quarta-feira, 29 de maio de 2013

Os que desistem


Um clube vencedor não depende dos resultados. Porque todos os clubes perdem, e isso significaria que, quando perdesse, esse clube seria, apenas, um clube perdedor.

Um clube realmente vencedor ganha nas vitórias e ganha com as derrotas.

Quando um jogador (o Rodrigo) diz que tem de se aprender com os erros depois de perder um campeonato, uma Liga Europa e uma Taça de Portugal de forma perfeitamente cruel, e nunca vista, esse jogador tem dentro de si a doutrina dos verdadeiros campeões. É um gigante em potência. É dessa massa que se fazem os clubes vencedores.

Num clube vencedor não há demissões. Nem de cargos nem de responsabilidades. Demissão é apenas uma palavra cara para desistência. Um eufemismo, inventado por pessoas fracas e orgulhosas, que não têm nem a força suficiente para lutar nem a humildade suficiente para assumir que desistiram, e que assim arranjam uma palavra para disfarçar ambas as fraquezas.

Num clube vencedor os elos mais fracos não são cortados e deitados fora – são fortalecidos, com trabalho e inteligência. Num clube vencedor, quando há um problema, não se faz de conta que não há problema – enfrenta-se o problema e trabalha-se para encontrar uma solução.

Coragem para assumir as deficiências, humildade para aprender, inteligência para encontrar um caminho. Estas é que são as condições para o sucesso. Não é «ganhar», como dizem os grunhos, armados em pragmáticos. Ganhar é sempre uma consequência, nunca uma causa. Ganhar nunca é um princípio. Ganhar não é o princípio de nada, é sempre um fim, um resultado. Resulta de alguma coisa, e essa coisa não é apenas uma forma de ganhar, mas uma forma de viver.

Um clube vencedor não compra campeões: encontra a matéria-prima e faz campeões.

De um clube vencedor as pessoas só devem sair em três situações: ou quando se revela que não têm a inteligência, a humildade e a coragem que está na massa dos vencedores; ou quando atingiram o seu limite de aprendizagem; ou quando têm a oportunidade de ingressar num clube que lhes dê melhores condições para exprimir o seu carácter de vencedor.

Se não for assim, é um erro. É uma demissão.

Num clube vencedor não há negações. Não se faz de conta nem se vira a cara. Assume-se.

Um clube vencedor não acredita na sorte, e muito menos perde tempo a discutir maldições ou bruxos de algibeira.

Um clube vencedor não crucifica um guarda-redes nem faz dele bode expiatório de uma época porque deu um mau pontapé na bola.

Um clube vencedor tem de ir muito mais fundo do que isso.

Vamos pegar neste exemplo do Artur, porque é uma excelente oportunidade para os crédulos benfiquistas meterem a mão na consciência e aprenderem alguma coisa com a derrota.

Depois do Benfica-Porto da primeira volta o treinador do Porto aareceu na conferência de imprensa a dizer que o Benfica tinha jogado em pontapé para a frente. Caíu-lhe em cima o Carmo e a Trindade. Os crédulos benfiquistas, ofendidíssimos, e liderados pelo seu treinador orgulhoso e ignorante, chamaram-lhe tudo, com um único objetivo: o de negar a evidência.

A evidência é que o treinador tinha toda a razão. Na segunda parte desse jogo, que foram os 45 minutos realmente decisivos do campeonato, este Benfica, construído durante três anos para conseguir responder naquele momento em que tinha de ir buscar o título, passou o tempo a atrasar a bola para o guarda-redes, que tinha de a chutar para a frente – e isto, repare-se, já depois de, na primeira parte, o Artur ter oferecido a bola ao Jackson para marcar o golo, o que prova que, se o Benfica voltou a insistir naquele tipo de jogada durante o resto do jogo, não foi porque quis, mas porque NÃO CONSEGUIA FAZER MELHOR.

Nesses 45 minutos decisivos ficou claramente demonstrado qual era a melhor equipa, quem jogava à campeão e quem iria ganhar o campeonato (e com todo o mérito) se nada mudasse. Quando o  jogo acabou, falou-se da fífia do Artur, negou-se todas as evidências, eliminou-se, à partida, o assumir dos erros que permitiria corrigi-los e evoluir, e o que é que aconteceu? Tudo continuou na mesma.

Eu disse isto. Houve quem me chamasse «exigente» para não me chamar estúpido.

Algumas semanas depois, no rescaldo de uma vitória «moralizadora» sobre o Moreirense, voltei a apontar o defeito. O Benfica não jogava à campeão. Depois de dar a volta ao jogo, a ganhar 2-1, começou a fazer aquilo a que o Jesus chama de «gestão do resultado»: trocar a bola entre os defesas, a meio-campo, e, ao mínimo entrave por parte do adversário, a atrasar a bola para o guarda-redes, que a chutava para a frente e a dava, basicamente, ao Moreirense, que, com espaço para avançar, até parecia uma equipa de futebol. E assim se institui uma cultura de facilitismo e desresponsabilização numa equipa que, supostamente, só é construída para responder a momentos de pressão - ou seja, a ambientes em que nunca se deve esperar facilidades e em que não épossível fugir à responsabilidade.

A coisa seguiu o seu processo natural. Teve o seu auge no jogo com o Sporting. Os mesmos pecados, a mesma incapacidade de construir jogo a partir da defesa sem ser em segundas bolas (uma incapacidade que existiu sempre no Benfica de Jesus e que ele nunca conseguiu e provavelmente nunca conseguirá corrigir, porque não admite que ela existe), bola para o Artur, pontapé para a frente, confusão, bola para os outros, o jogo entregue. O Gaitán inventa um golo. O árbitro defende outro. O resultado é bom. Conclusão, segundo o Berardo e todos os grunhos? «Tudo está bem quando acaba bem.»

É claro que a coisa nunca acaba.

Vêm as eliminatórias da Liga Europa. «Gestão do resultado», bola para os outros, dez bolas nos postes. Mas o resultado sai bem. «Grande equipa, campeões, grande treinador».

Sobe a pressão.

Chega o Estoril. O Benfica, incapaz de ter a bola, cansado e vulgarizado. O Estoril, uma equipa banal, parecia o verdadeiro campeão. «Se aquela bola do Maxi tivesse entrado…» Foi azar. Certo…

Vem o Porto. Vem o Kelvin. Vem a maldição, a bruxa, o azar. Azar? Azar, quando se começa a ganhar 1-0 o jogo do título no campo de um adversário que tinha de vencer?

Nas Antas, houve de tudo menos azar. Houve, sobretudo, novamente, uma equipa que não sabe ter a bola. Houve a «gestão do resultado», que acabou com o resultado do costume.

Azar, por sofrer um golo aos 92 minutos? Meus caros, perdoem-me a crueldade, mas se há momentos em que a sorte e o azar menos influência têm num resultado é quer nos penáltis quer a partir dos 85 minutos de jogo. Aí o que há é capacidade de resposta à pressão, quer mental quer funcional.

Não foi azar, foi aselhice. Uma equipa que jogasse como campeã  não teria sofrido aquele golo, pela simples razão de que aquele remate nunca teria existido. Aos 92 minutos do jogo do título, com um campeonato no bolso, não há golos, nem há remates, nem sequer há perigo. Há equipas que sabem o que têm de fazer para ganhar, e equipas que não sabem.

Mas ficámo-nos pelo azar, claro. Afinal, o povo sofre, é preciso mimá-lo.

Seria quase desumano aceitar que se tinha perdido o campeonato por demérito. Não, isso não. Seria um exercício de humildade e sensatez praticamente impossível.

Como tal, vem o Chelsea e vem outro golo ao minuto 92. Foi o quê, então? Foi o Guttmann, pois claro. Foi azar. Foi o destino. Foi o guarda-redes que não saíu, o defesa que não marcou, o outro que não saltou, foi tudo aquilo que era fácil de explicar às crianças que choram e aos idiotas que acreditam.

Permitam-me, então, caros crédulos, dizer-vos que o que foi foram os cornos dos vossos ricos paizinhos.

O que foi foi um canto que nunca devia ter existido, porque aos 90 minutos uma equipa vencedora não dá cantos, não dá hipóteses, e sobretudo não dá a bola.

Não interessa. Morremos na praia, é verdade, mas, como referiu o grande líder, houve quem tivesse morrido a subir para o barco. Porreiro, pá. Somos grandes, porque há alguém pior do que nós. É sempre uma bitola aceitável quando o cérebro não passa de um apêndice do aparelho digestitivo

Excelente.

«Pelo menos ganhamos a Taça.»

Vem a Taça. Regressa a «grande equipa», incapaz de controlar um jogo perante uma formação de ex-juniores dispensados das equipas a sério. Vem o golo, caído do céu aos trambolhões. Tudo bem, tudo seguro. Vem o minuto 80, um pepino do Artur, um golo em fora-de-jogo e depois, como o futebol não é cruel nem nada, um ressalto e a Taça vai com os porcos.

A culpa há-de ser de alguém. Do Artur, do Cardozo, do árbitro, do Jesus – vá-se lá saber porquê uma vez que a «gestão do resultado» no momento em que o Artur entrega a bola ao tipo do Guimarães é a mesma «gestão do resultado» que, durante quatro anos, o Jesus tem ensinado a equipa a fazer, e ainda uma semana antes batiam-lhe palmas.

Eu, pessoalmente, não sei se o Artur joga mal com os pés. Eu acho que o Artur joga tão mal com os pés como qualquer guarda-redes, e que por isso é que é guarda-redes e não avançado. Mas há uma coisa que eu sei: ponham qualquer jogador – qualquer jogador, mesmo o Messi – a fazer vinte pontapés para a frente, e desses vinte há sempre um ou dois que saem pepinos. Se for um guarda-redes, mais.
O que me preocupa, a mim, como observador que não percebe nada de futebol, não é se o Artur joga bem ou mal com os pés, nem se o fiscal-de-linha errou de propósito ou sem querer.

A mim, o que me interessa é o que leva o pior pontapeador de uma equipa como a do Benfica, que deve jogar para ganhar tudo e está em vantagem durante 80 por cento do tempo, a ser obrigado a fazer vinte pontapés para a frente durante um jogo, sabendo-se, pela estatística, que noventa por cento dessas bolas vão acabar na posse do adversário.

Os crédulos nem sequer pensam nisto. Não querem pensar. Preferem partir do princípio que a vitima (o Artur) é, na verdade, o culpado. E é por isso que o Benfica é um clube perdedor.

O Benfica não é campeão porque não conseguiu os resultados?

Errado.

O Benfica não é campeão porque não joga como um campeão, não pensa como um campeão e não vive como um campeão.

E, como tal, é apenas justo que não seja campeão.

O verdadeiro pecado do Benfica não é o Artur não saber chutar, nem o Jesus não saber treinar. O verdadeiro pecado do Benfica é os benfiquistas aceitarem como normal o vazio de pensamento, a ausência de sensatez e de humildade, porque ao fazê-lo estão a entregar o seu clube ao sabor dos resultados, e a deixá-lo no meio da rua.

Ao fazê-lo estão a demitir-se.

Um clube vencedor não se faz de quem desiste.

domingo, 26 de maio de 2013

Nós, pecadores


E agora, que tudo acabou, é altura de falar.

Durante muito tempo, desde que me lembro de ver um jogo de futebol com alguma capacidade crítica, pensei que o Benfica me fazia ser pessimista. Quando o Benfica jogava, eu via uma coisa e, depois, lia os jornais, falava com outros benfiquistas, e ouvia tudo ao contrário.

Onde eu via falta de colectivismo os outros viam «grande virtuosismo» individual. Onde eu via jogadas esporádicas os outros viam «golos de antologia». Onde os outros viam «grandes equipas» eu via campeonatos ganhos pela porta do cavalo, por equipas medíocres em condições excepcionais.

Isto aconteceu tantas vezes que eu comecei a pensar que, por causa dos nervos, ou por qualquer complexo psicológico, o jogo que via não era o jogo real mas o que eu queria ver como pessimista inato.

Com o tempo, acabei por perceber duas coisas: que eu tinha quase sempre razão; e que ter razão, como benfiquista, é um lugar solitário.

Sim, é verdade que de vez em quando atiro ao lado. Às vezes um pouco ao lado – como quando previ que o Benfica ia ser campeão no ano passado, quando quase toda a gente dava o campeonato como entregue, à partida, a um Porto que tinha acabado de fazer a melhor época na história do clube – outras vezes muito ao lado – como quando, no princípio desta época, disse que o Sporting ia ser campeão (!!!!!).

A este propósito, num aparte, devo dizer que assistimos, este ano, a uma das épocas mais assombrosas, senão a mais assombrosa, de que há memória, considerando o ponto de partida e o ponto de chegada do Sporting, ambos extraordinários (o treinador no início do ano era um Sá Pinto talhado no destino para um sucesso inevitável, o presidente era o Godinho Lopes, os dirigentes os supercompetentes Duque e Freitas, o investimento o maior na história do clube, e fizeram a pior temporada em mais de cem anos); o conjunto de resultados do Benfica, a forma como começou, como decorreu e como acabou; e até o notável campeonato do Porto, que acaba outra vez sem perder um jogo, sendo que, mesmo assim, a três jornadas do fim dava o campeonato como perdido.

Sim, atiro algumas ao lado, mas nas coisas importantes, nomeadamente sobre o Benfica, e no longo prazo, as coisas vão bater sempre àquilo que eu previ. Não é cepticismo: é realismo e sensatez.

Quando o Benfica ganhou o campeonato de 1994 percebi que aquilo não significava nada. Não significou.

Quando o Benfica abandonou Artur Jorge em mar alto, no ano seguinte, e Manuel Damásio deitou tudo por terra para agradar aos fundamentalistas das ilusões, percebi que era um erro histórico. Foi. Histórico.

Era o momento em que o Benfica podia ter mudado, em que tinha a pessoa certa, o contexto certo, em que tudo estava onde devia estar para começar a inverter um caminho de sete anos de erros. Tudo morreu num assomo de populismo e sobrevivência política.

Para verem como a propaganda se enraíza, ainda hoje faz escola a tese do «erro histórico» que terá sido «desfazer uma equipa campeã» e contratar Artur Jorge. Um perfeito disparate. Artur Jorge tentou, contra tudo e contra todos, mesmo contra os seus dirigentes, instituir no Benfica uma cultura de colectivo, de equipa, de superação; criar de raiz uma forma de actuar que tinha tudo a ver com o que fez o Benfica grande desde sempre (um Benfica que ele conhecia, porque tinha jogado nele). A equipa campeã era, na verdade, uma equipa medíocre, com jogadores cheios de vícios, sem espírito de grupo, sem qualidade colectiva, vivendo de soluções casuísticas, levada ao colo pela sorte desde o primeiro dia do campeonato e acabando por conquistá-lo graças ao maior milagre nos anais do futebol português (o 6-3 de Alvalade), e, em grande parte, à automutilação precoce do futuro pentacampeão Porto, que nesse ano chegou a andar em sétimo com o Tomislav Ivic a treinador.

Despedir Artur Jorge, acabar com o seu projeto, a favor da manutenção do poder por via da satisfação da opinião pública benfiquista, esse sim, foi um dos maiores erros na história do clube

Quando, com Damásio, começaram a chover jogadores às centenas e treinadores às mão-cheias para satisfazer, a cada início de época, as ilusões dos adeptos, cada vez mais disponíveis para ignorarem o passado de esforço e trabalho do seu clube a favor de promessas de banha da cobra e vitórias fáceis, vendidas por biltres cada vez mais peganhentos. Até uma capela se construiu no Estádio da Luz.

Quando, com mais uma vitória construída pelo acaso ou por árbitros corruptos, eu via o povo embandeirar em arco enquanto pensava que aquilo era apenas palha para alimentar o fogo daquele inferno de onde, com as labaredas cada vez mais altas, se tornava cada vez mais impossível algum dia vir a fugir.

Em todos esses momentos a verdade era, para mim, evidente, e em todos eles eu, impotente, ouvia os meus compatriotas benfiquistas a alegremente deixarem-se enganar. Invariavelmente, eles iam chegando ao sítio onde eu, por antecipação, já há muito sofria.

Nunca dei um pontapé numa bola dentro de um campo de futebol, nunca tirei nenhum curso, de futebol e só sei sobre bola o que fui aprendendo como observador, mas falo, hoje, com toda a legitimidade de quem anunciou o que ia acontecer mesmo quando todos andavam entretidos a construir castelos de areia.

Eu disse o que ia acontecer não depois de derrotas mas depois de vitórias, e de vitórias importantes. Na maior parte das vezes, falei sozinho.

Por isso, meus caros, hoje falo eu.

 

Há muita coisa que se pode chamar ao grande universo de benfiquistas que está disposto a embarcar em qualquer barco para fugir à verdade. Fazem-no tanto por fraqueza de espírito como por paixão; fazem-no porque são humanos, e ao homem, seja vermelho, azul ou verde, quando a realidade não serve o primeiro instinto é negá-la. É uma espécie de reflexo de autopreservação.

Pode-se dar muitos nomes a estas pessoas, a maior parte com uma carga negativa muito forte. Como não devemos dividir-nos nas derrotas, eu vou apenas chamá-los de crédulos.

Tenho a certeza absoluta que vão pensar mal de mim por isto que vou dizer, e se calhar até insultar-me, mas paciência. Como disse Gramsci, há muito tempo, «dizer a verdade é o acto mais revolucionário», e o Benfica precisa da verdade.

A primeira verdade é esta: se se quiser formar uma cultura de vitória, a opinião dos crédulos não pode valer o mesmo que a opinião dos outros, dos que não se limitam a acreditar com muita força.

Graças a vocês, crédulos que me estejam a ler (e vocês sabem se o são) o Benfica é o maior, porque vocês fazem o número e todos os exércitos são, antes de tudo, número.

Mas também é por causa de vocês que o Benfica não é o melhor.

Porque vocês são fáceis de manipular por quem ambiciona o poder, e quando essas pessoas percebem como vocês são fáceis de manipular com mentiras e meias-verdades escondem a verdade. Ao esconderem a verdade, quando o que há não presta, o que essas pessoas fazem, indirectamente, é manterem aquilo que não presta e perpetuar o fracasso.

Posso enumerar muitos dirigentes que o fizeram. Posso começar por Gaspar Ramos e seguir com Jorge de Brito, Manuel Damásio, João Vale e Azevedo, Manuel Vilarinho, José Veiga, Luis Filipe Vieira, só para enumerar os principais.

O último grande dirigente do Benfica chamou-se Fernando Martins e perdeu, tragicamente, a eleições de 1987, porque disse a verdade – porque não vendeu banha da cobra, porque disse que o Benfica não podia viver acima do que podia. Nesse desastroso momento em que João Santos, o testa-de-ferro de Jorge de Brito e Gaspar Ramos, ganhou as eleições com promessas de «um Benfica para a Europa», contaminado pela campanha europeia do Porto dessa época, os políticos do Benfica perceberam que os benfiquistas já não queriam realidades mas sim quimeras. E assim se passaram 26 anos, na sua esmagadora maioria miseráveis.

Eu não culpo os políticos. Os políticos são e serão políticos, e todos os políticos jogam com aquilo a que Gaetano Mosca, um sociólogo italiano, chamou de «fórmula política». A fórmula política é o conjunto de crenças e valores que estão na moda, ou que vai, num futuro breve, mobilizar as pessoas. Interpretando a fórmula política, os políticos ascendentes, através da promessa de bem as representarem, capturam as massas, e ao capturarem as massas sobem ao poder. Enquanto dominarem a fórmula, controlam as expectativas das pessoas, e mantêm-se como elite governante.

Eu não culpo os políticos. Culpo-nos a nós.

Somos nós que, em espaços como este e como centenas destes, na Internet, no trabalho, na escola, no café, determinamos a fórmula política. Não nos enganemos: nós, a arraia-miúda, seremos sempre dominados, porque o grande número não se consegue, nunca, organizar, ao contrário daqueles que pretendem constituir-se como elites. Mas a questão não é o sermos ou não governados: a questão é o preço que estabelecemos para nos deixarmos governar.

Não é a mesma coisa ser governado à deriva e ser governado a caminho de um Novo Mundo.

Somos nós que devemos estabelecer o nível de exigência, marcar a bitola da governação. Se o fizermos, em pouco tempo aparece o governo que nos levará onde queremos. Os políticos têm essa faculdade. Há sempre algum que acaba por dar com o cheiro do poder.

 

Talvez estivessem à espera, hoje, de me ouvir falar sobre o Jesus, sobre o Cardozo, sobre o Vieira, sobre o Porto, sobre o bruxo de Fafe, sobre o minuto 92, sobre a sorte e o azar, sobre essas coisas todas.

Não.

Tudo isso é secundário.

Este momento é demasiado importante, na história do Benfica, para passar com a espuma das manchetes da Bola de amanhã. Não é um momento igual aos outros. É o momento mais importante na história do Benfica dos últimos 26 anos, que isso fique bem claro para todos.

Hoje, o meu dever, como benfiquista, é começar pelo princípio, e pôr as cartas em cima da mesa. Começar pela verdade mais importante. Pelo pecado original.

O pecado original é a estupidez assumida como natural pelos próprios benfiquistas.

Os benfiquistas não são estúpidos. Apenas assumiram como verdadeira a ideia de que não se espera deles que pensem. Aceitaram esse estereótipo. Mas o estereótipo é falso. O benfiquista é exactamente o contrário. O benfiquista tem o futebol na massa do sangue. É inteligente, pertence à cultura futebolística mais próspera de Portugal, tem o passado mais preenchido, pertencem-lhe os maiores triunfos e os maiores desaires, é um clube da maior glória e do maior drama. O Benfica transformou o futebol e transformou este país porque ousou fazer o que ninguém mais teve a audácia de ousar. O Benfica não é apenas o maior clube português, é também a nação futebolística mais rica de Portugal, e uma das mais ricas do mundo. Eu sei, porque conheço a história dos maiores clubes do mundo, e as que se equiparam à do Benfica contam-se pelos dedos de uma mão. Perto da história do Benfica, a história do Port, por exemplo, é irrelevante. É algo inerente, que existe apenas à sombra de.

O pecado do Benfica, e a raiz dos seus fracassos actuais, é este. O de aceitar o rótulo de clube acéfalo, indigente e parasitário que andam a tentar colocar-lhe há trinta anos.

 E se não colocarmos essa mistificação, hoje, em cima da mesa, para a semana já ninguém se lembra, porque vem o Markovic, o Djuricic, o Alain Delon, o Donizete, o Jeremias, e já ninguém quer saber de mais nada a não ser da próxima quimera, que acabará como todas as quimeras anteriores se se partir do princípio que, para resultar, basta não pensar.

Eu vou falar dessas coisas todas. Vou falar do Jesus, claro. E calhar, quando o fizer, já ele é treinador do Porto. Não há problema. O que eu penso do Jesus já foi escrito neste blog muitas vezes e não muda quando ele passar a ser treinador do Porto.

(Sim, é evidente que o Jesus sempre percebeu que teria poucas condições para continuar no Benfica se não ganhasse nada, daí não se ter comprometido até agora.

Sim, também é evidente que a única razão que Pinto da Costa teve para continuar a fazer de conta que está a negociar com o Vítor Pereira, quando, na verdade, ambos sabem que ele vai sair, foi esperar pela final da Taça, que, em caso de derrota do Benfica, lhe poria Jesus nos braços e lhe daria o maior troféu na sua história como presidente do Porto, para pendurar na parede.

Sim, é claro que Vieira foi manipulado por Jesus, que foi o último a pestanejar, forçou o presidente a comprometer-se publicamente, nunca disse que sim nem que não, e agora o tem preso pelos tomates.

E sim, reafirmo o que já aqui disse: Jesus no Porto é capaz de ser a melhor coisa que pode acontecer ao Benfica nos próximos anos.

To be continued.)

Vou falar de tudo isso, mas o que eu quero que vocês percebam, e daí ter escrito tudo o que ficou dito atrás, é que quando eu falar dessas coisas não devem partir do princípio de que todas as opiniões são igualmente válidas. A minha opinião vale mais. É melhor. Que isso fique claro.

Seria politicamente correcto dizer que a minha opinião é só mais uma e vale o que vale, mas não é verdade. A minha opinião vale mais do que 95 por cento das opiniões que vocês vão ouvir nas próximas semanas por essa ciberesfera fora.

Chamem-me presunçoso, arrogante, cagão, vaidoso, exibicionista, narcisista, estúpido, deficiente, complexado, ignorante, parvo, chamem-me o que vocês quiserem, mas façam um favor a todos nós, benfiquistas, e ao clube que amamos: não cometam o erro de desvalorizar a minha opinião só por orgulho.

Para isso já temos o Jesus, e vejam a bela merda que está a dar.

Antes de me ir embora, e para não vos deixar a insultar-me no vazio, quero deixar-vos a minha habitual nota de optimismo.

De todos os males que têm atingido o Benfica neste 26 anos houve um que foi o mais perverso de todos, porque é o mais contra-intituitivo de todos e o que mais nos leva à negação da realidade, por mexer com a nossa paixão mais profunda. Este ano esse mal esteve quase a repetir-se, mas a uma escala inédita.

 Qual? Este, tão simples quanto traiçoeiro: o de ganhar sem ser o melhor.

Este é o melhor momento para dizer isto, porque perdemos tudo. Eu próprio jamais o conseguiria dizer se tivesse sido campeão. Seria pedir-me demasiado. Não sou de ferro. Eu lembro-me daquele 6-3 em Alvalade, o meu dia mais feliz como benfiquista. Lembro-me bem e há uma coisa que sei: se essa vitória, a maior na história do Benfica, não tivesse acontecido, e se o Sporting tivesse ganho o título que merecia, se o Benfica não tivesse sido campeão, a década seguinte, a pior da história do clube, teria sido completamente diferente. E, mesmo assim, para verem como o conflito interior é enorme nestas coisas, não sei se não valeu a pena. Não sei se não valeu a pena entregar dez ou vinte anos na história do clube por aquele dia em que tudo aconteceu ao contrário e em que nos sentimos tocados por um deus qualquer.

Da mesma forma, se não tivéssemos ganho os campeonatos mal amanhados em  1988 e 1990, os anos 90 não teriam sido o que foram.

Se não tivéssemos ganho o campeonato do Trapattoni jamais teríamos passado pelo que passámos nos anos seguintes.

E arrisco a dizer que, sem o título do Jesus no primeiro ano, neste momento já seríamos não só campeões como, pelo menos, do mesmo nível do Porto, e jamais teríamos passado por estes três anos de frustrações e, nalguns casos, de humilhações.

O Benfica deve ganhar quando for o melhor. E se demorar dois, três, quatro ou cinco anos, que demore. O desafio é precisamente esse. Trabalhar para ser o melhor no meio das adversidades, mesmo das maiores, como é a de se perder três títulos em quinze dias. Se conseguir resistir à frustração, se conseguir continuar a fazer pelo melhor, o Benfica voltará a ser o nosso orgulho. Senão, deve continuar a perder. E vai continuar a perder.

Mas, se conseguir passar pela tempestade e chegar ao Novo Mundo, com mérito, e não por sorte, o seu sucesso será permanente. Será isso mesmo, um Novo Mundo, um novo continente, e não apenas uma pequena ilha onde se vai dar por acaso e que pouco significa. Nessas ilhotas, nesses campeonatos, nessas Taças da Liga, nessas finais, não há nada senão alguma água fresca, que serve para matar a sede mas que se esgota depressa, que cria ilusões mas não realidades.

E só para verem como acho isto importante, não é do Jesus que vou falar no próximo post, mas desta instituição do mérito que é a pedra basilar ao projecto do Benfica.

Vou fazê-lo com a convicção de quem, há vinte anos, perante a instituição crescente do facilitismo, já pensava assim. De quem sabe, hoje, que já na altura tinha razão, e que hoje continua a ter.

sábado, 11 de maio de 2013

«Detox»

Não estranhem a ausência. Na passada 2.ª feira, à noite, após uma facada nas costas e um momento de introspecção, decidi começar um período de desintoxicação.

Voltarei a escrever neste blog depois da final da Taça de Portugal, ou seja, depois de acabar a época.
Agora, do que eu preciso é de observar, não é de falar sobre treinadores, árbitros, mafiosos ou doentes (eu incluído, daí o tratamento necessário).
O período de 15 dias que começou antes do jogo com o Estoril e que acaba no jogo com o Moreirense é o mais definidor do futuro do Benfica desde há muitos anos. Vai marcar, pelo menos, a próxima década. Por isso, é altura de ver, pensar e aprender, para tentar aproveitá-lo.

Além disso, eu também preciso de me acalmar. Dei por mim a falar de árbitros todos os dias, e encarei isso como um sintoma.

E não é que eu já não tenha aqui dito, há tempo suficiente, o que penso que vai acontecer nos próximos cinco dias, e porquê. Por isso, se alguém tiver dúvidas, é ir ao arquivo.

Até já.

P. S.  - Mas não se preocupem, esta desintoxicação é como aquelas das gajas alcoólicas de Hollywood: só vão para a clínica para limpar o organismo e depois poderem voltar a beber que nem uns cachos, com força revigorada.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

E Deus, dará?


O futebol  é pressão. Quem não consegue lidar com a pressão só ganha alguns jogos, nunca ganha nada de importante sem ser por acidente ou por favor.

Já aqui escrevi muitas vezes (as vezes suficientes, diga-se) que a classe é fazer o que é preciso ser feito no momento em que é preciso ser feito. O facto de eu escrever essas coisas quando o Benfica ganha leva os inquisitores do benfiquismo (que também os há) a responderem: «Bom, então quando se ganha tem-se classe, e quando se perde não se tem classe!»

Por isso, neste momento, eu vou repetir aquilo que já disse 50 vezes. Só para parecer um gajo muito pretensioso.

Há duas coisas que as grandes equipas, com classe, têm de saber fazer para serem grandes equipas.

A primeira é saber como cada jogo tem de ser jogado. Ou seja, jogar cada jogo de acordo com as suas características e aquilo que o envolve (o adversário, o cansaço, o resultado necessário, etc). O que implica, muitas vezes, ter a personalidade suficiente para ir contra o senso comum.

A segunda é executar essa estratégia, de forma colectiva. O que implica saber executar os gestos e os movimentos adequados sob pressão.

O Benfica não é uma grande equipa porque não tem classe.

Não tem classe porque joga todos os jogos da mesma maneira, e porque não sabe executar o que tem de executar nos momentos em que é necessário.

É uma equipa que joga ao deus-dará.

É-o há quatro anos e continuará a sê-lo durante mais quarenta, se for caso disso.

Se Deus der o campeonato, dá. Se Deus não der, não dá.

É o pressuposto da fé.

domingo, 5 de maio de 2013

Genial, Professor Pardal!


Grande jogada psicológica do Professor Pardal, a mostrar muito respeito por uma equipa com um orçamento dez vezes inferior ao da sua e com mais vinte pontos no campeonato. Uma jogada à sua altura. Uma jogada que resultou em pleno: com a vitória da equipa mais mentalmente forte sobre a equipa mentalmente inferior. A dele.
Não quero ser (muito) faccioso, mas se algum treinador do Benfica, mesmo no último lugar, tivesse a ousadia de dizer que o Paços de Ferreira era favorito, independentemente das manobras psicológicas envolvidas, em qualquer circunstância, contra o Benfica, não era com o resultado do jogo que teria de se preocupar.
O Sporting que continue a apostar no «Professor». Vai ensinar muitas coisas positivas àquela miudagem. Sobretudo a pensar em grande.
Este é o tipo de coisas que o Jesus não diria nem com uma arma encostada à cabeça.
*
Hoje vi uns cinco jogos de futebol enquanto ia tratando de burocracias. Nesses cinco jogos vi dezenas – atenção, eu disse dezenas – de jogadas em que os jogadores se agarram mutuamente, se embrulham e caem. Em cerca de metade o árbitro marcou falta, na outra deixou seguir. Mas no Benfica-Sporting é suposto aquela jogada ser penálti indiscutível. Porquê? Porque o Benfica está a ganhar o campeonato ao Porto. É esse o único critério, certo?
Nesses cinco jogos também vi os árbitro, na maior parte das vezes, a marcarem falta ao atacante quando este põe a perna entre o defesa que vem ao corte e a bola. Mas quando o Volkswagen sai da sua linha para meter a perna esquerda à frente do Garay, que já vem lançado, estamos a assistir, segundo o Bernardo Ribeiro, do Record, um lagarto doente (sei-o eu, e não é porque ninguém me disse), a «um roubo».
À noite, na Mata Real, vi o Capel a fazer o que faz sempre – sempre; repito, sempre! – que não consegue controlar a bola em jogadas de um contra um: a atirar-se para o chão, e sempre que pode indo contra as pernas do adversário, para poder simular melhor a falta. Se os árbitros não metessem o livro de leis no bolso, em todos os jogos do Sporting, o Capel não acabava um jogo. Mas, na Luz, aquele choque provocado pelo Capel não só era penálti como tinha de dar expulsão do Maxi Pereira. Porquê? Porque a equipa que ganhou vinte campeonatos em trinta anos conseguiu convencer os idiotas da bola de que o sistema é controlado pela equipa que ganhou três nos últimos vinte. Cada país tem a inteligência que merece, e depois não me venham dizer que a culpa é da troika.
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Estava a ver o trailer do Benfica-Estoril, na Sport TV, e veio-me esta ideia à cabeça: o Benfica-Moreirense pode ser o último jogo que a Sport TV emite do Estádio da Luz. Se fosse o jogo do título seria (como dizer) uma fina ironia…
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Estava a ver o Guimarães-Gil e dei comigo a pensar na contagem de espingardas na luta pelo sistema.
A contratação do Ricardo e do Tiago qualquer coisa pelo Porto, por 2 milhões de euros, é muito mais relevante do que o mero negócio indica. É um canto de sereia do Porto para a nova Direcção do Guimarães. (O Porto continua a fazer vida de rico. Dar 2 milhões de euros por dois jogadores que não valem nem metade disso para os emprestar dá excelentes indicações de gestão para o futuro. Era isto que o Angelino Ferreira queria dizer com downsizing? Se é uma palavra estrangeira, tem razão, com certeza.)
Pelo que se lê nas entrelinhas, as coisas parecem bem encaminhadas para o Sporting se aliar ao Benfica. Está a ser feito devagarinho, porque os Juve Leos e a brigada do reumático do Sporting continuam convencidos de que o Pinto da Costa é que é bom (vê-se, pela quantidade de segundos lugares que o Sporting acumulou naquilo que o Bettencourt classificou como «segundo melhor período na história do clube»).
O Pinto da Costa está a precaver-se, tentando unir os pequenos sem seu redor.
Neste momento, considerando a próxima época, na I Liga, os exércitos estariam assim definidos, sensivelmente:
Exército Vermelho – Benfica e Marítimo.
Neutrais mas avermelhados – Paços de Ferreira, Estoril.
Em aproximação ao Exército Vermelho – Sporting.
Exército Azul – Porto, Braga, Rio Ave, Académica, Setúbal, Olhanense, Belenenses (não se esqueçam de quem é o novo dono do Belenenses, o Rui Pedro Soares da falcatrua do Taguspark, que é dragão de ouro e, na minha opinião, entrou no Belenenses como testa-de-ferro).
Neutrais mas azulados – Beira-Mar.
Em aproximação ao Exército Azul – Nacional, Guimarães
A política de contratações virtuais, como eu gosto de lhes chamar (do tipo Luisinho, Michel, Fabiano, Ricardo, Tiago não-sei-quê), e de empréstimos, pode ajudar a definir alguns indecisos, mas o núcleo dos pequenos está, sem dúvidas, com o Porto. É algo, aliás, que se vê nas declarações dos dirigentes e treinadores quase todas as semanas. Quando aparece alguém como o tipo do Marítimo a dizer o que disse até se torna notícia.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

25 por cento para começar


Não sei se estou mais nervoso com a perspectiva de ser eliminado ou de ir à final.

Quando penso na última semana do campeonato,  a ideia de jogarnas Antas no sábado, Com o Chelsea, na final, na 4.ª feira, e de ter de ganhar a uma equipa metida no buraco na última jornada, até tenho cólicas.

Há uma semana disse que o Benfica tinha 25 por cento de hipóteses de passar à final. Por um lado, por causa do resultado, por outro porque os turcos me parecem mais comprometidos, mais concentrados, do que o Benfica – o que é natural, considerando que, para o Benfica, a Liga Europa é a segunda prioridade neste momento, e tem tido finais atrás de finais, e para eles este é o jogo das suas vidas.

Penso que as hipóteses do Benfica passar dependem de marcar um golo nos primeiros 30 minutos e, a sofrer algum, de o sofrer até ao intervalo.

A ver vamos.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A 3.ª parte é que foi «à campeão»


A 2.ª parte do Benfica no Funchal foi muito melhor que a 1.ª, sim senhor, mas a 3.ª parte, que foi jogada hoje, a solo e à capela, pelo João Gabriel, essa sim, foi de um nível de excelência a que os benfiquistas não estão habituados.
Antes de mais deve dizer-se que a gestão do pós-dérbi foi praticamente perfeita por parte do Benfica. Se bem se lembram, até sábado, não houve uma palavra. Demonstrou compostura, controlo mental e consciência da situação.
A imagem que passou do dérbi, verdadeira ou não, foi a de que o Benfica tinha o controlo da arbitragem. Apesar da tendência para dizer logo que não, a verdade é que não faz mal nenhum deixar as coisas em aberto. Afinal, como ensinou Maquiavel, ao príncipe vale mais ser temido que amado. O silêncio foi positivo. Até porque, reagir, era como assumir a culpa.
Além disso, havia jogo na quinta-feira. Ou seja, as ladradelas não durariam mais de três dias, porque a meia-final na Turquia, por direito natural, passaria a ser o tema principal da imprensa desportiva.
Já a seguir ao jogo da Turquia, e depois da canalha se ter toda calado, o Vieira fez exactamente o que tinha a fazer: falou, pouco, apenas para lembrar que o Benfica não tinha beneficiado de nada de que o Porto não tivesse beneficiado durante vinte anos. Fê-lo apenas para dar espaço de manobra, na opinião pública, ao árbitro do jogo de segunda-feira. Se tivesse ficado completamente calado abriria espaço a que o árbitro se sentisse desamparado e forçado a compensar o Porto.
A subtileza, aqui, é que o que Vieira realmente diz não é que o Benfica é inocente, mas que o Porto também é culpado. Ou seja, reforça a ideia que tinha ficado como silêncio anterior – que o Benfica agora também tem poder sobre o sistema – e, ao mesmo tempo, joga a cartada da justiça, dizendo que o Benfica merece ter esse poder.
O que o Vieira disse é que «agora é a nossa vez». E quem pode negar que isso é justo?
Mas a jogada de classe foi a desta segunda-feira, porque implica, essa sim, o estofo de esperar e confiar pela resposta da equipa em campo antes de marcar esta posição.
Se a equipa tivesse perdido, num jogo sem casos, este comunicado faria tão pouco sentido que, provavelmente, nem sequer seria feito.
Fazer o trabalho em campo e reforçar esse trabalho com a máquina fora de campo é algo que o Benfica não fez durante décadas, primeiro por falta de estofo (fora de campo), depois porque, dentro de campo, não conseguia resolver nada. Durante anos a mensagem do Benfica, mesmo quando tinha razão, foi constantemente minada pela incapacidade dentro de campo, perdendo, por isso, a sua força.
Desta vez não.
Com a legitimidade adquirida por um fim-de-semana perfeito, em que não só ganhou com a melhor arbitragem do campeonato como se viu as duas equipas contestatárias (Porto e Sporting) a serem flagrantemente beneficiadas por erros de arbitragem, a conferência de imprensa do Jorge Gabriel deu, sem qualquer dúvida, a posição elevada ao Benfica.
Tocou nos pontos essenciais, foi conciso e objectivo, falou das intenções escondidas (aproveitar o jogo do Marítimo), da fruta, da visita à Assembleia da República (João Gabriel, confessa lá, andas a vir aqui ao blog, não andas? Continua, fazes bem), e do escândalo dos guarda-redes múltiplos.
Mais ainda: fez tudo isso pagando na mesma moeda, porque dificilmente o árbitro se conseguirá esconder (à Xistra) se o Danilo, o Sandro ou qualquer outro voltarem a fazer grandes defesas na Madeira.
Nos últimos 15 dias, o comportamento do Benfica fora de campo tem sido de um profissionalismo e de um talento, como disse o Gabriel, sensacional.
Definitivamente, parece que os tempos estão a mudar.
P.S. – Tudo indica que o Sporting arranjou, finalmente, um presidente a sério. Voltaremos a isto daqui a uns tempos. Mas, se o Bruno de Carvalho mantiver o equiçíbrio, se não se deixar enganar pelos Juve Leos, e se o Benfica souber jogar a sua cartada, com cabecinha, podemos estar a assistir ao princípio do fim do regime de Pinto da Costa, e ao início de uma era de recuperação da supremacia de Benfica (mais) e Sporting (o suficiente) no futebol português.