sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Jesus e Peter

Pegando no Jesus onde o deixei ontem, estabilidade não é qualidade. Estabilidade só é qualidade quando já existe qualidade para estabilizar. E o Benfica ainda não tem qualidade suficiente para poder dizer: «Vamos estabilizar aqui.»

O Benfica precisa de crescer mais, de ficar muito melhor antes de se poder dar ao luxo de dizer que está satisfeito e que precisa de estabilizar.



O Jesus oferece ao Benfica (e continuaria a oferecer caso continuasse para o ano que vem) uma hipótese real de lutar por títulos. É isso, aliás, que faz dele o melhor treinador que passou pelo clube desde Eriksson. É um competidor e, mesmo com uma equipa inferior, não entrega os pontos. Com Jesus, o Benfica continuará a andar na luta e, com mais ou menos este ou aquele jogador, com mais ou menos zaragata, arrisca-se a ganhar um campeonato, ou uma Taça, ou a ir a uma eliminatória avançada da Champions.



Mas há uma condição fundamental que é preciso perceber nos momentos de decidir: no futebol e na vida não há neutralidade. Não existe a «estabilidade». Quando um sistema está «estável», na verdade, está a decair, porque outros sistemas que o rodeiam estão a progredir. No futebol ou se está a melhorar ou se está a piorar, mesmo que não se queira sair do mesmo sítio.



Dito isto, chegamos ao fulcro da questão: o que o Jesus tem para dar ao Benfica é suficiente que justifique perder a oportunidade de apostar num treinador novo, que traga alguma coisa que o Benfica não tem tido?



Quando me refiro ao que o Benfica não tem tido refiro-me, pessoalmente, à filosofia colectiva, que ainda deixa muito a desejar, e ao rendimento dos jogadores, que não é satisfatório. A jogar como joga, (pensando, geralmente, primeiro na solução individual e depois na solução conjunta), e a aproveitar o que aproveita do potencial dos jogadores que consegue contratar (penso que falei aqui em 80 por cento, mas se calhar estou a ser ligeiramente benevolente…), o Benfica não tem condições de lutar pela subida à elite europeia.

Não é um treinador novo que muda isto sozinho, mas ajuda a mudar. As organizações são as pessoas. O segredo das boas organizações é conseguir aproveitar e guardar (de forma cumulativa, cultural) o que há de melhor nas pessoas que por elas passam. Se o Benfica tivesse tido essa capacidade, de aprender, considerando a quantidade incrível de sabedoria e qualidade que por lá passou nos últimos vinte anos, hoje estaria entre essa elite. Pensem só: Eriksson, Artur Jorge, Manuel José, Mourinho, e tantos treinadores e jogadores de grande nível, perdidos no vácuo de liderança.



O Princípio de Peter



O princípio de Peter diz-nos que todas as pessoas progridem profissionalmente, por mérito, e naturalmente, até chegarem a um patamar em que a exigência supera a sua competência. Isso só é revelado quando essa pessoa é colocada perante um desafio para a qual não está preparada. É um processo natural, em que não há erro da parte de ninguém, nem de quem progride nem de quem lhe permite progredir, apenas selecção natural. Eu estou convencido de que o Jorge anda desde Maio de 2010 a bailar sobre o seu limite de Peter e ainda não vi nada, este ano, que me faça pensar o contrário.

E digo mais: a culpa não é dele, nem é de ninguém.



Na época passada o barco de um Benfica campeão revelou-se demasiado pesado para as mãos dele, e, à melhoria que está a haver este ano, atribuo-a a uma série de mudanças internas e externas que elenquei logo nos dois primeiros posts deste blog e entre as quais não coloco o Jesus entre os mais relevantes. O Jesus de hoje é o mesmo de há um e de há dois anos, também já o disse. Mudou o que o rodeia. Com isso, acrescente-se, o Jesus está a caminho de ser campeão, e isso atesta a sua qualidade. (É só para não pensarem que tenho alguma coisa contra o homem, porque não tenho. Simpatizo com o Jesus – desde que esteja na minha equipa, claro...)



Não acredito que o Jesus tenha alguma coisa para acrescentar ao que já trouxe ao Benfica. Nem me parece que tenha grande capacidade (nem tempo, nem oportunidade) para aprender o suficiente que o torne assim tão melhor do que o que é. O que ele sabe, já usou e está a usar. Teve batalhas suficientes para isso, em número e intensidade, e a que se avizinha, a maior de todas, será, certamente, definitiva. Vai exigir ao Jesus tudo o que ele tem.

(Acrescento que a forma como se está a revelar o estado de espírito de alguns jogadores suplentes, num momento em que estão tão perto de conseguir uma época brilhante em termos colectivos, não abona muito a favor do que o Jesus tem…)

Um cenário que envolva a continuidade do Jesus será sempre na perspectiva que referi ontem, de tentar melhorar só através do clube, tentando manter constante a parte técnica. É racional, reafirmo-o. Em termos de gestão, é do que os economistas gostam – uma opção conservadora, ponderada, desapaixonada, sem excessos. Até acho que é a opção que a maioria dos adeptos do Benfica prefere, porque a maioria tem bem fresca a memória dos muitos anos de confusão que antecederam a chegada do Jesus à Luz, sem resultados decentes. Manter um treinador que vai ganhando é uma tentação muito forte – e não digo que seja a opção errada, insisto.

Mas não seria a minha solução.



É uma questão de consumo. O famoso desgaste, se quiserem.

Nós queremos que o futebol seja paixão, mais do que fidelidade. Somos fiéis aos clubes e isso já nos chega. O que queremos do clube é que nos alimente a paixão, é que nos dê muitas amantes, transcendência. Podemos aguentar uns meses de abstinência, se sentirmos que são preliminares, se nos parecer que a promessa de grandes prazeres no final é suficientemente promissora. Mas se virmos que o que ali está é uma equipa frígida, que não desenvolve nem tem hipóteses de desenvolver, não estamos dispostos a esperar nem mais uma semana: queremos outra.

O Jesus anda há seis meses a prometer um final em grande. Sobreviveu (miraculosamente, diga-se) aos desastres da última época, graças ao orgasmo brutal da primeira época. Isso quer dizer que os benfiquistas estão mais preparados para sofrer na expectativa – o que é bom, porque quanto melhor e maior for a expectativa maior é a recompensa. Mas não exageremos.

Nem os adeptos do Porto, que tiveram nos últimos vinte anos os melhores momentos das suas vidas, e prazeres com os quais não podiam suspeitar, têm uma capacidade de suportar mais que algumas semanas quando percebem que a boneca é de borracha.

Não é só em Portugal que isto funciona assim. Quando a novidade acaba toda a gente quer mudar. Até os jogadores. Sobretudo os jogadores. Para nós, que vemos o futebol de fora e de forma mais prolongada no tempo, o convívio cansa. Para um futebolista, que tem uma esperança média de alta competição de dez anos, para quem o ritmo é rapidíssimo, voraz, que tem de viver tudo depressa e em máxima intensidade, um treinador como o Jesus torna-se insuportável, sobretudo a partir do momento em que já só tem coisas para repetir, quando já não ensina o suficiente.

No contexto europeu, como o nosso, em que o papel do treinador é extrapolado – ao contrário do americano, por exemplo, em que os jogadores têm muito mais responsabilidade, muito mais crédito e um ónus muito maior nos resultados da equipa – é isso que faz com que seja raro um treinador ficar muito tempo à frente de uma equipa. É contra-natura.

O Jesus está quase consumido, e é assim que tem de ser. Nem ele espera que seja de outra maneira. A sua própria maneira de trabalhar é de desgaste rápido. Está-lhe entranhado. Isto é a selva, não é a pradaria. Como ele diz, «o futebol é o agora».

Se o Benfica e os benfiquistas caírem na ilusão de que o Jesus é homem para lhes dar aquilo de que precisam durante mais dois ou três anos vão cair num duplo equívoco e ter um duplo problema: não só não vão ter as vitórias que esperam, porque não vai haver dinâmica de vitória, como, a meio do caminho, se vêem nas mãos com o problema de terem um treinador que já não serve, de terem deixado passar o tempo certo para mudar e de não só ter deixado passar de prazo a dinâmica que havia, apodrecendo o que havia sido ganho, como ter comprometido decisivamente a dinâmica do ciclo seguinte, ao não tratar o treinador seguinte como uma primeira escolha mas como um bocado de estuque para tapar um buraco.



Mais do que ser uma questão de saber acabar é de saber evoluir. Passar de um bom para um melhor. Nos jogadores, nos treinadores, nos dirigentes.

Para isso é que uma estrutura realmente serve. Serve para aprender o que um Jesus tem para ensinar, consumir o Jesus (não tenham pena, o Jesus é bem pago para ser consumido), e experimentar um Jesus melhor – arriscando, atente-se, mesmo que haja a hipótese de falhar. Não se pode ceder à tentação de tentar preservar o que se ganhou. É o contrário. Os momentos de mudança são os momentos de maior crescimento, e quando se ganha ainda melhor – a confiança esta em alta, a energia também, há o sentido de objectivo alcançado e uma vontade implícita de começar qualquer coisa de novo.

Uma estrutura deve estar preparada para ganhar mas também para falhar, para ser um air-bag do falhanço, para absorver o erro e o ensinamento e para voltar a arriscar. Um Eriksson, um Mourinho, não surgem de apostas conservadoras, surgem de apostas pensadas mas arriscadas. Ser líder implica inovar, e inovar implica tentar seguir não pelo caminho mais provável mas pelo caminho mais promissor, ter golpe de asa. O Benfica não deve procurar um contra-ponto ao Jesus – alguém calminho, bonzinho, muito altruísta, um Peseiro qualquer que por aí ande e que nos deixe descansar –, deve procurar alguém melhor que o Jesus. Mesmo que isso signifique que seja pior do que o Jesus, em termos de temperamento.

Haveremos de chegar ao ponto, lá para Maio, em que estaremos a falar do célebre perfil. E nessa altura avançaremos mais sobre isto.



Não é importante, nesta análise, se o Benfica ganha ou não este ano – até estou convencido de que ganha, como já afirmei muitas vezes. É importante é saber interpretar o momento. Aliás, gerir de forma inteligente a «situação Jesus», tendo em conta o factor motivacional extra que daí resultaria, até poderia ser um bom trunfo lá para Março/Abril…

Missão Improvável

(Vou ter de dividir a minha perspectiva do prazo de validade do Jesus em duas partes, porque, a meio, percebi que é enorme e que nem sequer tenho tempo para acabar agora. Mas hoje à tarde fui ver a Missão Impossível IV, e se o Tom Cruise pode fazer quatro filmes sem mudar de corpo eu também posso passar um texto de um dia para o outro…

Aliás, juntando as duas postas de Natal, mais estas duas, também temos aqui uma espécie de Missão impossível em quatro partes: tentar decifrar o mistério de Jesus.)



Primeiro ponto que quero deixar perfeitamente claro logo no início desta conversa sobre o prazo de validade do Jorge Jesus no Benfica: não é uma questão cultural.

Como já sei que a argumentação vai dar aí, porque os opinion makers da treta dos nossos jornais nem sequer se dão ao trabalho de trabalhar cinco minutos à procura de fundamentar as suas afirmações, simplesmente abrem a goela e «lá vai Ferguson» digo já que não há, repito, NÃO HÁ, uma questão de «mentalidades».

Invariavelmente, quando se fala em longevidade de treinadores, vamos todos dar ao sempre mesmo. Pois bem, se temos de ir aí dar, eu coloco um desafio: indiquem-me outro Ferguson no futebol profissional? Eu respondo: não há. A razão porque vamos dar sempre ao Ferguson é porque só há um.



Neste momento estarão a dizer: «Já te apanhei: e o Wenger?»



É uma opinião válida, mas o Wenger é outra questão. No Arsenal há a noção clara que o sucesso «é» o Wenger. Que o Wenger é a única e a grande mais-valia do clube.

No United tenho poucas dúvidas de que os próprios donos do clube prefeririam que o Ferguson já tivesse pendurado as botas para ir buscar o Mourinho, ou outra figura do género, alguém que ficasse três ou quatro anos, que trouxesse ideias novas ao clube, e que não fosse o que o Ferguson é: uma instituição. Com o Ferguson no lugar, os donos do clube estão praticamente de mãos atadas. O Ferguson é indespedível. Para quem está de fora é engraçado, é romântico. Para quem é dono, ter alguém no clube que manda mais que ele é complicado, e arrisco mesmo dizer que facilmente se torna contraprodutivo. Foi por muito pouco que o Ferguson não se tornou obsoleto, quando o Mourinho esteve no Chelsea. O fosso que se criou entre as duas equipas, de um momento para o outro, mostrou claramente que o Ferguson está ultrapassado em relação aos melhores. Se o Abramovich não se tivesse fartado do Mourinho (lá está, ter alguém que manda mais que o presidente é sempre complicado…) o United não tocava na chincha durante mais um ou dois anos e o Ferguson já se teria reformado.



Já para o Arsenal, perder 8-2 com o United não é tão mau como seria perder o Wenger. Perder seis ou sete ou oito campeonatos não é tão mau como perder o Wenger. Por isso ele não sai, e só sai se quiser. Porque eles sabem que sem Wenger não andam nos quatro primeiros: vão parar à terceira linha. Chega a ser injusto dizer que o Wenger é uma tentativa do Arsenal de criar o seu próprio Ferguson, porque, mesmo que ao princípio a intenção fosse essa, o Wenger é muito melhor que o Ferguson. Com metade ou um terço do dinheiro do Ferguson, com dez anos de atraso, com a construção de um estádio novo, de raiz, pelo meio, o Wenger fez uma  equipa do nada, com jogadores de segunda linha, a maior parte criada lá desde os juniores, anda sempre lá em cima e até ganhou campeonatos e jogou finais da Champions League. Se eu tivesse de escolher um treinador do campeonato inglês a quem entregar um projecto de futebol escolhia o Wenger à frente do Ferguson vinte vezes em vinte. São opiniões, e não consensuais, admito.



Voltando ao desafio, quantos Fergusons é que há nos clubes de topo do futebol europeu? Nos clubes campeões europeus, por exemplo. Quantos Fergusons houve? Quantos treinadores com mais de cinco anos de clube é que já ganharam a Champions desde 1991, para não ir mais longe? A resposta é 1. Em 1997, Ottmar Hitzfeld ganhou a Champions League com o Borussia Dortmund no seu sexto ano no clube. E saiu nesse mesmo Verão, para o Bayern de Munique.

E dos restantes treze só houve dois que estiveram mais de seis anos no clube com o qual ganharam a Champions (arrisco mesmo a dizer que só lá estiveram tanto tempo porque, pelo meio, ganharam a Champions e deixaram a promessa de a ganhar outra vez): Cruyff, no Barcelona, entre 1988 e 1996, e Ancelotti, no Milan, entre 2001 e 2009. Todos os outros saíram antes de começar a sétima época. E todos eles ganharam coisas importantes, atente-se bem. Não foi por falta de sucesso que não ficaram mais tempo.



Mais uma questão que coloca em causa algumas ideias feitas: quantos treinadores na Premier League inglesa, apontada como símbolo da «longevidade dos treinadores», é que estão no lugar há mais de três anos? A resposta é 6. 6 em 20, sendo que acima de seis anos só há três.



O Jesus treina uma equipa que joga para ser campeã e em que a pressão de ganhar é permanente. Uma época no Benfica equivale a cinco épocas no modesto Stoke City, que ainda há dois anos andava na segunda divisão, e que não chocará ninguém se para lá voltar noutros dois.



Podíamos continuar com exemplos válidos para desfazer alguns mitos. Quantos clubes do top-20 (incluindo o Porto) é que mantiveram, nos últimos vinte anos, treinadores por mais de três épocas? Quantos treinadores campeões das cinco maiores ligas é que estiveram no clube durante mais de três épocas? E por aí fora. Em qualquer cenário encontraremos alguns casos de longevidade, mas eles não são a regra. E isso é transversal, do Norte ao Sul da Europa.



Trago esta questão para cima da mesa porque há um mito que deve ser destruído para se poder falar como deve de ser do futuro do Benfica com ou sem Jesus. Vou chamá-lo «mito do escocês», e diz-nos que, no que respeita a treinadores, longevidade resulta em qualidade.

Deve ser destruído porque não é verdade.

Não só a manutenção de um treinador no cargo durante muito tempo não traz, forçosamente, qualidade à equipa como, na maior parte das vezes, provoca uma degeneração dessa mesma equipa. De uma forma geral, nunca uma equipa volta a ser tão boa como nos primeiros três, no máximo quatro anos, com um treinador. As excepções que existem confirmam a regra, e basta ver a história para confirmar essa regra.

É verdade que estabilizam, mas não estabilizam sequer no seu nível mais alto, antes num nível médio-alto, que lhes permite ir ganhando, eventualmente voltar a fazer um brilharete, mas já se o fulgor inicial.



Quando se fala na falta de alternativa a Jesus eu prefiro pensar no factor habituação. Habituámo-nos ao Jesus, e temos dificuldade em pensa noutro registo. Não é nada que não se altere num par de meses. Quando o Jesus sair (e eu não estou a defender que ele deve sair já, atenção) vai-se respirar uma lufada de ar fresco no clube e o novo treinador terá, também, o seu estado de graça. Todos têm.



Não considero o factor longevidade relevante, e não considero que a falta de alternativa seja um problema real. Acho mais pertinente colocara questão a outro nível, com duas variantes:

- o que o Jesus ainda tem para dar ao Benfica depois do fim desta época;

- e o que o Benfica poderá estar a perder por manter o Jesus daqui para a frente.



Antes de ir por aí, e até antes de colocar sobre a mesa os argumentos sobre as vantagens e as desvantagens daí decorrentes, adianto que não vejo o Jesus a treinar o Benfica na próxima época. Talvez seja por falta de hábito. Afinal, desde que me lembro de ser do Benfica, nunca vi um treinador a começar uma quarta época.



Diria mesmo mais: se o Jesus ficasse uma quarta época no Benfica a mudança de paradigma directivo seria de tal forma fracturante com o passado que não me admiraria que o Jesus ficasse outros quatro.



A própria ideia de pensar em termos de «este tipo não é o melhor treinador do mundo, nem é o melhor treinador que podíamos ter, mas é um treinador suficiente desde que o próprio clube seja capaz de fazer a diferença em relação aos outros, por isso vamos ficar com ele e fazer do cargo de treinador não uma coisa fundamental mas uma coisa estrutural» seria de tal forma revolucionária, no Benfica, que não estou certo que não seja mesmo essa «acomodação técnica» conjugada a um «aperfeiçoamento estrutural» a maior vantagem de manter o Jesus. Não seria pelo Jesus, seria pelo que a manutenção significaria.



Pessoalmente, isto provoca-me sentimentos ambíguos. Gosto da exaltação e da inovação, mas por outro lado, sempre achei, racionalmente, que, quando se tem o poder em termos absolutos que o Benfica tem (em dinheiro, energia, dimensão pura), ter uma abordagem ao jogo igual à dos rivais directos, em que se coloca tanto peso sobre a figura do treinador, era uma fragilidade. Conseguir manter um poder corrente, estável, ter uma estrutura vitoriosa, preparada para ganhar independentemente do treinador, e sem ficar totalmente dependente dessa figura que aparece no princípio de uma época e que dois meses depois pode estar despedido, sempre me pareceu o mais inteligente. Ao jogar com as regras dos outros o Benfica é como um exército poderoso a lutar com técnicas de guerrilha. Perde a sua vantagem relativa. Manter um Jesus qualquer durante cinco, seis, sete, oito anos seria, eventualmente, a melhor forma de relativizar a importância do treinador, desde que tudo o resto funcionasse bem e permitisse chegar às vitórias. Seria, no fundo, não deixar o Benfica à mercê da incompetência do primeiro Quique que aparecesse.

Se é para manter o Jesus, então ele que fique mesmo até 2015.



Mas isso já é melhor ficar para amanhã.

domingo, 25 de dezembro de 2011

O Jorge

Ontem escrevi sobre o que pode fazer do Jesus um bom treinador para o Benfica. Hoje vou escrever sobre o que pode prejudicar o Jesus.


O que vou escrever hoje pode parecer incoerente com o que escrevi ontem. Mas é porque, no fundo, é a parte má daquilo que faz a parte boa do Jesus. Nem tudo é completamente preto, nem tudo é completamente branco. Uma moeda tem sempre duas faces e não deixa de ser uma moeda por causa disso.

Há médicos que fumam e morrem de cancro nos pulmões. Há verdadeiros génios que sofrem de alcoolismo (que é uma doença) e que se autodestroem. Uma pessoa inteligente não está a salvo de fazer coisas estúpidas, bem pelo contrário. Um artista vulgar não está impedido de fazer uma obra de arte eterna.

O que valoriza o Jorge Jesus, como qualquer pessoa, é a capacidade de fazer as suas características penderem para o positivo e não para o negativo. É ser mais Jesus que Jorge. Por exemplo, se é verdade que o Jesus tem colhões também é verdade que…



1 – …o Jorge é «o melhor condutor do mundo»

Talvez o pessoal mais novo não se lembre desta frase, mas quando se começou a fazer as campanhas para prevenir a condução sob os efeitos do álcool havia um anúncio que dizia isto. Era um tipo completamente bezano que era «o melhor condutor do mundo» e que se espetava na segunda curva.

O Jorge embebeda-se facilmente consigo próprio.

Quando o Jorge diz que os treinadores portugueses são os melhores do mundo o que ele quer dizer, realmente, é isto: «Eu sou o melhor treinador português a seguir ao Mourinho, e mesmo ao Mourinho, se fosse preciso, com os jogadores que ele tem, enganava-o. Se os treinadores portugueses são os melhores do mundo e eu sou o melhor treinador português então eu sou o melhor treinador do mundo.»

O Jorge vai a Barcelona e vê o Cruyff a treinar porque acha que o Cruyff é o maior. Aprende, convence-se de que agora é que sabe tudo o que já está inventado e, no fim, pensa: «Anjinho do caraças. A jogar assim dava-te uma volta que até te esquecias.»

Isto, em si, não tem nada de mal. Quando se tem colhões a sério tem-se muito poucas dúvidas de si próprio, e daí a pensar-se que se é o melhor condutor do mundo é um pulinho. O problema é que entre pensar-se que se é o melhor condutor do mundo e começar-se a fazer do próprio umbigo o Poço da Morte da Feira Popular é outro pulinho.

A época passada é o exemplo claro de como o Jorge entra facilmente numa espiral egocêntrica. Não percebeu as condições especiais em que tinha ganho o título na primeira época. Não percebeu os seus próprios erros (mesmo que os tivesse percebido jamais os reconheceria em público, porque o Jorge não dá parte de fraco, mas o problema não foi esse, foi mesmo não os ter reconhecido). Pensou que era o melhor condutor do mundo porque, assim que lhe puseram um Ferrari nas mãos (um Ferrari com pneus carecas, problemas no carburador e o depósito quase vazio, entenda-se, para não haver exageros…), chegou em primeiro à meta. De repente já não só era o principal candidato ao título, mesmo perdendo quatro jogadores nucleares do onze, como podia ganhar a Champions. Correu bem…

Não tenho dúvidas de que o Jorge aprendeu uma lição, mas não nos enganemos: o Jorge é um veterano de guerra, acha que ninguém tem nada para lhe ensinar, que ele é que tem para aprender e é quando e como quer, e não é fácil (para não dizer que é impossível) para uma pessoa com estas características mudar a sua forma de ser e de estar. Aprender, ele até aprendeu, mas não mudou. Sabe mais um bocadinho, mas no fundo é a mesma pessoa, e vai continuar a cometer os mesmos erros – não aquele especificamente, porque é esperto, mas os mesmos, se me faço entender.

Esta época a coisa começou mais sóbria, mas já se percebeu que o melhor condutor do mundo vem a caminho, juntamente com a sua equipa «quase perfeita». No ano passado foi apanhado na curva pelo Adjunto. Este ano, se não houver quem lhe atire um balde de água fria sobre a bela cabeleira, ou se não levar um beliscão do Zenit, por exemplo, nada nos diz que o Adjunto do Adjunto não o volte a enganar.

Aqueles pequenos momentos das conferências de imprensa em que o Jorge faz o sorriso de pato-bravo e diz qualquer coisa do género «eles pensavam que me vinham aqui enganar naquela situação mas eu já estava à espera e enganei-os» são reveladores. Na maior parte das vezes toda a gente sabia o mesmo que o Jorge, mas o Jorge pensa que ele é que descobriu a pólvora. E depois age como tal.

Como quando diz: «É um jogador que eu já conheço desde os infantis, e tal…» O Jorge conhece os jogadores como à palma das suas mãos, mas às vezes (e mesmo considerando que nunca se sabe bem se um jogador se vai adaptar ao clube ou não) mete com cada argolada que até dói, sobretudo ao tesoureiro.

Refira-se que não me impressiona como o Jorge fala (até é bem benfiquista…), só tenho algum medo de como o Jorge pensa.



2 – O Jorge é cá da terra

Quem fez o Jorge, como treinador, foi este Vietname que é o futebol português, e ainda está por se saber se o Jorge algum dia conseguirá ganhar alguma batalha fora da selva.

Ontem escrevi que o Jesus pensa em grande, mas isso é no sentido de ele acreditar que não há Golias que lhe ganhe. O Jorge, até ver, é um bom David, é verdade, mas não sabemos se algum dia conseguirá ser mais do que isso.

Digo isto porque o Jorge é esperto, mas não me parece especialmente inteligente. É um tipo óptimo para a guerrilha, para a milícia, mas é altamente duvidoso que consiga passar a general numa guerra maior. Falta-lhe mundo mas, sobretudo, falta-lhe capacidade de perspectiva. Visão de longo alcance. O Jorge é bom para ganhar aqui e agora, como eu escrevi ontem, mas como é que a coisa corre se não o conseguir?

O estilo que o Jorge adopta em Portugal é o mesmo do Mourinho, e o mesmo do Villas-Boas: atrevidos, com bocas foleiras, pernas à cobói, pastilha elástica de boca aberta, conversas de saloon. É o estilo messias-marialva que o pagode tanto admira e que pensa que é a única forma de se ser treinador de futebol, uma espécie de Rei do Gado, de chicote na mão, tipo Cajuda, Manuel José, Jaime Pacheco, e outros artistas da mesma cepa que, no fundo, só conseguem treinar em países de terceiro mundo porque assim que vão parar a um ambiente mais sofisticado – basta chegar a um Ossassuna ou a um Maiorca – têm de amochar e perdem a aura que lhes dão por cá.

 Mas, quando saíram de Portugal, Mourinho e Villas-Boas, que são inteligentes, adaptaram-se. Mudaram o chip. Um com melhores resultados do que o outro, é certo, mas dentro do mesmo tom. Teria Jesus a inteligência suficiente para se adaptar a um futebol e a uma realidade completamente diferente da que conhece há trinta anos?

Por exemplo: em Portugal (no Benfica e em qualquer outro clube) o Jorge é dez vezes melhor treinador que o Koeman, por várias razões que têm mais a ver com o país que com o treinador em si. Mas, na Europa, se considerássemos que ambos tinham a mesma idade, a quem é que daríamos a hipótese de chegar mais longe? Qual é o que tem as características e o estilo mais compatível com o futebol de elite, que se joga pelos futebolistas de elite, na Inglaterra, Alemanha, Espanha? Como diria o outro, «n’um sei não»…

É possível ser-se um grande treinador se não se conseguir ir além do horizonte curto? Saber como ganhar agora é bom, é óptimo - mas é curto. E depois acaba. E quando acaba o que é que sobra?

No fundo, a questão que se coloca é esta: o que é que o Benfica quer ser?

O Benfica quer ser o maior clube português? Nesse caso não precisa de mais que do Jesus, pelo menos para já. Se lhe der as armas, e se não lhe entregar os mapas todos para a mão, só alguns, e não o obrigar a pensar muito, o Jesus ganha a guerra.

O Benfica quer ser um clube de elite? Se for assim, será possível estar entre a elite – e não apenas aparecer lá uma vez por década – com um treinador de trazer por casa?

O Jesus tem dificuldade, no início de cada época, em ver para lá de Dezembro. Como é que conseguiria ver para lá dos Pirinéus sem perder o oxigénio?

O Jorge gasta as pedras todas com o primeiro Golias que lhe aparece à frente, e manda-o abaixo. Depois, quando lhe aparece o irmão do Golias, atira-lhe com a funda e fica a olhar para ele, sem saber o que fazer, à espera de ser esmagado, ou à procura de um buraco onde se enfiar.



3 – O Jorge não sabe treinar. (iôô…)

Pois. Choque e espanto. O Jorge não sabe treinar.

Deixei a bomboca para o fim.

Nunca vi um treino do Jorge. Vi do Trapattoni, do Heynckes, do Eriksson, do Toni, de muita gente, porque gosto de ver treinos, mas ir ao Seixal ver um treino, sinceramente, é coisa que não me passa pela cabeça, e quando não é lá também não tenho tempo. Mas não preciso de ver nenhum treino do Jesus para saber que os treinos dele não são tão bons com ele pensa que são.

A vantagem de se ter um treinador numa equipa durante dois anos e meio a caminho de três, praticamente com todos os mesmos jogadores nucleares, é que podemos ter a certeza de que o que a equipa mostra em campo é a materialização do trabalho feito ao longo dos meses – não é uma coisa aleatória, não depende da forma, é o resultado de um método de trabalho.

E o que eu vejo na equipa do Benfica é um trabalho muito saturado numa única vertente – a táctica – e sem resultados nas outras – na parte técnica, física e de jogo colectivo ofensivo.

Vamos por partes:

- o Jorge dá uma importância extrema à componente táctica do jogo. É a parte que ele acredita que decide os jogos equilibrados e é a parte que ele, como treinador, pensa que consegue controlar melhor. Quando um treinador não confia por aí além nos jogadores – e o Jesus confia pouco nos jogadores – defende-se com a táctica, para lhes reduzir a margem de erro.

O Benfica não é uma equipa fraca, tacticamente, mas a questão não é essa. A questão é que, para a importância que o treinador dá à táctica, tinha de ser muito melhor. Ao fim de dois anos e meio de trabalho táctico aturado o Benfica teria de estar muito mais evoluído do que o que está. Continua a ser uma equipa muito vulnerável ao erro, cujo sucesso depende muito mais da qualidade inata dos jogadores e da sua evolução particular e natural do que de aprenderem algo que não aprenderiam por si próprios. Quem fala tanto em táctica teria de ter uma equipa com uma cultura táctica muito superior à que tem. E já não falo de questões mais específicas, como a do claro subaproveitamento do Witsel, que é, potencialmente, o melhor jogador do Benfica, e que, quando sobe no terreno, metade das vezes acaba preso na linha lateral a dar o rabo, salvo seja, a dois defesas e a tentar sacar uma falta. (O Witsel é de tal forma superior, fisicamente e tecnicamente, à maior parte dos jogadores de meio-campo que é confrangedor vê-lo a passar um jogo inteiro a fazer o papel de tampão e a passar a bola para o lado, e garantoque até ao fim da época não vai fazer mais do que isso, porque «tacticamente» seria arriscado.)

Tacticamente o Benfica faz as mesmas coisas hoje que as que fazia ao fim de dois meses com o Jesus, apenas interpretado por jogadores diferentes. Não é uma equipa tacticamente pobre, repito, mas está estagnada.

- tecnicamente, os erros que os jogadores cometem são, igualmente, os mesmos. E não falo só de pontapés na bola. Os pontapés na bola dependem mais da condição física que de outra coisa, e quando não se sabe também não é aos 20 anos que se aprende – aos 20 anos o que cresce é o corpo, e daí tornar-se mais fácil, por se ter mais força, fazer coisas difíceis com uma bola que é pesada, em velocidade e com oposição.

Falo dos fundamentos técnicos de movimentação, de marcação, de fazer a superioridade numérica, de ir à linha para centrar, de saber fazer o dois-contra-um, de jogar a dois toques (receber/passar), de saber quando jogar a um toque, de meter a bola num jogador e não no outro, enfim, do bê-á-bá do futebol.

Tenho a certeza de que o Jorge ou não treina o suficiente, porque não quer, ou não sabe como treinar convenientemente a componente técnica do jogo.

Os grandes treinadores são os treinadores que sabem continuar a ensinar os fundamentos do jogo a jogadores altamente profissionais. Acreditem que quanto mais alto se sobe na qualidade e na exigência das equipas mais atenção os treinadores dão aos detalhes, porque o que faz a diferença nos grandes jogos, nas finais, são os fundamentos. O Barcelona anda há dois anos a massacrar o real Madrid do Mourinho porque sabe fazer diagonais. Na NBA, o Phil Jackson, o treinador com mais vitórias na história, continuava a ensinar o passe-e-corte ao Kobe Bryant quando ele se esquecia mesmo já depois de, em conjunto, ganharem 14 campeonatos. O Kareem Abdul-Jabbar, o melhor poste de sempre, foi contratado só para ensinar um poste promissor, o Andrew Binum, a mexer os pés e a posicionar-se em relação ao cesto e ao adversário. São só alguns exemplos.

Tenho a certeza de que a maior parte do tempo que o Guardiola passa a falar é a relembrar aos seus jogadores os fundamentos do jogo colectivo (bem gostava de ver um treino do Guardiola…) e a reduzir o uso das suas grandes capacidades técnicas às coisas simples que fazem o colectivo funcionar. Oiçam o Cruyff a falar e vejam bem se ele não reduz sempre as grandes questões do jogo às coisas fundamentais.

Com o Jorge, e a propósito da nota artística, tenho sempre a sensação de que ele passa a vida a tentar ensinar como fazer piruetas a jogadores que ainda não aprenderam a patinar. No Benfica os jogadores fazem quase tudo no tempo errado, ou de forma errada, e depois, colectivamente, a equipa ressente-se.

Isso também tem reflexos em termos físicos. O Benfica não se ressente fisicamente por correr muito, mas por falhar demais. Gasta demasiadas energias a cometer erros e a tentar corrigir esses erros. É um dado curioso, que não é muito conhecido: gastamos mais energia quando falhamos um murro do que quando acertamos um murro. Um pugilista que não consegue acertar no adversário arrisca-se seriamente a perder, mesmo perante um adversário inferior.

Não confio em treinadores que não sabem ensinar fundamentos. Servem até certo ponto, enquanto os jogadores ainda sentem que estão a aprender alguma coisa, mas depois disso não vão a lado nenhum, e são os próprios jogadores que se fartam deles e lhes perdem o respeito.

Neste ponto, os meus leitores, chocados e prontos a enfiar-me dois murros em cheio para não desperdiçarem energia, interrogam-se (e com razão): «Fo..-se., olha lá ó intelectual de vão de escada, então mas o homem é assim tão mau e já ganhou um campeonato, e dizes que ainda vai ganhar outro, e que é um treinador bom para o Benfica? Tás bêbedo ou quê?»

Mas eu explico (ou tento explicar…)

O Jorge é um especialista, um sobrevivente, e não é um mau treinador. Pelo contrário, é um treinador acima da média. As suas características, de que falei ontem, tornam-no útil num determinado contexto. O Jorge é suficientemente bom para permitir aos bons jogadores serem bons jogadores. Num clube como o Benfica, que lhe pode dar bons jogadores, com fundamentos de base relativamente desenvolvidos, é-lhe mais fácil aplicar as suas potencialidades. O Jorge consegue pegar num Di Maria subaproveitado, ou num Coentrão, ou num David Luiz, e aproveitá-los relativamente bem. O que o Jorge não consegue é ensinar a um Di Maria o que o Di Maria não sabe fazer – ou pelo menos, não consegue ensinar o suficiente. Os erros que o David Luiz e o Di Maria faziam ao fim de um mês de competição, na época do título, eram praticamente os mesmos erros que faziam sete meses depois, e em Junho, quando o Gaitán sair, cá estarei para dizer exactamente a mesma coisa em relação a ele.

O Javi Garcia, o Maxi Pereira, o Aimar, o Saviola, o Cardozo, fazem hoje o mesmo, para o mal e para o bem, que faziam em Dezembro de 2009.

Não sei ao certo se o Jorge alguma vez treinou equipas de formação, se foi adjunto ou se começou logo como treinador principal, mas desconfio que, se não começou, passou muito pouco tempo até chegar lá, à cadeira da pressão, onde desenvolveu a sua grande qualidade: a capacidade de inventar vitórias com o que tinha à frente.

Arrisco dizer que se pusessem o Jorge a treinar os juvenis do Belenenses, ao fim de seis meses ou ele se demitia ou era despedido por falta de aptidões técnicas e pedagógicas para o cargo.

O que sobra disto é a seguinte questão:

- Mas afinal o Jorge chega ou não chega?

Ao que eu respondo:

- Chegar, chega, mas depende muito do que o que os outros fazem, porque a equipa do Jorge só vai até certo ponto, e daí para a frente não é capaz. Enquanto os outros estiverem abaixo disso, chega. Se lhe passarem à frente nunca mais os vemos, porque o Jorge não tem pedalada.



Se repararem, não pequei: não disse mal de Jesus no dia de Natal. Só do Jorge. Deixo para o próximo post a questão do prazo de validade de ambos.

sábado, 24 de dezembro de 2011

O Sagrado Coração de Jesus

Há alguma altura melhor que o Natal para escrever sobre Jesus? (Por acaso até há, a Páscoa. Mas vamos fazer de conta que não.)

Há alguma altura melhor que o Natal para escrever sobre Jesus?
Não!


Pois então aqui fica uma posta de bacalhau que vai durar até segunda-feira.
Vou dividi-la em duas partes, em sintonia com a natureza dualista do próprio (de Jesus, entenda-se, não do bacalhau).

À primeira vou chamá-la «Sagrado Coração de Jesus». Espero que ninguém se ofenda, mas se toda a civilização ocidental já fez trocadilhos com o nome de Jesus eu também tenho direito.

À segunda vou chamar «O Jorge». Calculei que o nome Jesus já foi tantas vezes usado em vão que o simples facto de o deixar de fora seria suficientemente criativo.
Uma parte é sobre as coisas boas do JJ, a outra é sobre as coisas más. Deduzam vocês qual é qual…

Como é um facto comprovado que a última imagem é a que fica, começo pelas coisas boas.

O Sagrado Coração de Jesus

1 - Jesus tem colhões.

Calma, não chamem já o bispo para me exorcizar. Provavelmente nunca lhes deu para pensarem nisto, mas Jesus, que é humano, tem colhões – mas os colhões do nosso Jesus são maiores do que os do ser humano vulgar, e isso, num treinador do Benfica, é uma grande qualidade. Quando eu digo que o Jesus tem colhões (e vou continuar a dizer, em vez de dizer «tomates», até todas as almas virginais que me possam estar a ler se encontrem devidamente escandalizadas e/ou corrompidas…) não digo forçosamente que seja um treinador sem medo do adversário.

Podemos sempre ir buscar o célebre jogo dos 5-0 nas Antas, que vai acompanhar o Jesus ao longo de toda a sua carreira, para falar da igualmente célebre invenção do David Luis a defesa-esquerdo, para exemplificar como o Jesus pode, de repente, ter um ataque de pânico. Na prática o Jesus estava cágado com o Hulk.

Devo dizer que tenho uma leitura algo particular dessa situação. Penso que o Jesus, como todos os treinadores normais, sabem, antes de cada jogo, exactamente quais são as hipóteses da sua equipa porque a conhecem, sabem como está, conhecem os seus pontos fracos e da mesma maneira sabem tudo isso em relação ao adversário. E o Jesus percebeu exactamente o que se estava a desenhar ali. O Jesus sabia que ia perder, e o que estava a tentar fazer era a minimizar os estragos.

Diz-se que inventou. Ora, eu não espero outra coisa de um treinador de elite. Um treinador de uma equipa de elite, que joga num contexto em que as diferenças são mínimas, em que tão depressa uma equipa está à beira de ganhar como, por questões de pormenor, pode passar dois ou três jogos sem vencer, tem de inventar. É para isso que lhe pagam. Nenhuma equipa ambiciosa quer um burocrata como treinador. Tem de haver um golpe de asa, um extra que o treinador acrescente à equipa.

Ora, o que eu quero dizer quando digo que o Jesus tem colhões é que não só Jesus pensa pela sua própria cabeça como, quando toma uma decisão, fica com ela até ao fim, mesmo que tenha toda a gente a morder-lhe as canelas. Isso vê-se nas questões de jogo mas também na gestão de plantel. No Capdevilla, por exemplo, No Sidnei. No Nuno Gomes, que é o caso mais claro. No Mantorras. Até nos jogadores que ele próprio escolheu. Se vê que não servem, bate com a porta e fecha a loja (porque os vai buscar logo de início é da outra parte, do Jorge…).

Provavelmente, com o jogo dos 5-0, Jesus aprendeu uma lição importante – mas aprendeu-a à sua própria custa, e tenho a certeza de que não está arrependido, porque é a agir, pela própria cabeça, e a errar, que realmente se aprende.

Num Benfica, mais importante do que ser um génio criativo, é ter a capacidade para tomar decisões e impor disciplina, ter segurança em si próprio e no seu trabalho (mesmo que não seja o melhor). Quando se começa a pensar pela cabeça dos outros, são tantas as cabeças que, no fim, fica tudo à deriva. Mais importante do que saber muito, ter talento ou ter sorte é ter personalidade. Numa palavra, ter colhões. Quem não os tem pode até ter oportunidades, mas acaba a treinar Granadas e afins.



(Espero que não se chateiem por eu falar muitas vezes do jogo dos 5-0 mas, para mim, esse é o jogo mais importante na história do Benfica. Vou falar dele durante os próximos trinta anos e, se eu fosse presidente do Benfica, a primeira coisa que fazia no início de cada época, logo no dia das pesagens e dos chichis, era juntar toda a gente que fizesse parte da equipa, do roupeiro ao director-desportivo, como eles gostam de dizer, metê-los na sala do vídeo, apagar a Luz, tirar o som, e meter o filme do jogo, em silêncio e às escuras, até ao fim. Deixo um espaço em branco para vocês poderem acrescentar o que acham que eu diria, ou o que vocês diriam, quando o filme acabasse. É um bom exercício mental.)



2 – Jesus é terreno

Eu devia dizer «Jesus é do terreno», mas assim, em título, fica melhor só «Jesus é terreno».

O Jesus é mesmo um homem do terreno, e isso não só faz a sua matriz enquanto treinador como faz dele um treinador valioso. Não é um treinador de revista, como um Quique Flores, nem uma cavalinho de cortesia, como o Villas-Boas, nem um tipo armado em doutor, como o Queirós, nem um treinador a pensar na sua imagem daqui a vinte anos, como o Koeman. É um treinador do agora, do ganhar já. Jesus é um pragmático, e a história é feita pelos pragmáticos, não pelos historiadores.

Se disserem ao Jesus que o árbitro é corrupto ele pergunta: «Quanto é que custa?»

Se disserem ao Jesus que há umas pastilhas óptimas para as pernas ele quer saber onde é que se vende.

Se disserem ao Jesus que vai chover muito ele pergunta para que lado é que o campo inclina.

O Jesus sabe que o futebol é o agora, que não existe amanhã se não se der tudo o que há para se ganhar hoje.

Fala-se muito da má gestão do Jesus na segunda época. O Jesus está-se cagando para a gestão. A gestão do Jesus na segunda época foi igual à da primeira época e será igual à da terceira época. Na primeira época o Jesus meteu o pé no acelerador e carregou a fundo. Enquanto o carro tinha força andou e deixou os outros todos para trás. Quando acabou a gasosa já não andava, e se o campeonato durasse mais três ou quatro jornadas não era campeão.

Na segunda época fez exactamente a mesma coisa, mas nem o seu carro era o mesmo nem o outro que ia à frente o era.

Na terceira época é igual. Tem mais dois ou três jogadores para rodar em relação ao ano passado mas a filosofia é a mesma: pé a fundo e logo se vê até onde é que anda.

E é assim mesmo que tem de ser.

O Jesus anda há trinta anos no banco. Já pegou em toda a porcaria e não acredita em projectos nem em longos-prazos. Como dizia um grande economista, «a longo prazo estaremos todos mortos».

Da mesma forma, o Jesus não engole tangas dos jogadores. Quando os vê a fazerem cara de desgraçadinhos manda-os à merda e ficam mesmo em campo se for preciso, sejam Gaitáns ou Amorins. Agora já se vai vendo mais o Jesus a fazer festinhas aos jogadores, e penso que isso tem a ver com a noção que ele adquiriu, no Benfica, do que é trabalhar com jogadores que pensam que são estrelas, ao contrário do que acontece nos clubes pequenos. Lá vai dando uns elogios a mais, alguns disparates, mas basicamente o Jesus continua a não estar para aturar vedetas. Se ele disse, antes de chegar, que com ele os jogadores iam jogar o dobro é porque percebia, claramente, como toda a gente percebia, que quem mandava na equipa eram os jogadores, e que não trabalhavam o suficiente para o que ganhavam nem para o que podiam render. Até aposto que a grande diferença entre o Jesus e o Quique, no balneário, é que logo de início o Jesus deve ter mandado duas ou três bojardas para os pôr no sítio, do género «se eu ganhasse o que tu ganhas tinham de me vir tirar à força do campo para eu parar de trabalhar», ou simplesmente um «ó vedeta do c…, traz lá o cone para ver se serves para alguma coisa».

O Jesus andou demasiados anos a apanhar com coxos e com carregadores de piano para não perder o respeito à mediocridade e à má atitude profissional. Quando se diz que ele rentabiliza jogadores não é bem assim – entre os que ele rentabiliza e os que ele não rentabiliza, provavelmente, são mais os que ele não rentabiliza. Por cada David Luiz que ele faz há um Éder Luis, um Airton e um Kardec que ele manda para o lixo – é claro que o que um David Luiz dá a ganhar paga os outros três e ainda dá lucro, mas em termos de volume, na verdade, continua a ser três estragados para um aproveitado. O Jesus rentabiliza os que percebem como ele pensa, e os que percebem o que é o futebol. Se um jogador está preparado para se tornar um profissional de futebol, como o Coentrão ou o Di Maria, o Jesus põe-no a jogar e permite-lhe que se rentabilize. Se um jogador quer ser só futebolista de trazer por casa, tipo Sidnei, vai para o banco, custe 700 mil ou 7 milhões.

Eu gosto muito quando os jogadores de uma equipa que não trabalha não gostam do novo treinador. É um óptimo sinal. Ainda hoje se percebe que os jogadores não vão muito à bola do Jesus. Excelente. Eu desconfio é quando vejo uma equipa a perder, a jogar mal e a dizer que o treinador é óptimo «porque fala muito connosco e nos entende».

O futebol é um jogo de esforço e sacrifício, de sobrevivência e de risco. Como o atletismo, a natação, e qualquer outro desporto de alta competição. O primeiro objectivo é manter a cabeça à tona de água e ir dando aos braços, quanto mais depressa melhor, o que aguentar mais tempo ganha. Nos 100 metros os velocistas só respiram no fim. Primeiro correm até não sentir as pernas, depois logo pensam em respirar e em descansar.

Na questão táctica é a mesma coisa. Ao contrário do que pensa, o Jesus não é um portento táctico, é apenas um esperto táctico, que encontra pequenas soluções para grandes problemas, e para problemas práticos. Ele anda há trinta anos a tentar encontrar pequenas soluções, a fazer de David contra Golias. Grandes soluções não é o jogo dele. Para o Jesus vai ser sempre mais fácil montar a equipa contra o Manchester United do que contra o Nacional da Madeira.

Jesus é um treinador de um momento só: o momento de aplicar a força e ganhar. É um treinador unidimensional, mas nessa dimensão é um talento nato. Dêem ao Jesus uma máquina de futebol feita para ganhar e ele fá-la ganhar. Não lhe dêem mais nada, porque para isso ele não tem jeito nenhum. Se puserem o Jesus a pensar em estruturas, em contratações, em planos a longo prazo, em coisas complicadas, dá merda, e merda da grossa. Se o Jesus teve um problema na segunda época do Benfica foi porem-lhe nas mãos o comando de um cruzeiro, da âncora aos salva-vidas, quando o Jesus só sabe pilotar (e provavelmente nasceu para só pilotar cacilheiros – pode ser o melhor piloto de cacilheiros do mundo, mas é só um piloto). A primeira época correu muito acima do que todos esperavam, assumiu-se que a culpa era do Rui Costa, meteu-se o Rui Costa no banco e, de repente, o Jesus, que era iluminado e estava praticamente ao nível do Mourinho, passou a mandar em tudo e mais alguma coisa. O que Jesus dizia era sagrado. Se era para comprar jogadores quem é que decidia? O Jesus. Para marcar as datas dos jogos quem é que decidia? O Jesus. Para comprar o papel higiénico quem é que decidia se era de folha simples ou dupla face? O Jesus. O que é que deu? Merda. E o Vieira a ter de regressar da reforma a que pensava que tinha direito para voltar a pôr o cruzeiro a andar.

Quando o Jesus for para o Porto – e se o Pinto da Costa não morrer nos próximos cinco anos o Jesus vai mesmo para o Porto, provavelmente quando regressar do estrangeiro, podem escrever, sobretudo se não sair a bem do Benfica (o que é sempre uma possibilidade) – vai ser um treinador perigosíssimo, porque vai ser só treinador de futebol, não vai ter direito a mexer em nada além do que é o seu trabalho, e vão-lhe dizer: «Toma, tens aqui um cacilheiro de ponta, até voa. Agora ganha.» O Jesus vai ganhar, e não vai ser pouco. Só não vai ganhar tanto como o Adjunto porque aquilo nunca mais acontece.



3 – Jesus não dá a outra face

É algo que acaba por ficar esquecido, no meio do ruído, das conversas técnico-tácticas, mas o Jesus ataca. É agressivo. Com os anos, a treinar sucessivamente equipas portuguesas de segunda linha, aprendeu a montar defensivamente as suas equipas ao ponto de consegui ter sucesso com ela – e é tão bom treinador que até passou, por muito tempo, por treinador defensivo, quando não o é – mas a verdade é que o Jesus é um treinador de ataque, e isso é fundamental numa equipa grande, porque o que faz a diferença entre uma equipa grande e uma equipa que não precisa de ganhar para sobreviver é precisamente a audácia.

Eu lembro-me de quando o Jesus apareceu na I Divisão. Aliás, só me lembro porque, na altura, o Jesus fez algum furor. Era um desconhecido, treinava o Felgueiras e foi um dos primeiros treinadores em Portugal, senão mesmo o primeiro, a jogar com três centrais e dois alas ofensivos. Isto num Felgueiras acabado de subir, note-se. Ganhou alguns jogos e foi uma das figuras da época. O seu cartão-de-visita era apresentado pelo próprio com grande convicção: tinha feito um estágio no Barcelona do Cruyff – sim, a equipa que reinventou o Barcelona que agora está a reinventar o futebol. Nunca saberemos se é uma daquelas tangas à Jesus, se ele chegou a falar com o Cruyff ou se só o deixaram ver os treinos e tomar notas, mas em Barcelona terá aprendido uma lição que, ainda há pouco tempo, repetiu. Poucos terão prestado atenção, mas eu prestei, porque eu gosto de entrar dentro da cabeça do Jesus (é uma personagem interessantíssima, repare-se) e tenho acompanhado sempre a sua carreira desde essa época do Felgueiras. «Para mim o que define uma grande equipa é defender com poucos», disse o Jesus, numa conferência de imprensa, de passagem. Aquele Barcelona defendia com três mais um médio – um dos três defesas era o Koeman e o médio era o Guardiola, vejam lá bem como as coisas são.

Em Portugal, com jogadores banais, a maneira que o Jesus encontrou de defender com poucos e ter mais para atacar foi apostar no fora-de-jogo. É por isso que o fora-de-jogo é sagrado para o Jesus, e é por isso que ele só mexe na defesa se lhe encostarem uma pistola às têmporas. Se há quatro que joguem bem no fora-de-jogo não joga mais ninguém, nem que seja o Rio Ferdinand ou o Capdevilla. O Maxi joga até cair para o lado, e se o defesa-esquerdo que vier não aprender o fora-de-jogo também não joga.

Quando chegou ao Benfica a primeira coisa que o Jesus, tendo melhores jogadores que no Braga,  fez em relação ao Quique (que é paneleiro, aproveito para dizer) foi tirar um trinco e meter um atacante. Pôs quatro a jogar em linha, o Javi Garcia só a defender no meio-campo e o resto era tudo cavalaria ligeira, a correr muito, a correr depressa, a correr até cair para o lado, a perder bolas por todo o lado e a inventar desaustinadamente. E a meter golos uns atrás dos outros, acrescente-se. Foi essa a verdadeira faísca do Benfica de Jesus: o espírito ofensivo. Uma equipa a jogar à clube grande, e não a aproveitar os seus recursos para defender melhor que os outros, como fazia com o Quique, com o Koeman e com o Trapattoni. Jogar à grande, por si só, faz toda a diferença, e o Jesus pensa em grande. Pode não pensar bem, mas pensa em grande.

O Jesus é atrevido.

Da mesma maneira que pensa pela sua própria cabeça não se deixa intimidar com facilidade, e deixa sempre espaço, no seu plano, para a audácia. Sei, à partida, que o Jesus, mesmo nas Antas, mesmo em Manchester, mesmo quando jogar com o Barcelona, vai pensar em marcar golos, de preferência mais um que os outros, se as coisas correrem bem, mas pelo menos sempre um.

E também não se deixa levar pela imprensa. Ele sabe da poda. Tem sempre o pé atrás em relação às perguntas que lhe fazem. Mesmo quando são inocentes, se ele desconfia que é armadilha lá vem bojarda. E não tem vergonha de fazer má figura.



Estas são as três qualidades que vejo no Jesus, não descendo muito ao pormenor. E que fazem com que o considere um bom treinador para o Benfica. Até quando, direi daqui a dois posts. Porque o próximo é para falar sobre o Jorge.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Menino Jesus, a Criatura e outra coisa qualquer

Há uma série de coisas sobre as quais ando com vontade de escrever – o Jorge Jesus (e o Paulo Bento…), o calendário do que falta da época, uma comparação realista entre as equipas de Benfica e Porto (para fazer uma do Sporting teria de ver os jogos do Braga…eh, eh), e outras que por aqui andam, mas sinceramente isso merece-me mais tempo do que o que tenho tido, como se deve poder ver, aliás, pela assiduidade dos posts.



Para já há três coisas que quero dizer sobre aquilo que vou vendo de relance no jornais.



1 – Eu defino a qualidade de um treinador por aquilo que dizem e fazem os jogadores que não jogam. Não há treinadores perfeitos, mas há treinadores tão bons naquilo que fazem que nem os jogadores que não jogam têm coragem para dizer mal deles, e que são tão bons que, quando os suplentes são chamados, jogam tão bem ou melhor que os titulares. Não é preciso dar exemplos, e tenho a certeza que há um nome que, neste momento, já está na vossa cabeça, portanto escuso-me de o dizer.

Quando vejo o Enzo Pérez, como se fosse a coisa mais normal do mundo, a reunir-se com dirigentes de outro clube e a dizer que não quer regressar a Portugal, e o Rodrigo Mora a mesma coisa, e o Miguel Vítor a querer sair, e o Amorim, e o Capdevilla (que não diz nada mas também não precisa porque o agente fala por ele), e até o agente do Nolito a refilar, concluo que o Jesus é o típico treinador de titulares, no pior que isso tem.

Nunca gostei de treinadores de titulares – se calhar porque quando joguei basquete não era titular e sentia que para o treinador havia filhos e enteados (não era porque eu fosse melhor que os titulares, mas era porque, quando só se dá atenção a uma parte do plantel e se despreza os outros, não há espírito de equipa, há espírito de alguma equipa.



2 – O problema do Hulk não são os 100 milhões. Quem fala em 100 milhões, desculpem lá se alguém se ofende, é atrasado mental. Até hoje não houve um único jogador, no Porto, a sair pela cláusula de rescisão – nem o Falcão, que precisou dos milhões da treta do Dois Dedos  Micael para bater os 45 –, e agora ia ser o primeiro logo por 100 milhões? Ridículo.

O problema do Hulk também não é o sair a meio da época, porque o Hulk não vai sair a meio da época – seria mostrar a bandeira branca ao Benfica, na prática, porque se alguma vantagem o Porto tem, neste momento, é o Hulk. Se o Porto o vender vai vendê-lo agora para o libertar no final da época, mesmo que perca algum dinheiro com isso, como o Benfica perderá com o Gaitán se fizer o negócio de que se fala com o Manchester United. De qualquer forma, não acredito que o Porto venda o Hulk antes de Junho.

O problema da Criatura é que já custou 22 milhões de euros e o Porto só tem 85 por cento dela.

Coloquemos uma transferência do Hulk em valores realistas: 50 milhões de euros. Que se lixe, uma vez que há sheiks ao barulho, como o próprio Hulk já confirmou, vamos colocá-lo em valores irrealistas: 60 milhões.

Vamos tirar 5 por cento (que podem ser mais) de comissões. São 3 milhões. Sobram 57.

85 por cento de 57 milhões são 48 milhões. Sobram 26 milhões.

26 milhões foi o que o Porto gastou nos dois laterais que fez questão de roubar ao Benfica no Verão.

26 milhões de lucro com o Hulk, por Incrível que pareça, é pouco. É o que o Benfica está para ganhar com o Gaitán, que ao pé do Hulk, na Europa, é júnior.

Agora,  por puro divertimento, vão baixando o valor da transferência e cheguem a um número pelo qual achem que vale a pena vender o Hulk.

Não se compra um jogador por 22 milhões de euros para ganhar dinheiro mas para ganhar títulos. Ora, quando se vende um jogador que se compra para ganhar títulos o que é que isso quer dizer, para o resto da equipa e para os adeptos?



3 – Só há uma boa razão para o Benfica gastar 300 mil euros a comprar um Djaniny à União de Leiria, e não é o Djaniny: é construir fidelidades.

Acho uma excelente política o Benfica servir de banco aos clubes portugueses, todos eles endividados. Aliás, se eu tivesse de escolher, por exemplo, entre gastar 2,5 milhões de euros com um Kardec qualquer e gastar esses 2,5 milhões a fingir que compro jogadores para, na prática, financiar encapotadamente os clubes que disputam os campeonatos nacionais em Portugal, não duvidem que escolho a segunda. É muito mais importante para o Benfica ter aliados a sério nos clubes portugueses, de Norte a Sul, e sobretudo no Norte, a comprar mais suplentes. A diferença de dimensão entre o Benfica e os clubes pequenos, em Portugal, é tão grande que o que o Benfica gasta em lixo, todos os anos, tirava os clubes todos da I Liga, abaixo do sexto lugar, do vermelho. E não é suposto aproveitar-se esse poder? Ai não que não aproveitava. Venham mais Djaninis para emprestar ao Covilhã e ao Atlético e ao Granada, e venham em força. Grande parte do poder que o Porto reuniu ao longo dos anos resultou desse jogo de fidelidades improváveis, e entre resultados e jogadores comprados e vendidos com lucro vejam quanto ganhou. Porque não há-se o Benfica fazer mais e melhor se é maior e melhor?

Quanto ao resto, um caboverdiano que veio das Distritais dos Açores e que se chama Djaniny não é um jogador da bola, é uma personagem de romance ou é outra coisa qualquer. Eu gosto. Dava uma grande história de Natal. Mas...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Máquina, Momento, Aleatoriedade

Agora que já todos chegámos à conclusão de que o principal adversário do Sporting no campeonato é o Braga, querlo dizer que não vejo, no plantel do Porto, e em relação ao do Benfica, uma superioridade suficiente para ser um factor relevante na decisão do campeonato. Acho que há três factores, de facto, que vão ser decisivos:
- a Máquina;

- o Momento;

- a Aleatoriedade (porque, se lhe chamasse sorte, pareceria conversa da treta. Desta forma, apesar de a palavra significar exactamente a mesma coisa, dá um ar mais científico…).



A Máquina

O mais notável no Porto é que é uma verdadeira máquina de competição. No Porto tudo está pensado de forma a competir. Essa é a verdadeira força do Porto, e tudo o resto gravita em redor disso – a forma de jogar, a forma de escolher jogadores, a forma de tentar controlar resultados, tudo é abordado de uma forma pragmática: «Isto serve para ganhar?»

A propósito da corrupção, de que o Pinto da Costa falou este fim-de-semana – dando início ao verdadeiro campeonato – devo dizer que não gosto que o Benfica seja campeão graças à corrupção de árbitros, mas que não me importo, realmente, que o Benfica ganhe o campeonato ao Porto graças à corrupção de árbitros. É uma questão de saber jogar com as regras do jogo. O mesmo homem que vem dizer que Duarte Gomes é corrupto é o maior corrupto na história do futebol português, e nada e ninguém o impedem de continuar a ser presidente do clube campeão nacional. Como tal, as regras do jogo estão delineadas. Se é com essas regras que as pessoas querem viver, da minha parte, só há uma alternativa: ganhar dentro dessas regras. Não se está a falar de pudores, de ética, do que devia ser, do que era bonito se fosse – está a falar-se do que é. Obviamente, ninguém se importa realmente que se corrompa resultados desportivos em Portugal. Sendo assim, bola para a frente. O Benfica já percebeu, o Sporting está a perceber, e isso evita que só haja uma equipa em campo para ganhar e as outras para bater palmas. Se a chave para ganhar é corromper árbitros, que se corrompa muito, que se corrompa bem e que se corrompa em força. Quando os corruptos tiverem perdido o suficiente para decidirem que tem de deixar de haver corrupção, então arranja-se qualquer coisa. Mas negociando a partir do lugar de cima. Ou então quando já estiver tudo queimado, incluindo os lugares para nos sentarmos. Também serve. As restrições éticas para se ganhar ao Porto, na minha opinião, são zero. Ao Porto. Não me importo nada que o Porto seja roubado vinte vezes em vinte jogos. A corrupção é como o doping (aliás, o doping é corrupção): ou há moral ou comem todos. Se já fui suficientemente claro, sigamos em frente.

A máquina do Porto está em plena carburação. O papa saiu à rua depois de um não-erro irrelevante, e isso é um sinal. A capacidade de criar factos políticos é um dos domínios da propaganda portista, e condiciona tanto ou mais os resultados como a eventual corrupção dos árbitros. Muitas vezes os árbitros erram mais por estarem mentalmente condicionados que por terem algum interesse particular no erro.

Ao pé da máquina portista, que tem uma tarimba de três décadas, a congénere benfiquista passa sempre uma ideia de menoridade, quer em volume de trabalho quer em qualidade. Não demonstra tanta solidez. Dá a ideia de que depende muito de uma ou duas pessoas, talvez porque o presidente é obrigado a falar demais para passar a mensagem – há o Gabriel, de vem em quando aparece o Rui Costa, qualquer tótó na SIC ou na TVI facilmente inflecte ou desvirtua a mensagem, e enfraquece o objectivo inicial. No Porto, por exemplo, a construção do discurso parece mais metódica – há todo um processo de construção da mensagem pelos agentes de base (os próprios jornalistas, devidamente industriados pela estrutura) e o papa só aparece quando é preciso, para rematar ou, quando se justifica, para despoletar. Há um processo funcional, metódico e de resultados experimentados e comprovados.

Ao nível da gestão do mercado, a mesma coisa.

Janeiro será importante para se perceber se o Benfica, na parte de dentro, conseguiu realmente equilibrar as coisas, se conseguiu evoluir, ou se está vulnerável. Não é que o Benfica esteja frágil, porque não está – tem uma linha condutora, tem relativa uniformidade de discurso, o poder está bem definido e bem orientado – mas quando se vai para a guerra nunca é apenas a nossa força que conta, é sobretudo o que vale a nossa força comparada com a força do outro. Porque, por mais fortes que sejamos, se o outro for mais fortes acabamos igualmente mortos.

Na questão do mercado o Porto parece vulnerável. Está com evidentes problemas financeiros, e aí a máquina está condicionada, mas nem por isso vai facilitar, Já toda a gente percebeu o que está em jogo. Como escrevi ontem, este campeonato é o único verdadeiro braço-de-ferro entre Porto e Benfica nos últimos quase vinte anos. Porto e o Benfica só não vão gastar o que não conseguirem inventar, e no fim da época, ou daqui a dois ou três anos, logo se verá o que para pagar.

O mercado de Inverno não é uma boa solução, por natureza, geralmente melhora pouco – mas esse pouco, neste caso, pode ser o suficiente. Vejo o Benfica com pelo menos três jogadores novos em Janeiro, e o Porto com dois (um ponta de lança é certo, dois é possível) além de Danilo. Quando e como os vão pagar não sei. Nem eles.



O Momento

Para o Benfica, o cenário está criado mas o momento já não está montado. O que se vai ver, logo no dia 27 de Dezembro (aquela altura do ano em que que os nossos machos latinos vão a casa e ficam com tantas, mas com tantas saudades da comida da mamã que pensam duas vezes antes de voltar), é se os jogadores do Benfica vêm de férias ou se vêm de férias. Porque uma coisa é vir de férias, outra coisa é vir trabalhar. Quando o trabalho que nos espera é uma luta titânica, de dimensões históricas, que ou acaba em glória ou acaba em tragédia, é relativamente importante vir com a mentalidade certa quando o avião aterra em Lisboa.

Para o Porto, que começou mais tarde, que andou a dar as baldas próprias da ressaca e que entrou para esta temporada sob a influência da novidade e da refocagem (o Porto sabe, hoje, que aquilo por que está a competir não é o mesmo que era em Agosto, e que o local onde está também não é o mesmo que era nessa altura) Janeiro marca mais um início da época que um reinício.

Para o Benfica, que começou a época mais cedo, na merda, e que teve de lutar arduamente apenas para voltar a um ponto competitivo de base que lhe permite, agora, começar realmente a competir, em Janeiro é mais uma segunda época, dentro da época, a que se inicia. É como ter férias depois de alcançar um objectivo e começar do princípio, enquanto o Porto ainda não alcançou objectivo nenhum e vai começar agora. Neste intervalo, o momento que a equipa criou pode sofrer dois caminhos: ou cai, e desaparece lentamente; ou cresce, e se torna vencedor. Parado não fica. O futebol é dinâmico, sempre. Não há imobilidade. Ou se está a descer ou se está a subir. O que permite subentender que o que o Benfica fez até agora não é suficiente para ser campeão.

Tenho poucas dúvidas em considerar o jogo com a União de Leiria um dos três mais importantes do Benfica neste segundo campeonato, e não dou absolutamente nada por seguro que o Benfica vá ganhar à Marinha Grande.



A Aleatoriedade

Quando falo em aleatoriedade, mais do que no pontapé que vai ao poste, falo dos factores externos à equipa e inerentes ao próprio jogo, e não me refiro a arbitragens.

Refiro-me, por exemplo, a lesões. Vamos imaginar que o Hulk se lesiona. O Porto não ficaria afastado do campeonato, porque as coisas não funcionam assim, mas seria a mesma coisa ter ou não ter o Hulk?

Refiro-me aos adversários. O facto de um adversário chegar em forma ou fora de forma ao jogo não depende de Benfica ou Porto, mas pode, coincidindo com um momento mais fraco de um deles, ditar um resultado mais ou menos propício.

Refiro-me a oscilações de forma. Imaginemos que Saviola (só para dar o exemplo que eu quero mesmo, mesmo muito que aconteça, uma vez que preferia ser campeão contra o Hulk do que sem o Hulk, para calar muita arara que para aí anda…) deixa, de um momento para o outro, de passar a bola um metro atrás e começa a acertar, quer no companheiro quer na baliza. Ou que o James, contra todas as tentativas de massificação do Grande Timoneiro, vê cair sobre si a luz, sem trabalhar nem mais nem menos do que antes, e dá o salto que ameaçou dar no princípio da época e que foi tolhido a meio pelo brilhantismo táctico-administrativo do seu treinador? Estaríamos, aqui, a falar de uma subida qualitativa de qualquer uma das equipas que desequilibraria a luta para um dos lados.

Refiro-me ao sorteio e à conjugação de jogos. Tenho poucas dúvidas de que o apuramento do Porto, na Liga Europa, frente ao City, condicionaria fortemente a sua prestação na recta final do campeonato. E quanto ao Benfica, se eliminar o Zenit e lhe sair, nos quartos-de-final, por exemplo, um Nápoles, um Lyon, um Leverkussen (uma hipótese em 5 mil, bem sei, mas ainda assim uma hipótese), já para não falar de um APOEL de Nicósia, que alternativa teria senão, a partir desse momento, encarar uma presença nas meias-finais da Champions League, algo que nunca conseguiu, como um objectivo tão importante como ser campeão? E se o Porto, nessa altura, tiver só o campeonato para disputar? Decisivo, certamente.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ansaldi ou sem ser em Saldi

Chamo a atenção para um facto que pode não ser imediatamente apreensível a toda a gente, dada a quantidade de contra-informação que rodeia as três equipas grandes: é a primeira vez em 19 anos que Benfica e Porto entram no ano civil em luta directa e com hipóteses REAIS de ganhar o campeonato um ao outro.
Isto pode parecer mentira, porque se cria a ideia de que a competitividade está ao mesmo nível da rivalidade, mas é verdade. Nos anos em que o Benfica foi campeão (1994, 2005 e 2010) o Porto ficou fora da corrida, de facto, relativamente cedo. Os segundos classificados seriam Sporting (duas vezes) e Braga. Quando o Porto foi campeão o Benfica ou nem sequer em segundo acabou ou, quando acabou (lembro-me do Souness, por exemplo, ou do Koeman) estava já longe pelo Natal.

Depois de 1993 (jogavam o Futre, o Paulo Sousa e o Rui Costa no Benfica, vejam lá bem!), nem Benfica nem Porto disputaram um verdadeiro mano-a-mano ao pôr-do-sol, depois do Ano Novo. Vai acontecer este ano.

Por isso eu declaro: quer o papa quer o Vieira estão a fazer bluff. Não vai acontecer contenção no mercado de inverno. Vai haver investimento e do forte. O Benfica não vai ficar pelo defesa-esquerdo, seja Ansaldi não seja em Saldi. Até pode ser acima da tabela de preços. Vai comprar mais. E o Porto não se vai limitar a vender. Vai vender, sim – o Guarín, pelo menos, vai à vida, e provavelmente mais um ou dois – mas também vai comprar, e também não vai ser pouco.

A crise?

Não brinquem comigo. Os clubes portugueses não estão em crise – os clubes portugueses nunca deixaram de estar em crise. Têm dívidas colossais, e nunca foi isso que os impediu de gastar forte e feio. Pelo contrário: se há algo que move os três grandes clubes portugueses é o medo de ficar para trás por não se gastar o suficiente.

Acredito que o Sporting não vá seguir o mesmo caminho dos outros dois pela simples razão de ainda não estar na época certa, mas se chegar ao Natal de 2012 nas condições em que chega ao de 2011 nem sequer vai pensar duas vezes.

Isto leva-nos à necessidade de nos prepararmos para um dos meses de Janeiro mais quentes na história do futebol português. Vai ser só para os corações fortes.

Aproveitem bem o Natal para descansar, portanto.



Pessoalmente devo dizer que a derrota do Sporting não me agradaria. Agradava-me mais que o Sporting chegasse ao jogo do Porto com a possibilidade de ficar apenas a 1 ponto, ou mesmo a 3. Há uma diferença importante entre seis e sete pontos de distância. Seis são dois maus resultados que o outro tem de ter, eventualmente três; sete são três, eventualmente quatro. Na cabeça dos jogadores faz diferença. Se não fizer é porque são estúpidos.

Em dezassete jogos, quando quer Benfica quer Porto fizeram três empates cada um em treze jornadas (sendo um deles entre si), a necessidade de ter de se esperar mesmo um mau resultado por parte dos adversários é importante, e seria puramente fictício, nessa perspectiva, dar qualquer tipo de hipótese ao Sporting de ser campeão. Se podia ser? Podia. Se pode ser mesmo? Não. Aliás devo dizer que o empate é igualmente mortífero para as hipóteses do Sporting.  Só não parece tão mau, e dá para ir disfarçando nas conferências de imprensa, mas na prática é.

Por outro lado, qualquer hipótese que queira ter de ir pelo menos à Liga dos Campeões, e de salvar o campeonato, para o Sporting, implica ganhar ao Porto e ganhar em Braga.

Acho que vai conseguir uma dessas vitórias. No primeiro jogo.

Aliás, estou convencido de que o Sporting vai fazer um grande jogo frente ao Porto. Um jogo que vale uma época.



Porto (IRPR = 0.196)

A arbitragem pode ser um factor de acréscimo ou de diminuição de pressão, e eu levo-a em conta, quando há decisões erradas suficientemente importantes, mesmo que não fale delas. Neste caso falo da decisão do facebook do Duarte Gomes, só para dizer que não houve influência do árbitro, nesse lance, no resultado, porque na minha opinião não há penálti. Há dois jogadores em corrida que chocam porque o que conduzia a bola a adiantou e perdeu o seu controlo. Há tanto falta do defesa como do atacante (ou seja, nenhuma) porque a bola já não era de nenhum dos dois, e o contacto é provocado por ambos, simplesmente o defesa começou a travar mais cedo e o atacante continuou a correr para tentar sacar a falta. A decisão do Duarte Gomes em campo foi certa, a do facebook, depois de apanhar com o sermão do papa e sem ninguém para o proteger, foi errada.

No jogo do Sporting aconteceu uma coisa muito parecida que, na prática, é igual: ao minuto 50, na joga em que o Volkswagen aparece na área e acaba por chutar ao lado, continua a correr e acaba por tropeçar no guarda-redes antes da bola sair pela linha. Ou seja, com a bola em jogo, mas fora do alcance de toda a gente, há contacto na área, Alguém protestou penálti? Não. Porquê? Porque não faz sentido. A bola está em jogo, não é de ninguém e ninguém ganha vantagem pelo contacto, como tal não se marca falta. Simples. Há muitas jogadas como estas. A do Insúa é outra. Há o choque quando a bola já não está ao alcance de nenhum dos dois. E praticamente nunca se marca falta. Quando se marca é que está errado.

O Porto jogou uma hora contra dez e a pressão que sofreu foi autoinflingida, por ineficácia. Não vou menosprezar o facto de ter chegado aos últimos 15 minutos a empatar, mas não devo esquecer que o Porto tinha tudo a seu favor para nem sequer chegar a permitir que isso não acontecesse – a jogar em casa, com o Marítimo, que vinha sem quatro titulares, incluindo todo o meio-campo defensivo, e ficou com dez à meia-hora.



Sporting (IRPR = 0.175)

O falhanço do Volkswagen aos 2 minutos do jogo completou, oficialmente, a trilogia «Golos Feitos e Perdidos Mais Estúpidos do Universo», depois do Élio, do Beira-Mar, e do Cardozo, na Madeira. Não só o Sporting não voltaria a ter uma oportunidade assim no jogo como não voltará a ter uma oportunidade assim até ao fim do campeonato. Os jogadores não sentiram a pressão, mas qualquer observador minimamente atento percebe que quem perde oportunidades assim acaba a chorar sete vezes em dez quando os jogos são complicados, como era o caso.

A Académica marca primeiro, já com meia-hora de jogo, e se chega ao intervalo sem sofrer  o empate o Sporting, nessa altura a sete pontos do primeiro lugar, tem um problema bicudo para resolver.

Chegou.

A questão principal, para quem joga para ser campeão, é que raramente um empate serve. Quando se está a sete pontos do primeiro, não serve mesmo.

Também convém dizer que, na minha opinião, o Sporting fez o melhor jogo dos três grandes, tendo em conta o adversário e a prestação colectiva – mas isto é um índice de resultados, não de exibições.



Benfica (IRPR = 0.171)

O facto de ter sofrido o golo primeiro é um factor de pressão, mas o decorrer do jogo, e o desenrolar do próprio marcador, retirou rapidamente esse peso de cima da equipa. Em dez minutos, com uma grande ajuda do adversário, o Benfica já estava a ganhar. A debilidade defensiva da equipa do Rio Ave, aliás, foi o melhor jogador do Benfica. Luisão e Gaitán não jogaram de início por opção, não por impedimento.

Disse, antes do jogo, que este tinha o potencial para ser uma grande armadilha para o Benfica, e até aos 25 minutos quem tivesse lido isso acabaria por concluir o mesmo, mas depois a bomba desarmadilhou-se sozinha. Pressão até houve, mas foi pouca.