segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A posição elevada

Quem é que tem a posição elevada?

A História da guerra – e a própria História do Homem, se se quiser passar a questão da «posição» de um ponto de vista do terreno para a ética, para a política, para a superioridade moral, para o simples conceito do que é justo ou não justo – resume-se a isto.

A posição elevada é, por si só, a base da guerra. Porque se gasta mais energia a subir que a descer. Ficaríamos todos (incluindo eu, que sou apenas um curioso) abismados com a importância que deter, originalmente, a posição elevada teve no curso da Humanidade.

Qualquer militar nos poderia dizer a importância que a posição elevada tem em qualquer contexto de combate. Há e houve sempre generais dispostos a sacrificar a própria sobrevivência dos seus exércitos para assegurar a «posição elevada» - porque sabem que, sem ela, a derrota é praticamente certa.

Também poderíamos passar da «posição elevada» em termos de tecnologia, passando-a para o contexto do armamento, da tecnologia (quem é que tem a «melhor tecnologia»?). Mas não é preciso. Para este caso, usando a «posição elevada» no sentido figurativo, tal como aqui ela será utilizada, podemos ficar pela ideia do outeiro, da colina, do alto da montanha em que o sitiado adquire, pelo mero posicionamento, a vantagem estratégica. A «posição elevada» não é, por si só, inexoravelmente decisiva. Pode ser derrotada. Mas, historicamente, não é, e, quando é, é à custa de baixas e recursos vastos.

Como é que se adquire a posição elevada? Há quem acorde mais cedo. Há quem conheça melhor o caminho. Há quem o estude. Há quem seja mais rápido a chegar lá. Há quem marche mais leve.

Há, grosso modo, uma regra: a forma de lá chegar nunca é muito complexa, conseguir executá-la é que custa.



Falando de futebol de um ponto de vista técnico e táctico, sem entrar em gestões de plantel ou noutras complexidades, a coisa é assim:

Uma boa equipa é a equipa que faz coisas complicadas devagar.

Uma grande equipa é a equipa que consegue fazer bem os fundamentos do jogo.

As melhores equipas são as que conseguem fazer bem e depressa os fundamentos do jogo.

É só isto.

Só.

E reparem que não falei, sequer, em equipas de futebol. É assim em todos – TODOS – os desportos, dos All Blacks, no râguebi, ao Barcelona, no futebol; dos New England Patriots, no futebol americano, à vela, seja lá quem for que esteja dentro do barco. E acrescento que também é assim – é sobretudo assim – nos desportos individuais. Nos Jogos Olímpicos do próximo Verão vejam quanto tempo um judoca perde e o esforço que emprega para conseguir fazer a melhor pega no quimono do oponente. Porquê? Porque na pega, no fundamento mais básico do judo, está metade da vitória. Perguntem a qualquer bom atleta individual o que é que ele mais treina e ele vos dirá: os fundamentos, sempre, mesmo depois de já saber tudo, sobretudo depois de já saber tudo.

Concedo que, por vezes, me torno um pouco repetitivo neste blog. Mas há coisas que eu não sei, há coisas que eu sei e há coisas que eu sei e que sei que são mais importantes que as outras.

Não sei ler um jogo tacticamente como, por exemplo, o Freitas Lobo (sei apenas o suficiente para perceber quando ele tem razão, que é a maior parte das vezes, e quando está a dizer futilidades). Mas sei que o fundamento da táctica é a superioridade numérica, o 2x1, no ataque e na defesa, e que, usando isso bem, até se pode jogar sem ponta-de-lança, como faz o Barcelona, que se continua a conseguir marcar sempre pelo menos dois golos por jogo.

Não consigo ver se um jogador é tecnicamente superior à mediania, como quem já jogou futebol consegue, facilmente, por exemplo. Mas sei que a verdadeira técnica está na capacidade de passar, receber e rematar a bola – os fundamentos do jogo colectivo. Porque só ainda vi três jogadores capazes de pegar na bola a meio-campo, fintar toda a gente e marcar golo sozinho: um está a treinar na Arábia e está todo lixado pelas drogas; o outro passou metade da carreira agarrado ao joelho e teve um enfarte antes da final do campeonato do Mundo; o terceiro era autista em miúdo, vai chegar a velho cheio de saúde, só é o melhor do Mundo porque joga na equipa que mais bem passa a bola na história do futebol e nunca vai ser campeão mundial.

Todos os outros jogadores dos últimos 30 anos são meros jogadores de equipa, uns melhores do que outros.

Quando vejo o Jesus, por exemplo, a arrotar postas de pescada técnico-tácticas, chamo-lhe nomes. De estúpido para baixo.

Aqui há uns anos, no tempo do Heynckes, estava a ver um aquecimento do Benfica antes de um jogo europeu e o exercício consistia em duas filas frente a frente e a passar a bola de primeira, a uma distância de dez metros. Juro-vos (porque nunca mais me esqueci) que não se fizeram mais de quatro passes seguidos. O adjunto que estava a orientar, ao perceber a vergonha que aquilo era, mandou mudar o exercício, para uma coisa aparentemente mais complexa, uma espécie de meinho, que também serviu para aquecer mas, acima de tudo, serviu para fingir que os jogadores só estavam a falhar passes porque aquilo era difícil e não sabiam mais. É para isso que a maior parte dos esquemas complicados serve – para disfarçar insuficiências, não para as colmatar. Quanto menos uma equipa tem de inventar para dar a volta ao que não sabe fazer, melhor essa equipa é. Depois de ver aquela patética demonstração de azelhice, pensei: «Caramba, estes tipos nunca tiveram hipótese.»



Desde o ano em que o Eriksson saiu do Benfica pela primeira vez, em 1984, o Benfica ganhou seis campeonatos. Eu lembro-me de todos. Em todos foi a equipa que fez o melhor campeonato. Em nenhum deles era a melhor equipa. Em todos, como clube, fez o melhor que sabia; e em todos, não percebeu muito bem como acabou por ganhar. Em todos foi mais a outra equipa que o perdeu que o Benfica que o ganhou.

Há duas formas dos benfiquistas olharem para esta realidade: ou com optimismo, pensando no actual campeonato; ou com pessimismo, pensando nos próximos dez.



Querem saber por que razão é que o Porto é constantemente melhor que o Benfica?

Também aqui há dois caminhos.

Neguem, continuem a procurar atalhos e a esconder-se atrás dos árbitros em vez de aceitar aquilo que é a verdade sobre a corrupção na história do Porto (um evento posterior à sua superiorização, seu cristalizador, e não provocador dela), e continuarão a alimentar fracassos. Porque não há atalhos para o sucesso – sendo que o sucesso aqui não é ganhar um campeonato de quatro em quatro anos, é perder um campeonato de quatro em quatro anos.

Compreendam que o Porto começou a ser melhor quando recuou aos fundamentos, em termos de filosofia de jogo, e estarão aptos a fazer do Benfica um dos melhores clubes do mundo em vez de uma montanha-russa – ou de um circo, como disse o primeiro treinador campeão europeu pelo Porto, que dois anos antes tinha descido o Belenenses à II Divisão.

(Para que fique clara a minha posição em relação às arbitragens e aos adeptos que partem e acabam todos os seus raciocínios no árbitro, ela é a seguinte:

- Procurar causas no árbitro pontualmente, e utilizá-lo, inclusivamente, para aliviar um pouco a pressão ou a frustração, é benéfico, não tem problema nenhum – é a natureza humana, se a culpa não é do árbitro, é do azar ou é de Deus. Normal. Enquanto o pau vai e vem folgam as costas.

- Fazer escola da teoria da arbitragem, procurar nela, em geral, a raiz de qualquer problema, e não a reduzir a um jogo ou outro, é cancerígeno. Mina o corpo de um clube a partir de dentro, da sua cultura de vitória e de triunfo, que acaba por enfraquecer. E os adeptos que não conseguem ir além do elemento da arbitragem para explicar insucessos são agentes cancerígenos. Podem não fazer por mal (o cancro também tem direito à existência, se quisermos chegar a tanto…), mas são. E acabam por destruir um organismo naturalmente nobre como é um grande clube como o Benfica.)



No Porto o primeiro impulso é sempre o passe, e sabemos que alguma coisa não está bem quando os jogadores começam à procura de soluções individuais. No Benfica, alegramo-nos quando vemos os jogadores fazerem uma triangulação bem feita. Não só porque é raro, sequer, tentarem-na, como também porque sabemos que aquilo sim, é que é futebol bem jogado, e não meter os cornos no chão e arrancar para a baliza, como tem sido escola na Luz, debaixo dos ulos do pagode.

No Porto, os jogadores que chegam começam pelos fundamentos, entram na equipa só quando os dominam e a própria equipa cresce à medida que, com o passar da época, os vai conseguindo executar mais depressa e com menos falhas. Também sabemos que a coisa está mal quando, como este ano, a equipa não melhora claramente com o passar dos treinos e dos jogos.

Há falhas? Claro que sim. Então o Porto não perde? Claro que perde, sobretudo quando apanha equipas com o mesmo domínio dos fundamentos e mais velocidade, ou quando algum factor aleatório (erros individuais crassos, de jogadores ou treinadores, por exemplo) o leva a isso. Mas a base está lá e o recuo nunca é profundo.

No Benfica os jogadores chegam, entram em campo e jogam. Dão o que têm (às vezes é muito), vê-se o que têm para dar à equipa e, se se tiver sorte com a química, com o momento, com a circunstância, pode ser que saia um título. Mas quando a circunstância desaparece as condições do sucesso também desaparecem. A mínima quebra de talento é letal. Porque faltam os fundamentos. Os fundamentos são a verdadeira maquinaria de uma equipa de futebol de sucesso, e fazer deles escola é o segredo para a durabilidade, senão do sucesso pelo menos para as condições dele.

Toda a gente gostava de ter um Ferrari, mas quem quer um carro a sério sabe que tem de escolher um Mercedes.



O caminho para ser melhor do que o Porto não é fazer diferente do Porto. É fazer o mesmo que o Porto, no que respeita à filosofia de se seguir os fundamentos do jogo, mas fazer mais e melhor no fundamentalização, indo mais fundo, sendo mais apto no que respeita à velocidade e à conjugação dos fundamentos – os que o Porto faz e os que não é capaz de fazer. Não há segredo. Não vale a pena ir pelos atalhos. Não se poupa tempo. Não se chega a lado nenhum. O que há é trabalho. Primeiro a entender o jogo – o que é bem feito e o que é mal feito. Depois a planear – tendo em vista o objectivo final, e não apenas alguns objectivos intermédios. Finalmente, a executar – com atenção ao pormenor.

Não é preciso suspender a actividade desportiva durante dois anos e meter toda a gente num mosteiro budista em meditação até atingir a iluminação. Pode-se começar pelas coisas simples e partir daí.

Fazer a bola correr em vez do jogador, por exemplo.

Centrar da linha de fundo para dar vantagem ao avançado e não ao defesa.

Centrar de primeira, já agora, pela mesma razão.

Cortar nas costas em vez de cortar pela frente.

Jogar a dois toques, para que ter a bola seja uma vantagem e não um peso.

Não ir à queima, ao corte da bola, na defesa, para que um erro individual não coloque a equipa em inferioridade numérica e não a comprometa.

Não fintar e jogar pelo seguro em transição atacante, para não criar vulnerabilidades defensivas.

Não marcar cantos curtos a não ser que haja a certeza de conseguir meter a bola na área.

Rematar de primeira, para não dar tempo ao guarda-redes para antecipar o remate.

Não fazer faltas desnecessárias.

Há 50 fundamentos por executar em cada jogo. 500. 5000. Saber quando e como executar cada um deles é trabalho para uma carreira, e a maior parte dos futebolistas nunca chega a aprender. Para quê perder tempo com artifícios que só servem para maquilhar a falta de trabalho real? (Para manter o emprego, talvez – confiando na eterna capacidade de negação da realidade por parte do adepto.)



Porque é que toda a gente sente, lá no fundo, que o Porto chega a este jogo com o Benfica na posição elevada, apesar de, na verdade não o estar? (Pois se o campeonato acabasse hoje o Benfica era campeão, não nos esqueçamos.)

Não é por estar ou não estar em primeiro, ou por ter mais ou menos três golos – essa é uma questão académica e (pelo menos até final do jogo, em que a relação definitiva do confronto directo pode ser estabelecida) fútil.

Também não é por ter recuperado 5 pontos em duas jornadas. Esse tipo de psicologias baratas também não se aplica (e aqui contra mim falo, porque muitas vezes lhes dou importância excessiva) neste tipo de clássicos. Vão ver os resultados do Benfica nas jornadas anteriores a ter ido ganhar por 6-3 a Alvalade ou de ter ido levar 5 às Antas e ficamos conservados em relação a esse aspecto.

É porque, no fundo, todos sabemos que, pela forma como trabalha (não mais, mas melhor), por dominar melhor os fundamentos, o Porto se encontra mais perto de chegar primeiro à posição elevada.

3 comentários:

  1. Concordo com tudo que muito do fracasso do Benfica tem sido isso mesmo. Mas lá por isso ser verdade não quer dizer que alguns factores exógenos ao jogo, tais como erros escandalosos de árbitros e de fiscais, impelidos por razões que toda a gente conhece, devam ser empurrados para debaixo do tapete ou simplesmente ignorados como factores sem valor como se simplesmente não existissem. Há de facto um conjunto de factores que se conjugam e levam a um determinado resultado, que todos sabemos qual é.

    Vejam este ano o Barcelona, que se gosta tanto de ter como exemplo que, sem as ajudas arbitrais do costume, foi-se abaixo. E o Barcelona sem o Messi também estaria a meio da tabela, mesmo com o mesmo treinador. Façam as contas aos pontos que ganhou graças à genialidade do seu melhor jogador. Os seus últimos 3 jogos foram um exemplo disso mesmo. O que faz ter um jogador genial, um factor muito importante mas quase sempre ignorado.

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  2. Versão mobile. Giro.
    Depois passo por cá. Agora vou ter teste de mat

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    1. Voltei.
      Sempre tive um ódio de estimação com esse LFL... Nao diz nada e floreia tudo o que diz para ter mais valor. No ultimo do Benfica, após a repetição, no primeiro pénalti braço do cedric, o relatador pergunta ou afirma qualquer coisa assim : " é pénalti ? "
      O LFL ( após ver o que nos vimos todos vimos ) à porco : " hmm... E muito complicado ... E nao sei que ... Sou um cabrão lagarto... "
      PORRA, se é pénalti diz que é pénalti. Se nao for diz que nao é, bolas!

      A posição elevada é relativa. O que me interessa é como acaba. À JJ!!!

      Parece que o Porto esta sempre por cima por causa da estrutura ou do sistema, como quiserem...

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