terça-feira, 23 de outubro de 2012

Grande futuro


Equipa gira, a do Benfica.

Uma equipa que sabe jogar conforme o jogo e o adversário;

 que tanto é capaz de controlar a bola como de arriscar mais com segurança defensiva;

que sabe o valor de marcar um golo na Rússia, na Liga dos Campeões, contra uma equipa encostada à parede, quando não se jogou (espectacularmente) muito bem até essa altura;

que percebe o valor de não sofrer golos, nessa mesma situação, nem nos primeiros dez minutos nem nos últimos cinco minutos de cada parte;

que joga tão bem na relva natural como sintética;

que aprende depressa;

que põe os jogadores a fazerem aquilo que sabem, e não aquilo que não sabem;

eficaz em frente às duas balizas;

com fio de jogo a atacar e jogo colectivo a defender.

Vê-se ali muito futuro.

Percebe-se que é um treinador novo, que ainda não teve tempo para trabalhar os fundamentos do jogo e de pôr a equipa a funcionar tão bem, em termos colectivos, como a vocação natural dos jogadores para o trabalho de equipa tornará possível.

Vê-se que há jogadores que ainda não tiveram tempo para apreender a filosofia e os métodos do técnico, que ainda parecem cansados, mentalmente, dos métodos do treinador anterior, mas a tendência, como em todas as equipas construídas de raíz, é para melhorar com o passar dos meses.

Também se vê que o treinador é um treinador com ideias frescas e muito avançadas. Há ali jogadas, como os lançamentos laterais para a área, que se tornarão altamente produtivas daqui a umas semanas, porque as outras equipas não estão preparadas para elas.

De qualquer forma, naquilo que se consegue trabalhar mais nos treinos – a capacidade de concentração e de trabalho colectivo – vê-se que, durante a pré-época e a semana, se trabalhou a sério e com grande profissionalismo.

E, além de tudo isto, o grande bónus: não é apenas uma equipa que impõe respeito – é uma equipa barata.

Deposito grandes esperanças nesta equipa.

Só vejo uma coisa má: o plantel tem excesso de qualidade, em quantidade, para as competições que está a disputar.

sábado, 20 de outubro de 2012

A cave


Tenho de pedir desculpas aos habitués, se é que algum ainda resiste, mas, definitivamente, ando a lutar para subir de divisão e a bola ficou de lado. Ainda por cima sem campeonato, menos bola tenho visto. Não posso prometer nada a não ser que, quando tiver mais vida para isso, voltarei a aparecer mais vezes.

Do pouco que tenho ligado aos futebóis, ficou-me na retina a apresentação de contas da SAD do Porto, feita numa cave das Antas perante uma plateia que, além da camarilha toda e de três ou quatro cameramen no fundo da sala, não tinha mais ninguém – para não haver o risco de qualquer incauto associado, apanhado de surpresa, exclamar em voz alta: «35 milhões?! Foda-se, carago, que merda é esta!?»

O défice de 35 milhões de euros no ano desportivo que passou é perfeitamente colossal, não só pelo montante como pelo que significa em termos de deve-e-haver regular do Porto.

Recapitulando: o Porto, já com a época a decorrer, faz a melhor venda na história do clube (o Falcão – e não esqueçamos o Guarín... ou serão milhões da treta, como os do Micael?), vai à Liga dos Campeões (porque foi, se bem se lembram, e se tivesse passado à fase seguinte não teria feito mais do que 3 ou 4 milhões além daquilo que fez) e ganha (é mais não perde, mas enfim…) o campeonato.

Resultado: 35 milhões de euros de prejuízo.

O que nos dizem (com dificuldade…) os media? Que os juros subiram e que o dinheiro do Hulk não entrou nas contas.

É pior a emenda que o soneto, desde que quem ouve tenha dois dedos de tola. O que isso quer dizer é que, praticamente no limite de exploração de recursos próprios, já com receitas extraordinárias incluídas (a venda de jogadores), o Porto perde 25/30 milhões de euros por ano para conseguir competir pelo campeonato nacional com o Benfica.

E porque é que se pode falar nestes termos? Por duas razões fundamentais:

1 - Porque, tal o fiasco na criação de receitas regulares, as receitas extraordinárias tiveram de passar a ser ordinárias. Ou seja, o Porto, sem vender pelo menos quatro-quintos-de-Falcão por ano, dá 20 milhões de prejuízo;

2 – Porque, no próprio dia da apresentação de contas, se ficou a saber que o Porto vai pedir novo empréstimo obrigacionista, para pagar 18 milhões de outra dívida obrigacionista que vence em Dezembro – sendo que a dívida vai ser passada para o longo prazo. Ou seja, o Porto já entrou, definitivamente, na espiral financeira que não lhe vai permitir parar o endividamento sem perder grande parte da sua capacidade competitiva.

O que se está a passar no Porto, é preciso dizê-lo, é um cataclismo.

Neste espaço já referi muitas vezes (mais do que as que devia, é verdade) que estamos a assistir à queda de um mito. Poucos me terão levado a sério, nessas alturas, pensando que é o clubismo a falar, e apenas mais alguns me levarão a sério agora, porque ainda não viram, como São Tomé, o que está para a acontecer – mas afirmo: o que se está a preparar no Porto é uma tempestade de tal forma perfeita que, quem viver daqui a vinte anos, dificilmente acreditará que o futebol português alguma vez tenha sido o que é hoje.

A recuperação qualitativa e o redimensionamento do Benfica; o fim do regime de Pinto da Costa, que abrirá um problema político de longo prazo no interior do Porto assim que surgir a primeira derrota; o empobrecimento generalizado do país durante os próximos 10/15 anos, levando a uma perda de competitividade na Liga dos Campeões, que é fundamental para as finanças do clube. Isto vai conjugar-se.

Os adeptos do Porto, que não percebem mais de coisa alguma que quaisquer outros, e que são tão facilmente sugestionáveis com vitórias como quaisquer outros, ainda estão, e continuarão a estar durante mais alguns anos, em estado de negação, alimentados pela ilusão (a mesma que durante muitos anos enganou os benfiquistas) de que a supremacia sobre o Benfica é um estado natural das coisas, que se prolongará ad eternum apenas porque sim, porque é assim o universo. Essa ilusão, que é comum a todos os grandes impérios antes de caírem, também faz parte da equação.

Quanto mais o seu clube se enterrar em dívidas para continuar a competir com a aposta financeira do Benfica, mais se tentarão convencer de que estão no mesmo campeonato.

Ninguém, do Porto, lhes explicará um factor essencial para compreender o verdadeiro cenário em que esta luta decorre: o de que, para o Benfica, ter 400 milhões de passivo é muito menos problemático do que para o Porto ter 300 milhões de passivo. É como o Governo português querer fazer crer aos portugueses que Portugal está na mesma situação de Espanha. Não está. A natureza do problema é a mesma, mas o grau do problema não o é.

Pelo meio em que está inserido (sobretudo-Lisboa contra sobretudo-Porto), pela natureza mais abrangente do clube, pela maior dimensão popular que continua e continuará a ter (porque o Benfica já parou de decrescer e a tendência agora será para voltar a crescer em teros de adeptos, à medida que vá voltando a ganhar), por tudo o que é evidente em termos de imagem (que se reflecte em dinheiro), por ter um potencial de captura de receitas igualmente em crescendo (afinal, o Benfica não ganha, desportivamente, em termos relevantes e continuados, há 20 anos!) contra um Porto que já não tem mais onde inventar dinheiro a sério, os dois clubes não estão, manifestamente, no mesmo pântano. O do Benfica dá pela cintura. O do Porto dá pelo pescoço.

Para o Benfica, regressar ao domínio do futebol português depende de conseguir manter a pressão. Continuar a não pagar 18 milhões por Danilos, para depois poder pedir 25 milhões por Javis Garcia. Continuar a obrigar o Porto a fazer crescer a sua dívida. Não facilitar na vertente desportiva – não pensar que, sem trabalho, o sucesso aparece por si próprio, nem deixar de investir na qualidade dentro de campo. Manter a pressão, de forma continuada e tão forte quanto possível. Inventar fundos, inventar televisões, apostar em tudo o que implique aproveitar a massa adepta – esse é o ponto estratégico: sempre que o Benfica conseguir aumentar as receitas no que tem a mais (os adeptos) obriga o Porto a endividar-se, porque não tem alternativa.

Se isto acontecer, o futebol português muda. E começa a mudar no dia em que o Porto não venda o Hulk, para ganhar o campeonato, em que perca 50 milhões de euros, e em que… não ganhe o campeonato.

Aí, a casa vem abaixo.

 

*

Vi um bocado do Freamunde-Benfica e a ideia com que fiquei do André Gomes é a mesma que já tinha tido antes disso, ao vê-lo na equipa B: faz-me lembrar o Zidane a jogar à bola, porque pensa antes dos outros e executa bem, mas não sei, em termos de vontade de ser um grande jogador e campeão, se será suficientemente agressivo para triunfar, quer no Benfica quer no futebol profissional.

sábado, 6 de outubro de 2012

«O futebol é resultados»


Daqui a um mês chegaremos ao ponto em que os benfiquistas discutem penáltis e frangos como factos determinantes do sucesso ou do insucesso da época desportiva.

Daqui a dois meses estaremos no ponto em que os benfiquistas discutirão o treinador como factor de sucesso ou insucesso da época desportiva. Por alturas do Natal, reeleito e com a época perdida, o Vieira, encostado à parede, vai chegar a acordo com o Jesus para a rescisão amigável do contrato, contrata o Scolari e inicia aquele que será o seu «último projecto» como presidente do Benfica.

Nessa altura, o fracasso desportivo de Vieira, então já indisfarçável, será utilizado para endeusar Pinto da Costa, e os adeptos do Benfica, indefesos, serão confrontados com a costumeira «falta de liderança» como factor de sucesso ou de insucesso da época desportiva.

E depois começa tudo outra vez.

Se não for nestes prazos, é noutros, se não for em Dezembro é em Maio, mas a lógica é a mesma.

O que é que está errado neste ciclo vicioso?

É a falta de qualidade de alguns jogadores, treinadores ou dirigentes, ocultada pela dimensão do clube? Não.

É uma deficiência estrutural do clube? Não.

É a «cultura»? Sim, mas não no sentido que se lhe quer dar. Nem se compra cultura no mercado de Inverno, nem se acorda, um dia, com cultura de vitória, nem a cultura é coisa que se tem quando se ganha e não se tem quando se perde.

O que está errado, neste ciclo vicioso, é o momento em que se pensa em termos de «sucesso ou insucesso da época desportiva».

O momento em que se divide a existência de um clube como o Benfica em «épocas desportivas» é o momento em que se inicia o fracasso, porque é pensar ao contrário. O momento em que se começa a pensar o resultado como centro da razão que tudo move é o momento da vulnerabilidade. Isto é assim no Benfica, no Sporting do Godinho ou no Porto do Pinto da Costa, que ficará igualmente vulnerável no momento em que perder (como o Godinho muito bem lembrou). Num sistema limpo, e com competição à altura, a «cultura do dragão» já faria parte do museu do clube há 20 anos. Não teria chegado, sequer, ao Mourinho.

O sucesso não se divide em épocas, e dificilmente se mede, a longo prazo, em resultados. Estranhamente, todos sabemos que, contra-intuitivamente, o sucesso se mede de forma emocional, subjectiva e, ao mesmo tempo, colectiva.

Qual é a melhor forma de explicar isto? Talvez assim: todos teríamos conseguido perceber se, hoje, os jogadores do Benfica tivessem feito o seu melhor frente ao Beira-Mar. Isto não significa jogar bem, acertar mais ou menos passes, tomar mais opções certas, correr mais. Toda a gente que sabe ver futebol percebe que há uma diferença entre cansaço e falta de entusiasmo, entre um mau passe feito por falta de técnica e um mau passe feito por falta de concentração, entre uma movimentação errada por desatenção momentânea e uma movimentação errada por falta de trabalho diário.

O Benfica ganhou, hoje? Ouso perguntar: o quê?

Admito que sou deficiente. Tenho um handicap de realismo. Mas, como atrasado mental que sou, também admito que teria saído mais satisfeito se tivesse visto o Benfica a perder ou a empatar mostrando um estado de espírito «grande» do que ao vê-lo a ganhar sem mostrar mais que mediocridade.

Não sei por quanto tempo é que o Benfica resistiria a estes «lirismos» da chamadas «vitórias morais», mas sei onde é que o outro caminho vai dar. Ao mesmo lugar de sempre. A este sítio onde, precisamente agora, nos encontramos, órfãos de uma grandeza que todas as semanas esperamos sentir ao olhar para o Benfica e nunca encontramos, defraudados, sentindo-nos traídos pela nossa própria leadade.

Vai dar a lado nenhum.

Dizem vocês: «Para te pores com estas merdas, ao fim de uma semana sem dar sinal de vida, mais valia teres ficado calado mais um mês!». Tudo bem. É legítimo.

Mas estou a ouvir o Jesus a dizer que na primeira parte o Benfica «teve muita qualidade», que «o futebol é resultados», que «estamos em primeiro», estou a ver o pessoal a acenar que sim com a tola e respondo: «Vocês são gajos porreiros, não fazem por mal, amam o clube, defendem-no, defendem-se, mas, no fundo, no fundo, até merecem chegar ao fim e não chegar a lado nenhum. Com campeonato ou sem campeonato. Porque não devíamos ter direito àquilo que não desejamos. E, como somos todos por um, o destino colectivo é ditado por esta grande parte que prefere negar a grandeza.»

Tudo bem. Sem ressentimentos. Sem esta dimensão humana, quase inconciliável, ser do Benfica significaria o mesmo que ser do Avintes. Estou disposto a esperar mais vinte anos. Ser do Benfica é acreditar.

Porque, depois, olho para o Barcelona, e penso assim: «Caramba, aquilo que ali está só existe porque, um dia, alguém acreditou que tinha direito à grandeza e ousou fazer diferente.»