quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Não é cultura de vitória, é cultura de exigência


Correu muito bem, em Braga.

Jogaram uma série de jogadores que vão fazer falta no próximo mês (Jardel, André Almeida, Aimar, Carlos Martins, Urreta, Aimar, Rodrigo); o Benfica aguentou-se bem, com uma equipa de suplentes contra a equipa principal do Braga, até aos penáltis; como disse o Pinto da Costa o ano passado, desta já se livrou, é menos um jogo, numa competição em que, após quatro anos a vencer, e encarando friamente, tinha muito mais a perder do que a ganhar; toda a gente viu o o Braga a festejar a passagem à final da «Taça da Cerveja» como se se tivesse apurado para a Champions (com o bónus de se poder ouvir o Luisão a gozar com eles na flash interview – «para o que estão a fazer têm mesmo de comemorar»…) e, se Deus quiser, ainda haveremos de ver este Braga a jogar com o Porto na final da tal Taça que não conta para nada e que, certamente, nenhuma das duas equipas quererá ganhar. Mais um jogo para o Porto (com o do Rio Ave já são dois, tendo o do Rio Ave de ser metido à pressão entre duas jornadas do campeonato) é bom para equilibrar um pouco a contabilidade de minutos.

A jornada europeia, veremos. Continuo a dizer que preferia que o Bayer tivesse passado e que o Benfica ficasse apenas com o campeonato para jogar, sobretudo depois do resultado do Porto, que quase lhes garante a passagem na Champions. As hipóteses de sucesso do Benfica no campeonato passam por aí. O Jesus tem toda a razão, como é evidente, por mais que os comentadores da treta ou os adeptos irrealistas insistam no contrário: a incompatibilidade entre uma época de sucesso a nível interno e externo é uma evidência histórica. Apenas muito pontualmente, e com equipas de muito alto nível, se consegue juntar as duas. O argumento de que o Porto o fez com Mourinho e Villas-Boas é falacioso. Em ambos os casos o sucesso internacional só foi possível porque, a nível interno, o campeonato já estava decidido no Natal. E convém não esquecer que o caso da fruta e do Jacinto Paixão (o Pinto da Costa sabe do que se trata porque ouviu as escutas no You Tube, e, como ele disse, aparecia lá o Vieira a falar do João Ferreira, pelo que o que foi posto na Net deve ser verdade…) deu-se precisamente num jogo com o Beira-Mar antes de uma eliminatória europeia (com o Panathinaikos ou com o Corunha), para garantir que tudo corria bem.

A única coisa boa na passagem da eliminatória é que, se o Porto não perder pontos nas próximas jornadas – como é bem possível – o Benfica pode ter na Liga Europa uma hipótese de prolongar a época. O Bordéus é muito fraquinho, muito mais fraco que o Bayer Leverkussen, e, mesmo considerando que o Bayer deu a primeira mão da eliminatória de barato, terá poucas hipóteses contra um Benfica normal.

Uma época com uma vitória na Taça de Portugal, um segundo lugar no campeonato e uma presença nas meias-finais da Liga Europa, por exemplo, seria uma época muito respeitável. Não há por que negá-lo.

A este propósito, convém recuperar aquele momento em que o Jesus pôs a sua cara de inteligente, há uns dias, e disse que o Benfica é um clube com cultura de vitória.

Antes de mais, deve dizer-se que as palavras falam pouco. O que fala são as acções. O Jesus pôs todos os suplentes que pôde frente ao Braga, o que traduz a importância relativa da Taça da Liga na perspectiva geral, e fez muito bem. E isso não impediu a equipa de jogar para ganhar. O Benfica não entregou o jogo. Facilitou, obviamente, mas não o entregou.

Depois, há duas questões diferentes.

A primeira é a de que o Benfica não tem, actualmente, uma cultura de vitória. E devo dizer que já não a tem há muito, muito tempo. Deixou-a deslassar a partir sensivelmente de meados da década de 80. O que o Benfica tem tido, esporadicamente, desde então, é algumas equipas que vão ganhando o hábito de ganhar e, muito mais vezes, equipas que tentam não perder. É muito diferente ter uma equipa que vai ganhando o hábito de ganhar (que era aquilo a que o Jesus se estava realmente a referir, confundindo o Benfica com a equipa que ele acha que é a sua equipa, a que ele inventou desde que chegou) e ter um clube com a cultura de vitória. Esta equipa tem fomentado, mais que todas as outras desde Eriksson, o hábito de ganhar jogos, o que a torna, por si só, na melhor dos últimos 25 anos, mas o clube está muito longe de ter recuperado a sua cultura de vitória. E isto por causa da segunda questão.

A segunda questão, que o Jesus (porque sempre foi sportinguista) e a maior parte dos benfiquistas ainda não conseguiram entender, é que a cultura do Benfica nunca foi, realmente, uma cultura de vitória: foi, sim, originalmente, uma cultura de trabalho e de espírito de superação. Foi daí que surgiram as vitórias, mas não, note-se, uma verdadeira cultura de vitória. As vitórias, no Benfica, nasceram do sacrifício colectivo, do trabalho, e a própria humildade de base na cultura benfiquista (popular, inculta, generosa mas pouco ambiciosa, pouco aristocrática) impediu o clube de adquirir uma cultura de vitória que o tornasse, por exemplo, no que hoje é um Barcelona ou um Real Madrid.

A verdadeira essência do Benfica, mais do que ser uma potência dominadora (quando chegou a altura de dominar, o clube veio a cair no deslumbramento e no novo-riquismo que ainda hoje o domina), é triunfar apesar das adversidades.

Dificilmente veremos no Benfica, algum dia, a aura aristocrática de um Real Madrid, aquela nobreza que parece natural, o sangue azul que parece estar na própria base da altivez desse clube. Mais facilmente veremos o Benfica, novamente, a aparecer entre os grandes em situações desfavoráveis e, depois, a recuar novamente. Seria preciso, para que assim não fosse, que houvesse uma grande revolução cultural entre a massa adepta do Benfica para, no espaço de uma geração, conquistar esse ADN dos que se se sentem realmente melhores que os outros. Não o sentimos. Sentimos que lhes podemos ganhar, isso sim. Mas não que somos naturalmente tão bons como eles.

Independentemente disto, o que interessa é que a cultura do Benfica é a da superação, da exigência acima do normal, acima do vulgar, e não a «cultura de vitória». É isso que o Jesus não entende, e é isso que me leva a não me rever, ainda, nesta «equipa do Jesus».

Esta equipa não reflecte a verdadeira cultura do Benfica. Exige pouco de si própria. Não tenta superar-se o suficiente. Resigna-se com demasiada facilidade. Aspira a pouco.

Não é que exija pouco, que não se tente superar ou que se resigne facilmente. Não é isso. Apenas o faz a níveis normais para qualquer equipa normal no mundo. E o que tornou o Benfica imenso foi precisamente isso: o Benfica não é apenas normal.

Quando vejo um colunista, no Record, a dizer que o Benfica precisa mais do Jesus que o Jesus do Benfica fico com os cabelos arrepiados. Porque esta gente, tão inteligente, não chega lá. Não percebe que um clube como os outros, que nasce no meio dos outros, não se torna tão maior do que os outros apenas por fazer o que os outros fazem, ou por pensar como os outros pensam.

O Benfica ergueu-se acima dos restantes a fazer o que parecia impossível. Não foi apenas «gestão». Foi devoção.

Dito tudo isto, o Benfica, como clube, teria «cultura» para jogar tudo e ganhar tudo, sem ter de abdicar de nada? Teria. Mas não com esta equipa.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O meteorito da sorte


Não devo ser desonesto. Aquilo que eu escrevi antes do penálti do Lima foi isto:

«Uma exibição absurda de uma equipa sem verdadeiro estofo para ganhar o campeonato, que é perdido, pela segunda época consecutiva, assim que é jogada a primeira eliminatória europeia do ano e sobe o ritmo e a exigência da competição.

Uma equipa que trabalha pela metade, orientada por um treinador que vive de esquemas, que vai aprendendo à medida que o esquema anterior falha e cuja principal capacidade é sobreviver, que tenta resolver a esbracejar o que não consegue preparar com trabalho, impreparada para enfrentar um adversário muitíssimo fraco e previsivelmente superdefensivo, sem ter uma jogada ensaiada para libertar um extremo que cruze, sem o mínimo de perigo nas bolas paradas, sem liderança em campo e sem verdadeira vontade de ganhar, incapaz de lutar contra as dificuldades numa noite mais difícil.

O Porto vai ser um campeão justo e, com a previsível eliminação de Lyon, Liverpool, Olympiakos, Nápoles e Atlético de Madrid da Liga Europa, se os benfiquistas querem ver futebol até ao fim da época têm de esperar pelas quintas-feiras. Os jogadores já mostraram onde está a sua cabeça e o treinador não tem dificuldade em admitir que a Europa  ‘é que dá prestígio’. Não faria sentido, aliás, outra coisa, a partir de agora, senão apostar na Liga Europa e na Taça de Portugal.

Fica-se em segundo, ganha-se a Taça, joga-se na Europa até Abril e está feita a época.

Se Vieira estava à espera do jogo das Antas para saber se renovava com o Jesus, a partir de agora só está a perder tempo. Ou renova ou não renova e só tem de assumir o que quer.

Quanto a mim, até me dá jeito. Começa amanhã o meu último semestre e quanto menos distrações melhor.»

 

Posto isto a limpo, deve dizer-se o seguinte:

- o penálti é indiscutível. Há um corpo a corpo que é legal e, quando o defesa se desequilibra e perde a posição, há um puxão que é ilegal e impede o Gaitán de jogar a bola;

- o Benfica teve hoje a mesma estrela que teve, há três anos, quando o Javi Garcia marcou de cabeça, na Luz, no último minuto, frente à Naval. Não sei se é estrela de campeão, mas sem estes três pontos o campeonato estava entregue. Se o Benfica chegar a ser campeão, há quatro resultados fundamentais, até agora: a vitória em Alvalade, a vitória em Braga, o empate do Porto com o Olhanense e esta vitória com a Académica. Será, talvez, a propósito das imagens que chegaram da Rússia, o meteorito da sorte - cuja onde de choque atingiu, certamente, o Porto, com o mesmo impacto;

- a Académica foi a pior equipa a jogar na Luz este ano. Não fez um remate à baliza, fez todo o tipo de anti-jogo e mereceu perder por 5 ou 6. Não merecia o empate porque, ao contrário do que disse o seu treinador, não teve coragem nenhuma. No entanto, a questão do «merecimento» não está em causa. Não está hoje como não esteve, por exemplo, no empate do Porto com o Olhanense. Nestes jogos as equipas grandes merecem sempre ganhar. Atacam mais, jogam mais e são sempre melhores. A questão é conseguir ou não ganhar.

Posto também isto a limpo, e excepção feita às consequências que o empate teria para o resto da época, não vejo, num penálti que tanto aconteceu como podia não ter acontecido, razão suficiente para mudar nada do que já tinha escrito após ver o Benfica a jogar durante 94 minutos.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Hora de mudar de moscas


Coloquemos a coisa desta forma: se eu pertencesse ao directório do Benfica e controlasse o Conselho de Disciplina, as decisões tomadas nesta reunião de 4.ª feira teriam sido praticamente as mesmas que foram anunciadas.

Não há razões objectivas para a despenalização de Matic. O árbitro considerou jogo violento e não há, nas imagens, prova em contrário. Apenas a sensação clara de que o jogador do Nacional desproporcionou e tirou proveito da situação. Um jogo de descanso para o Matic, frente à Académica, até pode ser positivo. Andam há um mês a ver se o expulsam, o Proença fez-lhes a vontade, mas os danos são mínimos, e até é favorável, em termos de opinião pública, que a expulsão ocorra numa situação muito duvidosa. O Benfica está a fazer o seu papel, insinuando que a expulsão foi injusta, e, neste caso, terá ganho munições, assim saiba fazer o seu papel de prejudicado.

Para o Cardozo, o ideal teria sido levar dois jogos. A expulsão e o castigo, como já escrevi, eram inevitáveis, e o gesto de puxar o árbitro não deveria passar em claro, mesmo não sendo, realmente, uma agressão ou tentativa disso. Castigar o Cardozo apenas com um jogo limpa a segunda parte da cena, e isso é estranho – mesmo que seja defensável, por parte do Conselho, com a norma aplicada.

Um jogo pela expulsão e um jogo pelo puxão, teriam tido a virtude de, por um lado, colocar o Benfica mais a salvo de insinuações de domínio sobre o CD, e, por outro, reduziria o castigo a um mínimo razoável. O Benfica teria passado por este caso podendo dizer que não está acima da lei (ficando, assim, com a razão moral do seu lado) apesar de colher os benefícios da benevolência dessa mesma lei. Em termos futuros, teria sido mais útil, e em termos imediatos não haveria grande diferença – se for por não jogar o Cardozo que o Benfica não ganha à Académica ou ao Paços de Ferreira em casa, então não há nada que esta equipa possa, realmente, ganhar.

Quanto ao indulto ao Porto, é perfeito.

Em boa verdade – e ao contrário da manipulação de calendário do jogo com o Setúbal, que pode ter influência no campeonato –, todo o caso é uma mera esquisitice. Eliminar o Porto por causa de 15 minutos e de pôr a jogar três jogadores que nunca actuam pela equipa principal (caramba, se tivessem posto o James, o Jackson e o Moutinho para se apurarem, agora o Fabiano, o Abdoulaye e o Sebá…) é uma aberração jurídica. Aí, o Porto tem razão. Mas o que é um facto, e o que torna o caso realmente interessante, é que, mesmo sendo injusta, a decisão certa, de acordo com a norma, só podia ser a de dar a derrota ao Porto. Ou seja, houve uma subversão da norma em benefício do Porto. O resto são advogados a falar (e podem estar mais vinte anos a falar sem que algum dos lados ache que perdeu a razão).

Isso, para o Benfica, é bom.

Melhor ainda é que o Porto passe a ter mais dois jogos no calendário.

Além disso, como já aqui escrevi, meio a gozar, mas a falar sério, que é preciso que uma das equipas do regime ganhe a Taça da Liga para os três (quatro?) títulos do Benfica serem valorizados. A Taça da Liga está numa fase de afirmação, em que importa mais o seu prestígio do que o troféu em si.

Neste momento, e até pelo contexto competitivo em que está inserido, não há melhor cenário para o Benfica, nesta Taça da Liga, que ver Porto e Braga disputá-la numa final fratricida (e de preferência com erros escandalosos de arbitragem, muita vaselina e luvas de látex, como no jogo do campeonato).

Se eu fosse do Benfica e mandasse no CD, tinha inventado quaisquer justificações para manter o Porto na Taça da Liga, e quanto mais contra a lei melhor, para que se ficasse com a ideia de que se estava a passar por cima da lei para beneficiar o Porto.

Este caso é interessante, sobretudo, porque, pela coincidência de casos, vem abrir uma hostilidade que, no futuro, com a rebipolarização do futebol português, é inevitável, e que já aconteceu durante uma parte dos anos 90. Falo do controlo dos Conselhos de Arbitragem, de Disciplina e de Justiça da FPF.

Não estamos em condições de dizer qual dos dois clubes é que tem, neste momento, mais peso no C. Disciplina, mas tenho a certeza de que este é apenas um primeiro caso, no pós-Apito Dourado, de muitos em que a vantagem dentro do campo será condicionada pela vantagem nos gabinetes e nestas reuniões de 4.ª feira.

A ideia de que o Conselho aproveitou para beneficiar os dois clubes, compensando cada um pelo benefício dado ao outro, não me convence minimamente. Tenho a certeza de que o Conselho de Disciplina nem é independente nem é neutral, nem isento. Estou seguro de que há muitas pressões para o controlar, e que esse controlo está em andamento. Só não sabemos, ainda, quem o controla. Mas o seguimento que este caso vai ter, em termos de opinião pública, e quando ocorrerem outros casos, torná-lo-á claro. Estas decisões não foram tomadas para beneficiar os dois clubes: foram tomadas para, no futuro, ao beneficiar um dos clubes e prejudicar outro, serem usadas como argumento de idoneidade. Dir-se-á: «Mas, se nós queremos prejudicar o clube ‘x’, por que é que naquela situação o beneficiámos tão claramente?» Podem esperar. Esta decisão não foi uma decisão, foi um álibi para o futuro.

Se eu tivesse de apostar, agora, em qual dos dois está a trabalhar melhor o CD, até pelo que já disse, apostaria mais no Benfica. Mas está tudo em aberto. O Porto não é de facilitar nestas coisas, e trabalha a longo prazo.

Certo é que ambos estão, desde há muitos meses, a mexer-se para garantirem o domínio da nova ordem que advirá da passagem para a FPF da Arbitragem e da Disciplina.

Aos mais novos deve ser tornado claro uma coisa: a Liga Profissional de Futebol não surgiu devido ao grau de sofisticação, de boa vontade ou de súbita iluminação empresarial dos dirigentes. Ela surgiu porque a corrupção dos vários Conselhos dentro da Federação atingiu tal ponto, era de tal forma escandalosa, a ditadura do Porto era de tal forma esmagadora, que se tornou necessário arranjar maneira de lavar a situação. A criação da Liga (algo que estava na moda na Europa, nessa altura) e a passagem da Arbitragem, Disciplina e Justiça para a Liga foi a forma de mudar tudo para que tudo pudesse continuar na mesma.

Falava-se da Liga como se, de repente, as pessoas fossem mudar de carácter porque mudavam de sala, mas os dirigentes eram os mesmos, os árbitros eram os mesmos, os processos eram os mesmos, e poucos anos depois a escumalha que estava num lado (como algumas caras novas, como o Valentim Loureiro) já tinha passado para o outro, bem instalada na sede da Liga, no Porto. Talvez não saibam, ou não se lembrem, mas até o Pinto da Costa se deu ao luxo de ser presidente da Liga, apoiado pelo Manuel Damásio, o pior presidente na história do Benfica (sim, leram bem, o pior, e um dia falaremos disso).

O que se está a passar agora é a mesma coisa, mas com uma diferença. Enquanto naquela altura o que estava em curso era um fortalecimento óbvio do Porto, através da legitimação dos processos que esse clube usava para dominar o futebol português, por via de uma nova associação voluntária de TODOS os clubes, hoje, após o recuo imposto pelo Apito Dourado, e do confronto aberto com um Benfica de Vieira em fortalecimento, o que está em causa é a supremacia sobre a nova hierarquia, com o Porto a partir em vantagem, por motivos históricos e por causa de Pinto da Costa, mas a não estar claramente acima.

Mais que saber quem manda, hoje, no Vítor Pereira (o presidente do CA…), o que está em causa é sabe quem vai mandar nos vários Conselhos daqui por dois/três anos. É aí que há muitos pontos a ganhar. Foi aí que o Porto fez realmente a diferença na década de 90, passando-se de uma realidade em que as duas equipas ganhavam os campeonatos alternadamente para outro em que o Porto (com piores jogadores, note-se) passou a ganhar oito em dez, e o Benfica um em dez. Os sucessivos benefícios transformaram uma diferença mínima numa superioridade constante que, depois, se transformou numa hegemonia intocável.

A grande subtileza deste caso está nas duas últimas palavras do comunicado do CD, quando se fala na impossibilidade de fazer uma «interpretação extensiva» da norma constante no artigo.

Fazer uma «interpretação extensiva» da lei significa que, ao aplicar a norma jurídica ao caso, o decisor considera que, ao criar a lei, o legislador deixou a letra da lei aquém do espírito da lei (do pensamento e das intenções que a originam), e que, como tal, aquele que a interpreta deve dar mais importância ao espírito da lei do que ao que nela está escrito.

O CD optou por uma interpretação literal da lei, considerando que a letra da lei reflecte inteiramente o espírito que lhe está subjacente.

Também poderia ter optado por fazer uma interpretação restrita da lei – concluindo que o espírito da lei ficaria aquém da letra da lei.

É indiferente.

A subtileza, aqui, é que toda e qualquer norma jurídica tem de ser interpretada, e os vários tipos de interpretação permitem, a quem decide, interpretá-la como acharem melhor – ou como der mais jeito. Quem pensa que a lei é unívoca, está doido. A lei é o instrumento dos habilidosos e dos despudorados.

E é por isto que é importante controlar os homens que interpretam as leis. Porque, estando lá postos, eles não precisam de se justificar perante ninguém para fazerem o que querem. E fazem-no agindo dentro da lei, e com a força coerciva do seu lado.

A lei é sempre uma interpretação. E quando a lei não serve a ética ou o interesse comum, mas interesses particulares, a corrupção está instalada.

Este caso, em que os interesses particulares foram colocados acima da ética, e em conjunto com o clima de guerra civil latente é, para mim, liminar: vem aí mais um ciclo de pouca vergonha.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Choupanas mil


Alguns pontos sobre o empate na Madeira, por ordem crescente de importância:

1 – O empate com o Nacional não muda nada, no essencial, do que escrevi nos últimos dois posts. Nunca esperei que o Benfica chegasse ao jogo das Antas com onze vitórias em onze jogos. Por outro lado, a margem acaba aqui. Continuo a achar que o Benfica só manterá 25 por cento de hipóteses de ser campeão se ganhar os próximos dez jogos para o campeonato. Da mesma maneira que continuo a pensar que o Benfica só será campeão se o Porto fizer três maus resultados até esse jogo. O jogo da Madeira era o jogo mais difícil, para o Benfica, até ao das Antas (mais, na minha opinião, que a visita ao Guimarães ou ao Marítimo). Independentemente da forma como aconteceu, o resultado é um resultado normal no percurso de uma equipa que ganhe o campeonato, neste tipo de campeonato.

2 – No que toca a opções de gestão do plantel, que para mim era mais importante que o resultado, o Jesus deu uma no cravo e outra na ferradura, mas penso que deu mais no cravo que na ferradura. Entre o onze inicial e o melhor onze do Benfica faltariam Melgarejo, Gaitán e Cardozo (isto considerando as opções do Jesus, porque, se eu fosse o senhor do universo, o Ola John seria titular). Melgarejo está lesionado, Cardozo esteve parado duas semanas e não nos podemos esquecer de um factor fundamental quando se joga na Choupana: a partir dos 60 minutos, devido à altitude e à humidade, as equipas visitantes começam a correr para trás. Pela mesma razão aceito perfeitamente a não inclusão de Ola John, que jogou pela Holanda. Não acredito que tivesse mais de 30 minutos para dar. Por outro lado, a escolha de Urreta não se enquadra no normal descarte. À primeira vista, sim. Mas o rendimento que Urreta evidenciou mostra que está no ponto para que o treinador aposte nele não para fazer descansar alguém mas para sacar rendimento. Foi, sem dúvida, o melhor jogador do Benfica, e só aceito a sua substituição na perspectiva que já falei, de a Choupana exigir demasiado de um jogador que não faz 90 minutos há meses. É muito provável que, quando saíu, o Urreta já estivesse sem combustível.

Ou seja, o Jesus cumpriu: escolheu o campeonato. Isso, por si só, é positivo no que respeita a este campeonato, mas também porque demonstra aquilo que já sabemos: que o Jesus está sempre a aprender. Todo o conhecimento do Jesus é empírico, resulta da experiência. O Jesus é esperto, e esse é o seu ponto forte. Mas não é muito inteligente. E esse é o seu ponto fraco.

3 – Alguém disse um dia que o primeiro e fundamental passo para resolver qualquer problema é reconhecer que esse problema existe. Depois disso, em boa verdade, havendo persistência, é uma questão de tempo e engenho.

Para identificar um problema é preciso ter capacidade crítica (muitas vezes auto-crítica, que é ainda ais complicada). E só é possível ter capacidade crítica se se tiver capacidade de abstracção. O abstracto é aquilo que não é concreto. Existe no campo da ideia. Da possibilidade. Da teoria. As pessoas que pensam são tratadas como idiotas, como arrogantes, e muitas são isso mesmo, mas é uma verdade indesmentível que tudo o que é concreto, tudo o que o homem faz voluntariamente à face da Terra, nasce no abstracto, na ideia, antes de se concretizar em acções.

O empirismo, a aprendizagem pela experiência, resulta do concreto. A crítica resulta do abstracto. Estão a ver qual é o problema do Jesus?

O Jesus não entende o abstracto. Não acredita em teorias. É um Action Man. O fair play é uma treta (e é). Se o Benfica tem 17 vitórias em 20 jogos, se marca três golos por jogo, se só tem meia dúzia de golos sofridos, como é que é possível que alguém pense que não tem equipa para ser campeão? Só um idiota. Só alguém que não percebe nada de futebol. Porque o futebol é resultado. Certo? Errado.

Errado, porquê? Errado porque, depois, o Jesus é enganado, sem saber como. E porquê? Eu respondo porquê: porque não se abstrai o suficiente da sua filosofia de futebol.

Vou escrever aqui uma coisa que assumirei perfeitamente quer ele fique quer ele vá embora: se, em vez de dois ou três arrumadores de cones, o Jesus tivesse dois bons técnicos como adjuntos, o Jesus seria, a breve prazo, um dos cinco melhores treinadores do Mundo.

Eu repito. Com um Peseiro e um Jesualdo Ferreira como adjuntos, com a capacidade que o Benfica já mostrou para encontrar e contratar bons jogadores, com a capacidade que tem de mobilizar adeptos e a facilidade que demonstra em chegar, com facilidade, à alta-roda europeia (em cinquenta anos de competições europeias o Sporting nunca fez o que o Benfica fez, por exemplo, quando eliminou Manchester United e Liverpool, há uns anos, e isso nem foi nada de especial na história do Benfica), com a capacidade que o Jesus tem de aprender com aquilo que vê, em cinco/seis anos o Benfica estaria entre as dez melhores equipas europeias, seria melhor que o Porto e o Jesus estaria entre a elite dos técnicos mundiais – mesmo com chicletes, com a mania das grandezas e com todas as suas peculiaridades.

Mas essa não é a realidade.

A realidade é o Jesus a dizer que, em Braga, o Benfica «jogou em posse» na segunda parte, quando, de facto, o Benfica apenas tentou jogar em posse, não o conseguindo, obviamente, porque não sabe, limitando-se a perder bolas no meio-campo, sem defender nem atacar, ficando à mercê do discernimento do adversário.

A realidade é o Jesus a falar de uma equipa que «sabe controlar o jogo» quando, de facto, em quatro anos, e mesmo jogando em vantagem durante mais de metade do tempo, o benfica continua a ser uma equipa unidimensional, que só sabe jogar de uma maneira – «para a frente e em força» – e que, tendo de controlar um jogo ou através da posso de bola ou através do posicionamento defensivo, invariavelmente falha.

E isso vê-se todas as semanas. Vê-se em Braga, vê-se na Madeira, ou vê-se em Moreira de Cónegos. A meio da segunda parte desse jogo, há uma jogada em que o Matic tem a bola a meio do meio campo do Moreirense, já com o Benfica a ganhar. Tem a possibilidade de passar a bola nessa zona, fazendo aquilo que é, realmente, «a gestão da posse», necessitando, contudo, de arriscar um pouco, porque havia alguma pressão. Está, notem, a 70 metros da sua baliza. Em vez de manter a posse de bola nessa área, passa-a para trás, onde o central a recebe a vontade. O Moreirense sobe, e o central, novamente, em vez de manter a bola no ataque, fá-la recuar para  guarda-redes. Nessa altura, o Artur, já com o Ghilas em cima, chuta para a frente, e a bola fica solta.

Não se viu, naquele lance (um entre muitos), o mínimo esforço, ou o mínimo de trabalho, para fazer aquilo que o Jesus sabe que é o que deve ser feito, e que o Jesus pensa que estava a ser feito, que era manter a bola em circulação na intermediária adversária, sob alguma pressão, para, através de uma desmarcação, aproveitar o espaço e, num passe sem risco, atacar a baliza.

É apenas um exemplo.

Quem estiver suficientemente predisposto a isso encontra, em qualquer jogo do Benfica, dezenas de situações em que se consegue identificar falhas provocadas não pela falta de qualidade técnica ou física dos jogadores mas fruto de desconcentrações, erros posicionais, opções erradas, erros técnicos básicos, que, ao fim de quatro anos, e pela regularidade com que recorrentemente surgem, não podem senão ser produto de lacunas no trabalho diário. E quem as vê, e quem vai vivendo o dia-a-dia do clube, percebe perfeitamente que elas não são trabalhadas porque não são identificadas. Porque não há capacidade, antes de mais, para as reconhecer.

A realidade é uma equipa do Benfica que, estando num nível alto, internamente, faz tudo o que fazia de bom e de mau que já fazia há três anos, apenas com intérpretes diferentes.

A realidade é que, em 50 jogos que o Benfica faz em cada época, há 12/13 em que se decidem competições e 40 que servem para vender bilhetes, camisolas, jornais, jogadores, etc, e que, se não há nenhuma equipa mais bem preparada que o Benfica para ter bons resultados nestes 40 jogos, nos outros 12/13, em que tem de haver inteligência, cérebro, exigência, este Benfica continua a ser apenas uma equipa mediana. E é por isso que, provavelmente, vai voltar a perder o campeonato.

Não é por a bola ter ido ao poste, nem por causa do fora-de-jogo, nem por causa das lesões, nem sequer é por ter empatado com o Nacional da Madeira. O Nacional da Madeira pode empatar com qualquer equipa no seu campo, e isso não diminui essa equipa.

Mas ir empatar à Madeira por não se conseguir pôr em prática o plano de jogo adequado, por falta de engenho ocasional ou de sorte, é uma coisa.

Ir empatar à Madeira porque não se sabe, simplesmente, o suficiente para jogar esse jogo como ele tem de ser jogado – de forma cínica, concentrada, segura, controlando colectivamente a bola e o espaço de jogo – é outra.

E o Benfica não empatou por não ter conseguido fazer o que sabe – empatou porque não sabe fazer mais. Faltou-lhe, afinal, aquilo que não lhe pode faltar, sob pena de se tornar uma equipa apenas pouco mais que vulgar: a sorte do jogo.

Pode ser campeão? Pode.

Tem 25 por cento de possibilidades.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Metafísicas à parte (II)


O campeonato

Tornou-se claro, para mim, ao fim de pouco mais de um mês de Liga, aquilo que, antes, era muito provável: que haveria dois campeonatos para Benfica e Porto. Um campeonato até ao Benfica-Porto e um campeonato depois disso, totalmente condicionado pelo resultado do Benfica-Porto.

Confirmo-o completamente. A única coisa que não esperava era que a distância entre os dois e os restantes fosse tão clara, e isso ainda tornou maior a importância do resultado desse jogo.

A queda abrupta de qualidade das equipas de classe média e baixa, por motivos da crise económica (algo que já era visível na última época); a redução para 16 equipas, com a facilidade de calendarização para as equipas de topo (praticamente não houve jornadas da liga antes dos jogos europeus até agora); e a elevação do nível competitivo de Benfica e Porto por via da dinâmica desafio-resposta que se estabeleceu, desde há quatro anos, entre os dois, provocou uma regressão da exigência e uma distância entre essas duas equipas e as restantes que só encontra paralelo nos anos 70.

Não é por acaso que se fala tanto, hoje, dos campeonatos invictos do Benfica nos anos 70 (num deles até acabou invicto e perdeu para o Porto por diferença de golos, vejam lá…). O Porto fê-lo há dois anos e, provavelmente, a equipa que for campeã este ano voltará a fazê-lo. Voltámos ao tempo em que o Amora, o Alcobaça, o Estoril, iam à Luz, levavam um cabaz e vinham satisfeitos por o jogo ter acabado. A última vez que vi uma coisa destas foi no tempo da primeira passagem do Eriksson pelo Benfica.

Também não é por acaso que, em duas épocas seguidas, Benfica e Porto tenham feito, em conjunto, aquelas que terão, sido, provavelmente, as melhores primeiras voltas dos últimos 50 anos. Em épocas normais, uma equipa que chegasse ao fim da primeira volta com seis pontos perdidos em 45 possíveis seria campeão virtual. Nas duas últimas, isso acontecerá duas vezes a equipas que não vão ganhar o campeonato.

Neste cenário, só uma falta de comparência cerebral poderia levar alguém a dizer que o Benfica-Porto e o Porto-Benfica não seriam decisivos. Tal como anos 70, feitas as contas, a equipa que ficar por cima no confronto directo entre os dois primeiros ganha o campeonato. E isso pode acontecer quer pelos pontos em si quer pelo desinteresse que um mau resultado terá nos outros jogos – foi o que aconteceu ao Benfica, por exemplo, claramente, o ano passado, depois de perder na Luz. A diferença real entre as duas equipas era inferior que a diferença pontual no final do campeonato, e esta só aconteceu por causa da vitória do Porto. Em caso de empate, por exemplo, o Porto teria sido campeão, certamente, mas apenas com dois ou três pontos de avanço.

Para efeitos da competição, o 2-2 da Luz poderá ser tão decisivo no final como foi o 3-2 do ano passado. O resultado do Benfica-Porto condicionou o resto do campeonato.

Se tivesse ganho (e considerando que ainda não tinha jogado em Braga) o Benfica passaria a ter 65 por cento de hipóteses de ser campeão. Com aquele empate, iniciou-se um novo campeonato em que o Porto passou a ter 85 por cento de hipóteses de ser campeão. Com a improvável vitória em Braga, o Benfica ganhou um balão de oxigénio que passa as suas hipóteses para 25 por cento, contra 75 por cento do Porto. Mudou alguma coisa, mas não mudou o fundamental.

Este novo campeonato é marcado pelo facto incontornável de as duas equipas se encontrarem nas Antas, na penúltima jornada, e é daí que resulta a probabilidade que assumo atrás.

Realisticamente, para ter mais que apenas uma escassa hipótese de ser campeão, o Benfica precisa de chegar a esse jogo com quatro pontos de vantagem sobre o Porto. Considerando a diferença de qualidade colectiva, de carácter e de agressividade, e considerando o ambiente específico que se encontrará no Porto num cenário de final para atribuição do título e os antecedentes históricos, este Benfica, a precisar de empatar ou de ganhar para ser campeão, não teria mais de 25 por cento de hipóteses de o conseguir – e é uma estimativa optimista.

Alguém lembrará a ocasião em que o Benfica, há 20 anos, foi ganhar ao Porto quase nas mesmas condições, ao que eu respondo que esse Benfica, do Eriksson, era uma equipa muito mais sólida do que esta, apesar de menos talentosa, e que esse Porto, do Artur Jorge, em reconstrução, era uma equipa muito menos dominante que o Porto que conhecemos hoje.

(O Pinto da Costa, por outro lado, já era o mesmo, assim como a «estrutura», de que fazia parte o famigerado Guarda Abel, que, para criar bom ambiente, inventou que o árbitro Carlos Valente – o Pedro Proença da altura – tinha viajado para o Porto no mesmo comboio da equipa do Benfica. Uma completa mentira. Gente séria, agora e sempre. Exemplos de desportivismo. Cabeça semelhante a essa só quando o Benfica foi às Antas ganhar a final da Taça no início dos anos 80, porque o Pinto da Costa disse que não queria jogar no Jamor. Ah, pois é. Há mais coisas entre o céu e a Terra do que a espuma destes dias que hoje correm.)

Quer isto dizer, friamente, que, em vinte jogos em que este Porto tivesse de ganhar a este Benfica, em casa, para ser campeão, na penúltima jornada, só não ganharia cinco.

Essa é a premissa fundamental: estamos numa situação em que, claramente, será o Porto a perder o campeonato, mais que o Benfica a ganhá-lo – tal como aconteceu, inversamente, na última época, sobretudo após o Benfica ter ganho uma vantagem de 5 pontos, tendo já empatado nas Antas na primeira volta.

Quatro pontos. São dois resultados. Em onze jornadas. Para isso acontecer, Benfica e Porto têm de desempenhar o seu papel. O Benfica tem de acertar quase tudo, o Porto tem de falhar muito mais do que o que falhou até agora.

O Jesus conta com o Sporting para fazer um desses resultados, e conta bem. Sem o Sporting, o Benfica muito dificilmente será campeão.

Num cenário de pormenores, e de clara superioridade, as equipas perderão por falhas de concentração, cansaço ou lesões. Nesse aspecto, a próxima eliminatória europeia será um momento potencialmente decisivo.

Estou mais do que convicto de que o sucesso do Benfica no campeonato passa, inevitavelmente, pelo apuramento do Porto nos oitavos-de-final da Champions, e que quanto mais o Porto avançar maiores serão as hipóteses do Benfica ser campeão – deve notar-se, neste aspecto, que, passando o Málaga, o Porto tem alguns potenciais adversários acessíveis, tal como o Shalke 04/Galatasaray, o Valência/PSG ou, até, o Shaktar, se eliminar o Dortmund. Mesmo que não lhes ganhe, o estatuto relativo chega para fazer sonhar e para distrair.

O apuramento para os quartos-de-final colocaria o Porto a lutar em duas frentes até 10 de Abril, e com a ideia inevitável (e certa) de que o campeonato seria um objectivo mais fácil e secundário (até porque os jogadores que lá estão já ganharam dois seguidos). Pelo meio, casados com as eliminatórias, há jogos fora, por exemplo, com Marítimo e Académica, o jogo em casa com o Braga, além dos outros que, sem a Champions no subconsciente e no corpo, são mero cumprimento de calendário.

Mesmo com a Champions, note-se, as probabilidades do Porto fazer três ou quatro maus resultados em onze jogos são pequenas.

Porquê três ou quatro? Porque, se forem só dois, o Benfica teria de conseguir algo de extraordinário até chegar ao jogo das Antas: ganhar mais 11 jogos seguidos para o campeonato, sendo um deles com o Sporting, sempre imprevisível, e cinco fora de casa (Nacional, Beira-Mar, Guimarães, Olhanense e Marítimo). Não vai acontecer. Na melhor das hipóteses, ganha 10 e empata 1. É nessa melhor hipótese que o Jesus tem de decidir se deve apostar antes do jogo com o Nacional, que é, provavelmente, o mais importante que vai ter até ir jogar às Antas. Por várias razões.

Se o Porto for eliminado pelo Málaga, as hipóteses do Benfica, como já disse, serão reduzidas. A decisão dessa eliminatória com o Málaga será feita a 13 de Março. A 3 de Março, o Porto vai a Alvalade. Três dias depois da segunda mão, vai ao Funchal jogar com o Marítimo. Por essa altura, muito do que tiver de acontecer já terá acontecido. Entrámos no mês fulcral do campeonato. Para ser campeão o Benfica tem de chegar vivo a dia 13, e de preferência à frente do Porto.

Se não chegar a 16 de Março com 2/4 pontos de avanço sobre o Porto, as hipóteses do Benfica ser campeão passam por ganhar nas Antas o jogo do título. 5 por cento. Se esse for o cenário, então sim, justifica-se completamente que o Jesus aposte tudo na Liga Europa, se ainda lá estiver. Porque o campeonato, em teoria, estará praticamente perdido. (O Benfica até pode ganhar nas Antas, note-se, mas, se o conseguir, considerando o seu estilo de jogo, será por pura sorte. Tal como qualquer APOEL, Dínamo Zagreb, o Sporting ou o Marselha lá ganhariam: com alguma qualidade, claro, mas graças à sorte.)

Até dia 14 de Março, o Benfica tem nove jogos – onde se incluem duas eliminatórias da Liga Europa – jogando com o Nacional, fora, antes da 1.º mão dos 16-avos, e com o Beira-Mar, fora, antes da 1.ª mão dos oitavos. A seu favor tem o facto de ter duas jornadas consecutivas em casa entre esses dois jogos.

Se passar aos oitavos, três dias depois da segunda mão vai jogar a Guimarães (onde é que nós já vimos isto?).

Consultem o calendário que vem na Bola, que é bom para pôr as coisas em perspectiva.

Em conclusão, o jogo com o Nacional é muito importante por duas razões:

- em primeiro lugar, porque, para chegar à bifurcação – o dia em que o Porto pode ser  apurado frente ao Málaga – em condições ou de continuar a lutar pelo título ou de poder apostar na Liga Europa, precisa de ganhar os próximos cinco jogos para o campeonato, dos quais o da Madeira é, claramente, o mais difícil;

- em segundo, porque o jogo da Madeira revelará o pensamento real do Jesus relativamente às prioridades.

Qualquer ideia que não passe por dar absoluta (a 100 por cento) prioridade às já pequenas hipóteses de ser campeão resultarão na perda do campeonato. O Jesus sabe disso. E a questão que está aqui em causa, na verdade, é saber se o Jesus ainda acredita que pode ser campeão o não.

É possível que não acredite. Até é natural. Quando se sabe que se tem 25 por cento de se ganhar uma aposta, aposta-se ou muda-se de mão?

É para tomar este tipo de decisões que o Jesus ganha bem, e tem de tomar uma até domingo.

Seria muito mais racional (até para os dirigentes, provavelmente) fazer as contas por baixo, guardar o que já se tem e mudar de mão. O Benfica tem o apuramento directo para a Champions garantido e vai ganhar a Taça – o que é sempre bom, porque não há mais jogos depois disso e a última imagem é sempre a que fica. Tem algumas hipóteses de passar o Leverkusen e de, se apostar muito nisso, chegar às meias-finais da Liga Europa. Seria uma época mais que razoável (caramba, no Sporting seria uma grande época. O Paulo Bento ficou lá três anos à conta disso…). Até podia calhar ir à final. O jogo do título foi o jogo da Luz, com o Porto, e o Benfica não ganhou. «Fica para o ano…», terão pensado os mais realistas.

Mas terá o Jesus pensado assim? Porque o Jesus, enquanto anda a viajar na maionese, é lunático, mas depois de aterrar torna-se um tipo bem realista.

Se for para a Madeira a poupar jogadores, o Benfica, mesmo ganhando, passará a mensagem mais importante, incluindo para os próprios jogadores: o campeonato é secundário.

Se, pelo contrário, o Benfica jogar com a melhor equipa na Madeira e for a Leverkusen (ainda por cima é fora…) com alguns suplentes – por exemplo, se meter o Maxi, o Gaitán, o Garay, o Enzo Pérez no jogo do Funchal – não só tem mais hipóteses de ganhar como deixará outra mensagem: a de que, mesmo com escassas hipóteses de ser campeão, a aposta continua a ser essa.

O Benfica até pode empatar na Madeira (perder, não), desde que ganhe os dez jogos seguintes, mas, se der tudo o que tem para ganhar, estabelecerá o cenário em que decorrerá o campeonato até ao final. E colocará o Porto, finalmente, sob pressão – algo que ainda não aconteceu e que, para que este venha a deixar fugir o título, tem mesmo de acontecer.

Se jogar com os titulares todos nos dois jogos, é fácil: é sinal de que vai acontecer o que já aconteceu no ano passado. Até pode ganhar um dos dois jogos, mas no fim perderá, mais ou menos rapidamente, o campeonato e a Liga Europa. Porque quer dizer que o Jesus embarcou no modo «rebenta cavalos», em que joga sempre com os melhores e depois começa a substituí-los à medida que eles vão ficando pelo caminho. Sendo assim, daqui a mês e meio estamos todos à espera que a final da Taça chegue depressa.

Em síntese, ansioso não estou muito (25 por cento é pouco…) mas curioso estou.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Metafísicas à parte (I)


Deixemos as metafísicas de lado, por hoje (só por hoje…), e falemos de resultados.

Ontem, na «coluna-Gestapo» que o Record tem no lado esquerdo da página inicial da secção atribuída a cada um dos grandes – aquela em que os jornalistas que «acompanham» o dia-a-dia da equipa escrevem dois ou três parágrafos dignos de figurar num qualquer facebook das claques respectivas – o João Qualquer Coisa Rodrigues chamava a atenção para a necessidade de não ser demasiado exigente com o Jesus e com a equipa do Benfica, dados os resultados alcançados até agora.

«Não se deve deitar a perder tudo o que já foi alcançado por causa de pormenores como o goal-average», escrevia o Qualquer Coisa Rodrigues, notando que o Benfica estava em primeiro no campeonato, (praticamente) na final da Taça, nas meias-finais da Taça da Liga e nos 16-avos da Liga Europa.

É o tipo de coisa que se espera encontrar na coluna-Gestapo.

(Abrindo um parêntesis, a lógica da coluna-Gestapo é a seguinte:

- os jornalistas dos desportivos têm de levar com as máquinas de propaganda azul-vermelha-verde todos os dias, e têm de as confrontar com rumores quase todos os dias. Também estão sujeitos a pressões, todos os dias, por parte dos adeptos. Ser um «jornalista de grande» é um ofício diário de pressão e negociação, com tudo e com todos, até dentro das respectivas redacções.

De um «jornalista de grande» não se espera grandes notícias, não se espera objectividade e nem sequer se espera que diga a verdade. A função do «jornalista de grande» não é denunciar casos nem criar assuntos mas manter uma máquina de fabricação de caracteres e preenchimento de colunas que venda jornais, 24 horas por dia, 7 dias por semana. É a economia. Ocasionalmente (muito ocasionalmente), o que mantém a máquina a funcionar é a verdade, ou a objectividade, e lá aparece uma notícia relevante. Se querem saber a verdade, ou algo aproximado, sobre os clubes grandes, têm de esperar que os jornalistas não comprometidos lá cheguem. Não é por serem melhores - os jornalistas desportivos até têm de ter um estofo superior aos dos seus colegas «convencionais»: é por terem mais espaço de manobra.

A coluna-Gestapo é a síntese dessa lógica. Os jornalistas usam aqueles 1000 caracteres para apaziguar os ânimos, para agradar a determinadas franjas de adeptos (de preferência ao maior número possível de adeptos), para transmitir determinadas mensagens que lhes são veiculadas especificamente pelas estruturas de comunicação dos clubes, ou para ganhar lastro negocial que lhes permita, noutras situações, pedir um pouco mais do que o normal, ter um acesso especial ou, em casos extremos em que vão contra o sistema de relacionamento instituído, argumentar em favor próprio apresentando a sua cumplicidade em casos anteriores.

É normal, por exemplo, ler-se aí considerações ao comportamento dos jogadores, sobretudo durante o período de transferências (veja-se o caso do Rolando), expectativas em relação a novas contratações (Kléber, Izmailov…) ou, mais raramente, críticas a alguns elementos de que a «estrutura» espera mais em termos de rendimento. Quando qualquer uma destas coisas acontece, acontece com o beneplácito ou, quanto muito, com o consentimento, por omissão, dos clubes.

No caso do Porto isso é mais visível, por um lado porque a «estrutura» é mais antiga e mais profissional, e por outro porque, ao contrário do que acontece em Lisboa, os jornalistas são praticamente todos adeptos do clube, e por isso mais permeáveis ao «interesse de Estado», mas a lógica é a mesma.

A coluna-Gestapo destaca-se por fazer opinião, «sustentada», geralmente, nas «notícias» que são, no mesmo dia, apresentadas nas três/quatro páginas seguintes, e por isso é um espaço relativamente importante para os clubes. Aí criam-se temas de discussão, lançam-se lebres, e algumas até acabam perseguidas pelos perdigueiros. A eficácia das máquinas de comunicação clubística – a capacidade de controlar o fluxo da informação e as ideologias de pacotilha que ela serve – pode medir-se, perfeitamente, pelo grau de liberdade crítica real dos jornalistas que escrevem na coluna-Gestapo.

Mas, voltando aos resultados…)

É normal que o Qualquer Coisa Rodrigues use a coluna-Gestapo para deitar barro à parede, mas a leitura que ele fez não é objectiva.

Objectivamente, a verdade é a que se segue. «Tudo o que já foi alcançado», neste momento, é zero. Nada foi alcançado. No ano passado, por esta altura, os resultados do Benfica eram melhores do que os deste ano, e, no fim, segundo a perspectiva instalada, a época foi um fracasso.

Havia cinco pontos de avanço no campeonato, apesar da Taça de Portugal já estar perdida. Estava melhor que este ano, na minha opinião.

Havia um apuramento para os oitavos-de-final da Champions. Muito melhor que este ano.

Um apuramento para as meias-finais da Taça da Liga. Igual a este ano.

E o que havia, como se comprovou, era o mesmo que este ano: por enquanto, nada.

Falemos em hipóteses – uma tentativa de unir subjectividade e objectividade, que não me agrada muito, mas, ainda assim, possível e relevante.

O Benfica tem 25 por cento de hipóteses de ser campeão nacional, 90 por cento de hipóteses de ganhar a Taça de Portugal, 30 por cento de hipóteses de ganhar a Taça da Liga (se o Porto for eliminado, como está nos regulamentos), 3 por cento de chegar à final da Liga Europa e 1 por cento de hipóteses de a ganhar.

 A Liga Europa

Comecemos pelo fim. A Liga Europa é uma competição residual, em termos de hipóteses de sucesso intrínseco, na época do Benfica, e potencialmente fundamental em termos de importância dos efeitos secundários que pode gerar.

Com equipas como o Zenit, o Olympiakos, o Leverkussen, o Chelsea, o Nápoles, o Tottenham, o Lyon, o Ajax, o Inter, o Atlético de Madrid ou a Lazio, a passagem à final não é impossível, nem a vitória na final, mas quase, e exigiriam, de um plantel curto como é o do Benfica, um esforço insuportável – já para não falar de uma dose de sorte muito considerável para uma boa parte destas equipas se eliminar entre si.

É um logro, mas é um logro perigoso porque os adeptos do Benfica estão muito predispostos a cair nele e porque o treinador do Benfica tem a ambição de treinar no estrangeiro, e vê nas competições europeias a sua única oportunidade real de isso vir a acontecer.
Além disso, o Jesus é de outro tempo, Lembremo-nos de que ele continua a dizer que ganhou uma competição europeia, a irrisória Taça Intertoto - que no meu tempo era a Taça do Totobola, porque permitia que houvesse apostas durante o Verão. Apesar de ser bem mais velho, o Jesus ainda é do meu tempo: um tempo em que ganhar uma Taça UEFA ou uma Taça das Taças era uma coisa muito importante. Hoje, é só uma coisa apenas relativamente importante. É uma coisa para puristas. Para a «elite pensante» do futebol, é mais importante chegar aos quartos-de-final da Liga dos Campeões que ganhar a II Divisão que é a Liga Europa. Basta ver que, até ao aparecimento da Champions, as equipas portuguesas só chegaram às meias-finais de qualquer dessas competições duas ou três vezes, e que, nos últimos dez anos, praticamente todas as épocas lá vão. Há dois anos, as meias-finais da Liga Europa pareciam as meias-finais da Taça da Liga portuguesa. Até o Sporting lá chega de dois em dois anos, e isso diz tudo.

A Liga Europa será muito mais importante para o campeonato do Benfica, para o bem ou para o mal, do que para a própria Liga Europa – a começar já este fim-de-semana. É uma carta solta no baralho do Jesus, um jóquer que tanto o pode matar como pode virar o jogo a seu favor, dependendo de como este se vá desenrolar. Mas já lá iremos.

 
A Taça da Liga

Da maneira como o cenário se está a montar, a Taça da Liga é a tal competição que os jornais determinaram que o Braga vai ganhar para abrilhantar a «era-Salvador». Segundo o plano, devia ter sido a Taça de Portugal (assim faziam a dobradinha…), mas o futebol é injusto.

Considerando a previsível escassa importância que a meia-final terá, na altura, comparativamente, para um Benfica já desgastado por um Fevereiro com seis jogos; considerando a habitual Sarajevo que o Benfica encontra em Braga; considerando a pouca diferença real de qualidade entre as duas equipas, o Braga jogará a final da Taça da Liga com o Rio Ave (?) e ganhará. Apesar do Peseiro.

Até é bom. Assim que uma das equipas do arco do poder (Porto, Braga, Sporting) ganhar a Taça da Liga, a competição, magicamente, tornar-se-á relevante na comunicação social e deixará de ser a Taça da Cerveja. As equipas honestas, que trabalham, que ganham à custa do suor, e não dos árbitros, não ganham Taças da Cerveja. Nem sequer competem em Taças de Cerveja. Só ganham taças a sério.

Nessa altura, a Taça da Liga começará a valer tanto como a Supertaça Cândido de Oliveira, por exemplo – essa excelsa competição entre duas equipas, disputada antes de começar o campeonato nacional, que, na relação exigência-glória, é a mais valiosa de Portugal, pela simples razão de que, valendo tanto, em termos nominais, como um campeonato nacional, e existindo apenas há trinta e poucos anos, permitiu ao Porto tornar-se no clube mais vitorioso do futebol português, segundo os cânones vigentes de que as competições são todas iguais ao litro.

É claro que há a desvantagem de, quando alguém do trio SPortBra (agora lembrei-me de um wonderbra para três tetas…) ganhar a Taça da Liga, o Benfica já ter uma série delas de avanço. O futebol é injusto. Mas acho que já disse isto.

 
A Taça de Portugal

Não dou como certo que o Guimarães elimine o Belenenses. Há dinâmicas diferentes entre equipas que jogam sempre para ganhar e equipas que jogam para não perder que, às vezes, esbatem diferenças de qualidade. Além disso, não há uma diferença de qualidade assim tão grande entre uma equipa que está em sexto lugar numa I Liga nivelada muito por baixo e uma equipa com 20 pontos de avanço em primeiro numa II Liga muito competitiva.

Mas, com Vitória ou Belenenses, o Benfica tem 90 por cento de hipóteses de ganhar a final. Por um lado porque é muito melhor, por outro porque é a final da Taça, e finalmente porque, provavelmente, na altura em que se jogar a final, a Taça de Portugal será a única coisa que o Benfica ainda pode ganhar nesta época.

Só a história do Jesus, e do pai do Jesus (Virgulino? Armandino? Saturnino?...), da promessa, o folcore todo, mesmo sem o Benfica, já seria suficiente para os jornais decidirem quem é que teria de ganhar a Taça.

Não vai ser o Benfica a ganhar a Taça, vai ser o Jesus. E o homem até merece.

(amanhã há mais…)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

«Tu não és mauzinho...»


Hoje ainda não me apetece falar de coisas sérias. Ando em desmame do stress dos exames e desde a semana passada que praticamente só falo aqui de corrupção, corruptos e fruta fora de época. Apetece-me disparatar um bocado.

Em Aveiro aconteceu um daqueles fenómenos inexplicáveis em que o futebol é fértil: o Braga, a jogar com o Paulo Vinicius e com onze jogadores nos últimos dez minutos – por via de nenhum dos seus centrais ter sido escandalosamente expulso depois de um avançado do Beira-Mar ter tropeçado na sua própria perna de propósito quando ia sozinho para a baliza –, o Braga, dizia, levou três golos do Beira-Mar.

Como dizia o Gabriel Alves, o futebol é isto. Imprevisível.

Em Vila do Conde, o Sporting do Joãozinho fez o seu segundo melhor jogo «da era Jesualdo Ferreira» e acabou com o mesmo resultado que teria acabado o «melhor jogo da era Jesualdo Ferreira», uma semana antes, frente ao Vitória de Guimarães, se o Xistra (sempre tão caseiro…) não tivesse fanado ao Vitória um penálti do tamanho do Marquês de Pombal no último minuto.

Deve notar-se, aqui, duas coisas.

Primeiro, que a boa vontade com que esse lance foi tratado e rapidamente esquecido nos leva a crer que, de facto, o caso do Sporting é, actualmente, de solidariedade nacional, semelhante ao das avalanches da Madeira ou do temporal de há quinze dias. Vamos ver se, daqui por mais ou menos um mês, quando o Porto vier jogar a Alvalade se mantém o espírito de salvação do Sporting ou se, em sinal de gratidão, se abrirão avenidas de boa vontade para Izmailov, Liedson, Moutinho, Varela e companhia aí passarem com facilidade uma etapa potencialmente decisiva para o título.

Há muitas maneiras de ser enganado, mas ser enganado sucessivamente pelo Porto como o Sporting é enganado e reagir como o Sporting reage faz-me lembrar aquela anedota do caçador e do urso.

Resumidamente, o caçador anda a tentar caçar um urso. O urso apanha-o sempre, baixa-lhe as calças, diz-lhe «tu és mauzinho», e arromba-o todo.

A certa altura, o caçador volta a insistir, o urso volta a apanhá-lo e chega a uma conclusão óbvia: «Tu não és mauzinho, gostas é de levar no rabinho.»

Do jogo de Vila do Conde ficou-me a confirmação de que o miúdo Oblak tem um instinto para a baliza que raramente vi num guarda-redes de 20 anos e que o outro miúdo Diego Lopes tem atrevimento e futebol nos pés suficientes para, no Benfica ou noutro Benfica qualquer, ser um jogador a sério.

A talho de foice, li, em qualquer lado, um comentário indignado de um sportinguista a dizer que o Adrien devia ter sido convocado para a selecção em vez do André Gomes. Quando acabei de tossir, limitei-me a concluir que, com 19 anos, o André Gomes tem mais futebol no pé direito do que o que o Adrien vai ter no corpo inteiro quando tiver 30. E o Adrien até é bom jogador.

Hoje também percebi, finalmente, a lógica do número 89 do André Gomes. 8, 9…10, quando o Aimar se reformar. É a progressão natural.

Devo dizer que não fiquei minimamente preocupado com a «ausência» do Benfica no mercado de Janeiro. O jogador de que o Benfica precisa não se compra em Janeiro, em saldos. Compra-se com tempo, no verão, tal como foram comprados o Javi Garcia, o Witsel, o Garay, o Ola John, o Matic, e praticamente todos os que fazem a diferença. Os que vêm em Janeiro, regra geral, só vêm fazer despesa. Também não acho que vá ser por falta de um médio-centro que o Benfica não vá ser campeão, que deixe de ganhar a Taça ou que não chegue às meias-finais da Liga Europa. Para isso, considerando a concorrência, os que la estão chegam, desde que sejam aproveitados.

Para ser campeão, o Benfica precisa de chegar a Março com os seus jogadores fundamentais – Luisão, Garay, Matic, Aimar, Gaitán, Salvio e Cardozo – a produzirem perto dos 100 por cento. Se isso não acontecer, não é por chegar mais um titular que o Benfica se safa.

O Bruno César não faz falta nenhuma – não é, nem nunca foi outra coisa senão um tique de novo-riquismo do Jesus, e o facto de aparecer algumas vezes no jornal, por jogar no Benfica, não invalida esta evidência – e o Nolito, apesar de eu continuar a achar que o Jesus não o soube aproveitar, também não, simplesmente porque nunca foi um jogador do Jesus mas do Rui Costa.

O Benfica tem o Gaitán e o Ola John, que jogam nos dois flancos, o Salvio, o Urreta, ao que parece, está a evoluir, e o Miguel Rosa, apesar de não ser grande espada e ser um jogador relativamente burro (até se enquadra bem…), tem rodagem e, com a moral que leva se for chamado à equipa principal, até é menino para decidir um jogo e dar uns pontintos.

Aquilo que o Benfica conseguiu foi, na verdade, equilibrar o plantel, ao retirar-lhe os excessos e subindo a responsabilidade aos jogadores que lá estão.

Repito: neste campeonato, em que o sexto leva 4-0 do primeiro, em casa, sem que o primeiro tenha de meter a quarta, este plantel chega. Se o Benfica vier a perder pontos inesperados não será por falta de jogadores, mas por falta de concentração ou por opções erradas por parte do Jesus – jogar com o melhor onze com o Leverkussen em vez de guardar jogadores para o campeonato, por exemplo, como aconteceu no ano passado antes do jogo em Coimbra, em que uma vitória teria dado o título ao Benfica.

Para mim, com o Leverkussen, é o jogo ideal para dar minutos ao Aimar, ao Luisinho, ao André Gomes, ao Urreta, ao Rodrigo, ao André Almeida. Para ninguém ter dúvidas nenhumas (começando pelos jogadores) sobre quais são as prioridades da época.

Aliás, para acabar com a minha habitual nota catastrofista, e após ver o desempenho da equipa nas últimas semanas, não tenho dúvidas nenhumas de que se o Benfica não for campeão esta época será pela exacta mesma razão que não foi na última: porque não quer. E como não quer, não vai fazer o suficiente por isso.

Quando há nem que seja uma hipótese em vinte do campeonato ser decidido «à Calabote», por goal-average, não se ganha 2-1 ao Moreirense quando se pode ganhar por 5-1, não se dá 3 ao Setúbal quando se pode dar 7 (e resolver logo, de uma vez por todas, a questão do goal-average), não se ganha 2-1 ao Braga, de aflitos, quando se tem a hipótese de fazer um resultado histórico – que é o que teria acontecido se o Benfica tem sabido jogar a segunda parte frente a este Braga.

Hoje, os jogadores do Benfica estavam a guardar-se exactamente para quê, que eu não percebo? Para o jantar? Para a folga?

O Aimar, por exemplo, entrou exactamente para quê? Para mostrar a camisola? Se foi para ganhar ritmo, o ritmo a que ele jogou tem é de ser perdido, porque, assim, nem para o Qatar serve.

Certo, não era preciso.

Daqui a umas semaninhas, quando me vierem falar de árbitros, voltamos a conversar sobre o que é preciso.

Mas não quero acabar com azedume. Afinal, o Benfica até ganhou. Prefiro salientar uma pequena nota que não é minimamente de desprezar quando se conjecturam cenários futuros de igual sucesso desportivo entre Benfica e Porto – o que não acontece neste momento. Se se pegasse na assistência que esteve ontem na Luz – num domingo à noite, no princípio de Fevereiro (e quem tem de pagar as contas da casa sabe ao que eu me refiro, porque os dois primeiros meses do ano, a seguir ao Natal, são sempre os piores), com um frio do caraças, frente a um Vitória de Setúbal fraquíssimo, com o Benfica sem ganhar nada de jeito há dois anos – e se a transplantasse para as Antas, o Porto teria feito uma das melhores casas da época.

P.S. - Aliás, fui confirmar, e esta época o Porto ainda não conseguiu meter 39 mil espectadores em casa em nenhum jogo. Nem com o Sporting.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O melhor condutor do mundo


Há coisas importantes para dizer sobre o Benfica, e serão ditas até ao próximo domingo, mas não quero deixar passar a oportunidade para deixar aqui uma mensagem de júbilo e boa esperança para todos os jovens benfiquistas que por aí andam e que possam sentir-se esmagados pela mensagem diária passada pela cultura dominante do regime (a última é a de tentarem fazer do Vítor Pereira um Guardiola, e é de cagar a rir).

Quero lembrar-vos de um anúncio que passava na televisão quando eu era pequenino, e de que já falei aqui uma vez a propósito do Jorge Jesus. Descansem, hoje ainda não vou falar-vos do Jesus.

Nessa altura, em que aqui o tio Hugo tinha uns dez aninhos, ainda só havia dois canais de televisão, mas já havia alguns automóveis, filas na ponte sobre o Tejo, já havia bêbedos e de vez em quando havia acidentes de automóvel. O anúncio era uma caneta Bic que começava a traçar uma linha em cima de uma folha de papel, e uma voz a dizer: «O (vamos chamá-lo assim) Jorge é o melhor condutor do mundo.»

A linha ia avançando, em linha recta. À medida que o Jorge bebia um copo aqui e outro copo ali tornava-se mais errática, até que, a dado momento, já com o Jorge completamente embriagado, o carro estampa-se.

A mensagem de boa esperança que eu vos quero deixar é uma profecia e é a seguinte: estão a ver o Sporting de agora? O Sporting dos Roquettes, dos Batanetes, dos doutores e engenheiros? O Porto de agora a 20 anos vai ser igual.

Porque é que eu digo isto?

Porque o Jorge é o melhor condutor do mundo, mas o ziguezague já começou há um bom tempo.

Em Novembro, por exemplo, o Jorge pediu 30 milhões de euros emprestados, com um juro de 8,5 por cento, para conseguir pagar o empréstimo anterior e, ao que se disse, financiar o reforço da equipa no mercado de Inverno. A empresa do Jorge, note-se, deu um prejuízo de 37 milhões de euros apesar de, no espaço de 18 meses, ter vendido jogadores num valor de mais de 100 milhões.

O Jorge, ao que parece, pagou o que faltava pagar do empréstimo anterior e, em Janeiro, reforça a equipa com um jogador de 30 anos e outro de 35 a custo zero (apesar de ser curioso como se nota que «o clube vai poupar os salários de Rolando até ao fim da época» e pouco se falar dos encargos 3 a 4 vezes superiores que apenas aqueles dois jogadores representarão).

Em Janeiro, pelo contrário, o Jorge pagou mais empréstimos. Pagou um empréstimo de 4,125 milhões (reaquisição dos 37 por cento do Moutinho) a um juro de cerca de 75 por cento, e outro de 2,55 milhões à insuspeita Gol Football Luxemburg (a reaquisição de 35 por cento do James), fazendo, aqui, o negócio do século: por esses 2,55 milhões que recebeu em Dezembro de 2010 o Jorge pagou, pouco mais de um ano depois, segundo o comunicado feito à CMVM, 8,75 milhões de euros, ou seja, três vezes e meia aquilo que recebeu.

Significa isto que, para conseguir manter uma equipa de 100 milhões de euros capaz de não mais que chegar a Janeiro em igualdade pontual no campeonato com o Benfica, o Jorge se sentiu forçado, só nestes dois casos (James e Moutinho), e em menos dois anos, a perder 10 milhões de euros para fazer negócios que não tinha dinheiro para fazer.

Quando a fuga para a frente é desta dimensão, o facto de, em 2015, inevitavelmente, o Jorge vir a ter de contrair um novo empréstimo obrigacionista para poder pagar os 33 milhões que vai estar a dever, é apenas um pormenor de gestão corrente.

Que o Jorge já está, não apenas a errar, mas numa espiral desastrosa, só não é ainda evidente para todos porque, como dizia o amigo major, «esta merda também tem de ter um bocado de folclore».

Continuará a não ser evidente quando, após vender o James e o Moutinho por 70 milhões no Verão, e depois de chegar aos quartos-de-final da Liga dos Campeões, apresentar um «lucro recorde» de cerca de 15 milhões de euros. Pelo contrário. Far-se-á folclore com o recorde e, provavelmente, com o título conquistado à tangente, provavelmente graças a uma nova vitória directa sobre o Benfica, nas Antas, na penúltima jornada do campeonato. Tudo isso alimentará o monstro, e os adeptos farão questãode não querer ver mais nada além disso.

Continuará a não ser evidente enquanto houver troféus para exibir.

Mas começará a tornar-se evidente quando a lei das probabilidades, que é tão inexorável como a lei da gravidade, retirar ao Jorge o pechisbeque brilhante com que ele vai encadeando os tolos.

Não será imediatamente evidente. Falar-se-á, então, de roubos de igreja, de Calabotes, da cegada do costume, que já dura há 40 anos, mas, basicamente, o que o Jorge fará será aquilo que fez há dois anos:enquanto atira poeira para os olhos do povo, vai voltar a endividar-se com o que tem e com o que não tem para poder concorrer com um rival que tem mais recursos. E, provavelmente, vai voltar a ganhar por mais dois ou três anos. Mas na mesma lógica, e cada vez mais enterrado na dívida.

Dirá, então, que a dívida não é um problema, porque o Benfica também a tem, e muito maior – o que é verdade, e se justifica por o Benfica, empurrado por uma espiral de expectativas elevadas e falhadas, ter tido de sair do fundo do mesmo poço para o qual o Jorge, agora, já vai a cair. Com as vitórias, ninguém quererá notar que o Jorge nunca conseguirá fazer com que o seu clube venha a conseguir receitas suficientes para, sem transferências de jogadores, se situar entre os 25 mais ricos da Europa. Ninguém quererá reconhecer que o Jorge manda num país como Portugal e que tenta concorrer com um país que é, em comparação, quase uma Espanha.

E quando, enfim, vier o segundo ciclo do fracasso, numa altura em que o rival tiver melhorado o suficiente para quebrar a hegemonia necessária à manutenção deste tão frágil equilíbrio, falar-se-á do desastre do Jorge como um acidente súbito e fulminante, quando não o é.

É apenas inevitável, e já está em curso. O melhor condutor do mundo já perdeu o controlo da situação há muito tempo. Só espera que ninguém dê por isso, e que os ignorantes continuem a confiar que há coisas demasiado grandes para falhar.