sábado, 31 de março de 2012

Gaitán-Robben, Cardozo-Aguero, Aimar-Özil...

Em nenhum momento em que tem a bola nos pés nenhum jogador do Benfica tem uma ideia de como a jogada deve acabar. Ou melhor, têm uma ideia: sabem onde está a baliza. Tudo o resto é fruto do acaso. Os jogadores do Benfica são muito melhores do que o que parecem.

O Gaitán tem muito mais futebol dentro dele do que aquilo. O Rodrigo também. O Witsel também. Não têm é treinadores para isso. Os jogadores do ataque do Benfica só têm uma dimensão: a sua. A dimensão colectiva que possam ter dentro deles, com o tempo, com Jorge Jesus, pura e simplesmente desaparece. Porque o que o Jesus pede aos seus jogadores de ataque é precisamente isso: que sejam imprevisíveis, que usem a liberdade para criar soluções. O Rodrigo, ao fim de seis meses, é um jogador muito mais individualista do que era no princípio.

O resultado disto, na prática, é que facilmente o ataque do Benfica se torna também unidimensional: jogador com bola olha para a bola, olha para a frente e começa a correr. Há escassas hipóteses do colectivo do Benfica resolver um jogo, no ataque, porque, quando o jogador procura a solução colectiva, ou ainda não está lá ou já passou. Porque o outro jogador, obviamente, está na sua própria dimensão do jogo, que raramente coincide com a dos outros.

Tudo o que não seja óbvio, simples ou sorte não está ao alcance de uma equipa assim.



Este é o estilo de ataque do Jorge Jesus. Mas é curioso que só é assim desde que chegou ao Benfica. Antes disso, mesmo no Braga, quer o ataque quer a defesa eram mecanizados ao pormenor. Não havia liberdade para ninguém. Fazia o que os americanos chamam de micro-management, controlava todos os movimentos de todos os jogadores até ao pormenor. Nunca cheguei a perceber se o Jesus mudou o chip só porque estava no Benfica, se foi por perceber que, contra as defesas muito cerradas que o Benfica tem de enfrentar, só poderia resultar assim, se foi por sentir que finalmente tinha matéria humana para jogar «à Barcelona» (ao Barcelona do tempo dele, não do actual, entenda-se). Mas a verdade é que mudou mesmo.



Este estilo de jogo não é necessariamente errado. Quando é executado por grandes jogadores, como é que se defende um ataque imprevisível, rápido e tecnicista? É praticamente impossível. Aí sim, entramos no plano teórico do «basta marcar mais um que eles», porque as probabilidades são as de ganhar quase sempre por 3-2, 4-2, 3-1…

É o que acontece com esta equipa do Benfica em 70 por cento dos jogos, com as equipas com menos categoria, de baixa rotação e com menos capacidade de aguentar a pressão. Com as outras, não, por uma razão simples: os jogadores do Benfica não são suficientemente bons e não se conhecem suficientemente bem para arranjarem soluções em conjunto.

O Barcelona de Cruyff que ganhou cinco campeonatos seguidos e a Taça dos Campeões, e onde o Jesus foi fazer estágio, tinha-os. Stoichkov e Romário, por exemplo. Mesmo assim, note-se, sempre no fio da navalha. Dois ou três desses campeonatos foram ganhos graças a falhanços dos concorrentes directos (o Real e o Corunha uma, com um penálti falhado no último minuto do último jogo do campeonato, a jogar no Riazor) e na segunda final da Taça dos Campeões, que marcou o fim da era-Cruyff, com o Milão, levou 4-0! (Repare-se, contudo, que a disciplina táctica dessa equipa do Barcelona não é comparável com a deste Benfica. Era muitíssimo superior, assim como a capacidade de passar a bola.)

Este tipo de futebol de alto risco é um futebol que rebenta com os nervos, mas que apaixona, é ousado, corajoso e é à equipa grande. O tipo de futebol do Porto, por exemplo, sempre foi ao contrário, defensivo, seguro, e por mais que ganhe não apaixona ninguém. Passa incógnito. O que é que se sabe na Europa sobre o Porto? Que ganha. Mas só os treinadores é que gostam de os ver a jogar. Para os adeptos o Porto é igual aos outros, não se distingue.



Para conseguir fazer nos outros 30 por cento de jogos o que faz nos mais fáceis, e com o Jesus, só há uma hipótese: ter melhores jogadores. E já não vou para Ronaldos, Messis ou Iniestas. Ter um Aguero em vez do Cardozo. Ter um Robben em vez de um Gaitán. Ter um Mata em vez de um Bruno César. Ter um Özil em vez de um Aimar. Ter um Yaya Touré em vez de um Javi García. Ter um Coentrão em vez de um Emerson. Por este último exemplo, apenas, se pode ver a que distância real se encontra (na minha opinião, claro) o Benfica de Jesus da equipa que ele (o Jesus) pensa que tem.



Mais um ano de entente Vieira/Jesus, na melhor das hipóteses, vai dar nisto: o Benfica perde dois titulares, compra três ou quatro, melhora o onze inicial, os jogadores conhecem-se um pouco melhor, alguns deles amadurecem (Rodrigo, a Charrua, o Witsel…), o Benfica começa a época na data normal, chega a Fevereiro mais fresco, passa da tal fasquia dos 70 por cento para a dos 75 ou 80, se tiver sorte alguns deles são os decisivos, o Porto perde o Hulk e fica com o TOC mais um ano, e dá um campeonato. Mais nada. E isto é na melhor das hipóteses, porque ninguém garante que o Porto sem Hulk será mais fraco, como equipa, que o Porto com o abono de família Hulk.



Quanto ao jogo, qual foi a novidade? Uma equipa com 60 minutos de jogo no pulmão, a desperdiçar posse de bola como se tivesse 120 e como se do outro lado estivesse uma equipa a treinar. Jogo relativamente seguro a defender e totalmente errático a atacar, incapacidade de segurar uma vantagem caída do céu aos trambolhões numa jogada idiota do defesa do Braga, uma equipa do Braga a jogar como o Feirense e inferior em todos os sentidos menos nos pormenores da organização e do colectivismo, jogada individual genial de Gaitán no minuto 92, já fora de tudo, com Bruno César a marcar o golo da sua carreira num momento de classe, fazendo o que tinha de ser feito de maneira precisa. O Benfica ganha da única forma que consegue ganhar um jogo com este grau de pressão: com uma coincidência de momentos individuais brilhantes. Que, por extrema felicidade (estrelinha de campeão?) chega no último suspiro. É Gaitán quem ganha este jogo, não nos iludamos. Os outros empataram-no – ele, em cinco segundos, ganhou-o. No limite. À messias. Como o povo gosta. Mas para termos uma equipa de nível europeu temos de o trocar por um Robben.

Fácil, não?

sexta-feira, 30 de março de 2012

Ética

O Veiga é um dos grandes «ses» na história do futebol português, e garanto que vai ser um tema à ribalta dentro de dois/três anos, porque tem tudo a ver com o que será o grande tema do Benfica nos próximos tempos.



O Benfica teria conseguido dar a volta por cima se o Veiga tivesse ficado como director-desportivo durante cinco anos?

O Benfica teria sobrevivido se…?

QUE Benfica teria existiria se..?



Há uma questão que é importante, e que não deve ser confundida: o facto de se declarar guerra não quer dizer que a única forma de fazer a guerra seja à bruta e sem plano, a pensar apenas no próximo jogo, ou no próximo campeonato.

Todos os países de sucesso no mundo, todas as empresas de sucesso, têm um departamento de estratégia. Ninguém vai para a caça de fisga. Ninguém vai para uma batalha sem saber o que está para lá do campo de batalha. Ninguém vai para a guerra sem pensar no dia a seguir à guerra, e no que fica depois dela. Se a tua vida depois da guerra depende da terra que tem de ser cultivada, vais envenenar a terra (que será tua) para vencer essa guerra? Qual é o propósito?

O caso do Veiga é muito complexo. Não se entende com simplismos. Foi um acto de grande atrevimento por parte do Vieira, talvez a jogada mais ousada em toda a história do futebol português (se calhar mesmo a mais desesperada). Nunca como então o futebol português esteve à beira da guerra total, e as repercussões da guerra total são sempre imprevisíveis. A guerra, dizia alguém, sabe-se sempre como começa, mas nunca se sabe como vai acabar.

Na minha opinião, o atrevimento de Vieira, enquanto atitude, foi muito positivo. Foi o verdadeiro grito de revolta do Benfica. O que faltou, em todos os momentos dessa revolta, foi pensamento a longo prazo, plano, limites de actuação, capacidade de mobilização – enfim, numa palavra, estratégia.

O que estava ali em causa era o «ganhar agora, abrir brechas na estrutura deles, e esperar que caiam». Não se pode dizer que não tenha havido resultados: o Benfica foi campeão. Mas o que é aconteceu? Dois anos depois, estava mais fraco do que antes do Veiga entrar. Porquê? Porque havia vontade, havia força, mas não havia plano.

Isso deveria servir de lição a toda a gente. O sucesso não atrai mais sucesso se as condições do sucesso forem meramente conjunturais em vez de estruturais.

O que se passa no Benfica desta época é, noutra dimensão, parecido. O Benfica pode ganhar este campeonato, mas o que o levaria a ganhar este campeonato seria estruturalmente suficiente para manter o nível competitivo nos próximos anos? Em termos meramente desportivos, assumo que não me parece, e também assumo que não gosto de ver equipas a inverterem a ordem natural do trabalho, ou seja, a esperar que a qualidade melhore o trabalho em vez de esperar que o trabalho melhore a qualidade. Esta última é, eticamente, a regra de ouro.

A grande batalha que espera o Benfica, nos próximos anos, é uma batalha ética – num sentido muito lato deste conceito.

Não é apenas ética no sentido da moral, do agir bem e pelo bem. É ética enquanto forma de vida. A ética do trabalho. Dentro de um ou dois anos, quando o Benfica tiver recuperado a estabilidade financeira e já não se encontrar motivo para o Porto continuar a ser superior, a questão vai dar aí. «Porque é que ainda não ganhamos?», perguntar-se-á. Porque eles dão mais importância ao trabalho, acabará por se concluir. É uma forma de encarar a vida. É falso que «no Porto é que se trabalha» - é uma ideia feita na primeira metade do século XIX, no auge do liberalismo portuense, amplamente desmentida posteriormente pelos factos económicos do país, apesar de se continuar a alimentar o mito. Mas é verdade – e daí o mito não morrer, por ter um fundo de verdade – que no Porto se dá mais importância ao trabalho como factor do sucesso (o que é muito diferente de se dizer que se trabalha mais). No Porto não se trabalha mais que em Lisboa, mas há uma ética em relação ao trabalho que é diferente, mais convicta. Aceita-se melhor o valor do trabalho. E isso reflecte-se no seu clube mais representativo, que tem uma grande ligação cultural à cidade.

Para conseguir traduzir a sua superioridade económica e ideológica em relação ao Porto em bons resultados desportivos, de forma continuada, o Benfica terá ainda de fazer essa revolução, que é uma revolução cultural. Não se assustem, não terá de haver uma Grande Purga, como na China de Mao, mas irá doer, sobretudo porque há, desde há cerca de 30 anos, desde a primeira eleição de João Santos, uma cultura burguesa (num sentido pejorativo) instalada no Benfica. Nessa nova cultura o valor acrescentado passou a ser comprado, e não trabalhado. Essa foi a semente do pecado no Benfica. A sua ética de trabalho foi sucessivamente sendo coberta por soluções fáceis, umas por cima das outras, erros tentando tapar outros erros, sucessivamente mais caros, e com isso essa ética operária que fez do Benfica um caso único a nível europeu ficou enterrada tão fundo que, hoje, milhões de benfiquistas passaram uma vida inteira sem a conhecer. Eu próprio, aos 38 anos, só sei que ela existiu porque tive o privilégio de ainda sentir os seus resquícios, já nos anos 80. Foi o suficiente, contudo, para perceber a diferença do que se seguiu. Mas também demorei uns bons dez anos a percebê-la. Antes disso, quis matar várias pessoas, entre Pintos e Silvanos. E ainda me ferve a barriga. (Ainda hoje, se dissesse que não desejo a morte a ninguém, estaria a mentir, mas chiiiiu...)

Porque é que eu me revolto e, ao mesmo tempo, me assusto quando vejo benfiquistas a recorrerem sucessivamente às arbitragens para apaziguar frustrações, e a contaminar os mais novos? Não é por o Benfica não ter sofrido com a total degeneração do sistema pelo Porto – porque sofreu. É, sim, porque essa explicação, mesmo explicando alguma coisa, não só não soluciona coisa nenhuma como se encontra no extremo exactamente oposto à verdadeira solução. Há duas hipóteses: ou uma pessoa se queixa, ou uma pessoa trabalha. É tão simples como isto. E é fácil reconhecer um perdedor: é o que se está a queixar. E se ainda não perdeu vai perder, mais tarde ou mais cedo. Pôr de lado a questão dos árbitros – quer chegue ao ponto de os controlar ou não – é um passo crucial (eu diria mesmo que poderia ser o próximo grande passo civilizacional no futebol português) na reafirmação do Benfica. E o clube que o conseguir vai ganhar vantagem sobre todos os outros. Benfica e Sporting têm maiores possibilidades de o conseguirem, porque o Porto está demasiado vinculado ao sistema e muito dificilmente o largará. Essa é o verdadeiro campo de luta pel liderança futura do futebol português. O primero a chegar à posição mais elevada terá vantagem.

Mas essa é uma mentalidade que não vai ser fácil erradicar. Só temo que, enquanto benfiquista, tenhamos ainda de vir a sofrer bastante até que esses chorões mais radicais percebam, finalmente, que lamúrias não pagam dívidas, por mais que doa o dói-dói.

Voltando ao ponto da estratégia, quando eu digo que devemos saber jogar com as regras que estão em campo não estou a dizer que devemos jogar sem regras. Jogar com as regras não é jogar sem noção dos limites, sem noção dos objectivos, de até onde se pode ir, do que se faz e porquê.

Ganhar controlo sobre a arbitragem? Se é isso que está em causa, se é isso que é preciso fazer, sim. Claro que sim. Mas para quê? E em que condições? Para fazer o mesmo que o Porto, usando o controlo sobre a arbitragem para destruir a concorrência em vez de salvar o futebol? Isso seria desastroso para o Benfica, porque atiraria o futebol português para a miséria, e o Benfica vive do futebol português. Mesmo na guerra, há ética. Usar tudo o que se tem para ganhar a guerra? Sim. Sem pensar no pós-guerra? Não. Benfica, Porto e Sporting são potências nucleares em Portugal. Se enveredarem na guerra total, essa guerra será exterminadora do futebol tal como o conhecemos. E o seu apodrecimento durará muitos anos, connosco a sentir o cheiro. O meu filho já gosta mais do Barcelona que do Benfica. Porque não? Faz ele muito bem. Sou eu que lhe vou dizer que tem de ser dos nossos, sabendo que os nossos vivem enterrados em merda até ao pescoço, e que ela chega de todos os lados? Meu rico filho. Espere que se dedique à escalada.

Daqui a dois ou três anos o Veiga será, finalmente, útil ao Benfica porque exemplificará a diferença entre o querer ganhar e o saber ganhar, em termos éticos. O como ganhar. Será muito útil quando os benfiquistas, tendo todas as condições reunidas para ganhar, tiverem de decidir o que querem para o seu clube.

A minha questão actual, no Benfica, é apenas esta: há plano?

Atenção: «ganhar» não é um plano. É o mesmo que dizer que o Benfica jogou bem porque marcou um golo no último minuto ou que jogou mal porque nesse remate a bola foi à barra, mesmo tendo jogado o jogo exactamente da mesma forma até ao golo. Isso não é nada. Isso são pategos a falar na net. Os pategos não fazem planos, limitam-se a cumpri-los. «A nossa estratégia passa por ganhar o jogo», dizem os grunhos da bola. É o cúmulo da grunhice. Uma estratégia é um caminho, não o destino. Não começa no fim, começa no princípio.

No Benfica, antes da acção, tem de haver estratégia. Ganhar, sim, mas isso não é estratégia, é objectivo. Estratégia é: ganhar como, até quando antes de reformular o plano, dentro que parâmetros, consumindo que recursos, defendendo que prioridades, para atingir que tipo de cenário após a vitória, procurando o quê depois de ela ser alcançada?

Se houver isso no Benfica, não há nenhum problema. Mesmo perdendo, há tino. Há bússola. Perde-se mas não se fica perdido. Winston Churchill definiu o sucesso como «a capacidade de passar de um fracasso para o fracasso seguinte sem perder o entusiasmo.»

quinta-feira, 29 de março de 2012

«A dádiva faz o escravo»

Não invalidando que venhamos a falar ainda muito sobre este assunto daqui a uns meses (não é preciso ser bruxo pra adivinhar…) a aproximação do fim de mais uma época falhada em termos desportivos vai aumentar o barulho em relação ao Vieira. E bem, diga-se, uma vez que o falhanço deve ser sempre motivo de discussão e reflexão.

Devo acrescentar, contudo, que este falhanço de que falo não é na minha perspectiva. É a perspectiva da maioria dos adeptos, que partiu para esta época com a ideia de que o Benfica deveria ser campeão. Não era a minha. Eu pensei que o Benfica iria ser campeão, mas que o seria contra as probabilidades. Numa perspectiva realista, uma época positiva, para mim, como já referi, e tendo em conta o ponto de partida, seria acabar em segundo no campeonato, lutando até ao fim, chegar aos oitavos-de-final da Champions e ganhar uma das outras competições se se chegasse à final. Neste momento, uma época positiva está em aberto, podendo mesmo ser mais que apenas positiva se se confirmar o segundo lugar.

Considerando como a época decorreu até Janeiro, contudo (bem acima das expectativas), sabe a pouco, e é esse o sabor que vai ficar em toda a gente.

O Vieira.

Devo dizer, antes de mais, que me faz urticária ver um presidente do Benfica durante dez anos (já nem sei em quantos vai ao certo). Isto não é o Benfica, e espero que nunca mais aconteça. Mas só aconteceu porque o que o originou também não podia ser o Benfica. Tivemos, nós, os mais antigos, o drama ou o privilégio de viver o pior período na história centenária do Benfica. Muito poucos de nós tiveram oportunidade de conhecer o que achamos ser o verdadeiro Benfica, mas se calhar, ao testemunharmos os últimos vinte anos, teremos, um dia, a oportunidade de explicar aos que vierem a seguir a nós que o verdadeiro Benfica também pode ser aquilo: um monstro místico que tão depressa se lança para o céu como se atira para os infernos. (Seja como for, é bom poder escrever aquilo, e não isto, para descrever o que vi o Benfica ser)

Não gosto da palavra gratidão para falar de Vieira. É uma palavra muito perigosa. Há um ditado índio americano que diz: «A dádiva faz o escravo.» Não é disso que o Benfica precisa. Mas gosto da palavra justiça, que é muito diferente.

É justo acrescentar à situação crítica em que o Benfica se encontrava outro factor muito importante no(s) mandato(s) de Vieira: a situação de concorrência altamente desigual em que teve de competir. Não era só nos bancos que o Benfica não tinha crédito: também não o tinha no sistema do futebol português, formatado para servir um clube cujo grande objectivo era precisamente asfixiar, desportiva e psicologicamente, o Benfica. Foi e é uma luta colossal, que já não conseguirá ser Vieira a ganhar – até porque, ao combater o sistema dentro do sistema, comprometeu a sua credibilidade – e que obrigará o Benfica a dar um salto qualitativo, em termos éticos, nos próximos anos.

Acho que, desde que não borre completamente a pintura nos próximos meses, é justo que Vieira tenha mais um mandato. Pelas seguintes razões:

- porque o contrato com a Olivedesportos é o símbolo de uma era. Devia ser colocado numa moldura por cima da cadeira presidencial para que nenhum futuro presidente do clube se esqueça de como um clube grandioso pode ficar à mercê de dois chicos-espertos merdosos de Penafiel e, através dele, dos que os usaram para esmagar o Benfica. Aquele contrato é o garrote da vergonha, a prova de uma era em que o Benfica foi forçado, por erros próprios, a aceitar por um contrato de seis anos o valor de um ano de direitos e ainda ficar grato por lhe adiantarem o dinheiro.

Só se pode considerar que o saneamento financeiro e anímico do Benfica estará feito quando aquele contrato desaparecer, e é justo que Vieira possa ter, pelo menos dois anos de ar puro para mostrar se aprendeu ou não a utilizar os recursos que o clube, em condições normais, pode gerar (e atenção, mesmo considerando que foi o Oliveira que ajudou a pô-lo lá, mas vamos passar por cima disso, porque já muita água passou também por baixo da ponte);



- porque há uma luta em curso, e o tempo joga a favor de Vieira e do Benfica, pela própria lógica da vida e da dinâmica de poderes. Quanto mais o tempo avança maior é a tendência do Benfica para se fortalecer e do Porto para decair. Não será tanto por causa do talento de Vieira que isso acontecerá, mas pela lei das probabilidades. Pela lei da gravidade. Seria importante, em termos históricos, que Vieira saísse como «o último a rir» na batalha com o Porto e com Pinto da Costa. Não é por causa dele, porque nenhuma simpatia me move, pessoalmente, em relação a Vieira, mas porque seria um presidente do Benfica a ganhar uma guerra, e por intermédio dele o Benfica a ganhar uma guerra. Simbolicamente, ficaria como um exemplo para o futuro.



- porque os benfiquistas ainda estão acomodados, e porque nós, os mais velhos, como se disse nos comentários ao último post, ainda temos muito medo de voltarmos a ser enganados. Já aqui disse que o ideal seria o Vieira preparar a sua sucessão, não com um delfim nem com um herdeiro mas abrindo a porta a um pequeno conjunto de personalidades, de preferência novas em termos mediáticos. Não quero cá barões e muito menos Bagões, peço desculpa, mas isso é tudo malta que até para limpar o cu pede despacho. Bagões, Searas e quejandos só são hipótese porque a grande massa benfiquista se tem mexido pouco e eles aparecem mais na televisão. Na verdade, são pessoas sem ideias inovadoras, sem carisma, sem capacidade de liderança, são burocratas, não são líderes. Um presidente do Benfica tem de ser um homem prático, não pode ser um político nem pode ser um burocrata. Já não vou ao ponto de pedir um presidente da classe média, que os tempos já não estão, infelizmente, para isso, como noutras alturas estiveram, mas alguém que não esteja comprometido com ninguém e que tenha a ambição de fazer o Benfica outra vez grande. Os Bagões são uns totós. Não são gente da guerra. Qualquer clone das virilhas de Pinto da Costa os come de cebolada.

 É praticamente impossível que o Vieira tome essa iniciativa, mas quanto mais tempo passar maior é a probabilidade de aparecer gente nova, boa e credível.

terça-feira, 27 de março de 2012

Não se ponham a pau...

Algo que fica após o Benfica-Chelsea:
- O Jota-Jota, com esta equipa do Chelsea (mesmo na fila da Previdência para meter os papéis da reforma), era campeão de Inglaterra. Até porque, quando chegasse a Janeiro e os onze melhores já estivessem pendurados pelos tomates, tinha mais cinco ou seis iguais no banco para meter lá dentro;

- Até ao dia em que o Abramovich decidir meter-se no iate e ir comprar uma equipa de críquete no Paquistão o Benfica não volta a ter uma oportunidade tão boa de eliminar o Chelsea. Ver jogar esta equipa é espectáculo lamentável, não tanto pelo que joga (pouco), mas pelo que podia jogar. Perante uma equipa pouco mais que acima da média, como é esta do Benfica, qualquer boa equipa inglesa a jogar futebol, em vez de algo parecido, como foi o caso deste Chelsea, teria ganho em Lisboa por dois ou três golos de diferença.

- Além de ser paneleiro, o treinador do Chelsea tem outro problema: não é treinador de coisa nenhuma. Ter o Emerson a defesa-esquerdo e o Jardel a central-esquerdo e não aproveitar esse filão está ao nível de um técnico de hóquei em patins. O Ramires, nos poucos minutos em que conseguiu realmente jogar a extremo-direito, parecia o Robben. Neste ponto, convém dizer o seguinte: não tenho nada contra o Emerson, é um jogador que tenta, dá o seu melhor, mas o Luís Martins, neste momento, é um risco menor para a equipa que o Emerson. Qualquer pessoa que ache que o pobre do Emerson pode continuar a jogar no Benfica para o ano que vem está na última fase da negação.

- Hoje conseguimos vender o Gaitán. Não é que tenha feito nada de extraordinário, mas o Ferguson estava no estábulo a ver o jogo enquanto dava cenouras aos cavalos e pensou para os seus botões: «Acho que consigo fazer deste tipo um jogador de futebol.» Quanto mais não seja para isso já valeu a pena jogar esta eliminatória. Já com o Cardozo não temos a mesma sorte. Por falar nisso…

-Aquela jogada aos 52 minutos em que o Cardozo sai ao sprint e passa a correr pelo defesa do Chelsea que fica com a bola, sem sequer começar a travar, devia ser mostrado a todos os futebolistas iniciados do Mundo, com a seguinte legenda: «jogador calão a fingir que se defende. Não fazer.»

- O penálti do John Terry é uma das coisas mais assombrosas que já vi num campo de futebol. Mas na Europa os portugueses são os pretos de África, e isso é uma verdade tão inegável como a de, em Portugal, os clubes pequenos serem os pretos de África.

- Aos 70 minutos o Benfica morreu. Aos 74 o Ramires ainda tinha mais gás do que os onze jogadores do outro lado.

- Ao contrário do que se possa pensar, a eliminatória não está fechada. Com esta equipa do Chelsea e com esta equipa do Benfica, 1-0 é um resultado insuficiente. Não é que uma não seja melhor que a outra (que é) mas um Chelsea dar o flanco em Stamford Bridge, demasiado convencido da sua superioridade e de que o Benfica entregou os pontos, arrisca-se mesmo a sofrer dois golos do Benfica, e aí tudo se torna possível. Até porque o Jesus não vai poupar ninguém em Inglaterra (e que se lixe o campeonato, obviamente…). Este Benfica é uma equipa imprevisível. Tanto pode levar 4 como pode ganhar em Inglaterra, sobretudo contra uma equipa disfuncional como é este Chelsea. Como clube, já fez coisas bem mais difíceis. Para mim é igual ao litro, esclareça-se. Eu ia com os juniores mais o Aimar, que não pode jogar nem com o Braga nem com o Sporting, e aos 10 minutos mandava cinco, com facas e marretas, atrás do Drogba, para serem expulsos, no caso de ainda ser preciso algum para treinar antes do jogo de Alvalade.

- o Benfica mostrou, no palco principal, o que tem e o que não tem. Tem boa capacidade técnica em alguns jogadores, vocação ofensiva, alguma vontade (alguma, não muita) e força nas bolas paradas. Não tem sentido colectivo (a não ser no fora-de-jogo, a nível defensivo, o que o vai safando), fio de jogo fluente, soluções de desbloqueio (excepto em transição, o que até o Gil Vicente é capaz de fazer), capacidade física para aguentar um jogo a ritmo elevado e capacidade de defender no meio-campo adversário, apesar de tentar (o que a leva, depois, a não conseguir defender no seu meio-campo, devido ao desposicionamento do meio-campo). Quantificando, é um 6,5 em 10, a nível europeu, a tentar jogar como um 8,5 em 10. Sem o conseguir, obviamente. O simples facto de pensar em grande, contudo, leva-o a ganhar mais vezes do que o que a sua capacidade real levaria a supor. Tanto na Europa como em Portugal.

segunda-feira, 26 de março de 2012

O Braga e a praga

Acho que a vitória do Braga, hoje, é boa para o Benfica.

A minha lógica é relativamente simples: para o Benfica, ficar em segundo depende sempre de ganhar ao Braga em casa, e não ganhar ao Braga em casa implica ficar em terceiro no campeonato, independentemente de como o Braga chegasse ao jogo da Luz. Não acredito que o Braga ganhe ao Porto e ao Sporting, o que significa dois maus resultados, pelo menos, até ao fim do campeonato. Em caso de vitória frente ao Braga, o Benfica até pode perder em Alvalade, que as hipóteses de não ficar em segundo são mínimas.



Para o Benfica (e isto sempre na perspectiva do Benfica ganhar no próximo fim-de-semana, caso contrário toda esta conversa é fútil) uma vitória do Braga implica que, mesmo perdendo na Luz, o Braga chega ao jogo em casa, com o Porto, a um ponto do Porto. Isso quer dizer que, se ganhar ao Porto, o Braga não só fica à frente do Porto como, provavelmente, fica em vantagem no confronto directo, uma vez que marcou dois golos nas Antas – e isto quando o Porto ainda tem de ir à Madeira, jogar com o Marítimo, e receber o Sporting (um jogo sempre imprevisível) nas quatro jornadas que faltam.

Ou seja, com os resultados deste fim-de-semana o Braga ganhou combustível para lutar pelo título, pelo menos, até ao jogo com o Porto – e só o perderá se perder os dois jogos que se seguem. E esse jogo com o Porto passou a ter uma importância decisiva para a classificação final do Braga neste campeonato.



Resta dizer que, para o Benfica, seria quase desastroso acabar esta época em terceiro lugar. Penso que quando chegarmos ao fim da época identificaremos três factores especialmente importantes para a perda de um campeonato que, até Dezembro, estava setenta por cento ganho:

- ter começado a época um mês antes dos outros, o que, se por um lado lhe permitiu começar melhor a época e ir, por exemplo (creio eu), empatar às Antas, também lhe roubou, claramente, fôlego no inverno;

- ter avançado na Champions acima das expectativas, ao contrário dos seus dois principais rivais (que vão, por isso, chegar a Abril com menos seis ou sete jogos a sério nas pernas e na cabeça;

- não ter conseguido, em Janeiro, acrescentar um ou dois lugares de profundidade real ao seu plantel, nomeadamente com um defesa central que ermitisse não ter de jogar com o Jardel e um bom extremo, com gás suficiente para abrir, por si só, pelo menos um jogo daqueles que o Benfica empatou a zero, nomeadamente em Coimbra ou em Olhão.



Se acabar em segundo, o primeiro destes problemas fica resolvido. Se acabar em terceiro, as hipóteses de fazer uma época em crescendo, a chegar relativamente bem aos últimos jogos, ficam praticamente eliminadas logo de início.



Também resta dizer que os gajos do Braga estão todos cagados por terem chegado a primeiro. Bastou olhar para as caras deles.

Sempre quero ver como é que se vão comportar na Luz. Mas até adivinho que vaiser o Benfica-Braga mais fácil, para o Benfica, dos últimos anos. Wait and see

*

Num assunto relacionado, assisti a uma boa parte do jogo do Granada com o Sevilha. Para ver o Franco Jara, só por curiosidade.

Como é que um jogador que é apenas igual aos outros numa equipa de fundo da tabela de Espanha, que não mostra nenhuma característica distintiva, que não se destaca, pode fazer parte das soluções de um clube como o Benfica?

De que é que estamos a falar?

Que espécie de lógica é que nos leva a considerar, sequer, a hipótese de ter um jogador assim no Benfica?

Só pergunto isto porque a lógica do Jara é a mesma lógica do Emerson, do Jardel, do Capdevilla, do César Peixoto, do Bruno César e de tantos, tantos outros ao longo dos anos.

Só há uma hipótese racional de um jogador assim servir para o Benfica: estar completamente subvalorizado por uma questão conjectural, como uma lesão ou uma zanga séria com o clube em que esteja. O que é raríssimo.

Vamos colocar as coisas dentro da perspectiva certa: para se jogar no Benfica, não serve, por exemplo, um suplente do Braga, nem serve sequer um titular do Braga – serve um jogador CLARAMENTE MELHOR QUE OS OUTROS no Braga, ou em qualquer outro clube à excepção dos que joguem nas 15 ou 20 melhores equipas do mundo. E isto tendo 18, 23 28 ou 33 anos. Que tipo de mais-valia real é que pode trazer para o Benfica, de facto, um suplente do Corinthians, um suplente do Villarreal ou um tipo que não consegue sequer acabar um jogo no Granada sem se distinguir dos outros?

Isto não é ser simplista – isto é senso-comum.

Um Emerson, um Capdevilla, um Jardel, um Bruno César (Não me lixem com o Bruno César, ok? Só não é um jogador vulgar porque está no Benfica. Se vocês o vissem a jogar no campeonato brasileiro era igual a mais 100 gajos) só estão, no Benfica, a fazer duas coisas: a ocupar um lugar que não lhes pertence, impedindo que outros melhores lá estejam, e a consumir recursos.

Como um clube resiste a uma política de contratações tão displicente e tão estúpida (é a única palavra que me ocorre para a repetição dos mesmos erros nas mesmas condições, sofrendo as mesmas consequências, ano após ano), isso sim, é um verdadeiro milagre.

domingo, 25 de março de 2012

«Ganhar o campeonato» ou «não perder o campeonato»?

Ora bem, como deve ter reparado foi um fim-de-semana de absentismo – ao que a frustração. Obviamente, também ajuda.

O funeral de sexta-feira pôs o pessoal aos berros, como é óbvio, e levantaram-se algumas questões pertinentes, às quais vou tentar fazer o contraditório, (de forma necessariamente sucinta, como é claro, pois cada uma, por si só, daria um longo post).



1 – A não-descida dos clubes

Antes de mais, não concordo totalmente com a leitura de que o Olhanense só tenha destruído, mas pronto, até dou de barato, porque não é assim tão relevante.

Primeiro ponto: uma equipa mais fraca, aqui, em Espanha, na Turquia, na América e no Azerbeijão, a jogar contra uma equipa em que o ordenado de um jogador do adversário chegaria para lhe pagar a temporada inteira, vai sempre tentar arranjar subterfúgios para nivelar o campo.

No desporto americano as hipóteses são menores, mas também há: há equipas que apostam na agressividade, em sistemas de jogo revolucionários, em esquemas estranhos.

No futebol, uma vez que o empate é premiado e o anti-jogo é permitido, é o anti-jogo que se pratica. Essa é uma questão mais do jogo em si que do formato de competição, e só pode ser resolvida de duas formas: ou coerciva, aplicando novas regras, ou progressiva, pela educação. Na primeira pode-se, por exemplo, implementar o tempo jogado em vez do tempo corrido, eliminar o empate, e muitos outros esquemas que o International Board (ainda) não permite. Na segunda, espera-se que as pessoas percebam que o anti-jogo lhes tira dinheiro ao fim do mês porque leva as pessoas a não irem ao futebol. Não há é muita gente que esteja disposta a perceber e a explicar isto aos jogadores e aos treinadores – aos verdadeiros profissionais do futebol.

Segundo ponto: como é que o jogo de sexta-feira justifica o sistema actual? Não percebo. Algumas questões: O Olhanense, já sem precisar dos pontos, competiu ou não competiu ferozmente? O Olhanense teria jogado de outra forma se estivesse a lutar para não descer? A propósito de quê? Então sem, sem ter nada a perder, jogou a defender, para fazer o ponto, o que é que teria feito de diferente se jogasse para o ponto precisando dele? Não teria jogado tão ou mais na retranca, considerando que, pelos vistos, é assim que o Sérgio Conceição achou que conseguiria não perder com o Benfica?

O Olhanense, provavelmente com um prémio chorudo do Porto por baixo da mesa – como o Nacional contra o Porto na semana passada, por certo… –, jogou para o empate. E então? Provavelmente continuaria a jogar para o empate se não houvesse descidas. Um campeonato fechado não acabaria com estas situações, como é evidente. Nem eu disse que acabaria. Elas são sistémicas. Mas um campeonato fechado, com o tempo, criaria um clima de jogo pela positiva, e não pela negativa, quanto mais não fosse porque, num campeonato fechado, só há uma direcção para onde olhar: para cima. Agora, os medíocres sempre existiram e sempre existirão. Simplesmente teriam menos espaço para prosperar, porque passaria a ser a ambição a dar o tom, e não o fado do desgraçadinho que ouvimos a 90 por cento dos clubes logo em Agosto. Fechar o campeonato não transformaria o futebol português num paraíso do ataque, da positividade e do fair-play, mas concerteza tiraria muita razão de existir à negatividade que se vê, sobretudo, nos jogos entre equipas equilibradas – esses sim, uma verdadeira bosta de jogo, na maior parte das vezes, porque se passa a maior parte do tempo a jogar para o pontinho. O meu argumento a favor de um campeonato fechado não está no Olhanense-Benfica, que tem sempre muitas gente a assistir – está no Olhanense – Rio Ave, que tem 500 pessoas, e todas elas aborrecidas ou que só lá vão para chamar nomes ao árbitro.



2 – A extensão dos plantéis

Uma questão interessantíssima e muito propensa aos mitos e aos chavões.

Chavão: «Temos dois jogadores para cada lugar.»

Facto: Não é verdade. Nenhuma equipa do mundo tem dois jogadores de valor igual para cada posição, e isso seria completamente estúpido, porque seria um desastre económico e desportivo. A última vez que me lembro de isso acontecer foi quando o maluco do Berlusconi tinha, no Milão do fim dos anos 90, onze jogadores para o campeonato e outros onze para a Liga, ganhando em ambos, e mesmo esse só durou dois anos.

Em todas as equipas há os bons e há os melhores, e quem joga são os melhores.

O que nos leva a segundo chavão: «Temos alternativa à altura dos titulares.»

Facto: falso, em 99 por cento dos casos. É raríssimo um suplente ser tão bom como o titular. Aliás, em muitos casos, o suplente directo, chamemos-lhe assim, nem sequer substitui o titular do seu lugar. Temos assistido a vários casos este ano, por exemplo, no Benfica e Porto em que é uma espécie de suplente de segunda linha com mais ritmo ou mais qualidade que o suplente directo do lugar, mas de terceira linha, que substitui o titular. Veja-se os casos da lateral-direita ou dos extremos  no Benfica e no Porto.

Chavão: «Temos um plantel suficientemente profundo para encarar com optimismo todas as competições.»

Facto: um plantel pode ter 17 jogadores de campo do mesmo nível médio-alto e 3 acima da média, mas se, nos jogos decisivos, um, dois ou mesmo os três jogadoresd acima da m+edia não jogarem, as suas hipóteses de sucesso são praticamente nulas, por mais jogadores médio que o treinador tenha para meter no onze. No Barcelona, toda a gente sabe jogar bem, mas se o Barcelona jogar as meias-finais da Liga dos Campeões sem o Messi, o iniesta e/ou o Xavi as suas hipóteses de ser campeão europeu desceriam de 80 por cento para 15.

Tudo isto deveria levar a uma maneira diferente de construir os plantéis, mas a verdade é que ter 20 jogadores de campo parece continuar a ser uma regra sagrada para todos os treinadores. Lá mais para o Verão, certamente, iremos falar muito disto.

Deixo só uma questão no ar: entre o que se paga de ordenado ao Capdevilla, ao Jardel e ao Miguel Vítor não se conseguiria pagar a um defesa que fosse melhor do que qualquer um dos três e que fizesse mais minutos que os três juntos, capaz de pôr o Emerson no lugar que merece – o banco? Pois…



3 - Uma «equipa-campeã»

A questão não é ganhar ou não ganhar o jogo. Arrisco mesmo a dizer que a questão não é ser campeão ou não ser campeão. Pode-se empatar um jogo como o de Olhão por duas razões: ou por se fazer as coisas bem feitas e não ter a sorte do jogo (o que pode sempre acontecer) ou por não se saber como ganhá-lo. Da mesma forma, pode-se ser campeão empatando um jogo como o de Olhão por não se saber como o ganhar – não se pode é esperar que a chuva caia sempre no nabal enquanto o sol está na eira. Acontece uma vez ou outra. Depois passa. Não me parece que comparar o Benfica ao Real Madrid seja relevante. O Real Madrid do ano passado, por exemplo, já sabia como ganhar, apenas ainda não tinha a qualidade suficiente para o conseguir. Mas já era uma equipa que, se não tivesse apanhado aquele Barça, teria sido campeã facilmente. Tinha a ciência para isso. No entanto, não o foi. Diferença este ano, nem sequer é o que o Real Madrid está a fazer, mas o que o Barcelona está a fazer. E o Real será campeão.



4 – E em relação a isto…

Agora, que o Porto acabou de empatar, convém dizer que isto não altera a minha leitura do jogo de sábado, nem em relação à capacidade da equipa do Benfica nem em relação às suas possibilidades de ser campeão (tristemente, confesso) – pelo contrário, só confirma a minha leitura de que qualquer semelhança entre este Porto, sofrendo o empate a 10 minutos de se sagrar virtualmente campeão, e o Porto-campeão dos últimos anos, é pura coincidência ao nível da corda camisola. Displicência, falta de agressividade, falta de jogo colectivo (tudo isto em termos relativos, entenda-se), uma sombra de uma equipa campeã.

Quanto ao título, não confundamos fé com racionalidade. Acreditar, nenhum benfiquista deixa de acreditar, por mais funda que a crença esteja. Mesmo se o Porto tivesse ganho continuaríamos a acreditar que o Porto podia empatar mais um jogo em casa, perder em Braga, perder com o Sporting, e por aí fora. Mas as hipóteses do Benfica, racionalmente, continuam a ser débeis. Ser campeão implica ganhar os 6 jogos que faltam. O eventual deslize que o Benfica podia cometer em Alvalade cometeu-o em Olhão. Vai ter de ir ganhar a Alvalade, ganhar ao Braga, ganhar os outros jogos todos e esperar, obrigatoriamente, que o Porto ou não ganhe em Braga ou não ganhe ao Sporting em casa.

Mas querem mesmo saber? Vou cometer um pecado. Este título, a acontecer, já perdeu muito do sabor que teria. Porque o facto do Benfica ser campeão não altera o que tenho visto a equipa fazer nestas semanas em que deveria ter mostrado o verdadeiro estofo de campeã. O que quero dizer é que não vejo mais, nesta equipa, além de alguma subida de qualidade e de experiência, do que o que já vi no primeiro ano de Jesus: um campeão ocasional.

Quase diria que o prazer que me daria ganhar este campeonato seria mais pelo que poderia significar em termos futuros, na desagregação do Porto, do que pelo campeonato em si, que é o mais renhido de que me lembro.

E eu gostava de poder escrever isto tudo ao contrário, acreditem.



5 – O verdadeiro benfiquista

Ser benfiquista não é apoiar quem lá está porque lá está. É preciso começar a enumerar algumas dezenas dos que lá estiveram, entre presidentes, treinadores e jogadores, e que não valiam a ponta de um corno? É suposto que eles ainda lá estivessem só porque lá estiveram em determinada altura?

Solidariedade não é dizer ámen. Dizer ámen contra a nossa consciência é NÃO SER benfiquista. Já disse e repito que ainda hoje lá tenho o título da Operação Coração guardado em casa, com muito orgulho.

Apoiei o Jesus quando ele manteve o Roberto até às últimas consequências. Era o que estava certo, na minha consciência.

Apoiei o Vieira quando ele manteve o Jesus a meio da temporada passada. Era o que estava certo, na minha consciência.

Provavelmente até o vou apoiar quando ele decidir manter o Jesus no final desta época, dadas as alternativas e a conjectura. Se isso estiver de acordo com a minha consicência.

O Vieira está a fazer um trabalho muito bom no Benfica. Quer conquistar-me definitivamente? Esqueça os árbitros, eleve a ética de trabalho no interior do clube, e, quando eu sentir que o Benfica fez tudo o que podia para ganhar e só não ganhou porque foi roubado, serei o primeiro a atirar um paralelepípedo à porta da FPF. Antes disso não.

O Jesus quer ganhar-me? Aprenda a ser melhor, caia em si, cresça com homem e como profissional, aprenda que o facto de ser iliterado não faz dele melhor que os outros, deixe-se de merdas, e eu vou para o Estádio da Luz pedir-lhe a chiclete. Se não o fizer, que vá corrido e o quanto antes, de preferência já hoje.

Os jogadores querem que eu os apoie incondicionalmente, mesmo irracionalmente? Dêem-me, dentro de campo, razões para pensar que não poderia desejar ser representado, como benfiquista, por outros que não eles. Joguem sem ser no limite da ambição e puta que os pariu, seja Emerson, seja Maxi, seja Luisão, seja Aimar.

Isto não faz de mim um  verdadeiro benfiquista? Pois se assim é, viva o Sporting e que se lixem os verdadeiros benfiquistas.

Se isto fosse lá pelo apoio incondicional e acrítico o Benfica era campeão da Europa todos os anos. Mas não vai.

sexta-feira, 23 de março de 2012

É outro jogo

Estar preparado para ser campeão significa ter recursos e engenho para ganhar o tipo de jogo que o Benfica empatou hoje em Olhão.

Há um paradoxo que fica claro na escolha dos jogadores por Jesus: por um lado, se a prioridade é o campeonato, os titulares que ficaram de fora teriam de jogar hoje e ficar de fora contra o Chelsea ou contra o Porto; por outro, é evidente que não só o Benfica não pode jogar com as segundas escolhas nos quartos-de-final da Champions, porque vai contra toda a lógica, como que para ganhar ao Olhanense o Benfica não deveria precisar de jogar com o melhor onze, e o que jogou devia chegar.



A questão de fundo não é a escolha de jogadores. A questão de fundo é que este tipo de jogos – que acontecem sempre no campeonato porque os candidatos ao título têm sempre jogos-alçapão entre jogos mais mediáticos ao longo da época – requer um kit de sobrevivência específico.



Para ganhar jogos destes, em que a concentração e as pernas estão a 70 por cento, é preciso, antes de mais, saber ao que se vai. Pensar que os Olhanenses também fazem parte do nosso mundo e que vão encarar o jogo como o Benfica, para cumprir calendário, é o primeiro erro. O interesse dos Benficas e o interesse dos Olhanenses nestes jogos não é o mesmo. Uns estão a jogar a 70, os outros estão a jogar a 95/100.



Depois, é preciso saber que não se vai poder ir lá a pensar fazer apenas o jogo normal, porque o jogo normal não vai aparecer. Ou seja, é preciso ter consciência que, para ganhar, se vai ter de jogar de outra maneira. Basicamente, vai ser preciso jogar menos e jogar melhor. Tem de se tentar fazer menos coisas e conseguir fazer coisas mais bem feitas. Nos livres, por exemplo, não se deve contar com oito ou nove livres, porque só se vai ter três ou quatro. Nas trocas de bola, não se deve contar que os passes entrem bem tantas vezes, pelo que se deve passar a bola para determinados sítios e sem tentar inventar linhas de passe. O tipo de jogo tem de ser mais mecânico, mais automático, pedindo pouco à criatividade (que só funciona com a cabeça e as pernas frescas) e muito às rotinas.



Sabendo que o gás não vai durar o jogo todo, deve focar-se a agressividade num pico, durante um período mais curto, e usar-se de cinismo, sem vergonhas, durante o resto do tempo.



Para fazer tudo isto – que é muito, mas que é a chave das equipas-campeãs, porque este tipo de jogos vale entre 10 e 12 pontos por época, quando a diferença entre o primeiro e o segundo fica, em condições normais, entre os 6 e os 7 pontos – é preciso ter uma equipa construída, de facto, para ser campeã, e não apenas para ser uma equipa que saiba jogar futebol. Neste tipo de jogos, não é importante saber jogar futebol – é preciso saber ganhar. Quando se fala em saber jogar feio, é disto que se fala.



Evidências: a equipa do Benfica não mostrou agressividade, ambição, capacidade de concentração, preparação mental, técnica e táctica para conseguir ganhar este jogo. Não os mostrou antes da expulsão do Aimar nem os mostrou depois da expulsão do Aimar – que é uma má decisão, evidentemente, tomada por um árbitro com boa capacidade técnica mas que sofre do mesmo mal de muitos outros árbitros, que é o de apitar preocupado com o que se diz depois do jogo pelos advogados de acusação em vez de apitar preocupado em fazer justiça.



Para o Jesus, reduzir a perda do campeonato a um fora-de-jogo não assinalado ou a uma expulsão mal tirada serve. É igual ao litro. O problema, para ele, é menor. Hoje está no Benfica, amanhã está no Valência, depois de amanhã está no Porto, vai tendo as suas oportunidades e daqui a um ou dois anos tanto se lhe dá como se lhe deu se o Benfica aprendeu a ser campeão ou não, o que lhe interessa é salvar o couro.

Para os adeptos do Benfica, que vão ficar no Benfica até morrerem, durante mais 20, 30 ou 60 anos, reduzir a perda do campeonato aos supostos erros dos árbitros (ainda por cima esquecendo selectivamente os erros dos árbitros a favor do Benfica) é o pecado original. Já aqui disse que é o cancro do Benfica. Reafirmo-o.



Um Benfica campeão pode perder um jogo como o de hoje, em Olhão – mas só o perde por manifesta infelicidade, e não por azelhice, como perdeu hoje.



Quando se constrói um plantel, quando se constrói um estilo de jogo, quando se faz uma equipa, em todas as suas vertentes, e se se faz isso para se ser campeão, este tipo de jogos tem de ser pensado de raiz. E não apenas os jogos com o Chelsea, com o Porto ou com o Braga.



O Benfica pode ser campeão (na verdade, não pode, mas pronto…) mas continua a não ter uma equipa campeã. E o mais dramático é que, daqui a dois meses, quando toda a gente andar a sonhar com a nova época, ninguém, provavelmente, dos dirigentes aos adeptos, se vai lembrar que os Olhanenses debaixo dos alçapões também existem, e que é nesses alçapões que se ganham ou perdem campeonatos. Porque uma coisa é andar na luta, a outra é estar preparado para ganhar a luta.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Pareceu mesmo a sério...

Hoje à noite houve mais um jogo amigável para a Taça da Cerveja. Deu para ver que não foi a sério porque o treinador do Gil Vicente disse, na véspera, que era apenas o jogo mais importante na história do clube, e porque o Braga jogou com os suplentes todos… no banco. Mas não era a sério. E quando for a final também não vai ser a sério, não senhor. A azia dos jogadores e adeptos do Braga pareceram mesmo a sério, mas enfim…



Tenho poucas dúvidas que esta Taça da Liga se tornará, a médio prazo, e se sobreviver ao facto de os suplentes do Porto não a conseguirem ganhar – o que joga muito contra ela porque vai contra a contabilidade de merceeiro que a propaganda tem vindo a tentar instituir –, na segunda prova mais importante do calendário.

Em primeiro lugar tem vindo a ser dominada pelo Benfica, com vitórias sucessivas sobre os seus dois rivais, o que lhe vai assegurando a atenção de metade dos adeptos em Portugal.

Em segundo lugar, o facto de se estar a tornar numa taça benfiquista vai torná-la fonte de cobiça mais forte para Sporting e para os suplentes do Porto, uma vez que tudo o que o Benfica tem os outros querem, sobretudo os suplentes do Porto.

Em terceiro lugar, dá dinheiro.

Em quarto lugar, pelo tipo de filosofia que os clubes maiores têm até chegar às meias-finais – a partir das quais a levam, mesmo, a sério –, porque abre quase sempre espaço a pelo menos uma equipa pequena nas meias-finais, e quando não abre assegura dois grandes jogos nessa fase. Eu sou completamente a favor do esquema que está instituído, que favorece, na teoria, o apuramento dos três grandes. Na prática, com a política de usar as segundas equipas por parte do Benfica, Sporting e dos suplentes do Porto, o que dá é um equilíbrio entre o interesse de ter pelo menos dois deles nas meias-finais e um elemento da plebe metido ao barulho, geralmente com bons comportamentos precisamente pelo factor-motivação.



Talvez fizesse mais sentido, no entanto, e de acordo com esta filosofia (que não vai mudar) fazer a Taça da Liga no princípio da época, como acho que já foi feito (ou como se faz noutros países). Eliminar do calendário a Supertaça Cândido de Oliveira, por exemplo, e substituí-la pela fase de grupos da Taça da Liga, ao longo de uma semana (são três jogos, afinal), faria sentido, deixando as meias-finais e final, por exemplo, para a semana antes do Natal, ou mesmo no Natal. Futebol competitivo para todas as equipas das duas Ligas, no Verão, com toda a gente a querer ver futebol e todos os treinadores a quererem dar minutos aos jogadores, isso sim, faria sentido.



Outra hipótese seria tornar a Supertaça uma final four entre os dois primeiros classificados da Liga e os vencedores da taça de Portugal e da Taça da Liga do ano anterior. O que faz pouco sentido é ter um fim-de-semana, no Verão – quando os emigrantes estão cá e há grande fome de bola – reservado para dois clubes. Uma competição deste tipo tornaria a Supertaça, pelo menos, minimamente equiparável, em termos de importância e legitimidade do título, a qualquer uma das outras competições internas.



Para acabar, o Quim voltou a dar um frango e a confirmar que, sendo um bom guarda-redes para o nível do Braga, é apenas sofrível ao nível de um Benfica. No Braga, depois de amanhã já ninguém se lembra. No Benfica, este tipo de Robertada daria para repetições durante semanas a fio.

Da mesma forma, o Lima, a precisar de seis ou sete oportunidades para fazer um golo, é um jogador razoável, mas só pode jogar no Braga. Não quer dizer que não seja melhor que o Kléber ou que não possa ser melhor que o Cardozo, mas para isso, teria de subir muito a sua eficácia. Um jogo como o que fez hoje, num Benfica ou no Porto, seria, imediatamente, motivo de desconfiança, e daí a uma espiral de sub-rendimento seria só mais um pulinho. É um jogador com algumas semelhanças com o Derlei, por exemplo, e num clube maior, como mais exigência, poderia subir o nível de concentração e tornar-se, de facto num grande jogador, mas a jogar como joga neste momento não pode aspirar a nenhum clube maior que o Braga. É o seu limite de Peter.

terça-feira, 20 de março de 2012

Não era a sério?

Quem é que o Porto poupou, que eu não cheguei a perceber? O Helton?

Porque o Palito, o Rolando, o Moutinho, o Lucho, o Hulk, os jogadores a sério, que ganham os jogos a sério, os que vão ter de ir ganhar a Paços de Ferreira, a espinha dorsal, estava lá toda…

E o Benfica? O Cardozo. O Emerson. Mais…?

Não era a sério o caraças.



Para esta equipa do Benfica foi importante ganhar ao Porto, como teria sido importante para o Porto ganhar ao Benfica, como foi mau, para este Porto, perder este jogo. A questão da superioridade moral, que levantei antes do jogo, mantenho-a. Se o Porto ganhasse, era assunto arrumado. Ganhando o Benfica, a verdade é que não há nenhuma razão para afirmar, sem dúvidas, que este Porto é melhor que este Benfica.



A palavra-chave, aqui, contudo, é mesmo «este».



Não vi um Benfica a jogar futebol de alto nível, nem sequer a ser melhor que o Porto, mas sobretudo não vi um Benfica a fazer o que precisa de fazer para se tornar uma grande equipa. Pode parecer paradoxal que, dito isto, o Benfica tenha ganho, inclusivamente com um primeiro golo saído de dentro do cú de uma vaca leiteira e com uma jogada em que o Benfica esteve um minuto a jogar à «bola ao poste»; mas não acho que seja, porque, do outro lado, esteve, como tem sido hábito este ano, «este» Porto – um Porto que sabe fazer as coisas todas que é preciso para se ganhar a qualquer equipa do Mundo mas que não tem ritmo, não tem uma ambição ao nível do passado recente do Porto, não tem um jogo inteiro nas pernas e na cabeça, ao contrário do que acontecia na parte final do ano passado.



O Benfica ganha porque quer mais ganhar, porque tem nos lances de bola parada, ofensivamente, uma arma segura, e porque tem, hoje, uma equipa muito mais experiente que a que tinha a três anos, com jogadores como Cardozo, Maxi Pereira, Luisão, Aimar e Javi Garcia numa fase de plena maturidade competitiva. Isso permite-lhe jogar mais solta nestes jogos e aproveitar melhor o tipo de jogadas que só a matreirice consegue aproveitar, sendo o primeiro e terceiro golos o melhor exemplo disso.



Se digo que esta vitória foi importante para «este» Benfica é porque há nela muito pouco que aproveitar para um Benfica de aqui a dois ou três anos. Aquilo que é estruturante, em termos de estilo e abordagem ao jogo, não está lá. Foi uma equipa e um momento que ganharam este jogo, não um processo técnico e táctico consolidado. Foi uma vitória de um jogo só – a não ser que tenha repercussões no campeonato, e aí extravasa a sua importância.



O Porto, por outro lado, perde este jogo por ter «esta» equipa, e sobretudo este treinador, mas, mudando o treinador e mudando o chip da agressividade, mantendo os processos, facilmente voltará a ganhar a um Benfica como «este» daqui a dois ou três anos.



Em conclusão, este jogo comprova que «este» Benfica pode chegar ao fim da época sendo considerado melhor que «este» Porto, mas «este» Porto está muito mais perto de ser uma grande equipa – que já não é, neste momento – do que «este» Benfica.



O Jesus, depois do jogo, fez o seu papel, e dourou a pílula: ganhámos porque fomos outra vez melhores, desta vez não houve casos, portanto somos melhores. É a semente da dúvida. Da parte dele, chega. Agora seria a altura da máquina fazer o seu papel e inculcar isto na cabeça de toda a gente que anda no futebol em Portugal. Passaria por aí a única maneira de o Benfica ainda ser campeão este ano.

E aí sim, este jogo seria mesmo muito a sério…



No fim desta vindima, sabe estupidamente bem ganhar ao Porto. É um lavar de alma.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Batalha moral

A tendência para minimizar a importância do Benfica-Porto das meias-finais da Taça da Liga é natural. É um jogo que toda a gente preferia que não houvesse, e todos estão com medo de o perder. A entrevista de Pinto da Costa à Rádio Renascença, cuidadosamente agendada, é uma clara mentalização dos adeptos do Porto em caso de derrota. Estrategicamente, como é óbvio, é muito bem jogado por Pinto da Costa, cujas palavras têm um peso institucional suficiente para amparar qualquer mau resultado que venha a aparecer na Luz. Em caso de vitória, parece que veio gozar com o Benfica com antecipação. No caso de derrota (e atenção que o facto de não haver empates é muito importante neste contexto), ela já estará minimizada e justificada à partida («jogaram com os suplentes»). Jesus fez exactamente o mesmo, mas o gesto, bem explícito e pensado, de Pinto da Costa, tem maior significado. Porque torna claras duas verdades que se tentam manter escondidas:

- para os adeptos do Porto, não é indiferente perder com o Benfica, nem tão pouco é pouco importante. É mais importante que para os benfiquistas, e em boa parte é por isso que continuam a ganhar mais vezes;

- este jogo é muito mais importante do que parece, e não apenas por ser mais um potencial desequilibrador numa época superequilibrada entre Benfica e Porto. E, aqui, é mais importante para o Benfica do que para o Porto.



Em relação ao primeiro ponto, os benfiquistas não têm muita noção disso, porque têm uma perspectiva mais ambígua da dialéctica Porto-Benfica, mas os portistas, sobretudo os do Norte, que convivem menos com benfiquistas, ainda não conseguiram libertar-se do complexo de inferioridade em relação ao Benfica. Apesar de já muito pouco, racionalmente, o explicar, o Benfica continua a ser o motor do Porto, que continua a sentir-se mais pequeno e, também, inferior. Quando se vê o Porto a bater no peito é, na verdade, uma demonstração de inferioridade, mais que de superioridade. O Porto não se consegue libertar do Benfica, é e muito provável que venha a ser esse complexo que o venha a consumir, porque, se ainda não se livrou dele, também já não vai ser agora que se vai livrar. (E isto tem algo de inevitável, porque no dia em que o Porto deixar de bater no peito vai fazer o quê? Qual é a opção? O Porto está agarrado ao seu motor, para o actual bom e para o futuro mau.)

O jogo da Taça da Liga de há dois anos, em que o Benfica ganhou por 3-0, se bem se lembram, é um bom exemplo desta toxicodependência. O jogo era para a Taça da Liga, que teoricamente pouco vale, correu muito mal ao Porto, mas nada disso importou, pois os adeptos e os críticos do Norte, claramente, ampliaram em muito o valor real dessa derrota. Uma derrota normal foi transformada num sinal de alarme – e foi também devido a ela que o Porto empenhou a casa para se fortalecer na época seguinte.

E isto leva-nos ao segundo ponto.



O facto de toda a gente estar a fazer contenção de danos não tem a ver com as sequelas físicas que mais um jogo poderia deixar nos jogadores mas sim com as sequelas psicológicas que um mau resultado pode deixar numa altura em que um único resultado imprevisto pode decidir o campeonato.

Até agora, ninguém consegue dizer convictamente que uma equipa é melhor que a outra ou merece mais ganhar o campeonato que a outra. Estamos numa fase de batalha moral, em que as duas partes – recorrendo muito, como é costume, aos álibis das arbitragens – tentam ganhar a superioridade moral e convencer toda a gente disso. Porque, se toda a gente se convencer de que uma equipa merece mais que a outra, a tendência é para as coisas irem, consciente ou inconscientemente, de encontro a isso. Os jogadores empenham de maneira diferente, os árbitros têm outro à vontade para decidir a favor do mais merecedor, etc. A superioridade moral é um factor decisivo na maior parte das guerras. Se duvidam, convençam-se de que o Porto anda desde 1978 a recolher os frutos de ter conseguido convencer toda a gente – graças a Pedroto – de que o Benfica não era um campeão justo. Os «roubos de igreja», de que Pedroto falou na década de 70, têm justificado todo o edifício desportivo e paradesportivo (falando eufemísticamente…) do Porto até hoje.



Além de tudo isto, há a principal razão para eu achar que é um erro, sobretudo para o Benfica, menosprezar este e qualquer jogo com o Porto.

Eu lembro-me da Supertaça em Coimbra em que o Benfica esteve a ganhar por 3-1 nos penáltis e perdeu por 4-3 ou 5-4. Lembro-me de ver o Pinto da Costa a chorar, de joelhos, agarrado ao terço e a agradecer à Virgem.

Lembro-me de ver o Porto ganhar 5-0 na Luz, no tempo do Oliveira. Não sei já para que foi, mas lembro-me bem desse jogo, e sei que não foi para o campeonato. Mas contou, e contou muito.

Estes foram jogos que marcaram uma época e uma superioridade. Não são apenas sintomas – são marcos geodésicos. São bandeiras cravadas num eterno jogo territorial. E é disso que se trata, realmente, quando Benfica e Porto jogam. Não é uma competição que está em causa, é um território. Seja qual for a competição.

O Porto percebe isso melhor, e por isso ganha mais. O Benfica não percebe isso tão bem. E é por isso que o Benfica, mais que o Porto, não se pode dar ao luxo de virar a cara a uma batalha.

A verdadeira missão do Benfica, neste momento da sua existência, não é ganhar campeonatos, não é compor currículos nem não é fazer contas. A verdadeira missão do Benfica, nesta altura, é pura e simples: ser melhor que o Porto. O resto vem por acréscimo, mas não é o mais importante. O mais importante, o fundamental, é ser melhor que o Porto. E isso significa fazer de cada jogo com o Porto uma oportunidade de entrar e ficar por cima.

No tipo de batalha que estes dois colossos estão a jogar, não há intervalos, não há tréguas, e quem pensar que as há não está, de facto, a refugiar-se na neutralidade – está, na verdade, a oferecer a posição cimeira, a superioridade moral, a posição elevada.

Um Benfica-Porto, neste momento da história, não tem nada a ver com as competições que se disputam.

O Porto, que percebeu isso há muito tempo, passou a ganhar competições.

O Benfica, que resiste em aceitar isso, continua a procurar ganhá-las.

Esta terça-feira há mais uma batalha. E quem pensar que vai para uma negociação arrisca-se a perder muitíssimo mais do que o que julga. Com mais ou menos suplentes em campo.



PS1 – Vocês continuam convencidos de que o Paixão faz isto por dinheiro? É pela atenção, pá. No dia em que ele apitar um jogo e o nome dele não aparecer os jornais o homem suicida-se.



PS2 – É natural que o ritmo de posts venha a descer para um de 2 em 2 dias. A coisa está a apertar deste lado. Mas vou continuar a escrever todos os dias, nem que seja para comentar os comentários.

PS3 – Não me esqueci da Charrua…



PS4 – Não me esqueci da fórmula secreta para o melhor campeonato português do Mundo. Vem esta semana, comprometo-me.



PS Vita – «just kidding….»

sábado, 17 de março de 2012

Liga Bwin - O jogo do galo

Só amanhã é que há post, depois do jogo do Sporting, uma vez que ando aqui às voltas com uma situação, mas vou completar a minha ronda da Liga Bwin, just for the kicks.



Feirense-Braga

Quando uma equipa ganha 11 jogos consecutivos para o campeonato encontra-se numa situação probabilística tão invulgarmente favorável que o mais provável, estatisticamente, é que não consiga prolongar essa série.

Não baseio a minha aposta em nenhum outro critério que não o da lei da gravidade: quanto mais alto se sobe maior é a força que nos empurra para baixo. Não sei quando é que Braga vai deixar de ganhar, mas até lá eu aposto sempre nisso. No caso deste jogo, em que a odd é de 2.50 numa não-vitória do Braga, acho irresistível.

Como tal, 9 euros na vitória do Feirense ou empate, a 2.50.



Académica-Paços de Ferreira

Não sei bem o que é mais extraordinário:

- o Braga não perder pontos há 11 jogos;

- a Académica não ganhar há 16 jogos;

- a Académica ter feito quatro jogos com os grandes nestes 16 e só ter perdido 1;

- a Académica, com isto tudo, ainda estar 6 pontos acima da linha de água.

Nos últimos 3 jogos que fez em casa com equipas que lutam para não descer a Académica empatou com o Leiria e perdeu com o Gil Vicente e com o Beira-Mar!

Tudo isto é estranhíssimo. Das duas, uma: ou se vê aqui um padrão ou se vê uma anormalidade.

Com os recentes bons resultados da Académica e o mau desempenho crónico do Paços fora de casa, pressinto uma inversão da tendência para a Briosa.

7 euros na vitória da Académica a 2.30.



Setúbal-Marítimo

Até este momento o Marítimo ainda não perdeu com nenhum dos actuais cinco últimos classificados do campeonato, e não me parece nada que vá ficar por aqui, até porque continuo a não confiar minimamente neste Vitória. Mesmo com a recente candidatura do Beira-Mar à decapitação, continuo a apontar Setúbal e Leiria como as equipas favoritas à descida, pois são as mais mal estruturadas de base. Beira-Mar, Feirense e Paços têm, na minha opinião, uma estrutura mais sólida (frágil, mas mais sólida). A questão que se me coloca aqui é se dá empate ou vitória do Marítimo.

Aposto 4 euros na vitória do Marítimo, a 2.20.



Guimarães-Olhanense

No jogo com o Sporting fiquei com a sensação clara de que o Vitória, sozinho no deserto classificativo, sem ninguém à vista acima ou abaixo, com três meses de salário em atraso, pura e simplesmente deixou de competir. Ora, há uma coisa que temos aprendido com o Guimarães: naquele clube, quando o barco adorna, adorna a sério. O Olhanense não é grande espiga, mas é certinho.

Aposto 4 euros na vitória do Olhanense, a 5.00.



Gil Vicente-Sporting

Esta semana a fava dos grandes vai sair ao Sporting. Porque os outros dois já jogaram a ganharam, porque vai estar na ressaca de Manchester, porque não vai jogar o Izmailov, porque o Gil é lixado em casa e porque, se não ganhar, o Sporting vai parar ao quinto lugar. Tudo boas razões para esperar, pelo menos, um empate em Barcelos.

6 euros no empate, a 3.25.





P.S. – Enquanto escrevia isto penso que acabei de assistir, em directo, ao que pode ter sido a morte de um jogador em campo, no Tottenham-Bolton. Não sei ainda, mas deu a ideia de ser ou isso ou quase tão mau.

O público passou o tempo em que ele estava a ser assistido a gritar o nome dele. Arrepiante.

O árbitro, em acordo com os jogadores das duas equipas, parou o jogo. Digno e notável.

Nestes dez minutos voltei a sentir a angústia daqueles momentos em Guimarães, e voltaram-me as lágrimas aos olhos. Há coisas que ficam para trás mas nunca desaparecem.

sexta-feira, 16 de março de 2012

O menino é um cavalo

No dia em que o Porto ganhar o campeonato, se o ganhar, muita gente vai lembrar-se do jogo da Luz, mas em termos de importância o de hoje, com o Nacional não lhe fica muito atrás.
Hoje, o Helton parecia o Neo, de Matrix, a esquivar-se às balas. Sem Hulk e Fernando – pelo que se vê, afinal, os seus dois jogadores realmente cruciais – o Porto esteve tão à mercê do Nacional como o Rocky contra o Ivan Drago, antes de, por milagre, dar a volta por cima.

Chega a ser ridículo como Porto e Benfica dependem tão claramente dos seus trincos, mas isto realça a importância dos especialistas, algo que tenho referido já em vários posts. Mais importante do que ter um conjunto de muito bons generalistas, uma equipa moderna depende da qualidade dos seus especialistas, e, por melhor plantel que tenha, se ficar privado deles, a sua época fica comprometida.

É verdade que o caudal de lágrimas vertidas pelos sportinguistas, se devidamente recolhido em recipientes apropriados, teria sido suficiente para colmatar a ausência de chuva nos campos do nosso país, mas eles têm razão quando dizem que ter ficado sem Rinaudo, Volkswagen, Izmailov e Rodríguez durante tanto tempo lhes lixou a época. O Benfica não teria chegado a este ponto a lutar pelo campeonato se lhe tivesse acontecido o mesmo com Garay, Javi Garcia, Aimar e Cardozo. Mais do que qualidade, são funções que se perdem, e se fosse a mesma coisa ter Javi Garcia e Matic ou ter Fernando e Defour nem sequer faria sentido tê-los no plantel de todo.

Dizer que a gravidade da lesão de Fernando é um dos factores potencialmente decisivos neste campeonato pode parecer surreal, mas é verdade.
Tenho vontade de dizer que esta época do Porto parece uma música dos ABBA.



O Benfica não entrou a dormir, o que é um mudança assinalável relativamente à maior parte dos jogos em casa frente a equipas pequenas esta época. Por outro lado, entrou com o Witsel a lateral-direito que é uma coisa de que eu não gosto nada, e com o Emerson a lateral-esquerdo, que é uma coisa de que ainda gosto menos, mas com a qual, decididamente, já me habituei a viver.

O centro das atenções, claro, foi o «menino». O menino é um cavalo, obviamente. Também é um bocado burro, mas isso não é obrigatoriamente mau (ia a dizer que isso lhe é favorável no relacionamento com Jesus porque os coloca sensivelmente ao mesmo nível de comunicação, mas isso seria mau…) até porque tem muito instinto. O Nélson Oliveira – temos de arranjar uma alcunha para este tipo, durante o tempo em que ele cá está, porque dá muito trabalho a escrever – dá ao Benfica um poder físico, no ataque, que não é normal.

Este ano já não vai servir de muito, até porque ele ainda é muito novo e precisa de mais uma pré-época a trabalhar a sério para explodir, mas o Benfica pode estar a preparar um caso muito sério para as defesas portuguesas na próxima temporada com um ataque formado por dois avançados muito fortes fisicamente, quer em força quer em velocidade: Rodrigo e Nélson Oliveira.

Não sei se é por estar já cansado das emoções desta época, se é por ter tido uma brutal desilusão na derrota com o Porto, mas dou comigo a pensar muito na próxima temporada – afinal, a temporada em que, de facto, se deveria esperar que o Benfica fosse capaz de se aproximar realmente do Porto e ganhar o campeonato.

O que o Jesus disse é verdade: o Benfica subiu bastante da época anterior para esta. Não é com ele que vai dar nenhum salto qualitativo fulminante, mas ainda está para se ver se isso será um factor…

O mercado de Verão vai ser muitíssimo importante. Se o Benfica trabalhar realmente bem entre Junho e Agosto poderá ganhar aí o campeonato.

Voltando à vaca fria, não sei se repararam naquele salto que o Artur deu a meio da segunda parte? Foi porque tinha conseguido acabar um Sudoku de nível «muito difícil».



Não rejeitemos, à partida, a necessidade de ganhar vantagem sobre o Braga no goal-average. Empatar 1-1 na Luz não está, de todo, fora do seu alcance, e os golos marcados agora podem livrar o Benfica de começar a época um mês antes dos outros.

Se eu tivesse mantido a minha aposta do costume nos jogos do Benfica em casa tinha sido trigo limpo farinha amparo. Quis armar-me em criativo… pumba!



Aceita-se a agradece-se alcunhas para o Nélson Oliveira. Arranjamos cinco ou seis e fazemos uma votação. O puto tem cara de pássaro. Alguém sabe o nome daquela ave do mar que se atira lá de cima a pique mergulha para apanhar o peixe debaixo de água?
Por outro lado, como é um cavalo que gosta de mergulhar e como este blog é um autêntico poço de erudição, também lhe poderia chamar Hipocampo. (eheh, googlem...)