terça-feira, 22 de janeiro de 2013

«É a lama, é a lama»


Nunca julguei que o Paulo Vinicius fosse um jogador tão importante para o futebol português – pelo que me lembro, segundo a imprensa do regime, o último jogador decisivo no futebol português foi o Vandinho, injustamente suspenso por três meses por andar ao soco no túnel de Braga, e graças ao qual o Benfica foi campeão em 2010.

No entanto, a acusação lançada a público nos últimos dias, de que o árbitro Duarte Gomes faria parte de uma conspiração orquestrada pelo presidente do Conselho de Arbitragem da Liga, Vítor Pereira, para entregar o título de campeão nacional ao Benfica, fez-me ir ver ao You Tube a escandalosa expulsão do Paulo Vinicius no tempo de descontos do jogo com o Setúbal.

Confesso que ia preparado para admitir que o Duarte Gomes tivesse dado largas à sua costela benfiquista – algo que, ao que me lembre, nunca beneficiou o Benfica (tal como com o Pedro Proença, por exemplo) – e que, desta vez, tivesse aproveitado, cirurgicamente, e com pouca habilidade, a oportunidade de beneficiar o Benfica, por prejuízo de entreposta pessoa. Se isso fosse verdade, o grau de premeditação e de pouca-vergonha necessária para o fazer tão às claras significaria, claramente, que, de facto, estaria em marcha uma campanha obscura para dar o campeonato ao Benfica, se não por toda pelo menos por uma parte da arbitragem portuguesa.

(Dizem que o Salino devia ter sido expulso, mas disso não fui à procura, porque o Salino, para não ter sido expulso, é porque, claramente, não é um jogador essencial para ganhar ao Benfica.)

Depois de ver as imagens, tudo se tornou mais claro.

Tornou-se claro, por um lado, que o Paulo Vinicius pode ser um jogador excepcional, mas que não o é pela inteligência, porque, aos 93 minutos de um jogo em que a sua equipa está a ganhar por 4-1, com os outros centrais todos lesionados ou castigados, faz uma obstrução ostensiva, e com contacto físico, a um jogador do Setúbal que ia lançado em direcção à baliza, sem nenhum outro defesa entre ele e o guarda-redes.

Por outro lado, confirmei que Duarte Gomes é um excelente árbitro, muito acima da mediocridade geral, e que está acima do nível de coragem de praticamente todos (senão mesmo todos) os seus colegas de profissão em Portugal. Tomou uma decisão justa e correcta numa altura em que teria espaço (na opinião pública, não de acordo com as regras) para se esconder e fazer de conta que não sabia. Ter-lhe-ia sido muito mais fácil optar por dar o amarelo, pela simples razão de que os cães que ladram no Norte são muitos mais e metem muito mais medo que os cães que ladrariam em Lisboa (pelo menos na bancada sul da Segunda Circular, porque na bancada norte a opção também já está tomada).

Pedro Proença, provavelmente, ter-se-ia escondido. E não o teria feito por ser pior árbitro, ou por estar comprado, mas porque tem um sentido de preservação maior que o de Duarte Gomes, o que lhe possibilitou ir muito mais longe do que Duarte Gomes sem ser tão bom árbitro.

Estou à vontade para dizer isto porque, para mim, só há três árbitros em Portugal que têm demonstrado ser «incorruptíveis», no sentido de não se deixarem pressionar (mais do que o normal) pelo sistema. São eles Pedro Proença, Duarte Gomes e (podem deixar cair os queixos), Bruno Paixão. Sim, Bruno Paixão. Bruno Paixão é um mau árbitro – mas é-o porque quer. Ou melhor, é-o porque prefere ser um mau árbitro e estar no centro das atenções a ser «apenas» mais um excelente árbitro. Tecnicamente, Bruno Paixão poderia ser um dos melhores árbitros europeus, até porque tem um ego enorme e uma vaidade insuperável. No entanto, é um apenas um sociopata egocêntrico. Vive para estar no centro das atenções. Quando não há razões para isso, inventa-as, e inventa-as quase sempre. É uma pessoa doente, que precisa mais de alimentar o seu umbigo do que de ser um bom árbitro. Mas é incorruptível, pela simples razão de que não arbitra nem para enriquecer, nem para ser internacional, nem para ir a finais do Europeu ou da Liga dos Campeões – arbitra para ser insultado e para que se fale dele. Não há nada com que ele seja verdadeiramente aliciável, porque o que ele quer já tem, e prefere não arriscar a perdê-lo ao ser apanhado em escutas policiais ou em casas de alterne do Norte.

Todos os outros árbitros portugueses, além destes três (ainda não conheço bem alguns dos novos, apesar de haver dois ou três que me pareçam ter potencial), vivem confortavelmente dentro do sistema, alimentando-o e alimentando-se dele, uns favorecendo sobretudo o Benfica (quando podem), outros favorecendo o Porto. Estes últimos são mais, por uma razão simples: o Porto tem a posição elevada no sistema, tem mais força institucional e mediática adquirida, e pode prejudicá-los mais.

Actualmente – e já no tempo do Apito Dourado era assim sobretudo em relação aos árbitros internacionais – a corrupção não se faz pela via patrimonial. Ou seja, não se paga aos árbitros para roubar. Isso acontecia (hoje não sei se acontecerá) com os Jacintos Paixões, com os José Guímaros, com os José Silvanos, com os Francisco Silvas. Com a escumalha da arbitragem, gente barata, pouco acima do lixo.

Com os bons árbitros – que são os que realmente têm importância porque, salvo algumas excepções, apitam os jogos decisivos – a corrupção sempre se fez sobretudo através da manipulação das carreiras. Manipulando uma carreira dá-se a árbitro o melhor de dois mundos: a oportunidade de ser árbitro nos jogos importantes a nível nacional e internacional e a oportunidade de ganhar muito dinheiro, de forma legalizada. É uma espécie de corrupção dentro da lei. Promovem-se árbitros de categoria (2.ª, 1.ª, internacional) para os premiar pelo desempenho a favor de determinadas equipas.

O sistema, hoje, está controlado pelo Porto, porque ainda não apareceu quem desafiasse a lógica instalada de que, para se subir na vida, na arbitragem portuguesa, pode-se beneficiar quem se quiser, mas, em última instância, em caso de dúvida, não se pode prejudicar o Porto. O que está instalado, mais que um sistema de corrupção organizada (acredito que o Apito Dourado mudou alguma coisa, nesse aspecto) é um sistema de medo instalado, ou de subserviência à autoridade. Não acredito que Porto ou Benfica manipulem o Vítor Pereira ou as classificações dos árbitros, mas acredito que os árbitros estão condicionados por sentirem que os clubes têm muito poder sobre as suas carreiras, e que beneficiam mais facilmente o Porto porque sentem que o Porto tem mais poder do que o Benfica. Ainda assim, não acho que os campeonatos, actualmente, sejam premeditadamente decididos pelos árbitros – e  muito menos pelo Pedro Proença ou pelo Duarte Gomes. Acho, sim, que é muitíssimo difícil o Porto perder um campeonato porque qualquer árbitro ou qualquer conjunto de árbitros assim o decidam, e tenho a certeza de que o Porto já não perde um campeonato por causa dos árbitros há décadas.

Este sistema corrompido que existe hoje teve um período decisivo de implantação: a primeira metade da década de 90, o cúmulo da pouca vergonha, em que a Associação de Futebol do Porto, através do então seu corruptíssimo presidente Adelino Pinto, em concluio com Pinto da Costa, usavam o facto da AF Porto ter a primazia na escolha de cargos da FPF para escolherem o presidente do Conselho de Arbitragem, que por sua vez tinha a prerrogativa de alterar as classificações dos árbitros. Um desses presidentes do CA da FPF foi o próprio Lourenço Pinto, advogado de Pinto da Costa, certamente graças ao seu ilustríssimo passado desportivo e arbitral. A década de 90 foi, por inteiro, um tratado de corrupção, e a época mais negra do futebol português. Quem nasceu ou começou a ver futebol depois disso não tem ideia de quão baixo é possível descer em termos de degradação ética e cívica. A história colocará esses anos 90 no seu lugar.

E isto leva-me à terceira conclusão que tirei após ver a expulsão do famigerado Paulo Vinicius e as declarações de António Salvador e Vítor Pereira: a de que estamos a assistir à rotineira e anual fase da mistificação do eventual título do Benfica.

Não é difícil de identificar. Acontece todos os anos em que é preciso acontecer, e acontece sempre por esta altura - que não se localiza no tempo mas na classificação: é sempre que o Benfica está a três ou menos pontos que o Porto.

Quando a coisa ainda não está certa, o Porto  monta o seu caso – é uma questão cultural instituída, que se espalhou, por osmose aos seus aliados (neste momento o Braga, noutros, por exemplo, o Guimarães, quase sempre o Sporting, e respectivos cães-de-fila na imprensa). Aproveita um ou dois casos em que o Benfica é, lícita ou ilicitamente, favorecido, e cria um discurso que ou, por um lado, é justificativo da eventual derrota no campeonato, ou, preferivelmente, ajuda a evitar essa derrota. É o que o Porto espera que aconteça em Braga: que o árbitro do jogo, sentindo-se pressionado pela opinião pública e pela suspeição (que não precisa de ter razões para existir para produzir efeitos), decida contra o Benfica nos vários momentos em que terá de agir sobre pressão, e que isso venha a valer uma vitória ou, pelo menos, um empate ao Braga, mas sobretudo, ao Porto.

Os mais novos não devem deixar-se impressionar. Desde o início dos anos 70, pelo menos, que, segundo os seus dirigentes e treinadores, o Porto não perde um campeonato que não seja por causa dos árbitros, e não há nenhum campeonato em que o Benfica não tenha sido beneficiado pelos árbitros. Isto é o bê-a-bá do futebol português. Está institucionalizado. Como tem dado resultados – porque o povo é estúpido, e os árbitros fazem parte do povo – todos os outros adoptaram o sistema, o que leva a algo que é trágico para o futebol português: que, nos últimos quarenta anos, não tenha havido, segundo as próprias pessoas que participam directamente no campeonato, um único campeão justo. Ou seja, que não tenha havido um campeão, apenas uma equipa que chegou ao fim de uma prova organizada pela FPF com mais pontos que as outras, signifique isso o que significar.

Eu gosto que assim seja.

Gosto que a premissa que deu início à chamada «era do dragão» tenha sido o de que o campeonato é um jogo sujo e viciado, e que essa premissa, por razões mais que justificadas, se tenha mantido até hoje.

Gosto que o Porto tenha tomado a opção de lançar lama sobre a glória do Benfica (na altura penta-finalista da Taça dos Campeões, e em que o que ficava de umas épocas para outras eram os jogadores, e não o(s) dirigente(s)) para a poder conquistar, porque, hoje, não há água que chegue, nem nunca haverá – por mais esforços que se façam nas salas de imprensa e nas redacções orquestradas para esse efeito – para lavar a suposta glória do Porto.

É um problema que se resolve a si próprio. Está resolvido desde a origem. O tempo passa. A glória é passageira. Hoje, já poucos benfiquistas se lembram dos tempos em que o Benfica andava a fazer a figura do Sporting, dos 13 anos a penar, como ninguém se lembra de que o Benfica foi bicampeão europeu. Sabe-se que foi, mas significa pouco para quem vive agora. Já pouca gente se lembra do primeiro Porto campeão europeu, ou do tão celebrado penta. É passado, e vai ficando cada vez mais passado. O que se mantém, contudo, é a lama.

Gosto que o Vítor Pereira insinue que o campeonato está a ser entregue pelos árbitros ao Benfica. Sempre que o faz, segue a linha histórica do Porto, segundo a qual o campeonato é uma coisa viciada. O que leva a que, sempre que o Porto ganha um campeonato, esteja, simplesmente, a ganhar uma coisa que admite ser viciada. Podem ser vinte, trinta ou quarenta. Enquanto a premissa for esta, a perversão é a mesma.

Para ser campeão, o Porto optou por queimar tudo. Tornou-se, então, campeão. De quê? De nada que valha a pena ganhar. De coisa nenhuma.

O preço da glória, para o Porto, é este. Pode tê-la, mas não pode limpá-la, porque foi o próprio Porto a querê-la suja, ao não admitir a derrota como uma coisa possível e limpa.

E daqui não há saída, por mais voltas que se dê. Será assim enquanto o Porto for campeão, quando o Benfica vier a ser campeão, quando o Sporting, o Boavista, o Braga ou o Moreirense forem campeões. Ao sugerirem que os dados estão viciados, todos os treinadores, dirigentes e jogadores continuam a cuspir no próprio prato onde vão ter de comer - pelo simples facto de não haver outro.

O verdadeiro triunfador do futebol português será aquele qu, não apenas venha a ganhar, mas que, ganhando o privilégio de impôr o discurso, venha a conseguir mudá-lo. O que implica aprender a perder. Algo incompatível com hegemonias artificiais.

Só no dia em que ocorrer uma epifania cívica e se perceber que andar a jogar um jogo viciado é mau para todos, sobretudo para os que o podem ganhar, é que o futebol português voltará a ter a elementar inocência que o tornará, novamente, algo de digno. Mas vai levar mais vinte anos.

Que o principal prejudicado desta imensa porcaria, historicamente, venha a ser a equipa que mais ganhou com ela, é apenas justo.

E ainda é mais justo que não seja concebível, para ninguém, que algum dia haja em Portugal um campeonato verdadeiramente limpo enquanto nele estiverem envolvidas quaisquer pessoas que tenham sido enlameadas pela coabitação com Jorge Nuno Pinto da Costa – incluindo todos os futuros dirigentes do Porto e dos outros clubes que tenham jogado com as regras que ele ditou.

Hoje, Pinto da Costa é a lama que não sai. E ainda bem.

sábado, 19 de janeiro de 2013

O Benfica-Porto que eu já vi cinquenta vezes


A proverbial boa vontade da nação benfiquista, a começar pelo seu representante oficioso (o jornal A Bola), fez do Benfica-Porto um jogo de dois momentos – a fífia do Artur e a defesa de Helton que levou a bola de Cardozo ao poste.

Quando o Benfica ganha dois jogos, em casa, ao Porto, em dez, e em cada um dos oito que não ganha se encontra «aquele momento» em que a coisa falhou, por azar ou azelhice, o que fica evidente, pela regularidade, é que a coisa não falhou por causa «daquele momento» mas precisamente por tudo o que se passou para além «daquele momento».

Se  o Artur não tivesse dado aquela fífia, ou se o Cardozo tivesse marcado aquele golo, o Benfica teria tido mais hipóteses de ganhar, mas a verdade (e a boa vontade dos benfiquistas, aqui, deve dar lugar à sensatez) é que, com 90 por cento de probabilidades, o Porto encontraria outra maneira de não perder aquele jogo.

Gosto de fazer previsões, pelo puro gozo de arriscar, e falho tantas vezes quantas as que acerto, mas quando previ que o Benfica encontraria o mesmo tipo de problemas que encontrou no ano anterior nem sequer era uma previsão. O risco de errar era tão pequeno que era mais uma certeza. O Porto joga com o Benfica, na Luz, da mesma maneira há 30 anos (que eu veja), e o Benfica joga com o Porto, na Luz, da mesma maneira há quatro. Quando o Benfica ganhou, perdeu ou empatou (e ganhou pouco) ao Porto, na Luz, nos últimos quatro anos, ganhou, perdeu ou empatou pelos mesmos motivos, que nada têm a ver com sorte – mesmo que a sorte possa intervir no desenrolar do jogo, como também é quase sempre o caso.

Mantenho o que já disse: que não é impossível, ao Benfica, com este estilo de jogo, ganhar oito jogos em dez ao Porto. Mas isso só é possível com jogadores muito melhores do que os que tem.

Vamos desmistificar esta história do Porto: o Porto, desde o tempo do Pedroto, foi construído para ser um Guimarães da Europa, e para competir, cá pelo burgo, com outro Guimarães da Europa (o Benfica), sendo que o Benfica, por atravessar um período de profunda crise na sua cultura de vitória, se transformou num Moreirense da Europa, estando agora a recuperar, sucessivamente, a sua dimensão.

Em Portugal, num ambiente viciado, ao Porto basta ser um Guimarães da Europa para ir ganhando quase tudo. Na Europa, joga com as armas que qualquer outro Guimarães da Europa vai usando para se manter na luta: um jogo disciplinado, certinho, a jogar no erro do adversário, feito a pensar em jogadores de classe média-média/alta – cuja principal capacidade seja a de manter a formatura a atacar e a defender, e jogar em equipa para colmatar lacunas individuais – e em treinadores pouco audaciosos cuja principal virtude seja a de conseguir fazer a transição do técnico anterior para o técnico seguinte com o mínimo de inovação, de forma a evitar retrocessos estruturais.

E isto chega para o Porto andar, constantemente, entre as 14 melhores equipas da Europa, o que lhe permite, depois, manter a superioridade em relação aos competidores internos que não têm as mesmas armas financeiras e a mesma experiência competitiva adquirida internacionalmente. Como o contexto europeu é menos viciado que o nacional, às vezes – normalmente quando coincidem um treinador melhorzinho, dois ou três jogadores melhorzinhos e um nível de concorrência inferior – o Porto consegue fazer o que um Guimarães, em Portugal, não consegue: ser o melhor no fim da época.

Mas, no quadro maior (considerando o topo de gama do futebol internacional), o Porto não é mais que uma equipa certinha, espremida até perto do máximo. Com grande regularidade, o Porto perde perante equipas com jogadores melhores, que não têm de inventar nada a não ser fazer o que fazem normalmente. E às vezes até é vulgarizado.

Este Benfica, é o contrário. É um Rio Ave da Europa a jogar à Real Madrid, mas com jogadores de Rio Ave, a quem acontece o que geralmente acontece aos Rio Aves quando jogam à Real Madrid com jogadores de Rio Ave: ganham com relativa facilidade às equipas da mesma dimensão (ou andam perto disso), porque têm o ascendente que advém do tipo de jogo mais audacioso; perdem quase sempre com os Guimarães da Europa, que têm um estilo de jogo mais cínico e cerebral, mais a pensar no resultado que na imagem, e que geralmente têm jogadores ligeiramente melhores (sendo que, ocasionalmente, podem ganhar) e perdem sempre com os Reais Madrid a sério, às vezes queixando-se da ingratidão da sorte, quando a verdade é que, a um Real Madrid, basta jogar q.b., mesmo fazendo o jogo parecer equilibrado, porque a classe superior dos seus jogadores resolve o assunto num minuto, na esmagadora maioria das vezes.

O estilo de jogo do Benfica é à grande da Europa – o estilo. O do Porto, não. Por isso é que, mesmo ganhando de vez em quando, o Porto não deixa marcas. Tal como um qualquer Lyon ou um qualquer Valência não as deixam. São equipas sem brilho, que jogam no falhanço dos adversários, de índole defensiva, feitas para não perder. Quando as outras equipas perdem, elas continuam de pé, e assim parece que ganham, quando, na verdade, se limitam a não perder – o que é diferente. São equipas que, culturalmente, representam muito pouco. Uma semana depois do Porto ser campeão da Europa com o Mourinho já ninguém se lembrava a não ser os portugueses.

O estilo de jogo que o Jesus pôs o Benfica a jogar, pelo contrário, se for colocado em prática por jogadores de classe superior, mesmo tendo sempre dificuldades em impor-se contra equipas da mesma igualha que tenham um registo mais cínico, cria uma memória. O risco é uma característica dos grandes. Só arriscando a liberdade se atinge a grandeza. Manter a segurança é típico dos que sobrevivem, mas não dos que lideram.

É claro que entre este Benfica e a grandeza se encontram os Jardéis, os Enzo Pérez, os Maxis Pereira, os Cardozos…

A superioridade do Porto, na Luz, não foi técnica. Os jogadores do Porto não são tecnicamente muito melhores, na generalidade, que os do Benfica (apesar de serem melhores, e por isso é que são mais caros). Parecem muito melhores porque o que se lhes pede é mais fácil – quer em qualidade quer em variedade.

A superioridade do Porto, na Luz, foi (e é sempre) posicional, porque a matriz de jogo do Porto é posicional.

Apesar de não parecer, o futebol é muito parecido com o râguebi que lhe deu origem. Aparentemente é muito aberto e aleatório, porque as suas duas linhas básicas se movimentam mais, em termos verticais, mas não o é – continua a ser um jogo territorial, condicionado pela colocação das balizas nas duas linhas de fundo, em que a posição da bola marca o ponto de choque entre as linhas, numa acção constantemente repetitiva. É um jogo muito mais técnico, porque é mais difícil controlar a bola com os pés do que com as mãos – e isso leva a que quem consiga fazer bem os gestos técnicos mais básicos invariavelmente ganhe vantagem –, mas continua a ser um jogo de choque, repetitivo, entre linhas, com a defesa a rechaçar o ataque, de uma maneira ou de outra, na esmagadora maioria dos embates.

O estilo de jogo «apoiado», como se costuma dizer do Porto, é um estilo que permite manter as linhas juntas apesar da bola. O Barcelona faz a mesma coisa, mas muito melhor, e é por isso que consegue pressionar imediatamente o jogador da bola quando a perde. Ocupando os espaços ao pé da bola, os jogadores adversários, se não estiverem preparados para a fazer sair daquele raio de vinte metros – geralmente porque não têm técnica nem sincronismo colectivo para isso – perdem-na, são forçados a recuar, a fazer faltas, e a jogar directo para os avançados (ou como disse, e com razão, o Vítor Pereira, de pontapé para a frente).

Ao Porto, bastou adiantar a sua linha média dez metros, de forma compacta, de maneira a tapar as linhas do primeiro e do segundo passe na faixa central (em termos de latitude aquela faixa que começa dez metros para lá da linha do meio-campo e acaba dez metros para cá de quem defende), para ganhar uma vantagem posicional que se transformou em vantagem territorial.

O Benfica não tem argumentos técnicos e tácticos para superar este tipo de defesa, seja com o Porto, com o Bayer Leverkussen ou com qualquer outra boa equipa europeia que a consiga executar de forma disciplinada.

Mas também não há grandes segredos em relação a como dar a volta a isto. Mesmo mantendo o estilo de jogo arriscado e, admita-se, pouco inteligente, que é o do Jesus, sem ser necessário mudar de registo, este Benfica teria, não digo vulgarizado, mas dominado o Porto se tivesse, na sua defesa, um jogador que conseguisse passar a bola para o miolo com segurança e se, nesse miolo, tivesse dois médios com categoria suficiente para jogar entre as linhas do Porto, capazes de receber e distribuir a bola sob pressão – com um ou dois defesas a uma distância de três/quatro metros – sem a perderem imediatamente por a passarem para o sítio errado ou tomarem a opção errada. E reparem que não estou a falar em Aimares ou em Carlos Martins. Esses não conseguem. Pensam, às vezes até vêem a jogada, mas não a conseguem executar.

Bastaria isto para, mesmo perdendo muitas bolas no ataque em jogadas de sucesso improvável (como é timbre dos seus jogadores), o Benfica desmantelar o jogo posicional do Porto, obrigá-lo a recuar as linhas, fazê-lo perder a vantagem territorial e, por jogar mais depressa com a bola perto da baliza – como é que surgiram os golos do Benfica? –, marcar golos, impedir o Porto de os marcar, e ganhar o jogo.

O Benfica-Porto que eu vi foi isto. O Braga-Benfica também vai ser – o que não quer dizer que o resultado venha a ser o mesmo, porque, mesmo tendo sido isto, o Benfica teve uma hipótese real de vencer o jogo, e o Porto tem melhores jogadores que o Braga.

A verdadeira questão que deve intrigar os benfiquistas não é se o Porto é isto ou aquilo, porque  o Porto é a mesma coisa há 30 anos, nunca conseguirá ser outra e ganha-se ao Porto da mesma maneira que se ganha a qualquer outro Porto – sendo melhor física, técnica e tacticamente. É, sabendo que o que separa o Benfica dos seus objectivos é apenas ganhar ao Porto, se este Benfica do Jesus, e com o Jesus, conseguirá vir a ser aquele Benfica que o do Jesus ainda não conseguiu ser.

E, com isto, não estou necessariamente a dizer que não.

Mas isso tem de ficar para a próxima, porque a prosa já vai longa.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pedro Proença tem de ser ouvido


Já vi o Benfica-Porto, e deixarei a minha perspectiva sobre o jogo para este fim-de-semana, porque, neste momento, um Benfica-Porto é mais que um jogo, e tem demasiadas implicações no futuro de qualquer uma das equipas, pelo que merece alguma ponderação suplementar.

No entanto ter visto o jogo, nomeadamente a forma como acabou, e ler, hoje, as declarações do Lucho González, suscita-me questões.

Diz Lucho que algumas pessoas se contentam com um ponto, mas eles, os do Porto, não – sendo que só sobra outra equipa… - e que se devia investigar a razão por que o melhor árbitro do Mundo não apitou o jogo.

Devo dizer, a este respeito, especificamente, que a IHHFFHFHFFHS – que foi a entidade oficial que considerou o Sporting a melhor equipa portuguesa da época passada (voltando a provar que os números são uma batata) – voltou a pecar por defeito. Pedro Proença não foi apenas o melhor árbitro do Mundo. Tornou-se, também, no melhor árbitro português de todos os tempos, graças à brilhantina e a um emprego na advocacia que lhe permitirá arrecadar pecúlio e prestígio suficientes para não ter de fazer como o primeiro grande arbitro português, o grande António Garrido, que se viu obrigado a fazer-se avençado como conselheiro do Futebol Clube do Porto para assuntos de arbitragem.

A primeira parte da conversa de Lucho deixa-me curioso, porque, aos 88 minutos do jogo da Luz, não só vi o treinador do Porto a fazer substituições para queimar tempo como o vi a ele próprio, Lucho González, a passo, a ir entregar a braçadeira de capitão a Helton antes de ser substituído por Castro, esgotando o pouco tempo que a sua equipa («sempre superior») tinha para marcar o golo da vitória.

Note-se, apesar do défice que o Porto tem para a posição, estranhamente, dois minutos antes, quando entrou a substituir Varela, o defesa-central Abdoulaye não foi jogar a ponta-de-lança.

Há, pelo menos, duas pessoas que, como demonstram as suas acções, ficaram contentes com o ponto na Luz: o capitão do Porto e o treinador do Porto. Certamente que Vítor Pereira foi confrontado com esta situação colocada pelo seu jogador, pelos jornalistas do Porto, durante a conferência de imprensa em que fingiu que pediu desculpa ao Jesus, perante a profunda admiração desses jornalistas. (Nunca consegui confiar em quem não é capaz de pedir desculpa. É um problema de carácter que tenho.)

A segunda parte da conversa de Lucho com os jornalistas do Porto deixou-me ansioso, porque abre a possibilidade do melhor árbitro do Mundo para a IHHHFHFHHFS – como foi ampla e auspiciosamente destacado na primeira página do jornal O Jogo nas vésperas da partida do passado fi-de-semana – vir a ser ouvido, do alto do seu hoje intocado e incontornável prestígio, pelos jornalistas, não só do Porto como dos que trabalham para os jornais com vista à informação do público.

Porque o melhor árbitro do Mundo tem coisas importantes para dizer.

Eis a transcrição de uma parte da entrevista dada por Pedro Proença ao Record, há algumas semanas:

«Record – A sua geração fica marcada pelo Processo Apito Dourado?

Pedro Proença – Muito marcada. Mas há que ter em conta a forma como o sector deu uma resposta positiva. Mexeu-se em algo que as entidades judiciais não souberam lidar. Não souberam penalizar quem tinha de o ser. A montanha pariu um rato, como se costuma dizer. Há escutas telefónicas que não foram penalizadas, vemos factos que são conhecidos de toda a gente e nada aconteceu.

Record – O ónus ficou com os árbitros?

Pedro Proença – Sim. O problema é que não se vêem resultados e fica no ar a suspeição. Ainda por cima houve factos reais. Pior é que uma má decisão é uma não-decisão. Neste caso, houve uma não-decisão. Criaram-se expectativas em relação a determinadas situações e ninguém foi punido.»

Temos, aqui, uma janela de oportunidade.

Por um lado, há grande preocupação, no Porto, neste momento, pelo «bem do futebol». Foi o próprio treinador campeão nacional quem o disse, ao defender a expulsão de Maxi Pereira, Matic, João Moutinho e Fernando, e a necessidade de se acertar na marcação de fora-de-jogo – sendo que a comoção, compreensivelmente, o levou a esquecer-se de referir os seus jogadores ou a ocasião em que ganhou o campeonato nacional com um golo em fora-de-jogo a cinco minutos do fim, frente a este mesmo adversário, no mesmo campo.

Por outro, quem fala é um árbitro a quem Jorge Nuno Pinto da Costa – pelo que se lê em todos os jornais um cidadão exemplar, o maior dirigente português de sempre e alguém que percebe todas as linhas com que se cose o sucesso no futebol – reconhece toda a honestidade, verticalidade e decência. (E eu também reconheço, convém dizê-lo, já agora).

A bem do futebol, Pinto da Costa, Vítor Pereira, toda a comunidade futebolística acima do Mondego e abaixo do Mondego, vão querer ouvir o melhor árbitro do Mundo sobre o caso de corrupção que castigou o Boavista e o Gondomar, e saber:

- quem tinha de ser penalizado;

- de que escutas telefónicas está a falar;

- quais são os factos reais de que Pedro Proença fala;

- que decisão era esperada.

Deixar passar esta oportunidade, propiciada pelo principal representante da classe da arbitragem em Portugal – não só de hoje mas de sempre, refira-se – colocaria em causa a fiabilidade dos resultados desportivos alcançados pelos eventuais envolvidos durante o seu percurso no desporto.

Não podia haver pior para o futebol que permitir que se instalasse a sombra da desonestidade.

sábado, 12 de janeiro de 2013

A diferença mínima que é toda a diferença


Há duas razões para Vítor Pereira adoptar uma estratégia de ataque psicológico antes do jogo do próximo domingo.

A primeira é a consciência de que, neste momento, o único factor que pode fazer o Porto ganhar ou, até, não perder na Luz, e que ele pode minimamente controlar, é o medo, por parte dos jogadores do Benfica, de voltarem a perder sem saberem como é que perderam. As derrotas do Benfica na Luz, frente ao Porto, nos últimos anos, têm de deixar uma marca psicológica traumática nesta equipa do Benfica, que gera desconfiança. A equipa está psicologicamente forte, mas este é um jogo diferente – provavelmente o único jogo (defrontar o Porto na Luz) que pode pôr os jogadores a pensar em demasia nas suas próprias possibilidades de ganhar fazendo o seu jogo normal).

A segunda é a consciência de que o jogo é decisivo. Não é decisivo para o Porto, mas é decisivo para o Benfica. A conquista do título, para o Benfica, passa por ganhar este jogo. Sejamos claros: num campeonato em que as duas equipas da frente têm dois empates em treze jogos, os resultados nos confrontos directos valem o título – mesmo que seja indirectamente. Uma derrota do Benfica na Luz, sabendo que o Porto praticamente não perde pontos, e que têm de ir jogar a Braga e às Antas na segunda volta (às Antas na penúltima jornada), ainda por cima com o terceiro classificado a 10 (?) pontos de distância, faria toda a gente tomar como certo que a época se resumiria ao apuramento para a Champions, em ganhar a Taça de Portugal e em ir longe na Liga Europa, com a consequente despressurização e perda de pontos nos jogos do campeonato (que vão ser muito mais difíceis na segunda volta, como já devem ter reparado no calendário).

Dito isto, se fosse feito um inquérito às pessoas neutras (ou seja, não-doentes) deste país sobre o resultado, 90 por cento apostaria num empate.

Só há uma coisa que me faz comichão atrás da orelha neste cenário de equilíbrio. É uma lógica um bocado invertida, mas, no entanto, parece-me que não penso desta maneira por ser benfiquista.

É-me difícil ver esta equipa do Porto a conquistar um tricampeonato – algo que, apesar dos últimos 30 anos de máfia, aconteceu poucas vezes, e que, quando aconteceu, aconteceu em cenários diferentes, em que o equilíbrio entre os candidatos ao título não tinha nada a ver com o que existe hoje. Aliás, nunca vi o Porto a ser tricampeão este ano. Além da questão estatística, o resto: a qualidade de jogo da equipa (pior do que o ano passado, já com o Lucho, na minha opinião, o que atesta bem da qualidade do seu treinador), a boa carreira na Liga dos Campeões (que é sinónimo, em 95 por cento das vezes, a uma descompensação no campeonato, que ainda não se viu mas se vai ver), a acomodação evidente em alguns jogos da Liga. Já vi o Porto ser campeão muitas vezes, infelizmente, mas não me lembro de ver um Porto tão fraco, em termos de jogo, como o que seria este ano se viesse a ser campeão.

Ora, para não ser campeão, também não vejo outro resultado possível neste domingo que não seja a vitória do Benfica.

O Benfica não tem melhor equipa que o ano passado, nem está a jogar melhor. A primeira metade da época foi de grande nível em termos de confiança e forma física. Em termos de jogo, o Benfica que vai defrontar o Porto e o mesmo, vai ter exactamente os mesmos problemas perante outra equipa que vai ser exactamente igual ao que era há um ano. A única e eventualmente fundamental diferença para o ano passado é que, há um ano, a equipa do Benfica chegava ao jogo com o Porto de rastos quer física quer mentalmente, depois de duas semanas de maus resultados e de um regresso de férias de Natal desastroso, enquanto o Porto tinha os jogadores relativamente descansados devido à grande rotação durante a primeira metade da época. Mesmo com a clara diferença física, que foi evidente no 2-2, em que os jogadores do Benfica simplesmente não conseguiram recuperar a tempo, o Porto só ganhou na Luz com um golo em fora-de-jogo, a poucos minutos do fim, e (se não me engano) já a jogar contra 10.

Neste momento, e referindo que o Porto continua a ter uma vantagem funcional nos jogos com o Benfica, que decorre do seu tipo de jogo mais colectivo, feito para dar resultados nos jogos de grande pressão, em que o erro é mais caro, só vejo duas maneiras do Porto ganhar na Luz:

- Se a equipa do Benfica entrar derrotada, a pensar nos resultados dos últimos dois anos, e se acobardar – o que é um cenário bem possível, porque a esta equipa do Benfica falta carácter de campeão;

- Ou se tiver a sorte do jogo (um vermelho que o árbitro não consiga evitar mostrar, um golo numa altura crucial, qualquer coisa de anormal que afecte o desenrolar normal do jogo).

É possível, e não seria nada de extraordinário.

Não acredito que aconteça. Objectivamente, sem superstições nem receios, não vejo este Porto a ganhar na Luz a este Benfica, com Matic, Lima e sem Emerson, e com força nas pernas e na cabeça para recuperar desvantagens, como tem acontecido este ano. Este é um factor muito sintomático do amadurecimento da equipa do Benfica. Só uma equipa a partir de um certo nível de maturidade e qualidade colectiva é que consegue virar jogos, sem entrar em pânico. Ainda não vi esta equipa do Benfica entrar em pânico este ano. Não joga muito (joga depressa, o que é diferente), mas não entra em pânico. Nesse sentido, a ser o Benfica o campeão, o jogo de Alvalade terá sido decisivo, não só pelo resultado como pelo desenrolar do jogo. É o tipo de jogo em que há pouco a ganhar e tudo a perder. O Benfica não perdeu. Veremos se, para o Porto, será assim tão fácil.

O resultado natural, neste domingo, seria o empate a um golo, ou a dois. Parece-me, no entanto, que vai acontecer o contrário do que aconteceu o ano passado: o golinho fora do plano, nos últimos minutos, vai cair para o lado do Benfica. Vai ser coerente com o cenário de grande equilíbrio entre as duas equipas de que se vai falar daqui a uns anos, relativamente a este período, e que começou na última época. As diferenças serão minímas e os dois clubes terão histórias muito semelhantes para contar, parecendo tiradas a papel químico.

 De qualquer forma, não vou ver o jogo a não ser daqui a uma semana. Vai ser uma experiência. Depois de saber  resultado e tudo o que se disse, vou ver o jogo pela primeira vez, sem nervos, sem pressão, e fazer uma leitura distanciada. Amanhã, nem sequer leio jornais. Tenho três exames nos próximos seis dias, o primeiro dos quais às 8.15 de segunda-feira. A última coisa de que preciso é de um Benfica-Porto a dar-me cabo da noite. Às vezes (e esta é a primeira vez) é preciso saber pôr a doença no sítio.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Fazer das tripas 100 milhões


Praticamente tudo corre bem ao Benfica este ano.

Vê três dos seus jogadores decisivos – Aimar, Luisão, Gaitán – chegarem a janeiro praticamente sem minutos nas pernas, numa altura em que a época vai começar a sério.

Teve de inventar jogadores e, com isso, ganhou uma profundidade de plantel que faz com que as hipóteses de ganhar o titulo sejam reais. Por exemplo, Matic, André Gomes, André Almeida, Enzo Pérez (este freguês, em especial, vai merecer um post, só porque há um ano certo andava eu aqui a dizer que ele nunca jogaria um minuto sequer pelo Benfica e, agora, tem ali um médio-centro de grande categoria em construção. E vocês já sabem que, comigo, a César o que é de César.)

Perde os jogos que tem a perder nas competições que não interessam e ganha no campeonato (algo que permitiu ao Porto ser campeão o ano passado, por exemplo).

Calhou-lhe no sorteio da Liga Europa a equipa certa para resolver já esse problema. O Bayer Leverkusen, como qualquer equipa alemã, tem à partida 90 por cento de hipóteses de eliminar o Benfica – não me perguntem porquê, só porque sim. Alemães e Italianos, desde que não sejam os que andam pelo meio da tabela, são tiro e queda. Holandeses e ingleses é o contrário, venham eles que ficam cá. Neste aspecto, melhor mesmo só se o Porto eliminar o Málaga e for jogar ao Tajiquistão com o Shaktar Donetsk.

Cada vez mais me convenço, ao ver Benfica e Porto a fazerem uma das melhores primeiras voltas conjuntas na história do futebol português, que este campeonato se vai decidir pela quantidade e exigência de minutos que as duas equipas tenham de vir a fazer na Europa até Março.

Com o Porto fora da Taça, a verdadeira final do Benfica é em Coimbra. Porque o Braga, sim senhor, mas não nos esqueçamos que é o Peseiro. Joga bem? Têm maturidade? Bons jogadores? Experientes? Está bem, está tudo certo. Mas é o Peseiro.

E agora, a única coisa que podia correr mal, de repente, foi ultrapassada: o decisivo Benfica-Porto (decisivo, leram bem) calha precisamente a meio de uma quinzena em que tenho cinco exames. O que significa que: (1) não vou ter tempo para escrever aquilo que penso; o que leva a que (2) não vá poder enguiçar esta porcaria toda, como fiz no ano passado.

Aliás, para terem uma ideia, estou a pensar em nem sequer ver o jogo, ler jornais ou ver notícias no próximo domingo, porque, «ó sócios, estou aqui concentradíssimo», e não quero abalar a minha vibe.

O que estou a pensar, muito seriamente, se tiver tempo, é em fazer uma previsão remissiva, ou seja, escrever a previsão e publicá-la depois do jogo. Só para gozar. Sim, porque eu às vezes acerto.

Querem um exemplo?

Ando há semanas a dizer aos meus amigos que, se eu fosse treinador do Benfica, o Cardozo marcava os cantos. Aliás, não só marcava os cantos como marcava todos os livres num raio de 15 metros em redor da grande área, independentemente do lado.

Porquê? Porque é o único jogador do Benfica com força e técnica para marcar um canto, ou um livre, bem marcado – tenso, a cair à entrada da pequena-área, sem dar tempo ao guarda-redes para sair ao centro. Um pontapé em força, a cair em frente à baliza, é meio-golo. Há um ressalto, um toque, e está feito. Sem ser preciso inventar mais nada de bloqueios, zonas, pivôs...

Devo confessar que também dizia isto para me armar um bocado em esperto, que é uma coisa que às vezes faço, e para pôr o pessoal a chamar-me maluco.

Mas isso não quer dizer que não estivesse a falar a sério.

O Jesus, que é um tipo dos esquemas, que fez a carreira no Vietname do futebol português como João Ratão, graças aos atalhos, às espertices, sabe que 80 por cento dos golos, no futebol, são jogadas de sorte – ou em ressaltos, ou em falhanços, ou a passar no meio das pernas de um defesa, ou por cima da mão do guarda-redes... É raro o jogador de futebol que, na zona de finalização, consegue fazer exactamente o que quer, quando quer. Por isso é que o Jesus (tal como o Camacho, diga-se, lembram-se do Binya) pôs o Benfica a fazer lançamentos laterais à Vizela. Porque a batata vai para o meio do maralhal, há alguém que se atrapalha e, de repente, está na baliza. É feio? É o futebol de alta competição.

Nunca pensei, contudo, que o homem tivesse a lata de pôr o Cardozo a marcar os cantos. Achei que não tinha coragem. Pois bem, hoje o Jesus subiu muitos pontos na minha consideração. O Jesus está na melhor forma desde que chegou ao Benfica – e se sou eu que o digo, podem acreditar que está. Anda tranquilo, acho que já percebeu que não morre se confiar um pouco mais nos jogadores (só um pouco), resta saber se já percebeu realmente que a melhor maneira de fazer um bom contrato em Espanha não é apostar tudo nas competições europeias, como no ano passado, mas ganhar o campeonato ao Porto.

Hoje à noite, ao primeiro canto do Benfica, lá voltei eu à lenga-lenga do costume. «Mete o Cardozo a marcar os cantos e vais ver. Mete o Cardozo a marcar os cantos e vais ver.» E o Cardozo na área, claro. Até que, a certa altura, o Cardozo vai mesmo marcar um canto. Nem pude acreditar. O primeiro foi sem gás. Deu noutro canto. «Olha, queres ver?! Queres ver?!»

Parecia bruxedo: ao segundo canto, golo. E nem sequer foi muito bem marcado. Ele que meta o homem a marcar os cantos todos, que o deixe tomar as medidas e apanhar-lhe o jeito, e quando os balázios começarem a chegar à pequena-área a 100 à hora a bater nas cabeças dos defesas e a entrar na baliza, vocês vão ver. Depois disso é só fazer o mesmo em todas as bolas paradas perto da área. O Cardozo marcaria menos golos? Talvez. Mas a equipa passaria a conseguir voltar a fazer perigo nos cantos.

No próximo post - depois desta peça de narcisismo intelectual completamente despropositado que é fruto do meu actual estado de quase demência por motivos de esgotamento neuronal – explicarei porque é que eu seria o melhor paineleiro do Benfica nas segundas-feiras à noite.

Caramba, vou já adiantar, até porque se calhar só cá volto já com o Sporting na II Divisão. Eu seria o melhor paineleiro do Benfica nos Donos da Bola porque, comigo, já não se falaria senão de duas coisas desde o dia de Natal:

- do facto do Porto ser o clube do regime corrupto desta província peninsular, do fora-de-jogo do Maicon e de todos os casos em que o Benfica foi roubado com o Porto  desde o tempo do Iuran (sim, isso mesmo: seria tão ostensivo como isso. Não haveria de ficar nenhuma dúvida no ar de que eu estaria apenas a pressionar os árbitros para lhes ser impossível prejudicar o Benfica em caso de dúvida. Foi assim que o impoluto Pinto da Costa minou isto tudo. Não foi por ter pudor, foi por ser tão ostensivo que praticamente exigia ser beneficiado, mesmo quando não tinha razão absolutamente nenhuma. Neste país de baixa-as-cuecas profissionais, o segredo é não ter vergonha de exigir o que para pessoas de boa cepa, seria ultrajante);

- do facto da primeira equipa a gastar 100 milhões de euros por ano no futebol português ficar em risco de não ganhar o campeonato se perder na Luz. E continuaria a falar nos 100 milhões de euros até toda a gente ficar a perceber bem esta realidade, que a propaganda do regime tem tido o cuidado de não propagandear: o Porto, que teve um prejuízo de 40 milhões de euros num ano em que vendeu o Falcão por 40 ou 50 milhões, tem o primeiro orçamento de 100 milhões de euros este ano. O clube dos pobrezinhos, do «contra tudo e contra todos», do fazer do pouco muito, vai gastar 100 milhões de euros (mais 30 milhões que o Benfica), e pode muito bem acabar a época de mãos a abanar. E aí – se não for este ano vai ser num dos próximos – no momento em que o fracasso for assim tão visível, é que a vaca vai começar a tossir.

Aí, vai começar a perguntar-se se o Porto pode pagar 18 milhões de euros por um defesa-direito só porque o Benfica o quis contratar - quando o suplente desse jogador, que até andou emprestado para rodar em Braga, vai passar a ser «um dos jogadores mais bem pagos do Sporting, com um ordenado anual de 1 milhão de euros» (não vai, concerteza, ser aumentado com a mudança para Alvalade). E se pode pagar 12 milhões por um central mexicano de 20 anos e 70 quilos, quando o Benfica só ofereceu metade. E se faz sentido andar a pagar o dobro para ter James, Álvaros Pereiras e quejandos se o Benfica, gastando apenas 70 por cento, consegue ser campeão com o André Almeida, o Jardel e o Melgarejo.

Foi, também, com esta argumentação, (os mais novos não se lembram, e agora vêem-no tão dócil que nem lhes passa pela cabeça a pouca-vergonha que era) que o impoluto mestre foi construindo a imagem de eficiência e do «fazer das tripas coração». O «fazer das tripas coração», actualmente, é gastar mais 30 milhões de euros que o propalado «clube do regime». E isso diz tudo sobre o desfasamento do discurso que ainda passa nos media e a realidade. Nos media cria-se a ilusão de um «clube pequeno do Norte» a lutar contra os gigantes de Lisboa que têm os recursos todos. Na realidade, o Porto gasta, sozinho, quase tanto dinheiro como o Benfica e o Sporting em conjunto. Só por incompetência é que uma equipa que gasta mais 30 por cento do que o outro candidato não é campeã. E isso explica o nervosismo provocado pela rotura muscular do James e pela «ausência de Atsu e Kléber», como li hoje a um dos freteiros no Record. Como é que uma equipa bicampeã nacional, com 100 milhões de euros de orçamento, fica tão nervosa com um jogo na Luz a meio do campeonato?

Acreditem: esses vão ser os bons tempos. Mas era preciso começar a semeá-los já, antes que a Gabriela mate o velho do coração. Nessa altura já não terá tanta piada.