores nucleares têm de ter estofo físico e mental para aguentar as covas físicas num nível médio-alto, não podem ir ao fundo. Não é com Cardozos nem com Aimares que se lá vai. Tem de haver uma estrutura física e mental sólida.

E esses jogadores são mais caros. Porque são melhores. Como tal, na lógica do Jesus, o dinheiro gasto em contratações e salários de jogadores de terceira linha do plantel deveria ser gasto em menos jogadores e melhores  jogadores.

O onze inicial do Benfica na cabeça do Jesus, no início deste ano, deveria ser o seguinte: Artur, Maxi, Luisão, Garay, Emerson (porque não veio o defesa-esquerdo que ele queria, note-se), Javi, Witsel, Aimar, Enzo Pérez, Gaitán e Cardozo. Só aqui temos três ou quatro jogadores capazes de fazerem mais de um lugar (Javi, Witsel, Gaitán, Maxi…).

Este núcleo deveria ser complementado (novamente, no início da época), por Rúben Amorim, Matic, Saviola e Rodrigo, todos eles polivalentes e, portanto, capazes de fazer mais do que um lugar no caso de entrarem, que é exactamente o que se espera numa equipa de 14.

Além destes, o Benfica teve Nolito, Bruno César, Nélson Oliveira, Capdevilla, Jardel, Miguel Vítor, mais tarde Yannick, André Almeida, e acho que ainda me estou a esquecer de alguém. O caso específico de Enzo Pérez abriu o lugar para um mas todos os outros são jogadores com um custo muito acima da sua utilidade real.

(que não pode acontecer quando se trata de um jogador nuclear, pois coloca em causa o trabalho de uma época – e antes de me dizerem que «os jogadores são como os melões» eu digo já que dessa não como, porque vi um jogo completo do senhor Enzo e o que ali está é uma prima dona, pelo que das duas uma: ou não se contratam prima donas ou, se se contratam, tem de estar preparado para as tratar como prima donas a partir do momento em põe em pé em Lisboa)

Falemos só dos que vieram a custo zero (que não é zero nenhum, claro): Nolito, Capdevilla e Emerson, todos juntos, valem um jogador (que até pode ser também a custo zero) três vezes melhor que qualquer um deles, que entra directamente para o onze inicial e fortalece o núcleo de 14 que vai, de facto, decidir a época.

Quando começamos a ver nomes a surgir nos jornais para a próxima época é importante pensarmos nisto, porque toda a gente gosta de ver jogadores novos, e de preferência um todas as semanas, para matar o aborrecimento, mas no que 80 por cento desses jogadores se tornam depois é em parasitas.

O Benfica, já contando com os dois que vão sair, precisa de quatro titulares para a próxima época, e nem mais um. Os outros sete são para treinar e para jogar com o Freamunde, e para isso qualquer David Simão chega. Com um bocadinho de sorte até há um deles que dá jogador a sério e toda a gente parece mais inteligente. Todos os que não vierem nesta política, com o Jesus a treinador, são mais um desperdício de recursos e um erro de gestão.

Estou só a avisar com antecedência para, daqui a uns meses, poder falar com autoridade.



No processo de auto-crítica que tenho feito nos últimos tempos em relação à minha análise e às minhas previsões, já encontrei algumas em que atirei completamente ao lado, mas houve uma que se confirmou plenamente, mesmo que eu, bem à benfiquista, tenha tentado negar e olhar para o lado, mesmo contra todas as minhas convicções, e até à última hora: em Dezembro disse que o Benfica não seria campeão com Nélson Oliveiras, possíveis jogadores ainda de fraldas, a fazerem figura de Saviolas, que com a idade deles já estava entre os cinco melhores do mundo, e que para ter hipóteses o Jesus teria de recuperar o Saviola para a segunda metade da época. É um caso de classe pura. Se havia jogadores que mereciam grande investimento técnico, no Benfica. Mas no Benfica os jogadores são baratos.

 Tinha toda a razão.

Agora é tarde.



Ao ver o Nolito marcar dois golos de primeira, como marcou vários esta época, e a passar bola de cabeça levantada, a dar golos e a abrir jogo, fico com a certeza de que é um jogador de toque e de posição, na melhor escola do Barcelona, e não um jogador de drible e progressão com bola. Apesar de ter a tendência para se agarrar muito à bola, e de gostar demasiado de a ter nos pés, Nolito, que dá a imagem do individualista acabado, tem, de facto, um jogador de equipa dentro de si. E não é o único. Rodrigo também, por exemplo. A mais-valia destes jogadores está em tocarem bem e poucas vezes na bola, e não muitas. A produção de Rodrigo, por exemplo, caíu muito a partir do momento em que deixou de jogar a 9 para começar a transportar a bola.

Gaitán seria muito melhor se tivesse menos bola e usasse melhor a bola. Aimar também. Witsel, que fisicamente é um portento e é o único jogador do meio-campo do Benfica capaz de chegar ao campo todo, ainda mais. Bruno César também.

Na ânsia de criar um estilo de ataque imprevisível, Jesus alimentou um estilo imprevisível, sim, mas individualista e desgarrado.

E já não o vai mudar.

Nem deve, nesta altura do campeonato. Neste ponto, com mais uma época de projecto, é viver pela espada ou morrer pela espada. Mudar de arma já não serviria para nada.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O síndrome de David e Golias

Estamos a cerca de 15 dias daquela altura do ano que os benfiquistas e sportinguistas só se lembram que existe na semana anterior: a altura em que a festa do campeonato entra pelas casas dos portugueses. Houve alturas em que as televisões tratavam esse acontecimento como o fenómeno regional que é, mas, entretanto, quer pelo trabalho de sapa propagandístico do Porto quer pelo crescente paradigma do politicamente correcto a que a comunicação social tem aderido, a coisa tem sido tratada como um evento  mais ou menos nacional.

O que quer dizer que está a chegar a altura do ano em que os benfiquistas, sobretudo, começam a ter a tendência para fazer disparates. Como é um povo muito dado às coisas básicas, não lhe dói assim tanto perder até ver, com os próprios olhos, o que perdeu. Também tem a ver com a falta de familiaridade com as vitórias. Só damos realmente falta do que estamos habituados a ter.

A mini-espera que fizeram à equipa, completamente idiota, é um indício. Com o benfiquista nem sequer se trata de tentar não ver só a árvore para conseguir ver a floresta: o benfiquista é tão apaixonado que sente que leva com a árvore no focinho. Qual floresta…

Talvez seja o momento ideal, então, para deixar uma breve mensagem aos benfiquistas, contra a poluição: não se deixem impressionar, nem se deixem enganar.

Não se deixem impressionar porque não é a festa nem o foguetório que interessa. O Porto ganhou um campeonato, é verdade, mas ganhou um campeonato não só que devia ter ganho, dada a época passada, como que foi o Benfica a perder. Em termos de expectativas o Benfica não só fez uma boa época como fez uma época superior ao Porto. O Porto esteve abaixo das expectativas, o Benfica esteve acima das expectativas. É claro que as expectativas eram bem diferentes, mas já aprendi que, no longo prazo, mais importante do que o que fazemos é o que fazemos em relação ao que se espera de nós. (É a mesma lógica que leva a que se diga que os bancos portugueses estão a atravessar uma fase difícil quando continuam a ter lucros de centenas de milhões de euros. Quando se espera ganhar 100 e se ganha 50, na verdade está-se a perder 50, porque a contas não são feitas para acabar aqui e agora mas para se fazerem num processo contínuo)

Digamos apenas assim, para tornar as coisas mais claras: se Porto e Benfica tiverem, na próxima época, o mesmo comportamento perante as expectativas iniciais que tiveram este ano, o Benfica é campeão de caras.

Esta é a verdade racional.

Em relação ao foguetório, vai ser o do costume. O que acaba por fazer mais mossa, na prática, e o dos Ruis Santos cá do relambório. Vamos ouvir falar em «hegemonia», em «sucesso», em «fracasso», em «hegemonia», nos «que trabalham e nos que trabalham mal e não aprendem», vamos ouvir muitas parvoíces.

O que é preciso é compreender o seguinte: se a época do Benfica (ou do Sporting, ou do Porto) não for um fracasso, e não apenas um falhanço, se não for extremamente importante, os Ruis Santos cá do relambório, que vivem (e bem) à conta disso, não são minimamente importantes.

Que tipo de vida teria esta gente se uma derrota perfeitamente normal do Benfica (que é o que é, afinal) fosse encarada como uma coisa perfeitamente normal? Uma vida perfeitamente banal.

É preciso não ignorar que esta gente é a gente que faz a análise a partir do resultado final. Em teoria, deveriam ser capazes de compreender o jogo de uma forma continuada, integrada, de saber separar o desempenho do resultado (que nem sempre são convergentes), mas não são. Os Ruis Santos cá do relambório são o tipo de gente que tem uma crónica escrita aos 89 minutos de jogo e, se a bola bate na cabeça de um tipo e entrar na baliza, mudam mais de metade e, sobretudo, o teor da crónica. O que eles dizem vale tão pouco quando se ganha como quando se perde: mesmo muito pouco.

Para os benfiquistas é altura de fecharem os olhinhos, abrirem a boca, engolirem o sapo, fazerem de conta que é lagosta e dizerem: «Muito obrigado.» (Desde que não se esqueçam que estão a engolir um sapo, senão não vão a lado nenhum.)

 O que se vai dizer e o que se vai fazer não muda em absolutamente nada nem a verdade dos factos nem o que é preciso fazer para melhorar. É nesta altura que o Benfica, nos últimos 30 anos, tem perdido a maior parte dos campeonatos – não os da festa mas os do ano seguinte.



Que não se deixem enganar porque os verdadeiros objectivos do Benfica, para o próximo ano, não vão ser «tentar ganhar tudo», nem «melhorar», nem «continuar o projecto», nem sequer «ser campeão».

O único objectivo real do Benfica para a próxima temporada é ficar a frente do Porto no campeonato.

Isto faz pele de galinha à maior parte dos benfiquistas. É um sapo ainda mais difícil de engolir que o outro. Cheira, parece e sabe a sportinguização. Não só a submissão como a conformação. Dá a ideia de que o Benfica é inferior ao Porto, e daí a passar à ideia de que se está a pensar à pequeno é um pulinho.

Os dirigentes do Benfica não têm a coragem (nem a inteligência, na minha opinião) para dizer isto. Têm medo de ficar para a história do clube como medíocres, como uns cocós, digamos assim.

É um erro. Porque é uma ilusão, e sai cara.

Já aqui escrevi isto há uns meses, salvo erro mesmo antes do jogo nas Antas.

O Benfica devia assumir, oficialmente mesmo, o statu quo. O quem é quem. A clarificação e o pragmatismo beneficiariam em muito o Benfica. Na verdade, mudariam todo o contexto.

É só por esta posição inferior em relação ao Porto nunca ter assumida, contra toda a lógica, que o Porto continua a tirar proveito da estratégia de superação, chamemos-lhe assim. Também lhe podemos chamar de estratégia de vitimização, mas eu prefiro chamar-lhe de síndrome de David e Golias.

O síndrome de David e Golias funciona bem em Portugal porque, culturalmente, não tivemos outra opção, historicamente, senão acomodarmo-nos a ela. Portugal nunca pode deixar de ser um David, e mesmo quando foi Império continuou a ser David. A lógica do «vamos lutar conta tudo e contra todos e acabaremos por vencer» que continuamos a ouvir, todas as semanas, como um mantra, é a nossa zona de conforto nacional, e isso explica-se pelas condições históricas. A grande treta psicológica do futebol português baseia-se nisso, no país dos pobrezinhos, nos «sem-abrigo que vão tentar fazer vida de rico por um dia», como relambeu o presidente do Gil, num assomo de sincretismo, há uns dias.

Nestes 30 anos o Pinto da Costa teve o cuidado de manter sempre o Porto na posição de David. É a única razão para ser idolatrado como estratega. Os analistas não sabem mais. Vêem um tipo a meter-se na posição de desgraçadinho e clamam: «Génio! Está a jogar com a psicologia invertida. Vai ser contra tudo e contra todos.» Não é génio nenhum, é apenas um zarolho em terra de cegos. Cá no burgo, a psicologia invertida tornou-se na idiossincrasia, na psicologia normal.

É claro que, sendo terra de cegos, a psicologia da treta funciona, e esse é que é o ponto mais prático.

Ao não assumir a sua inferioridade m relação ao Porto, por orgulho (o que não deixa de ser reconfortante, note-se), mas também por falta de inteligência táctica, o Benfica continua a permitir que o Porto mantenha a posição de David, mesmo perante a realidade bizarra do David, em Portugal, ser a equipa que ganha tudo. É por causa desse erro táctico, e dessa inversão da lógica, que andamos à volta com isto dos árbitros, por exemplo. É só por o Benfica não assumir o seu estatuto secundário, na prática, no futebol português, que não se faz a pergunta mais básica, estúpida e elementar em relação às arbitragens e que é a seguinte: «Se os árbitros são tão importantes para os resultados como vocês dizem, e tão corruptíveis, o facto de vocês ganharem 20 campeonatos em 30 não quer dizer, inevitavelmente, que os corruptores e os beneficiados são vocês?»

Numa lógica de corrupção institucionalizada o sucesso continuado do Porto é a única prova necessária do crime, e isso é evidente para qualquer totó com um dedo de cérebro, desde que se disponha a usar esse dedo de cérebro – o que não acontece quando se prefere rejeitar a lógica e as evidências.

Ao negar a realidade o Benfica está a permitir a perpetuação da condição básica do sucesso do Porto. Está a permitir-lhe colocar-se na situação de David, que não tem nada a perder e só pode ganhar, quando, como é óbvio, o único clube com alguma coisa a perder, o único clube que ganha, o verdadeiro Golias, é o Porto.

O grande truque de ilusionismo de Pinto da Costa, em 30 anos, é ter conseguido pôr toda a gente a acreditar que o Porto é o David quando é o Golias. Aí sim, tem sido mestre.

Quando a premissa básica do sucesso do Porto for invertida – quando o síndrome de David e Golias lhe for retirado – e quando essa ideia passar para a opinião pública, através de um trabalho inteligente de comunicação, a dinâmica de vitória do Porto esboroa-se em três tempos.

Mas, para isso, tem mesmo de se ser inteligente. E isso passa por dizer: «O Porto é o melhor, e o nosso objectivo é ser melhor que eles, só isso.»

Apenas com isso a pressão sobre os jogadores, a «estrutura» e os próprios adeptos do Porto aumentaria brutalmente. É algo com que eles não estão preparados para lidar de forma sistemática e continuada. É essa a mecânica do desafio e a resposta. Um dia a força do desafio torna-se maior que a resistência da resposta, o sitiado cede, e começa a sua decadência.

Mas para isso tem de haver o desafio. Não vai lá com cobardias, nem com paneleirices. Não chega fingir que não se quer e ir pela calada, escondendo a mão. Os reis não se matam às escondidas, senão não chegam a morrer. É preciso ter honra, audácia e grandeza. É preciso ir para o meio da rua e gritar lá para cima, de maneira a que toda a gente ouça: «O que tu tens é meu!»

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Complexo de Odivelas

Ao fim de dois dias, o ínclito sacerdote desce do eremitério e olha em redor. Recorda-se do profeta Gabriel (Alves) e conclui: «O futebol é isto»:



Parece que vai o Nico, e que vêm o Macheda e o Fábio. O Nico é bem ido e o Fábio é bem vindo: tanto joga a defesa direito como a esquerdo (pelo que se ganha mais um suplente sem se pagar por isso), é jogador de futebol (o que lhe dá uma vantagem automática sobre o Emerson, mesmo vindo por empréstimo) e, sobretudo, é mau como as cobras. Só não morde quando não pode. Faz-me lembrar aquelas serpentes pequeninas mas lixadas, do género do que se ouve no National Geographic: «A aparência da Cobra Minorca engana. Parece inofensiva mas apenas uma dose do seu veneno é capaz de cilindrar um cavalo de pequeno porte em menos de 20 segundos.» O Benfica precisa de mais dois ou três cabrõezinhos, e isto apenas se o Javi se for embora. Para cavalinhos de cortesa já há lá muitos. Quanto ao Macheda, desconfio, como desconfio sempre de jogadores que saem a título definitivo de um grande europeu com 20 anos. É porque esses clubes já perceberam que não há ali grande espiga. Mas, por outro lado, é italiano, em princípio tem boa ética profissional (o Balottelli não conta, porque não é italiano a sério…), e é agressivo. Teoricamente.



«O Jesus é um treinador à Benfica», diz o Capristano. Por acaso até é, esteja ou não em fim de prazo de validade. Mas há uma coisa que os mais novos, sobretudo, devem saber: o Capristano não é um dirigente à Benfica.



O Sporting ficou a dois minutos de ser eliminado pelo Manchester City depois de estar a ganhar por 3-0 na eliminatória, ficou a um penálti de ir a prolongamento contra uma equipa que corre menos do que o Athletic de Bilbao e só joga metade e viu o seu guarda-redes ser o melhor jogador em campo nessas quatro partidas. Entretanto, estacionou o autocarro em frente à baliza e jogou em contra-ataque puro, em casa, com o Benfica (o tal banho táctico de que ouvi falar tanto nesta semana, muito parecido ao banho táctico que o Moreirense deu ao Sporting no mesmo estádio há umas semanas e que na altura foi caracterizado como anti-jogo…). Ganhou. O Sá Pinto é um grande treinador. O Sporting, que provavelmente vai acabar o campeonato em quarto lugar, vai ser campeão para o ano.

Se fosse no Benfica eu falava em vício da negação. No Sporting prefiro usar o termo complexo de Odivelas, que não tem nada a ver com isto mas que li no Record hoje e me pareceu, em termos de caracterização de uma psicose qualquer, um excelente nome para aplicar ao Sporting. Proponho que, a partir de hoje, se use a expressão complexo de Odivelas quando se falar da capacidade de negação sportinguista. E se alguém perguntar porquê, que se responda apenas: «Porque soa bem». Um bocado somo síndroma de Estocolmo ou doença holandesa, se falarmos em economia. Digam lá se não soa bem: «O Sporting tem um complexo de Odivelas».



O Saviola quer ficar, diz o Record. «Onde?», pergunto eu. «Ele está a ligar de onde?»



O Sporting decretou um blackout. Nãããããããooo!!!!!!!!!!!!!



Antes, no entanto, o Coninhas ainda esclareceu que vão baixar os custos ao fundir duas empresas do grupo. É recorrente. Quando o Sporting não tem dinheiro muda o nome às empresas. Das duas uma: ou o problema do Sporting não é não ter dinheiro mas tê-lo sempre no sítio errado; ou os seus dirigentes já perceberam que a única maneira de continuar a enganar os adeptos é inventar alterações estruturais entre empresas fictícias e fazer de conta que o dinheiro existe, mas estava no sítio errado.



Já repararam como o Duque, que andou seis meses sem dar sinal de vida, agora aparece nas capas dos jornais (chamo a atenção ara o facto de eu, actualmente, só ler as capas)? Quem é que tinha razão sobre as duas facções em choque lá dentro, quem era? Bom, provavelmente eu e mais 5 milhões de pessoas…

O homem anda a juntar espingardas enquanto pode. É que na 5.ª feira a coisa pode correr muito mal…

sábado, 14 de abril de 2012

2012/13 alternativo

E se o presidente do Benfica pensasse assim:



- Jesus está esgotado. Já não vai conseguir acrescentar nada e, como tem um estilo de grande desgaste para os plantéis, o mais provável era voltar a gerir mal a equipa. Para quê, então, investir numa equipa liderada por alguém que a vai acabar por consumir, mais do que aproveitá-la, que continua a pensar que o elemento fundamental dessa equipa é ele próprio e que age de acordo com esse convencimento?

Jesus poderá ter um efeito nocivo para uma equipa potencialmente melhor, em todos os aspectos, do que a deste ano. Em vez de potenciar o rendimento dos jogadores, será um anti-corpo, pois toda a gente está em condições de evoluir menos ele – o elemento fundamental, recorde-se. Jesus pode mesmo fazer diminuir uma equipa que está numa etapa de crescimento, se não conseguir acompanhá-la – algo que, dada a sua aparente dificuldade em aprender ou em mudar de métodos, é o mais provável.

O problema do Benfica não é os jogadores, é o estilo. Com estes ou com outros jogadores, melhores, ou mesmo com estes jogadores, melhores, e outros, a equipa voltará a falhar porque o tipo de jogo (unidimensional) que o treinador criou e continua a alimentar é um tipo de jogo inapto para criar soluções, quer ofensivas quer defensivas, nos momentos das decisões. Torna-se irrelevante, neste caso, se os jogadores são melhores ou não, porque o uso que se lhes dá continuará a ser desapropriado. É como passar de uma espingarda para uma metralhadora num combate contra um tanque, quando o que é preciso é um único míssil anti-tanque – uma arma especializada, para a qual o treinador não tem maõzinhas.



- Gastar dinheiro, neste clima de desconfiança, e perante a actual conjectura, seria uma loucura. Vale mais prolongar as negociações televisivas, fazer um ano de transição económica, à espera de um mercado melhor, investir menos na equipa, guardar munições para outras batalhas, até porque é impossível que os adversários também se reforcem como gostariam, pelas mesmas razões. Se o Benfica arrisca e perde pode comprometer as suas finanças durante anos.



- O concorrente (o Porto) encontra-se numa fase de transição, de que a contratação de um novo treinador será o passo mais importante. O que faz com que esta seja a altura certa para jogar na antecipação, aproveitar a vantagem enquanto ela existe, e avançar para a contratação de um novo técnico, o melhor que esteja disponível. O mercado de treinadores com qualidade suficiente para treinar Benfica e Porto é limitado, e assegurar o melhor disponível é não só uma vantagem estratégica como um golpe nos planos do adversário. O segredo para se ser o melhor é ter os melhores, e os melhores treinadores são poucos. O Porto, neste momento, está agarrado a um pepino, mas rapidamente deixa de estar, a não ser que o benfica jogue na antecipação.



- A espinha dorsal da equipa já mostrou que chega para ficar em segundo mas não tem qualidade suficiente para ser melhor que a do Porto. Nesse caso, esta é a altura para, juntamente com a troca de treinador, deixar sair Aimar, vender Javi Garcia e Cardozo (e Gaitán, claro), manter Luisão e Maxi, remodelar o estilo de jogo – algo que não pode ser feito enquanto Aimar e Cardozo estiverem no plantel, por exemplo – e aproveitar a evolução dos outros jogadores, que terão tudo a ganhar se passarem a jogar num registo diferente, mais colectivo, mais inteligente, menos impetuoso, mais competitivo, e tentar subir de bitola, arriscando mais em vez de jogar na continuidade.
Com férias completas, com um estágio de pré-época inteiro para trabalhar, sem um inicio de época com pré-eliminatórias decisivas na Champions, que não deixam espaço para trabalhar a equipa mas quase apenas para preparar os jogos, com o adversário em reestruturação, perdendo Hulk, Álvaro Pereira, Rolando e mais que venham, esta é a altura certa para apostar na evolução, e não apenas de esperar que ela acabe por aparecer. O futebol é acção, não é expectativa, e tem de se provocar a mudança. Sem iniciativa, nada acontece.

O plebeu

Um breve interlúdio verde antes da próxima especulação benfiquista para 2012/13.



Algumas coisas que vão ficando claras.

Como escrevi aqui, duas facções dentro do Sporting: os políticos, liderados por Luís Duque; e os fundamentalistas, de quem o Guarda Pretoriano Cristóvão era o representante na Direcção.

Duque tentando criar condições para uma aliança com o Benfica, Cristóvão tentando conquistar o poder por dentro.

Cristóvão é (era) o homem do trabalho sujo, desde o início, no Sporting. A sua função não era só pintar girassóis nos corredores: era entrar nos meandros do futebol (que devia conhecer muito bem porque, como ex-PJ, tinha maneiras de conhecer) e voltar a meter o Sporting no jogo. Não há, nem no Sporting nem em clube algum à excepção do Porto, assim tanta gente disponível para chafurdar na lama. É por isso, aliás, que Pinto da Costa chego a Papa: por falta de vergonha. Nem toda a gente tem a capacidade de se rebaixar eticamente ao ponto de viver confortavelmente no meio da escumalha.

Essa era base da influência de Cristóvão junto do presidente – um coninhas, como já toda a gente percebeu – e era a partir daí que Cristóvão (um plebeu, note-se)esperava alcançar o poder dentro do Sporting e tornar-se o Pinto da Costa do clube (um sonho comum a tantos e tantos benfiquistas e sportinguistas). O controlo do submundo, libertando os viscondes sportinguistas desse ónus, dar-lhe-ia um poder funcional e a postura anti-benfiquista, que tinha vindo a trabalhar com afinco, dar-lhe-ia o poder demagógico para subir no barómetro do poder e, na altura certa, disputar a presidência do clube.

Confirma-se que, no Sporting, todos sentem ter direito ao poder, e que essa é a grande vulnerabilidade interna do clube.



A saída de Cristóvão – não se pode dizer irreversível porque, em política, os cadáveres só dormem – abre a porta à facção duquista e à respectiva estratégia.

Enfraquece brutalmente a posição estratégica do Sporting, não só por garantir que o clube não é inocente mas também pela imagem de amadorismo que passa.

O presidente, principalmente, sai muitíssimo enfraquecido, e Duque, que trocou Domingos por Sá Pinto, que vai ganhar a Taça, que chega às meias-finais da Liga Europa e que acaba o ano a tirar o campeonato ao Benfica (a mais importante das três façanhas para os sportinguistas), está em alta, quando ainda há poucas semanas parecia preso por arames.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

2012/13 racional

Em relação ao chefe da Guarda Pretoriana Lacoste, e ficando ansiosamente à espera de mais desenvolvimentos para poder continuar a rir-me a bandeira despregadas, quero só, para já, remeter para o conceito de sportinguite já aqui enunciado anteriormente, e acrescentar que, em caso de sportinguite aguda, a «processo de auto-mortificação em que todas as partes, numa sequência lógica, encadeiam precipitações até criarem um problema administrativamente insolúvel», se deve juntar «e em que, no processo, os envolvidos conseguem dobrar-se e trincar os próprios tomates em público.»



Em frente.

Hoje e amanhã, um exercício de contraditório.



Racionalmente, a época de 2012/13 do Benfica é linear. Por isso é melhor estabelecermos já essa linearidade porque , daqui até Agosto, haverá múltiplas distorções que tornarão esta recta racional, se tudo correr bem, numa elipse, e se tudo correr mal num U, mandando tudo lá para trás outra vez – sendo este tudo três anos de crescimento gradual.



Esta é, então, a lógica a que, teoricamente, obedecerá a planificação da próxima época benfiquista:



1º segmento

Desportivamente, é a temporada de conclusão de um projecto. O treinador está no último ano de contrato e acumulou a experiência necessária para estar mais bem colocado do que nos três anos anteriores para atingir os objectivos desportivos.

A equipa tem subido gradualmente de capacidade – a única anomalia foi ter sido campeã no primeiro ano, tendo subido de terceiro (ou quarto?) para primeiro, saltando um degrau, algo que foi normalizado no ano seguinte e neste que agora acaba, com uma subida da capacidade competitiva reflectida na distância pontual para o primeiro.

Há um núcleo de jogadores que cumpriu todo o ciclo como coluna vertebral da equipa (Luisão, Maxi, Javi, Aimar, Cardozo) e que atinge, sem excepção um momento de maturidade competitiva ou definitiva ou muito perto do limite possível enquanto jogadores do campeonato português. Neste momento, os principais jogadores do Benfica já viveram o suficiente para saberem praticamente tudo o que há para saber no que respeita ao que é preciso para serem campeões.

O último ano do treinador coincidiria com o último ano, também, de alguns destes jogadores, que representam o modelo futebolístico que implantou desde o primeiro dia. É fácil, e mesmo natural, ver Javi, Aimar e Cardozo, por exemplo, a encerrarem este ciclo e a sairem no fim da próxima época.

Não faria sentido romper, neste momento pré-conclusivo, com a continuidade, a começar pela cabeça: o treinador é a pedra basilar do plano quadrianual (já dizia Estaline…), como tal deve ficar.



2.º segmento

A equipa que este ano ficou à beira do título – não é, de todo, desajustado dizer que ficou a um resultado do título – foi uma equipa com 9 jogadores novos no clube: Artur, Garay, Emerson, Matic, Witsel, Nolito, Bruno César, Rodrigo e Nélson Oliveira, a que se pode juntar um décimo, Yannick, com alguma boa vontade.

Destes 9 jogadores, há 8 com margem de progressão evidente se se juntar a maturidade de um ano de competição alta ao seu próprio processo individual de crescimento. Incluo Artur porque um guarda-redes só o é mesmo a partir dos 30 anos e não incluo Emerson, porque não tem potencial para mais do que o que já dá. Destes 8, há 4 que representarão, provavelmente, uma subida de qualidade do onze inicial (Artur, Garay, Witsel e Rodrigo), dois que, potencialmente, podem explodir (Matic e Nélson Oliveira) e dois que acrescentarão profundidade, de facto, ao plantel, ainda que não tenham, potencialmente, a categoria para jogar, de caras, no onze inicial de um Benfica de alto nível (Nolito e Bruno César).

A margem de progressão do plantel como está é grande, e há poucos pontos fracos. Em termos de onze inicial, o Benfica pode dar-se ao luxo de adquirir apenas um defesa-esquerdo e um extremo, além dos substitutos para o(s) jogador(es) que sair(em). Se tivesse apostar apostaria em Gaitán – uma aposta tão segura que já nem é aposta – o que não será muito prejudicial para a equipa e Javi García – o que será, na minha opinião, um erro, mas provavelmente um erro inevitável, porque será o jogador com mais mercado. Mais facilmente venderia Rodrigo, Nélson Oliveira ou Cardozo para poder ficar com Javi mais um ano, mas enfim, não se tem o que se quer, tem-se o que se pode.

O Benfica tem quatro aquisições por fazer. Se acertar em três é suficiente para melhorar a equipa. Quanto ao banco, precisa de mais um jogador. Um Rúben Amorim qualquer. Chega.

Em termos de construção de plantel, está numa situação privilegiada.

(Acrescento que não conto com Enzo Pérez porque vi um jogo do Estudiantes há uns dias e, se vier, vai ser um a menos. Sim, bastou-me um jogo. Sou mesmo um génio… Espero enganar-me.)

Há dois jogadores de saída que abrirão não só lugar no plantel como espaço salarial (Saviola e Capdevilla), o que nos leva ao terceiro segmento.



3.º segmento

É o primeiro ano com novo contrato televisivo, ou sem ele. Não se acredita que o Benfica possa prescindir de receitas televisivas no meio da pior crise económica do século, mesmo que venha a não assinar com a Sport TV (num aparte, como é que o presidente do Benfica tem condições reais de assinar contrato com a Olivedesportos, ponta-de-lança financeira do sistema, neste momento? Vejo as coisas complicadíssimas nesse aspecto.). Ainda assim, é difícil ao Benfica não aumentar as suas actuais receitas anuais com direitos televisivos mesmo que venha a negociar jogo a jogo com os operadores nacionais durante um ano ou dois. Pode não ganhar tanto como com uma venda em pacote a longo prazo, mas ganha mais do que o que ganha actualmente de certeza.

Isso deverá significar a possibilidade de investir na equipa, ainda que não se possa saber muito bem quanto é que custa o dinheiro ao Benfica, neste momento. Podemos supor que custa muito caro, dada a falta de investimento em Janeiro, quando as condições para chegar ao título eram as mais propícias e quando, com mais um titular, muito possivelmente, se teria ganho o campeonato.

Esse refreamento em Janeiro dá toda a ideia de ter sido estratégico, para se esperar pelo Verão e reforçar a equipa com maiores garantias de sucesso e com mais dinheiro para gastar. Veremos, no Verão, se se confirma, ou se o investimento está mesmo impossível.

Por outro lado, na concorrência, houve uma aposta forte em Janeiro, quer na não-saída de jogadores quer na entrada de elementos sem-retorno financeiro garantido (Lucho e Manko), já depois de ter havido um investimento brutal no Verão de 2011.

Ao que tudo indica, o Porto empenhou-se (literalmente) para renovar o título este ano e «para o próximo, logo se vê». É um sinal, não diria de desespero, mas de ansiedade, de fuga para a frente. As fugas para a frente não acabam bem. O que nos leva ao quarto segmento.



4.º segmento

A concorrência estará mais fraca, pelo menos durante uma parte da temporada. O Porto tem duas épocas para pagar – a que acaba e a que aí vem – e recursos limitados para a pagar. Na melhor das hipóteses saem Hulk, Álvaro Pereira e Rolando. Na pior, juntam-se-lhe Moutinho, James ou Fernando, se Guarín não for comprado pelo Inter (o que ninguém pode dar como certo). Os outros, se saírem, não dão dinheiro a sério porque não têm mercado.

A capacidade de competir do Porto não vai diminuir, a ética de trabalho é forte, e provavelmente até veremos o Porto a jogar mais colectivamente do que este ano, mas a qualidade imediata, sim, decairá. O Porto vai ter de encontrar três titulares, pelo menos para manter um nível aproximado (o que não é garantido que chegue se o Benfica realmente subir) ou quatro para melhorar a equipa. Mesmo que já os tenha (Mangala, Sandro, Danilo, serão titulares) o nível, pelo menos durante os primeiros meses, não será o mesmo, e a compulsão para ir buscar mais jogadores será inevitável. Ainda que encontre boas opções (o que é crível, porque o Porto trabalha bem no mercado) o processo de adaptação à equipa é sempre mais moroso. Até o Hulk levou algumas semanas a entrar na equipa. Além disso, o Porto não compra jogadores experientes (Lucho e Manko foram uma clara excepção), por razões económicas e porque, se não vêm já formatados para o estilo de jogo da equipa, são mais difíceis de educar.

Não se está a contabilizar o novo treinador (ou o actual, o que seria pior) e a necessidade imperial de apostar forte na Liga dos Campeões para repor receitas.

Quer queira quer não, o Porto, que adiou o final de ciclo para este ano apesar de, pela lógica económica, ele dever ter acontecido no Verão passado, terá um ano de transição, seja qual for o treinador, apenas porque uma parte importante da espinha dorsal da equipa será nova. Será um ano de clara passagem de testemunho, em que jogadores como James, Moutinho ou Danilo serão chamados a assumir a liderança da equipa em termos de rendimento.

O Sporting estará numa fase, ainda, de concorrência apenas parcial. Em termos de resposta à pressão, o Sporting falhou claramente este ano, e seria preciso um milagre igualmente parcial para subir dois degraus num único ano perante duas equipas já rotinadas na competição pelo título. Se o Benfica esteve a um resultado do título, o Sporting esteve a uma volta inteira. Vai chatear, mas não vai ganhar. Ou, pelo menos, não seria racional contar com isso, e este é um exercício de racionalidade.



Racionalmente, perante este cenário, só haveria uma coisa a fazer pelo Benfica: manter a direcção firme, não mudar nada de substancial, meter uma abaixo e carregar no pedal.



Aliás, é tudo tão certinho que até dá para desconfiar.



Amanhã veremos a 2012/13 intuitiva.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O que faz falta

Hoje vi o jogo do ano da Alemanha, Dortmund-Bayern, e a propósito disso houve lá algumas coisas que têm a ver com outras coisas, cá nossas, e algumas bem actuais, de que vale a pena falar. Antes de mais, não me lembro de ver uma falta. Não quer dizer que não tenha havido, mas se houve dez em cada parte é muito. Num jogo com alemães, polacos, russos, japoneses, brasileiros, argentinos, africanos, marcianos e orangotangos.

Porque é que isto é um sinónimo de profissionalismo?

Porque, ao nível de que estamos a falar (os dois primeiros classificados do campeonato alemão) uma equipa que não faz faltas é uma equipa que a) sabe defender, quer em termos posicionais, quer em termos de capacidade de antecipação, quer em termos de perceber que uma falta é apenas um alívio passageiro pois resulta, logo a seguir ou mais tarde, num esforço acrescido para o físico e para a concentração, e que b) tem estofo físico e capacidade de concentração no jogo suficientes para aguentar um ritmo elevado e constante com poucas paragens.

O factor (a) releva boa preparação táctica colectiva, que só se alcança com bom trabalho. O factor (b) só se alcança com bons métodos de treino e com dedicação dos jogadores a esse treino.

Como não percebo nada de futebol, sirvo-me destes princípios que sei que são seguros para fazer as minhas leituras do jogo, e uma das maneiras que tenho para tentar perceber se uma equipa é mesmo boa ou se só parece é a facilidade e a regularidade com que faz faltas ou como as usa como instrumento estratégico durante um jogo.

Depois de um jogo quase sem faltas, jogado sempre a abrir e com as duas equipas a atacar constantemente, nos últimos 15 minutos houve um golo, um penálti falhado, duas ou três bolas aos postes, falhanços de baliza aberta e contra-ataques no minuto 90. Houve um hino ao futebol, que acabou 1-0, entre duas equipas que, independentemente dos jogadores que venham a ter na próxima época, se encontrarão originalmente em vantagem sobre 80 por cento das equipas da Champions pelo simples facto de possuírem sobre elas uma vantagem táctica e física de base.



Segundo ponto:

Depois do golo, o treinador do Dortmund  - um tipo de boné, barba por fazer, cara de chavalo, a mastigar pastilha elástica de boca aberta, uma espécie de adepto no banco – virou-se para os adeptos e, cheio de expressividade, fez um enorme gesto circular, no peito, em redor do emblema, que me pareceu significar «campeões», mas que também poderia querer dizer «coração». Para o caso, é pouco relevante. Interessa a espontaneidade do gesto. O jogo estava a decorrer, o Dortmund poderia perfeitamente não o ganhar (aliás, esteve muito perto) mas o treinador, mesmo assim, nem pensou nisso e limitou-se a exprimir-se livremente, sem complexos. É apenas um caso de livre pensamento num futebol em que as personalidades não são castradas mas aceites e, por vezes, mesmo acarinhadas – numa sociedade que o nosso preconceito idiota toma por sinistra e opressora, note-se.

Em Portugal, se fizesse aquilo (e se o fizesse e depois perdesse, então, nem se fala) o homem ficaria marcado como idiota, como mau profissional, como um estroina indigno de treinar uma equipa de futebol. É claro que, na prática, estamos a falar do treinador campeão da Alemanha, que não pode ser um mau profissional porque qualquer treinador que ponha uma equipa a jogar daquela maneira tem de ser bom.

Em Portugal, em relação aos treinadores, temos o complexo do caudilho. Um treinador, para ser respeitado, para ser considerado bom, tem de ser intolerante, tacanho, inflexível, absoluto e, obviamente, intransigente. É coisa que deve vir do tempo do Szabo e quejandos, dos anos 30 e 40, passando pelos Guttman, Otto Glória e Pedroto que, mais tarde, fez a escola à portuguesa.

Ouvimos o Jesus a dizer «nunca expliquei uma opção a um jogador» ou o Paulo Bento a dizer «não tenho que falar com ninguém» e ficamos convencidíssimos que temos ali um grande líder, que não mostra os dentes aos jogadores.

Ouvimos treinadores estrangeiros a dizer que as suas equipas têm poucas hipóteses de ganhar um jogo, ou um campeonato, a não dizer banalidades, e ficamos em estado apoplético, siderados por não serem imediatamente repreendidos pelos seus patrões.

Tretas.

Com a liberdade cresce a responsabilidade. Parece um chavão mas é verdade.

Incrivelmente, para nós, vemos, muitas vezes, equipas inferiores em todos os sentidos do jogo baterem-se de igual para igual com as nossas (sobretudo as do Norte da Europa), quando a única dimensão em que os seus jogadores são superiores é na que fica fora do campo: na dimensão cívica, no que são como cidadãos.

A responsabilidade individual que lhes é exigida fora do campo é transposta para dentro do campo e, graças a ela, assumem o seu lugar na equipa e fazem o papel que lhes é exigido.

Quando passamos para a realidade americana esse sentimento é exacerbado. Assistimos ao cúmulo da liberdade e ao cúmulo da responsabilização. Mesmo os atletas excêntricos são os que, muitas vezes, são os primeiros a assumir a responsabilidade em campo. Corra bem ou corra mal. A questão é a da liberdade.

As equipas portuguesas não são equipas piores que a generalidade das equipas europeias, mas são equipas menores, e são-no por causa do défice cívico.

O grande salto que o jogador português dá quando vai para o estrangeiro não é o de «passar a correr mais», como se costume dizer: é o de ficar sozinho com o seu próprio destino num ambiente que não condescenderá com as suas carências afectivas. Deixar de ser apenas um jogador da bola para passar a ser um cidadão.

O treinador caudilho é um dos últimos mitos do futebol português a terem de cair para podermos dar o salto. Para isso acontecer tem de se dar uma conjugação de quatro factores: aparecer o necessário treinador desempoeirado; coincidir o treinador desempoeirado com um dirigente suficientemente forte para resistir à tacanhez da crítica e dos adeptos; aparecerem os resultados; ser num dos três grandes. Quando tudo isto acontecer ao mesmo tempo, é possível.

A equipa que for a primeira a conseguir fazer isto terá vantagem sobre as outras.



Para acabar, o Cristiano Ronaldo ganhou, hoje, o campeonato espanhol a não ser que os outros o percam nas próximas semanas.

O Real, que está numa quebra física profunda, esteve à beira do desastre. Beneficiou de dois factores: o Atlético de Madrid é como o Benfica, corre muito e joga pouco; o Ronaldo é a definição de um jogador de classe mundial, capaz de fazer num jogo decisivo o que faz num treino.

Mas depois de ver a condição física actual de Bayern e Real estou inclinado a dar o favoritismo na meia-final da Champions aos alemães.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Duas formas da banalidade

O Benfica devia ter entrado com a táctica que usa na Luz contra as equipas pequenas. O Sporting jogou como se estivesse a jogar na Luz, mas com a vantagem de estar em casa. Se o Benfica tivesse entrado a perceber que ia defrontar um autocarro teria ganho vantagem.

Já o Sporting, ganhou o jogo mas não ganhou mais nada, pelo contrário. O que o Sporting tinha a ganhar hoje não era o jogo, nem os três pontos: era o mesmo que o Benfica tem a ganhar quando joga com o Porto – uma atitude de predador. E fez exactamente o contrário. O Sporting ganha um jogo mas, não chegando ao extremo de dizer que perdeu uma equipa (porque seria um claro exagero), perdeu uma grande oportunidade de lançar a próxima época com um sentimento de superioridade sobre o Benfica. Algo que lhe vai ser muito necessário, pois o seu objectivo será, novamente, ficar à frente do Benfica.

A forma como cada jogada perfeitamente banal era aplaudida pelo banco do Sporting, como fosse o banco do Rio Ave a ganhar ao Benfica na Luz, chegou a ser constrangedora. A festa imensa no final do jogo também, sobretudo no olhar embevecido do Sá Pinto, como que a dizer: «Ganhei ao Benfica. Hoje posso dizer que cumpri o meu destino como treinador do Sporting.» Fazer de um Sporting-Benfica, no quinto lugar do campeonato, o jogo da época, é de facto revelador, e só augura novos cataclismos vermelhos no caminho do Sporting nos próximos anos. Claro que o que vão dizer na imprensa não é isto, é que este jogo foi só mais um, porque, no fundo, têm noção da mediocridade. Só não estão dispostos a prescindir dela.

Quanto à sua importância na conta corrente dos dérbis, até nem é mau que o Sporting tenha ganho. Equilibra os números para quando for preciso jogar os jogos a sério. O da primeira volta, por exemplo, foi bem mais importante do que este. O Sporting começou a morrer nesse dia. Hoje, o Benfica só acabou de morrer, a ferida já estava a sangrar há muitas semanas.


A porrada que o Javi deu no Volkswagen aos 25 minutos deveria ter sido dada aos 5. Anjinhos.



Acho que já percebi porque é que o Maxi Pereira começou a fazer aquela finta marada de metar para dentro sempre que tem a bola: esqueceu-se de como se centra. Escusava era de ter voltado a começar neste jogo.



Segundo os critérios do Soares Dias houve três penáltis na primeira parte, um deles a favor do Benfica no primeiro minuto. Em nenhum dos três o jogador caíu por causa do contacto. A razão por que marcou só um é um mistério de Fafe. Aliás, faltas iguais àquela houve dezenas durante o jogo, e ele só marcou metade. Ter calhado uma delas ser um penálti é, obviamente, pura coincidência.



Mas agora a sério…



O Benfica entrou mal preparado e completamente desconcentrado para um jogo em que teria de mostrar fibra de campeão. Não sabia como jogar, não soube executar, mostrou novamente todo o seu défice colectivo e mostrou que não tem estaleca suficiente para chegar e ganhar quando é preciso – faltou-lhe classe. Deu a ideia de ter entrado convencido de que já não havia nada a ganhar depois da vitória do Porto em Braga.

É um ponto final conclusivo que, tal como no jogo com o Porto, na Luz, pode ser encarado de duas maneiras pelos adeptos: ou fazem de conta que perderam por causa do árbitro, e voltam a perder para o ano e para outros anos a seguir; ou assumem que perderam porque não têm equipa suficiente para ganhar um campeonato de forma categórica.

Tenho a sensação de que sei o que o Jesus e o Vieira vão dizer, mas a opinião pública só pode ser manipulada se se deixar manipular.

O Benfica passou por situações muito distintas neste campeonato: sendo a equipa mais mediática (e não, atenção, a mais eficiente), fez figura de campeão durante metade da época, não por ser a melhor equipa mas porque a melhor equipa estava a perder o campeonato por si própria; quando teve oportunidade para mostrar que tinha estofo para ser campeã não a aproveitou e foi ela a perder o campeonato.



Neste momento, em que tudo vai parecer mau (porque o animal-homem é mesmo assim) convém dizer duas coisas muito breves:

- se o Benfica acabar em segundo lugar terá feito uma época acima das expectativas (realistas) iniciais, e em termos de qualidade competitiva, no cômputo geral (e na minha opinião), fez a melhor das três épocas do Jesus. Melhor que a primeira, onde só foi campeão porque a concorrência era menor, e muito melhor que a segunda;

- o que levou o Benfica a sucessivos fracassos nos últimos 30 anos não foi ter perdido campeonatos: foi, por um lado, não ter compreendido as razões das derrotas, e, por outro, não ter construído sobre elas, atirando-se a mudar o que estava mal e o que estava bem, sem método nem critério.



O ponto da situação do Benfica, não só a partir de agora mas desde a derrota em casa com o Porto, é o seguinte: se acabar o campeonato no segundo lugar está em óptima situação para começar o próximo como principal favorito (real, não teórico) à conquista do título. No fundo, o melhor que realisticamente se poderia esperar depois de uma época avassaladora por parte do Porto. Tudo depende do trabalho que se fizer no Verão – e o que o Porto possa fazer na resposta nem sequer é assim tão importante, porque a iniciativa está do lado do Benfica. Basta começar a dar ao pedal com força, acreditar e não facilitar – incluindo, obviamente, com os Soares Dias deste país.

Se ter ficado em segundo neste campeonato será, a longo prazo, melhor do que o ter ganho, veremos. É algo que só se pode dizer ao fim de muito tempo. No fim de dez anos há sempre campeonatos que se ganham e campeonatos que se perdem. O que fica, e o que faz a diferença nesse grande plano, é como eles são ganhos.

Volto a dizer o que já disse aqui várias vezes: ganhar sem o mérito suficiente é uma tentação perigosa, pela qual o Benfica pagou bastante caro ao longo dos últimos anos.



P. S. 1 – O Benfica não conseguiu fazer um único remate à baliza na sequência de um canto ou de um livre, e não chutou de longe. Como é que queriam marcar golos ao Rui Patrício?

P.S. 2 – Quando vejo o Jesus a gesticular para os jogadores, aos berros, a descobrir, naquele preciso momento do jogo, a chave para a vitória numa simples troca de posicionamento de dois jogadores ou no adiantamento dos médios em dois metros, fico sempre com uma angústia cá dentro de mim, em forma de dúvida: o que seria desta equipa do Benfica se em vez de passar a semana a treinar tácticas treinasse futebol?

Bombardeiem

Após dois dias de desintoxicação futebolística, abro os jornais na Internet e começo-me a rir.

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A BOLA faz uma capa com o Dia D – ou seja invocando o desembarque dos Aliados na Normandia. Só que mete o Jesus e o Sá Pinto com o capacete dos Aliados. Ora, pela lógica, uma das partes devia ter um capacete diferente, mais exactamente um capacete nazi. Ou é suposto serem os dois do mesmo exército? Claro que o problema nesta grande ideia seria pôr o Sá Pinto (o invadido, logicamente) com um capacete nazi.

Há coisas que funcionam tão bem antes de serem postas em práticas. Mas estes pormenores que teimam em dar cabo delas…

Além de só a imagem dos dois manuéis com um capacete empinado a troucho-mocho, só por si, já ser bizarra (para não dizer mais), esta capa define o jornal A Bola:

- Falta de originalidade gritante

Já deve ser para aí a quinquagésima quinta vez que se faz uma capa de um jogo de futebol aludindo ao Dia D;

- Falta de sentido de oportunidade estapafúrdio.

Ao que parece o fim-de-semana foi pródigo em suásticas verdes e em advertências vermelhas aos pais de família que fossem ao jogo;

- Falta de personalidade.

A política da Bola é a de estar bem com gregos e troianos, sempre, dar uma no cravo e outra na ferradura, ausência de posicionamento definido, ausência de carácter, numa palavra. A Bola é um jornal dirigido por maus políticos, que estão sempre comprometidos com tudo e todos e que não se comprometem com nada até ao fim. O único que ainda vai tendo alguma coragem de se definir de um lado, com acções, é o José Manuel Delgado. Esse não engana nem quer enganar ninguém. Os outros batem e escondem a mão.

Prefiro a postura da Marca, ou do Sport: são claramente tendenciosos mas não o escondem.

Talvez possamos acrescentar aqui alguma falta de inteligência…

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O Sporting vai levar toda a gente para estágio. É uma espécie de terapia de grupo.

Já estou em dúvida sobre se o Sá Pinto é treinador de futebol ou um líder espiritual tibetano.

Desde que entrou que todas as semanas temos uma nova sessão de tratamento psicológico, de apaziguamento, de carinho, ele é o «os jogadores estiveram insuperáveis», ele é o «ele dava uma perna por mim», ele é a coisa mais linda e simbiótica de que há memória na longa história do futebol.

Confesso que não tenho paciência nenhum para estas carochices. Nem no Sporting nem em nenhum clube, e muito menos no Benfica.

Quando ouço falar-se da «psicologia» de uma equipa ou de um jogador de futebol como se fosse o sétimo segredo do Universo até se me arrepanham as varizes. De repente um jogador marca um golo, sente a inspiração divina a descer sobre si e vai tratar, sozinho, de dois ou três adversários ao mesmo tempo. E quando um treinador entra e começa a falar do «trabalho psicológico profundo» que é preciso fazer. Meu Deus, que drama.

É um chorrilho de paneleirices. É a escola dos Pedrotos que não se vai embora.

Estas tretas são a verdadeira fraqueza do futebol português. Um jogador é tratado como tudo – um artista, um campeão, um ídolo, uma flor de estufa, um caso clínico – menos aquilo que tem de ser: um profissional de corpo inteiro.

Sucumbe-se à mariquice tão prontamente que os próprios jogadores de culturas mais combativas e de responsabilização individual (os holandeses ou os suecos, por exemplo), ao fim de alguns meses, já se amaricaram. Pudera: é só paparoquices por todos os lados.

Enquanto o futebol português continuar a tratar os seus profissionais como ursos panda, que têm de viver em condições ambientais perfeitas para poderem desempenhar, não vai a lado nenhum. Até o Porto, que tem a mentalidade mais profissional, está tão embrenhado na nacional-saloice que, assim que apanha uma equipa inglesa ou alemã como deve de ser, parece uma equipa de juniores, de meninos a jogar à bola com adultos.

O caso do Sá Pinto tem sido gritante. Estas paneleirices todas sabem bem agora, basicamente porque quando ele entrou o Sporting já dava a temporada por perdida (logo, só podia subir) e teve a sorte de apanhar um Manchester City em fase de implosão. Além dessa eliminatória (salva no último minuto pelo Rui Patrício) o Sporting passou outra com o Kharkiv em que o Patrício foi outra vez o melhor em campo nos dois jogos, desceu para o quinto lugar no campeonato e não joga um caroço. Mas toda a gente anda satisfeita com o Sá porque o Sá tem conseguido reunir os jogadores em seu redor, com muito carinho e compreensão. É tudo tão lindo. É tudo tão à Sporting…

E hoje ganham ao Benfica e fazem a época, em perfeita comunhão de sentimentos, com a Juve Leo a chorar para o Sá.

E se esperarmos pelo início da época a sério para saber se o amor, por si só, chega?

Ou muito me engano ou o último campeonato que o Sá acaba à frente do Sporting é o que está agora a chegar ao fim…

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Vejo, no Record, o Rui Patrício a passar de uma cotação de 5 para 17 milhões de euros e o Matías Fernandez a passar de 4,5 para 12 e não consigo mesmo parar de rir.

Em relação a isto, só uma coisa a dizer, a propósito do jogo de hoje, aos jogadores do Benfica: -- Não tem nada que saber: podem sofrer um golo, não se enervem, não se preocupem muito com o Matías Fernandez, porque esse só toca na bola quando o Elias não joga, preocupem-se com o Elias e com o Izmailov, os outros são todos cavalinhos de cortesia; entrem com o pé por cima e ao joelho, que daí para a frente os jogadores do Sporting cortam-se a todas, pois começam a fazer contas de cabeça à Liga Europa; aproveitem um canto e vão rematando de longe até o Rui Patrício ser, surpreendentemente, apanhado em falso. Se fizerem isso pelo menos dois golos marcam. E se insistirem até fazem mais.