segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Presa ou predador?

Há uma lacuna histórica que é recorrente – passe a redundância – e que fica muito mais visível quando a violência emocional das derrotas permite ligar o botão crítico. E tudo bem nisso, não há nenhum problema de aproveitar as derrotas para se achar os defeitos: se não se bate no ferro enquanto ele está quente, bem se pode bater mil vezes quando ele está frio que não vale a pena. A questão é saber onde bater, porque se se bate no sítio certo, melhora-se, se se bate no sítio errado, deforma-se e a coisa piora.

Esta lacuna é de ordem mental, cultural, pois atravessa não só as suas equipas como o próprio clube, e não pode ser treinada. Poder pode, mas o treino deste aspecto particular do jogo não tem bons resultados e acaba por virar-se contra os jogadores e, consequentemente, contra a própria equipa.

O que falta ao Benfica, historicamente, é agressividade natural.

Muitas vezes confunde-se este defeito com falta de ambição, com falta de espírito colectivo, com falta de treino, com muitas outras carências que, na verdade, não existem. Os futebolistas do Benfica têm a mesma capacidade de serem ambiciosos, colectivos, de trabalharem, a mesma inteligência média de qualquer outra equipa. Ou mais, se considerarmos o universo de todas as equipas com quem joga.

Agressividade não é isso. Para mim, agressividade natural tem um significado duplo e complementar: é a dificuldade de se subjugar ao papel de presa, e a consequente facilidade de tomar o papel de predador.

Há quem fale em mau-perder. Há quem fale em instinto assassino. Há quem fale em instinto de agressão. Em impiedade. Pode-se falar nesses termos, porque é disso que se trata.

Esta característica é a característica básica de um jogador de futebol, ou de qualquer outro atleta de alta competição, porque é a massa de que é feita a capacidade competitiva.

Um competidor nato tem uma elevada agressividade natural. Pode não ter mais nada, durante muito tempo, mas se tiver isso acaba por tornar-se útil num ambiente competitivo. Um jogador suficientemente agressivo apreende outras características que lhe permitem competir – tal como se aprende qualquer outro ofício, sendo, neste caso, o ofício ser-se um competidor. Para conseguir prevalecer, o competidor pode aprender, por exemplo, a tomar a iniciativa; ou a antecipar os acontecimentos; ou a usar os companheiros de equipa de forma a colmatar as suas insuficiências (a jogar em equipa, basicamente). Se tiver aptidões para isso, aprende a usar o físico, ou a usar bem a bola para atingir os seus propósitos – para um competidor, a bola não é um fim, é um utensílio para o sucesso, como as botas, o árbitro ou as linhas do campo.

No Benfica, este tipo de mentalidade não sai naturalmente. É uma questão cultural. Não posso falar do que se passou até aos anos 70, apesar de pensar que nem sempre foi assim – acho difícil o Benfica ter conseguido superiorizar-se ao Sporting, por exemplo, sem uma vantagem considerável neste aspecto, dada a vantagem do Sporting em termos financeiros e sociais durante as primeiras décadas. Mas, pelo menos desde que eu vejo futebol, o Benfica nunca se deu bem com o futebolista naturalmente agressivo – a não ser quando essa agressividade se juntava a um grande talento técnico, o que foi muito raro (lembro-me do Diamantino, por exemplo).

A questão é que o Benfica, tendo o suficiente para andar lá por cima, não conseguirá ser o claro dominador desta selva, nem conseguirá competir a alto nível no estrangeiro, enquanto não conseguir instilar mais agressividade na sua equipa de futebol.

Eventualmente, esse será um processo natural quando se perceber que, depois de muito andar (muito já se andou e muito se há de andar ainda), ainda falta qualquer coisa para se conseguir ser melhor do que o Porto, que baseou todo o seu sucesso na capacidade de agredir, e de ostensivamente tomar o papel de predador. Se se tiver as pessoas certas nos lugares certos – que é sempre o mais difícil – vai-se perceber que o que falta é precisamente essa agressividade natural. E depois começa outro processo, que é o de adquirir essa vantagem. Isso é algo que só se resolve no momento do recrutamento, quer dos jogadores feitos quer dos jogadores por fazer. Quando se diz que aquilo de que o Benfica precisava era de mais três ou quatro Javi García não se quer dizer que precisava de mais dois ou três destruidores de jogo: quer-se dizer que precisava de um Luisão com a cabeça de um Javi García, de um Aimar com a cabeça de um Javi García e de um Cardozo com a cabeça de um Javi García. Ou seja, jogadores de nível médio-alto com grande agressividade natural a constituir a espinh dorsal da equipa. Basta isso. Não é preciso ter uma equipa inteira de assassinos natos. E, nessa altura, já se podia dar ao luxo de ter jogadores como Witsel ou Gaitán, que, tendo uma qualidade superior, não têm estofo competitivo suficiente para suportarem uma equipa de futebol de exigência máxima, como é a do Benfica (ia a acrescentar Rodrigo, mas penso que o Rodrigo é bem capaz de ter essa agressividade natural em campo).



Quanto ao jogo em si, muito se há de falar dele esta semana, como tal, oportunidades não faltarão, mas há uma maneira bem simples de sintetizar a derrota do Benfica em Guimarães, sem mais delongas, considerando tudo o que já se disse: lógica.

Amanhã, quando o nível da azia baixar ligeiramente (tal como a euforia, a azia tolda o raciocínio), será mais fácil e mais útil dissecar este fracasso momentâneo.

Para já, fica a lição (para mim) verdadeiramente útil estruturalmente e a longo prazo: é preciso ser mais agressivo.

O resto é jogo.

(Actualização Kompensan às 10.22h

Entretanto, para a azia, aqui fica. Aproveitem.

)

11 comentários:

  1. O mais importante neste momento é saber reagir as derrotas,encaixar o golpe e estar pronto para continuar o combate.E aí será preciso essa agresividade de predador para responder.Javi é mesmo o jogador sem alternativas,sobretudo pela sua raça e alma de competidor que transporta a equipa.Há que tornar os próximos jogos como uma vingança pois se fosse o rival seria assim que pensaria.É hora de reagir pois estes são momentos decisivos para o campeonato.

    ResponderEliminar
  2. Sem dúvida. Uma das marcas típicas do predador é responder agressivamente quando é ferido. Algo que tem acontecido recorrentemente na história recente do Benfica é não mostrar capacidade para reagir ao ferimento. É ferido e em vez de atacar encolhe-se. O jogo de Coimbra ganhou, por isso, ainda maior importância. Atrevo-me a dizer que, na ausência das limitações óbvias que afectaram a equipa neste jogo, o jogo de Coimbra vai mostrar exactamente o que vale esta equipa do Benfica. Porque empatar não chega.

    ResponderEliminar
  3. Vê o lado bom... ganhaste a aposta LOOL
    Sabes o que era engraçado? Um empate em Coimbra, nós dizimamos o Feirense e depois um empate a 2 na Luz. Um campeonato com grandes probabilidades de se resolver na diferença de golos... e partimos com vantagem sobre vocês.

    ResponderEliminar
  4. Acredito muito mais no empate a 2 na Luz que no empate em Coimbra.
    E quanto à aposta, vai ser como há uns anos: perco por 7-1 mas ganho o campeonato!

    ResponderEliminar
  5. É certo que o mais importante é reagir perante uma derrota, da mesma maneira que estava à espera dessa mesma reacção depois da derrota na Rússia nas condições que todos conhecemos pois uma equipa de profissionais como a do Benfica não se pode dar ao luxo de perder um jogo nos últimos minutos de jogo depois de todo o esforço que foi feito em empatar o mesmo (falo do resultado na Rússia). Da mesma maneira que não se pode entrar de uma forma tão passiva perante um Vitória que está na sua melhor fase da temporada.
    De um modo geral a derrota aceita-se pela maneira como os jogadores e o JJ encararam este jogo, fiquei perplexo com a atitude de alguns jogadores e principalmente de JJ, com várias soluções no banco e "arriscar" a 5 minutos do fim...
    Como é carnaval, o JJ mascarou a glorioso à Sporting, portanto sábado espero uma super reacção a estas duas derrotas.

    Boa noite,

    Luis

    ResponderEliminar
  6. Sem o jogo de São Petersburgo este de Guimarães teria sido completamente diferente. Percebes agora porque é que eu preferia ter apanhado com o Real Madrid em vez do Zenit?
    Esperar que esta equipa do Benfica, só oom três defesas fiáveis e um médio criativo que não pode fazer dois jogos seguidos, faça um campeonato quase perfeito ao mesmo tempo que discute uns quartos-de-final da Champions é perfeitamente surrealista.
    Muitas equipas muito melhores que o Benfica já tentaram combinar campeonato e Champions, e praticamente todas acabaram por falhar pelo menos um objectivo. Esperemos que um simulacro de brilharete na Europa não hipoteque um dos títulos mais importantes na história do Benfica.
    Eu, por mim, contra o Zenit metia o Miguel Vítor, o Capdevilla, o Jardel, o Nélson Oliveira... E bem me podem chamar de parvo, e de ser pouco ambicioso. Quanto mais depressa formos eliminados da Champions melhor. Estou-me cagando para a Champions. Ou alguém acredita que o Jesus, que não poupou ninguém com o Zenit, vá poupar alguém com o Barcelona, o Bayern o o Chelsea? Se o Benfica passar com o Zenit são quatro jornadas da Liga que ficam compromtidas - quatro em doze, com a pressão do Porto a máximo...

    ResponderEliminar
  7. Boas.É sempre bom seguir em frente na Champions mas este campeonato é demasiado importante.Lembram-se do Koeman?Fizemos boa figura na CL mas deixamos um FCP em construção ser campeão e assentar alicerces para as épocas seguintes e ser tetra(com penaltys "a la Yebda" para ajudar).Temos que ir por fases e isso passa por quebrar a hegemonia interna dos azuis senão isto nunca terá fim.Neste momento marcar presença regular e passar a fase de grupos já é bom.Com tempo e titulos nacionais o resto virá depois.(Na altura do sorteio pedia que fosse o Barça para uma saída em beleza).

    ResponderEliminar
  8. O "general inverno" russo fez das suas. Num jogo tão intenso e tão físico como foi o do Zenit, contra uma equipa fisicamente fortíssima, pois esteve 3 (!!) meses a preparar-se para ela, o Benfica embora tendo feito um jogo aceitável, que perdeu apenas por um passe falhado devido a mau ressalto da bola no campo duro, necessitava talvez de mais 2 dias de descanso. Isso notou-se ontem. Nunca vi tanto passe falhado e interceptado, nem o Aimar jogar tão mal como o fez na 1ª parte.

    No entanto nada está perdido. Temos de levantar o moral e deixar de pensar que "ah! e tal os nossos adversários agora ficam mais moralizados...". Tretas. Temos de continuar a fazer o nosso trabalho e c*gar para os nossos adversários. Que também não estão melhores do que nós, se exceptuarmos o Braga, pois têm salários em atraso e não jogam um peido.

    Já repararam que os nossos 2 últimos campeonatos que ganhámos foram jogados até ao fim com muito sofrimento?
    Este vais ser igual.

    ResponderEliminar
  9. Ontem não dava para mais. Não jogámos um caracol. As escolhas do JJ foram também viradas para a invenção, coisa que este ano tinha aparecido pouco. Notou-se a falta que faz Javi, e quando se fala em vendas, talvez importe pensar quão difícil será encontrar alguém como Javi.

    De qualquer modo importa ganhar em Coimbra e chegar à Luz, no jogo com os corruptos, em vantagem. Perder pontos em Coimbra será mau, tem de se pensar em ganhar e apoiar a equipa, tanto quanto possível.

    ResponderEliminar
  10. "Sem esquecer que provavelmente iríamos perder um dos próximos três jogos fora : zenit, Guimarães e academica. Perdemos este, logo, nao perdemos mais nenhum! :D" disse isto no post a seguir à derrota do Benfica na Rússia. Há mesmo alturas em que um gajo deve ficar calado...
    Obrigado Benfica por me teres estragado as ferias...

    ResponderEliminar
  11. Alguém me consegue explicar como é relvado aparece naquele estado?

    Vou dar uma ajuda, não chove em Portugal à semanas...

    Tendo JJ jogado os últimos 15 jogos com Witsel e Javi/Matic, não compreendo que jogando em Guimarães contra uma equipa que está numa serie de 7 vitórias em 10 jogos, abdicar de Witsel. Ontem perdemos completamente a guerra a meio-campo e isso é só o 1º passo para a derrota.

    ResponderEliminar