terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O Túnel do Amor

Ando estranhamente calmo. Talvez seja aquele bafo quente que antecede a trovoada. Mas sabemos que um Benfica-Porto se aproxima quando um bruxo de Fafe revela que uma feiticeira do Minho anda a trabalhar contra os jogadores do Benfica. Quando pensamos que já não há lugar para maravilhas destas, quando pensamos que o futebol está perdido, um Benfica-Porto devolve-nos a magia do Natal. Sim, afinal, agora e para sempre, há quem nos salve dos tecnocratas, das troikas de olhos azuis, dos Merkozis de alpaca, das ásáis, há quem nos meta um torresmo na mão e nos diga: «Toma. Come. O futebol é isto.» Olhamos, emocionados, e é o Gabriel Alves.
Quero o Gabriel Alves, o Rui Tovar e o José Nicolau de Melo a cobrir o Benfica-Porto, para tirar o som à televisão. Quero o Guarda Abel como guarda-costas do Pinto da Costa. Quero o Delano Vieira a enterrar sapos atrás de uma baliza e o Toni e o Jesualdo Ferreira a dar um carrinho de supermercado cheio de compras a um sem-abrigo. Quero o Eusébio sentado naquela cadeira da linha lateral, à saída da escadaria que vinha das cabines, no meu Estádio da Luz, e a bancada a aplaudir quando a bola ia ter com ele e ele a devolvia aos jogadores.

Quero ver o Octávio Machado a ser bombardeado por laranjas durante o aquecimento dos guarda-redes, e ele a rir, os 30 mil portistas no Terceiro Anel antigo, as bancadas a tremer com os pés a bater, e as bandeiras, os milhares de bandeiras, quando o pau ainda era permitido no futebol, antes de lhe tirarem a tesão – quero a minha primeira bandeira: «Benfica, Campeão Nacional 1983/84».

Quero ver outra vez o Chalana e pensar: «Vou ser como ele.»

Quero o meu jogo.

Quero ser outra vez pequenino.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A posição elevada

Quem é que tem a posição elevada?

A História da guerra – e a própria História do Homem, se se quiser passar a questão da «posição» de um ponto de vista do terreno para a ética, para a política, para a superioridade moral, para o simples conceito do que é justo ou não justo – resume-se a isto.

A posição elevada é, por si só, a base da guerra. Porque se gasta mais energia a subir que a descer. Ficaríamos todos (incluindo eu, que sou apenas um curioso) abismados com a importância que deter, originalmente, a posição elevada teve no curso da Humanidade.

Qualquer militar nos poderia dizer a importância que a posição elevada tem em qualquer contexto de combate. Há e houve sempre generais dispostos a sacrificar a própria sobrevivência dos seus exércitos para assegurar a «posição elevada» - porque sabem que, sem ela, a derrota é praticamente certa.

Também poderíamos passar da «posição elevada» em termos de tecnologia, passando-a para o contexto do armamento, da tecnologia (quem é que tem a «melhor tecnologia»?). Mas não é preciso. Para este caso, usando a «posição elevada» no sentido figurativo, tal como aqui ela será utilizada, podemos ficar pela ideia do outeiro, da colina, do alto da montanha em que o sitiado adquire, pelo mero posicionamento, a vantagem estratégica. A «posição elevada» não é, por si só, inexoravelmente decisiva. Pode ser derrotada. Mas, historicamente, não é, e, quando é, é à custa de baixas e recursos vastos.

Como é que se adquire a posição elevada? Há quem acorde mais cedo. Há quem conheça melhor o caminho. Há quem o estude. Há quem seja mais rápido a chegar lá. Há quem marche mais leve.

Há, grosso modo, uma regra: a forma de lá chegar nunca é muito complexa, conseguir executá-la é que custa.



Falando de futebol de um ponto de vista técnico e táctico, sem entrar em gestões de plantel ou noutras complexidades, a coisa é assim:

Uma boa equipa é a equipa que faz coisas complicadas devagar.

Uma grande equipa é a equipa que consegue fazer bem os fundamentos do jogo.

As melhores equipas são as que conseguem fazer bem e depressa os fundamentos do jogo.

É só isto.

Só.

E reparem que não falei, sequer, em equipas de futebol. É assim em todos – TODOS – os desportos, dos All Blacks, no râguebi, ao Barcelona, no futebol; dos New England Patriots, no futebol americano, à vela, seja lá quem for que esteja dentro do barco. E acrescento que também é assim – é sobretudo assim – nos desportos individuais. Nos Jogos Olímpicos do próximo Verão vejam quanto tempo um judoca perde e o esforço que emprega para conseguir fazer a melhor pega no quimono do oponente. Porquê? Porque na pega, no fundamento mais básico do judo, está metade da vitória. Perguntem a qualquer bom atleta individual o que é que ele mais treina e ele vos dirá: os fundamentos, sempre, mesmo depois de já saber tudo, sobretudo depois de já saber tudo.

Concedo que, por vezes, me torno um pouco repetitivo neste blog. Mas há coisas que eu não sei, há coisas que eu sei e há coisas que eu sei e que sei que são mais importantes que as outras.

Não sei ler um jogo tacticamente como, por exemplo, o Freitas Lobo (sei apenas o suficiente para perceber quando ele tem razão, que é a maior parte das vezes, e quando está a dizer futilidades). Mas sei que o fundamento da táctica é a superioridade numérica, o 2x1, no ataque e na defesa, e que, usando isso bem, até se pode jogar sem ponta-de-lança, como faz o Barcelona, que se continua a conseguir marcar sempre pelo menos dois golos por jogo.

Não consigo ver se um jogador é tecnicamente superior à mediania, como quem já jogou futebol consegue, facilmente, por exemplo. Mas sei que a verdadeira técnica está na capacidade de passar, receber e rematar a bola – os fundamentos do jogo colectivo. Porque só ainda vi três jogadores capazes de pegar na bola a meio-campo, fintar toda a gente e marcar golo sozinho: um está a treinar na Arábia e está todo lixado pelas drogas; o outro passou metade da carreira agarrado ao joelho e teve um enfarte antes da final do campeonato do Mundo; o terceiro era autista em miúdo, vai chegar a velho cheio de saúde, só é o melhor do Mundo porque joga na equipa que mais bem passa a bola na história do futebol e nunca vai ser campeão mundial.

Todos os outros jogadores dos últimos 30 anos são meros jogadores de equipa, uns melhores do que outros.

Quando vejo o Jesus, por exemplo, a arrotar postas de pescada técnico-tácticas, chamo-lhe nomes. De estúpido para baixo.

Aqui há uns anos, no tempo do Heynckes, estava a ver um aquecimento do Benfica antes de um jogo europeu e o exercício consistia em duas filas frente a frente e a passar a bola de primeira, a uma distância de dez metros. Juro-vos (porque nunca mais me esqueci) que não se fizeram mais de quatro passes seguidos. O adjunto que estava a orientar, ao perceber a vergonha que aquilo era, mandou mudar o exercício, para uma coisa aparentemente mais complexa, uma espécie de meinho, que também serviu para aquecer mas, acima de tudo, serviu para fingir que os jogadores só estavam a falhar passes porque aquilo era difícil e não sabiam mais. É para isso que a maior parte dos esquemas complicados serve – para disfarçar insuficiências, não para as colmatar. Quanto menos uma equipa tem de inventar para dar a volta ao que não sabe fazer, melhor essa equipa é. Depois de ver aquela patética demonstração de azelhice, pensei: «Caramba, estes tipos nunca tiveram hipótese.»



Desde o ano em que o Eriksson saiu do Benfica pela primeira vez, em 1984, o Benfica ganhou seis campeonatos. Eu lembro-me de todos. Em todos foi a equipa que fez o melhor campeonato. Em nenhum deles era a melhor equipa. Em todos, como clube, fez o melhor que sabia; e em todos, não percebeu muito bem como acabou por ganhar. Em todos foi mais a outra equipa que o perdeu que o Benfica que o ganhou.

Há duas formas dos benfiquistas olharem para esta realidade: ou com optimismo, pensando no actual campeonato; ou com pessimismo, pensando nos próximos dez.



Querem saber por que razão é que o Porto é constantemente melhor que o Benfica?

Também aqui há dois caminhos.

Neguem, continuem a procurar atalhos e a esconder-se atrás dos árbitros em vez de aceitar aquilo que é a verdade sobre a corrupção na história do Porto (um evento posterior à sua superiorização, seu cristalizador, e não provocador dela), e continuarão a alimentar fracassos. Porque não há atalhos para o sucesso – sendo que o sucesso aqui não é ganhar um campeonato de quatro em quatro anos, é perder um campeonato de quatro em quatro anos.

Compreendam que o Porto começou a ser melhor quando recuou aos fundamentos, em termos de filosofia de jogo, e estarão aptos a fazer do Benfica um dos melhores clubes do mundo em vez de uma montanha-russa – ou de um circo, como disse o primeiro treinador campeão europeu pelo Porto, que dois anos antes tinha descido o Belenenses à II Divisão.

(Para que fique clara a minha posição em relação às arbitragens e aos adeptos que partem e acabam todos os seus raciocínios no árbitro, ela é a seguinte:

- Procurar causas no árbitro pontualmente, e utilizá-lo, inclusivamente, para aliviar um pouco a pressão ou a frustração, é benéfico, não tem problema nenhum – é a natureza humana, se a culpa não é do árbitro, é do azar ou é de Deus. Normal. Enquanto o pau vai e vem folgam as costas.

- Fazer escola da teoria da arbitragem, procurar nela, em geral, a raiz de qualquer problema, e não a reduzir a um jogo ou outro, é cancerígeno. Mina o corpo de um clube a partir de dentro, da sua cultura de vitória e de triunfo, que acaba por enfraquecer. E os adeptos que não conseguem ir além do elemento da arbitragem para explicar insucessos são agentes cancerígenos. Podem não fazer por mal (o cancro também tem direito à existência, se quisermos chegar a tanto…), mas são. E acabam por destruir um organismo naturalmente nobre como é um grande clube como o Benfica.)



No Porto o primeiro impulso é sempre o passe, e sabemos que alguma coisa não está bem quando os jogadores começam à procura de soluções individuais. No Benfica, alegramo-nos quando vemos os jogadores fazerem uma triangulação bem feita. Não só porque é raro, sequer, tentarem-na, como também porque sabemos que aquilo sim, é que é futebol bem jogado, e não meter os cornos no chão e arrancar para a baliza, como tem sido escola na Luz, debaixo dos ulos do pagode.

No Porto, os jogadores que chegam começam pelos fundamentos, entram na equipa só quando os dominam e a própria equipa cresce à medida que, com o passar da época, os vai conseguindo executar mais depressa e com menos falhas. Também sabemos que a coisa está mal quando, como este ano, a equipa não melhora claramente com o passar dos treinos e dos jogos.

Há falhas? Claro que sim. Então o Porto não perde? Claro que perde, sobretudo quando apanha equipas com o mesmo domínio dos fundamentos e mais velocidade, ou quando algum factor aleatório (erros individuais crassos, de jogadores ou treinadores, por exemplo) o leva a isso. Mas a base está lá e o recuo nunca é profundo.

No Benfica os jogadores chegam, entram em campo e jogam. Dão o que têm (às vezes é muito), vê-se o que têm para dar à equipa e, se se tiver sorte com a química, com o momento, com a circunstância, pode ser que saia um título. Mas quando a circunstância desaparece as condições do sucesso também desaparecem. A mínima quebra de talento é letal. Porque faltam os fundamentos. Os fundamentos são a verdadeira maquinaria de uma equipa de futebol de sucesso, e fazer deles escola é o segredo para a durabilidade, senão do sucesso pelo menos para as condições dele.

Toda a gente gostava de ter um Ferrari, mas quem quer um carro a sério sabe que tem de escolher um Mercedes.



O caminho para ser melhor do que o Porto não é fazer diferente do Porto. É fazer o mesmo que o Porto, no que respeita à filosofia de se seguir os fundamentos do jogo, mas fazer mais e melhor no fundamentalização, indo mais fundo, sendo mais apto no que respeita à velocidade e à conjugação dos fundamentos – os que o Porto faz e os que não é capaz de fazer. Não há segredo. Não vale a pena ir pelos atalhos. Não se poupa tempo. Não se chega a lado nenhum. O que há é trabalho. Primeiro a entender o jogo – o que é bem feito e o que é mal feito. Depois a planear – tendo em vista o objectivo final, e não apenas alguns objectivos intermédios. Finalmente, a executar – com atenção ao pormenor.

Não é preciso suspender a actividade desportiva durante dois anos e meter toda a gente num mosteiro budista em meditação até atingir a iluminação. Pode-se começar pelas coisas simples e partir daí.

Fazer a bola correr em vez do jogador, por exemplo.

Centrar da linha de fundo para dar vantagem ao avançado e não ao defesa.

Centrar de primeira, já agora, pela mesma razão.

Cortar nas costas em vez de cortar pela frente.

Jogar a dois toques, para que ter a bola seja uma vantagem e não um peso.

Não ir à queima, ao corte da bola, na defesa, para que um erro individual não coloque a equipa em inferioridade numérica e não a comprometa.

Não fintar e jogar pelo seguro em transição atacante, para não criar vulnerabilidades defensivas.

Não marcar cantos curtos a não ser que haja a certeza de conseguir meter a bola na área.

Rematar de primeira, para não dar tempo ao guarda-redes para antecipar o remate.

Não fazer faltas desnecessárias.

Há 50 fundamentos por executar em cada jogo. 500. 5000. Saber quando e como executar cada um deles é trabalho para uma carreira, e a maior parte dos futebolistas nunca chega a aprender. Para quê perder tempo com artifícios que só servem para maquilhar a falta de trabalho real? (Para manter o emprego, talvez – confiando na eterna capacidade de negação da realidade por parte do adepto.)



Porque é que toda a gente sente, lá no fundo, que o Porto chega a este jogo com o Benfica na posição elevada, apesar de, na verdade não o estar? (Pois se o campeonato acabasse hoje o Benfica era campeão, não nos esqueçamos.)

Não é por estar ou não estar em primeiro, ou por ter mais ou menos três golos – essa é uma questão académica e (pelo menos até final do jogo, em que a relação definitiva do confronto directo pode ser estabelecida) fútil.

Também não é por ter recuperado 5 pontos em duas jornadas. Esse tipo de psicologias baratas também não se aplica (e aqui contra mim falo, porque muitas vezes lhes dou importância excessiva) neste tipo de clássicos. Vão ver os resultados do Benfica nas jornadas anteriores a ter ido ganhar por 6-3 a Alvalade ou de ter ido levar 5 às Antas e ficamos conservados em relação a esse aspecto.

É porque, no fundo, todos sabemos que, pela forma como trabalha (não mais, mas melhor), por dominar melhor os fundamentos, o Porto se encontra mais perto de chegar primeiro à posição elevada.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Dia de São Jorge

Quando eu digo que o Benfica treina mal não é porque sou maluco. Posso não ser um doutor da metodologia desportiva, nem pretendo ser, mas há um ponto em que, pelo que já observei e pelo que fui aprendendo ao longo dos anos, no futebol e não só, estou preparado para argumentar com qualquer especialista do treino do mundo, e que é o seguinte: no treino prepara-se tudo, mas dois aspectos acima de todos os outros – a condição física e a concentração.

O resto – o posicionamento individual, a componente técnica, a coordenação colectiva, etc – é treinado, e evolui-se, mas, em comparação com a condição física e a concentração, ou têm uma evolução muito mais lenta ou há pouco por onde melhorar (um jogador de 25/26 anos não vai aprender a chutar a bola melhor só porque treina muito esse aspecto, por exemplo). Mas a condição física e a concentração, se forem bem treinadas, dão uma vantagem imediata e clara à equipa em qualquer jogo contra uma equipa que não os treine, e, pelo contrário, se não forem bem treinadas, isso fica logo evidente no rendimento desportivo das equipas. São os factores mais essenciais em qualquer modalidade desportiva e são os que justificam, realmente, que um jogador seja profissional para poder treinar mais vezes do que um amador.

Eu sei que o Benfica treina mal, sem nunca ter visto um treino do Jesus, porque a maioria das falhas da equipa durante QUALQUER jogo, independentemente do adversário, não são motivadas por defeitos tácticos ou técnicos, antes resultam, directa ou indirectamente, ou de debilidade física ou de lapsos de concentração.

Para não ir mais longe – e haveria muitos e, eventualmente, até melhores exemplos – grande parte das faltas cometidas pelo Benfica resultam de os jogadores partirem um décimo de segundo tarde demais para a bola (falta de concentração ou falta de poder de arranque) ou por não conseguirem manter a pressão defensiva sobre a bola e, por isso, procurarem o contacto com o jogador que a tem(falta de resistência física). Quem menospreza o prejuízo que uma falta provoca a uma equipa superior, como é o Benfica, não está a ver bem o filme. Ao fazer uma falta, uma equipa:

- perde automaticamente 9 metros, e mais 30 ou 40 quando o livre é bem marcado (e pensem como é difícil ganhar 10 ou 15 metros num jogo fechado);
- liberta a outra equipa da pressão;
- permite que a velocidade do jogo, que favorece sempre as equipas tecnicamente superiores, baixe;
- já para não falar no eventual cartão.

Como eu disse, é só um exemplo.

Uma equipa que treina bem, seja forte ou fraca tecnicamente, demonstra sempre uma característica que só a boa condição física e uma boa concentração no jogo permitem: joga na antecipação.  Com isso, ganha uma fracção de segundo que, na velocidade do jogo, lhe dá a vantagem sobre outra que não treina tão bem, mesmo que lhe seja um pouco superior nos outros aspectos.
Pelo contrário, uma equipa que treina mal facilmente desbarata a sua superioridade técnica.



Tirando isto, que pode ser dito em qualquer jogo do Benfica nesta época, uma nota bem mais directa em relação ao Académica-Benfica. Eis a equipa com que o Benfica joga a última meia-hora de um jogo decisivo (de facto) na altura decisiva (de facto) do campeonato:

Artur, Maxi, Jardel, Garay, Emerson, Witsel, Bruno César, Nolito, Djaló, Nélson Oliveira e Cardozo.

Numa palavra: ridículo.

Em duas palavras: má gestão.

Em palavras suficientes: a incapacidade do Jesus em olhar para além do jogo seguinte leva o Benfica a discutir três pontos fundamentais para o campeonato com um onze que, potencialmente, dificilmente conseguiria apurar-se para a Liga Europa, e que, como onze, não tinha um minuto de jogo em conjunto e com quatro suplentes, sendo que outro suplente (Matic) já tinha saído depois de entrar de início.

E a partir daqui bem se pode fazer espalhafato em frente ao banco, que a azelhice não se mascara. Hoje (e não só) era dia para o Benfica ter consigo Jesus – saiu-lhe o São Jorge.

Quanto ao resto, estou curioso para ver a volta que o Benfica ainda vai conseguir dar a isto para ser campeão. Que vai.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Violinos para Chopin

Vamos tratar de negócios:

Apostas: 11-16.

Saldo: 251,30 euros.



Marítimo – Leiria

Os tipos da Bwin dizem que o mais provável é o Marítimo marcar 1 golo, e pagam a 3.00 por cada euro. Eu acho que é altamente improvável o Marítimo marcar só um golo. Acho que vai marcar 2.

Aposto 3 euros a 3.40.

O único real factor de interesse neste jogo é se o Manuel Cajuda vai aproveitar o facto de estar no estrangeiro para pedir exílio político ao Alberto João Jardim.



Académica – Benfica

Talvez já tenham reparado, mas o Benfica terá tantos dias para recuperar do jogo de Guimarães como os que teve para recuperar do de São Petersburgo. Se São Petersburgo fosse a 350 quilómetros e não a 3.500, se a temperatura em Guimarães estivesse 20 graus mais fria que em Coimbra e se tivessem jogado no parque de estacionamento era praticamente a mesma lenga-lenga da semana passada. Mas não é.

O Benfica não vai fazer nada de extraordinário, não vai começar a jogar como o Real Madrid, vai fazer mais ou menos o mesmo que em Guimarães, não vai ter o Luisão, mas ganhará este jogo mesmo que não venha a ter o Javi García.

A questão em causa não é se, é como. Acho que vai dar para aí 3-2.

Aposto que o Benfica marca pelo menos 3 golos.

4 euros a 2.75.



Paços – Nacional

Um jogo completamente aberto, de que o Paços vai fazer uma final e o Nacional uma meia-final.

Eu sabia que devia ter comprado a Bola para saber quem é que está lesionado e castigado nestas duas equipas. Ah, espera, pois é, custa 85 cêntimos… Então não vale a pena.

Vou arriscar 4 euros no empate a 3.10.



Beira-Mar – Setúbal

Não sei se alguma vez uma equipa do José Mota fez algum ponto contra o Porto (coincidência, por certo…), como tal o jogo da semana passada não conta para efeitos de chicotada psicológica. Ainda assim, o melhor que o Setúbal vai conseguir é um empate.

5 euros a 3.20.



Olhanense – Gil Vicente

A derrota por 0-3 do Gil com o Braga, em casa, na semana passada, é um sintoma claro: passou o efeito do Viagra. O Olhanense deixa decidida neste jogo 80 por cento da questão da manutenção.

Não tenho a certeza, mas parece que o Sérgio Conceição não vai estar no banco. Mais uma vantagem.

6 euros na vitória do Olhanense, a 2.35.



Sporting – Rio Ave

Quando o Domingos chegou a Braga, cheio de moral, e teve de engolir o Jesus a dizer que o Braga tinha uma boa equipa porque tinha sido ele, Jesus, a fazê-la (não completamente verdadeiro, uma vez que o Braga não começou com o Jesus, mas em grande parte sim, porque foi com o Jesus que deu um salto em frente), armou-se em carapau de corrida e, no mais puro cinismo que lhe é característico – um cinismo que a imprensa amiga do Norte fomentava com alegria mas que a do Sul, que nunca foi da equipa dele, olhou de lado –, disse que o que tinha recebido tinha sido uma equipa de jogadores cheios de lesões musculares, insinuando claramente que o Jesus tinha matado o cavalo de cansaço e drogas em proveito próprio.

Se o Grande J fosse um tipo vingativo (lol) agora pegava num DVD com essas declarações e enviava-as para Leça da Palmeira.

O Sá Pinto herdou uma equipa pendurada pelas orelhas no estendal da roupa. Seria uma boa altura para perguntar ao Domingos como é que uma equipa chega a este ponto, se é culpa do treinador ou de outros técnicos. Isto se o Domingos ainda estivesse minimamente interessado no Sporting. A única coisa que interessa ao Domingos, neste momento, é lavar-se bem para tirar o cheiro da camisola do corpo e ir buscar o cheque de 70 mil euros todos os meses ao correio.

O Choramingos está a trocar as fraldas, o Sporting está de rastos, passou 90 minutos a correr atrás de onze polacos spidados na 5.ª feira e o Rio Ave chega a Alvalade na melhor forma da época – foi apanhado no ângulo morto pelo Marítimo na jornada passada mas ainda não estou convencido de que não será a equipa-surpresa da 2.ª volta.

Além disso, uma vez que Porto e Benfica vão ganhar (é um dado científico, como já ficou referido atrás), as probabilidades matemáticas do Sporting não ganhar o seu jogo aumentam para o dobro. Se duvidam, vão ver os resultados jornada a jornada e vejam quantas vezes os três grandes ganharam na mesma ronda.

O Sporting tá feito. Vai ser um concerto de Chopin em violino, mas em assobio.

5 euros no empate a 3.90.





Porto – Feirense

O Porto ganha, o Feirense é roubado e marca um golo. E não falo mais do Porto até domingo. Porque depois tenho a semana toda para fazer os meus jogos psicológicos à Mourinho e entrar na cabeça deles…

4 euros a 2.85.



Braga – Guimarães

Finalmente, uma oportunidade para o Guimarães se vingar. Moral lá em cima, força nas pernas, confiança no estilo-autocarro que resultou a semana passada e vai ser utilizado outra vez, a única dúvida é se chega para a vitória.

Digo que chega.

4 euros na vitória do Guimarães a 5.00.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Aspirina psicológica

Em tons de azul desmaiado, o conto de Carnaval mais bonito de que há memória no futebol moderno.

A enternecedora história do jovem aristocrata seduzido por um oligarca russo que, vendo-se assolapado da cadeira de sonho pela tentação de superar as façanhas do seu antigo mestre, dá por si perdido num enorme palácio cheio de monstros, e que, no regresso de uma viagem terrível ao Reino das Duas Sicílias, da qual por pouco escapou com vida, e sabendo que o seu antigo clã se encontra numa floresta ao seu alcance, voa 400 quilómetros para Norte e consegue, finalmente, encontrar um momento de conforto sentado num lugar de sonho, entre um ancião administrativamente inocente e um ex-pugilista de boas famílias.

Haverá imagem mais assassina que a de André Villas-Boas, ladeado por Pinto da Costa e Reinaldo Teles, a poucos dias de ser despedido, vendo a anterior equipa a levar 4 na pá com o seu ex-adjunto e a-poucas-semanas-de-ser-substituído Vítor Pereira no comando?

Ontem dizia num jornal que o Barcelona estava a pensar no Villas-Boas para substituir o Guardiola. Eu cá acredito…

Acredito que ele está outra vez no Porto em Agosto, claro. Vem é quebrado, como os cães que são postos a treinar na GNR e nunca mais se esquecem. Primeiro o Pinto da Costa deu-lhe umas chapadas no focinho pelos jornais, Depois, desde os Masturbações de Ouro que lhe anda a passar a mão pelo pêlo. Ontem, o André deu a patinha. Tudo isto é educativo. Para que conste, ainda assim, vale mais um caniche de Villas-Boas que um doberman de TOC.

As hipóteses de o Pinto da Costa, político hábil e experimentado, não fazer ideia do impacto e da leitura que aquelas imagens provocariam (e não é propriamente que eles se tenham escondido das câmaras...) são exactamente iguais a z-e-r-o.

O Manchester City passou o jogo todo quase a treinar, a deixar o Porto correr e a fingir que dominava. A eliminatória ficou decidida quando o Aguero marcou o… 2-1 cá. O momento de maior frissom do Mancini foi quando não estava a conseguir o pacote dos Sugus para dar um ao adjunto. Mas depois lá resolveu o problema e pode voltar a recostar-se, a cruzar os braços e a ver os seus jogadores a treinarem o posicionamento defensivo e o TOC a apanhar chuva.

Não deixou de ter piada o TOC a dizer que o Porto tinha o jogo controlado até ao 2-0 depois de sofrer um golo aos 20 segundos. Há qualquer coisa de bizarro e simultaneamente trágico naquele personagem. É uma espécie de Calimero. Vê-se que é bem intencionado, que tenta fazer as coisas como acha que devem ser feitas, que dá o melhor, mas é um daqueles tipos que parece que nasceu com uma cruz por cima. E lá vai, tentando enganar o destino, sem querer convencer-se de que nasceu para perder.

Talvez eu esteja a ser cruel e tenha de engolir estas palavras, mas olho para o Vítor Pereira e vejo um daqueles filhos enjeitados que nunca tiveram hipótese e não o sabem.



Em Alvalade, um adversário perfeito para o Sporting: estúpido a jogar à bola, matreiro, experiente, a apostar tudo no físico e com mais gente nas bancadas que a equipa da casa. Se a isso juntarmos os traumas recorrentes do Sporting em casa, tínhamos ali um belíssimo cocktail verde.

Se viram o jogo, diga-me lá: é verdade ou não é que os polacos, por terem empatado a 2  em casa na primeira mão, entraram muito mais convictos e concentrados que o Sporting, e que graças a isso, mesmo sem jogarem nada, tomaram a iniciativa do jogo e estiveram quase a ganhar vantagem e a pôr o Sporting à beira de um ataque de nervos? Com vantagem na eliminatória, o Sporting viu-se «n» vezes em igualdade numérica no seu meio-campo. Claramente, os médios do Sporting não sabiam tão bem o que fazer como os médios do Légia.

Penso que não estou a ver o que quero ver, mas o que aconteceu. Vocês me poderão dizer melhor.

Até conseguir marcar o golo a 10 minutos do fim o Sporting esteve sempre no fio da navalha, e pode-se legitimamente dizer que esteve tão próximo de ser eliminado como de eliminar. Bastava aquele cabeceamento em chapéu ao Patrício ter entrado e os fantasmas sairiam todos de baixo da cadeiras coloridas vazias.

Agora apanha o City. Se contra uma equipa que só sabe correr o Sporting passou à justa, contra outra que sabe correr e fazer tudo o resto prevê-se uma eliminatória equilibrada... Sobretudo no capítulo das bolas paradas, em que as equipas inglesas são muito débeis, o City vai ter dificuldades.

Em relação ao Sá Pinto, começam a reunir-e condições para lhe traçar o famigerado perfil, mas, para já, fico com a ideia clara que ele entrou meiguinho, meiguinho. Vê-lo a dizer: «Tá bem, João» depois do João Pereira fazer um daqueles passes esquizofrénicos de primeira a 50 metros para a terra de ninguém é enternecedor. Se aquilo é o Sá Pinto Coração de Leão, que ia trazer garra à equipa, vou ali e já venho. O Sporting passou de uma equipa Cerelac histérica para uma equipa de mama amorfa. Regrediu. Até pode ser aquilo de que precisa para depois começar a andar, mas, considerando a inocência do Sá Pinto em todas as acções que teve até agora como treinador apetece dizer que o que aconteceu em Alvalade foi muito mais uma aspirina psicológica que uma chicotada.


Prosseguindo para o tema seguinte da agenda, cumpre-me transmitir a triste notícia de que o nosso leitor Danilu Kerdi Zerkarma já não está entre nós. Pelo que me foi dito pôs a casa no prego para poder jogar tudo o que tinha e suicidou-se após o sétimo resultado negativo do passado fim-de-semana.

É um castigo justo para um homem de pouca fé. Se tivesse esperado mais um dia teria começado a aprender uma lição eterna que qualquer benfiquista de boa cepa há muito aprendeu: é perfeitamente possível levar 7-1 e mesmo assim chegar à frente no fim do campeonato.

Estou em pesquisas e amanhã lanço a chave milionária. Estou à espera de pelo menos 15 mil visualizações quando se souber que em apenas três jornadas mais uns pozinhos já dobrei o dinheiro falso que tinha no início.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Zen

Gostei de tudo na reacção da equipa do Benfica à derrota em Guimarães. Desde a ida do Luisão à flash interview ao silêncio dos outros jogadores; desde a raiva do Jesus nessa mesma flash-interview (ficou ali a sensação de que se o desgraçado do jornalista dissesse uma palavrinha a mais que fosse o Grande J se lhe atirava à jugular como um morcego depois de um jejum de 40 dias e lhe chupava o cérebro) à total ausência de papagaiadas do Vieira, que geralmente aparecem depois de uma derrota e que, parecendo que são um voto de confiança, não são mais que um sinal de insegurança.
Desta vez, ao contrário de muitas outras, a derrota parece ter sido assimilada pela estrutura do Benfica (meu Deus, que alegria, o Benfica também já tem uma estrutura!) de uma forma racional, profissional e consciente de que, considerando toda a envolvente, nada impede a equipa de demonstrar, em Coimbra, que os actos falam mais que as palavras.

Não é só por causa disto que tenho, tanto quanto se pode ter, a certeza de que o Benfica vai ganhar a Coimbra. Por vezes fazer as coisas bem feitas não permite uma recompensa directa e imediata. Mas quando as coisas são mal feitas há quase sempre uma garantia de insucesso, a curto ou a médio prazo.



Há alguns elementos que podem colocar em perigo a vitória do Benfica em Coimbra:

- uma tentativa do Jesus em sobrecorrigir o que não correu bem em Guimarães. Se ele achar que o problema foi estratégico pode tentar corrigir em demasia. Traduzindo para benfiquês, inventar. O Jesus não tem nada que inventar. Tem que pôr a jogar os onze do costume, da maneira do costume, e esperar que a concentração e a energia dos melhores jogadores (previsivelmente muito elevadas, ao contrário do que foi possível em Guimarães) façam o resto;

- Ia a falar noutros elementos, mas não há. É só este. Acho que o azar não terá força suficiente para impedir a vitória em Coimbra, e que nenhum árbitro terá coragem de prejudicar o Benfica na semana anterior ao jogo do título – nem de propósito nem sem querer. Aliás, tenho a certeza de que o árbitro, seja qual for, vai gerir o jogo com pinças para ninguém poder dizer que está a serviço do Porto. Há jogos e jogos, e já lá vai o tempo em que não faltava sequer a vergonha para roubar campeonatos em plenos Benfica-Porto ou Porto-Benfica, quanto mais em jogos de altíssimo perfil como será o de Coimbra. Arrisco mesmo dizer que, em caso de dúvida, o habilidoso do dia vai decidir sempre a favor do Benfica, tal como acontecerá nas Antas, com o Feirense.



O ciclo Guimarães-Coimbra-Porto continua a ser um jogo único para o Benfica, e a derrota significa apenas que o Benfica está em desvantagem no fim da primeira parte. Veremos, no final deste ciclo – em que incluo também o Zenit, pois considero que o que o Benfica vai fazer nesse jogo dependerá muito do que tiver feito nos três que o antecederam – se a derrota em Guimarães não terá impedido o Benfica de acabar o ciclo na mós de baixo, e, consequentemente, se não terá levado o Benfica a poder dizer que a acabou na mó de cima.

Podem ver nesta revisão benévola da derrota em Guimarães o cúmulo do optimismo, e uma tentativa desesperada de olhar para o copo meio cheio, mas, inspirando-me na educativa gestão do silêncio demonstrada pelos profissionais do Benfica durante os últimos dois dias (esperemos que continue, porque a hora, decididamente, não é de falar mas de trabalhar), e continuando a acreditar que esta derrota, como este título, se reduzirá a uma questão de oportunidade, respondo apenas: veremos...



*

Secção Porto:

Por um lado, é evidente que seria muito mais útil para o Benfica – e para o Braga, já agora – que o Porto continuasse distraído com a Liga Europa. Tornaria o campeonato muito mais fácil.

Por outro, que tipo de consequência poderia ter, para o estatuto interno do Porto, perder um campeonato em que se encontrava a apenas dois pontos do Benfica depois de passar a ter de se preocupar em jogar apenas uma vez por semana a partir da 19.ª jornada desse campeonato?

Veremos…



*

Secção Sporting:

Entre a lesão do Capitão América, o jogo do Braga em Istambul e o jogo com os rapazes polacos amanhã o cimento do quarto lugar do Sporting está a começar a secar.

Se isso tornará o clube mais ou menos apelativo ao russo Prokhorov… veremos.

Por um lado, só pela curiosidade de ver como a coisa se desenrolaria, gostava que o investimento do russo se concretizasse. Por outro, como benfiquista, é perigoso, e não é pelas razões que os adeptos do futebol pensam.

Eu conheço relativamente bem o Prokhorov, porque acompanho a NBA, e ele, como se sabe, é dono dos New Jersey Nets. Em Portugal estamos formatados a olhar para os russos pelo estereótipo do Abramovich. Pois isso, com o Prokhorov, seria um erro crasso. Ele não vem para cá o perguntar aos inenarráveis Godinhos de quanto dinheiro é que precisam para gastar em Carriços e Carrilhos.

Prokhorov não é um Abramovich, e muito menos é um daqueles russos barrigudos em camisa de camionista que o Bruno Carvalho pôs à volta de uma garrafa de vodka para tirar uma fotografia durante a campanha eleitoral. Para Prokhorov, o desporto não é uma brincadeira, não é um iate caro nem é uma simples forma de lavagem de dinheiro: é uma actividade económica, vista a longo prazo e dependente de uma estrutura cuja saúde ele privilegia. Prokhorov, que tem muito mais de ocidental que de russo, não anda no desporto para esbanjar; é muito mais perigoso do que isso, pois anda no desporto quer para ganhar dinheiro quer para ter sucesso a longo prazo.

É claro que, para ter sucesso a longo prazo, o Sporting tal como o conhecemos hoje, enquanto feudo de fidalgos e viscondes fora de prazo, por um lado, e zona franca de vândalos, por outro, teria de desaparecer, o que nos levaria a perguntar se continuaria a ser o Sporting e se estes sportinguistas de matriz o quereriam realmente, pois não haveria lá lugar para os seus desmandos. Porque Prokhorov não se limita a entrar – toma conta, pode e manda. E quando não é assim nem sequer mete o pé para lá da porta. Mas isso já são outros quinhentos…

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Autópsia de uma derrota

Primeiro ponto: Witsel.

Não acredito que Jesus se tenha deixado levar pela treta do «temos 15 jogadores com o mesmo valor» que costuma atirar aos pacóvios, nem sequer concebo que ele pense assim. Seria demasiado básico, até para ele. O Benfica tem três ou quatro jogadores que fazem a diferença, e Witsel é um deles. É para jogar jogos como o de Guimarães que Witsel está no Benfica. Não é, de certeza, para ganhar ao Setúbal em casa. Para isso chega o David Simão.

Não sou dos que querem que o treinador faça sempre as escolhas óbvias. Por alguma razão o treinador é o treinador, e treinador que se preze tenta criar soluções em vez de aceitar fatalidades. Aceito que o Jesus se tenha convencido que, para aquele jogo, havia uma estratégia apropriada para vencer o Vitória, e que tenha escolhido a equipa de acordo com isso, mas afirmo já, sem a conhecer, que essa estratégia era uma porcaria, porque qualquer estratégia que envolva jogar sem o melhor jogador é um erro. É pura invenção, pura auto-sugestão.

Prefiro pensar – e até acredito muito mais nisso – que Witsel tenha acusado o desgaste pela acumulação de jogos. É um jogador que corre muito, tem estado sempre em actividade, possivelmente não teria mais de meio jogo de alto nível para dar e Jesus preferiu guardar esse meio jogo para o fim em vez de para o princípio. Tudo o que não seja isto é apenas o Jesus a querer ficar na fotografia. É a natureza do animal.

Mas também digo que, quando eu dizia que o Javi era insubstituível, era porque, sem o Javi, não havia a mínima hipótese de poupar alguém a meio-campo no jogo com o Zenit. O Benfica tem quatro médios centrais (Javi, Matic, Aimar e Witsel) para jogarem três. Falta um médio-centro no Benfica se, como faz Jesus, Bruno César adquire a rotina colectiva de jogar nas alas. Lesionando-se um acaba-se a possibilidade de rotatividade eficaz no meio-campo. Se Witsel ou Aimar se lesionarem o problema é o mesmo. É essa a falta que faz um polivalente como Ruben Amorim. Não é o Ruben Amorim que vai decidir um jogo sozinho, mas os minutos de Ruben Amorim na Rússia teriam sido preciosos e talvez tivessem valido pontos em Guimarães.



Segundo ponto: quem pensou que o Benfica ia chegar ao fim do campeonato sem perder sofre de uma doença comum entre os benfiquistas: irrealismo. Para que fiquemos entendidos, o que aconteceu ao Porto no ano passado acontece, literalmente, uma vez a cada 35 anos, seja com um campeonato de 12, 16, 18 ou 38 equipas.



Este jogo era um desastre anunciado para a equipa do Benfica. A única coisa que podia levar a pensar que o Benfica venceria em Guimarães era a (nossa) boa vontade.

Enumeremos apenas alguns factores:

- adversário e campo;

- ausência de Javi García;

- jogo altamente desgastante da Champions, na Rússia, na 4.ª feira;

- série de vitórias consecutivas, ausência de derrotas no campeonato e resultados muito acima da normalidade, contra as probabilidades naturais mesmo nos melhores percursos das equipas campeãs (a aproximação do final do campeonato só aumenta a força da gravidade),

a que se juntaram, já na partida:

- o péssimo relvado, favorecendo quem tinha de destruir;

- a diferença na eficácia nas situações de golo;

- o momento do golo do Vitória, já com meia-hora de jogo gasta, colocando-se numa situação de vantagem que era a última coisa de que uma equipa animicamente desgastada precisava.

Na prática, considerando que tinha acabado o período em que ainda poderia ter maior frescura física a perder por 1-0, e dado tudo isto, o Benfica vinha para a segunda parte com cerca de 5 por cento de hipóteses reais de ganhar o jogo. Um empate era, nesse momento, já um óptimo resultado.



Não havia um único argumento lógico que levasse a pensar que o Benfica não perderia pontos em Guimarães e, no fundo, este era o jogo que todos os benfiquistas estavam dispostos a dar de barato. Só por se aceitar, a priori, que o mais natural era perder pontos aqui, aliás, é que os efeitos da derrota, pelo que tenho visto, estão a ser tão bem assimilados. Se nos distanciarmos analiticamente, mesmo considerando que uma derrota é sempre indigesta, num cenário de conquista do título pelo Benfica a derrota de Guimarães é perfeitamente enquadrável – ao contrário, por exemplo, da derrota do Porto em Barcelos, quer pelos números, quer pelo adversário. Não é a mesma coisa ir perder por 3-1, a Barcelos, com o Gil Vicente, num jogo banal e ir perder a Guimarães, por 1-0, quatro dias depois de jogar na Rússia. Continua a haver, no percurso de um Benfica (eventualmente) campeão, um traço de normalidade que o percurso de um Porto (eventualmente) campeão já não tem. O Benfica empata em Barcelos, nas Antas e em Braga e perde em Guimarães. Nenhum destes resultados é extraordinário. O Porto empata com o Feirense em Aveiro, com o Benfica em casa, com o Olhanense fora e com o Sporting fora e perde com o Gil em Barcelos. Qualquer semelhança é pura ficção. Há dois possíveis eventos que podem, a curto prazo, roubar ao Benfica esta característica de normalidade que ainda o torna, neste momento, no principal favorito ao título:

- uma não-vitória em Coimbra, que faria o Benfica passar de «ter um mau jogo» a ter «uma quebra de forma», algo que o Porto ainda não teve, pois, sofrendo vários acidentes pontuais, ainda não teve dois maus resultados consecutivos;

- uma derrota na Luz, com o Porto, pois um campeão não perde em casa com o seu concorrente directo (a não ser que se trate do Barcelona, claro…).

Qualquer um destes dois eventos alteraria a lógica de um Benfica campeão. Ou seja, o que aconteceu em Guimarães não foi mais que a utilização da almofada de que tanto se falou, e que os benfiquistas, no fundo (incluindo a equipa e o Jesus, pelo que disse antes do jogo) já tinham debaixo do enregelado e dorido traseiro quando o jogo começou.



Tudo correu mal ao Benfica – como tudo correu mal ao Porto em Barcelos. Ressaltos, um passe com um palmo a mais ou um palmo a menos, cruzamentos ligeiramente atrasados ou adiantados, remates que batem no rabo dos defesas e voltam para trás em vez de traírem os guarda-redes, enfim, as pequenas coisas que correm bem nos dias bons e que correm mal nos dias em que têm de correr mal.

Não há nada de escandaloso nesta derrota do Benfica em Guimarães – uma equipa em boa forma, a jogar em casa e com a sorte do jogo do seu lado.

O que o Benfica não conseguiu executar em Guimarães é o que geralmente não consegue executar. Quem viu neste jogo lacunas súbitas da equipa do Benfica, lamento, mas não sabe realmente ver futebol, porque o vê ou a partir do resultado final ou a partir da camisola. E aqui incluo não só o adepto comum, como os Rui Santos ou qualquer paineleiro de verde, vermelho ou azul.

Depois do jogo e de saber o resultado, o Vítor Paneira, por exemplo, conseguiu ver coisas do arco-da-velha: o Benfica a não pressionar alto tão bem como é costume, a não conseguir trocar a bola tão bem como é costume, o Vitória a fazer o melhor jogo da época, etc, etc, etc. Treta. Treta de alto a baixo.

O Benfica não conseguiu fazer pressão alta assim como geralmente não consegue – tenta mas não consegue a não ser de vez em quando. na maior parte das vezes a equipa adversária, se conseguir meter o segundo passe, encontra o spaço para sair a jogar pelo meio. Geralmente, é suficiente para o Benfica ganhar, porque as outras equipas são fracas. Contra uma boa equipa, como o Zenit, ou num dia em que as coisas não corram tão bem, como ontem, não chega. As auto-estradas que se abriram para os contra-ataques do Vitória foram as mesmas que se abrirão, em Coimbra, para os contra-ataques da Académica, e na Luz, com o Zenit, e uma delas, eventualmente, até resultará em golo – ao contrário das do Vitória, que só marcou num ressalto de um livre.

As transposições defesa-ataque do Benfica em ataque organizado, com o Vitória a defender com onze atrás da bola e a meter pressão nas linhas de passe dos centrais para os médios, correram tão bem ou tão mal como correm sempre que uma equipa consegue fazer o que o Vitória fez. Várias equipas, na Luz, perante a mesma situação de inferioridade técnica, e adoptando a mesma estratégia defensiva, já conseguiram fazer o mesmo, mas não tiveram a sorte do jogo suficiente para evitar o golo ou conseguir uma vantagem, como o Vitória teve ontem, numa situação suficientemente proveitosa.

O Benfica jogou, com o Vitória, em termos técnico-tácticos (volta Gabriel Alves, que estás perdoado...), tão bem ou tão mal como na maior parte dos outros jogos desta época. Obviamente que a disponibilidade física e mental não terá sido a mesma de quando não se faz uma viagem de ida e volta à Rússia com um jogo sobre cimento a 15 graus negativos, mas o Aimar não fez nada que não tivesse feito contra o Setúbal ou contra o Sporting, nem o Emerson fez pior que na Rússia (pelo contrário), nem o Cardozo (com a diferença óbvia de ser diferente ter cinco ocasiões num jogo e marcar uma e ter duas e não marcar nenhuma, mas isso já eu disse há muito tempo que é a questão real do Cardozo «que não perdoa»...)

Ao contrário do que se disse, o Guimarães não fez nenhum jogo fantástico, pelo contrário. Teve um jogo a seu favor, permitindo-lhe fazer o que faz melhor: meter muitos atrás e pôr os da frente a correr muito. Não teve mérito por aí além a impedir o Benfica de ter a bola, de chegar à área ou de se aproximar da baliza. Os números do jogo traduzem essa realidade. O Benfica teve a posse de bola suficiente, o domínio do meio-campo suficiente e as oportunidades suficientes. Foi o Benfica quem falhou a concretizar a vitória, não o Guimarães que acertou.

Talvez haja uma maneira de desmistificar a derrota de ontem: há alguém que possa dizer que, em Braga, onde alcançou um empate normal a 1 golo, o Benfica tenha jogado pior do que em Guimarães? É que nem pensar. Mesmo. Nem pensar. Digo mais: o Benfica jogou melhor ontem, em termos de processos, que em Braga. Só que em Braga estava mais fresco.

E quem fala no Braga fala nas Antas, em Vila da Feira e na esmagadora maioria dos campos em que já jogou este ano.



Muitas vezes esta época o Benfica já passou por entre os pingos da chuva (volto a utilizar esta expressão porque os jogos como o de ontem exemplificam bem o que quero dizer) graças à sua capacidade de marcar golos. Ontem, ao fim de 37 jogos seguidos a marcar pelo menos um golo, o Benfica expôs-se à sua própria vulnerabilidade. E choveu.

Já defendi aqui que os ataques ganham jogos e que as defesas ganham campeonatos. Reafirmo essa máxima, mas não sejamos fundamentalistas: perder por 1-0 em Guimarães não é um bom exemplo. Sofrer quatro ou cinco golos entre este jogo e os dois que se seguem, sim, seria – porque, provavelmente, isso equivaleria mesmo à perda do campeonato.

E se defendermos que manter o Vitória a zero e sacar pelo menos o pontinho do empate seria um passo importante em conquistar o título também teríamos, pelo outro lado, de presumir que uma equipa com um ataque anémico não teria conseguido marcar dois golos nas Antas, ou pelo menos um golo em todos os outros jogos do campeonato, com os vários pontos que essa facildade concretizadora já valeu.

A máxima aplicar-se-á se, marcando o ataque golos nos próximos jogos, a defesa não conseguir cumprir os serviços mínimos. A defesa (ainda) não falhou. Se falhar, por melhor que seja o ataque, o Benfica perderá o campeonato.

O que falhou foi o ataque. E isso, para este Benfica, é o menos problemático, pois acontece uma ou duas vezes por ano.



Não há, em nada disto, a tentativa de minimizar a derrota, mas de a relativizar sim. Mais do que o Guimarães, foi a situação que venceu o Benfica, ontem à noite. Uma situação para a qual o Benfica não estava estruturalmente preparado – e todos, benfiquistas ou não, facilmente concordarão neste ponto.

Se adeptos, técnicos e jogadores se convencerem de que perderam ontem porque fizeram mal o que noutras ocasiões fizeram bem, estarão enganados e a perder uma excelente oportunidade para evoluir. Se perceberem que fizeram o mesmo que fizeram noutras ocasiões, e que é isso que não é suficiente, que é preciso melhorar nas rotinas, na abordagem ao jogo e na preparação mental, então estarão certos e poderão tornar-se melhores.

Conclusões da autópsia: o defunto não está morto.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Presa ou predador?

Há uma lacuna histórica que é recorrente – passe a redundância – e que fica muito mais visível quando a violência emocional das derrotas permite ligar o botão crítico. E tudo bem nisso, não há nenhum problema de aproveitar as derrotas para se achar os defeitos: se não se bate no ferro enquanto ele está quente, bem se pode bater mil vezes quando ele está frio que não vale a pena. A questão é saber onde bater, porque se se bate no sítio certo, melhora-se, se se bate no sítio errado, deforma-se e a coisa piora.

Esta lacuna é de ordem mental, cultural, pois atravessa não só as suas equipas como o próprio clube, e não pode ser treinada. Poder pode, mas o treino deste aspecto particular do jogo não tem bons resultados e acaba por virar-se contra os jogadores e, consequentemente, contra a própria equipa.

O que falta ao Benfica, historicamente, é agressividade natural.

Muitas vezes confunde-se este defeito com falta de ambição, com falta de espírito colectivo, com falta de treino, com muitas outras carências que, na verdade, não existem. Os futebolistas do Benfica têm a mesma capacidade de serem ambiciosos, colectivos, de trabalharem, a mesma inteligência média de qualquer outra equipa. Ou mais, se considerarmos o universo de todas as equipas com quem joga.

Agressividade não é isso. Para mim, agressividade natural tem um significado duplo e complementar: é a dificuldade de se subjugar ao papel de presa, e a consequente facilidade de tomar o papel de predador.

Há quem fale em mau-perder. Há quem fale em instinto assassino. Há quem fale em instinto de agressão. Em impiedade. Pode-se falar nesses termos, porque é disso que se trata.

Esta característica é a característica básica de um jogador de futebol, ou de qualquer outro atleta de alta competição, porque é a massa de que é feita a capacidade competitiva.

Um competidor nato tem uma elevada agressividade natural. Pode não ter mais nada, durante muito tempo, mas se tiver isso acaba por tornar-se útil num ambiente competitivo. Um jogador suficientemente agressivo apreende outras características que lhe permitem competir – tal como se aprende qualquer outro ofício, sendo, neste caso, o ofício ser-se um competidor. Para conseguir prevalecer, o competidor pode aprender, por exemplo, a tomar a iniciativa; ou a antecipar os acontecimentos; ou a usar os companheiros de equipa de forma a colmatar as suas insuficiências (a jogar em equipa, basicamente). Se tiver aptidões para isso, aprende a usar o físico, ou a usar bem a bola para atingir os seus propósitos – para um competidor, a bola não é um fim, é um utensílio para o sucesso, como as botas, o árbitro ou as linhas do campo.

No Benfica, este tipo de mentalidade não sai naturalmente. É uma questão cultural. Não posso falar do que se passou até aos anos 70, apesar de pensar que nem sempre foi assim – acho difícil o Benfica ter conseguido superiorizar-se ao Sporting, por exemplo, sem uma vantagem considerável neste aspecto, dada a vantagem do Sporting em termos financeiros e sociais durante as primeiras décadas. Mas, pelo menos desde que eu vejo futebol, o Benfica nunca se deu bem com o futebolista naturalmente agressivo – a não ser quando essa agressividade se juntava a um grande talento técnico, o que foi muito raro (lembro-me do Diamantino, por exemplo).

A questão é que o Benfica, tendo o suficiente para andar lá por cima, não conseguirá ser o claro dominador desta selva, nem conseguirá competir a alto nível no estrangeiro, enquanto não conseguir instilar mais agressividade na sua equipa de futebol.

Eventualmente, esse será um processo natural quando se perceber que, depois de muito andar (muito já se andou e muito se há de andar ainda), ainda falta qualquer coisa para se conseguir ser melhor do que o Porto, que baseou todo o seu sucesso na capacidade de agredir, e de ostensivamente tomar o papel de predador. Se se tiver as pessoas certas nos lugares certos – que é sempre o mais difícil – vai-se perceber que o que falta é precisamente essa agressividade natural. E depois começa outro processo, que é o de adquirir essa vantagem. Isso é algo que só se resolve no momento do recrutamento, quer dos jogadores feitos quer dos jogadores por fazer. Quando se diz que aquilo de que o Benfica precisava era de mais três ou quatro Javi García não se quer dizer que precisava de mais dois ou três destruidores de jogo: quer-se dizer que precisava de um Luisão com a cabeça de um Javi García, de um Aimar com a cabeça de um Javi García e de um Cardozo com a cabeça de um Javi García. Ou seja, jogadores de nível médio-alto com grande agressividade natural a constituir a espinh dorsal da equipa. Basta isso. Não é preciso ter uma equipa inteira de assassinos natos. E, nessa altura, já se podia dar ao luxo de ter jogadores como Witsel ou Gaitán, que, tendo uma qualidade superior, não têm estofo competitivo suficiente para suportarem uma equipa de futebol de exigência máxima, como é a do Benfica (ia a acrescentar Rodrigo, mas penso que o Rodrigo é bem capaz de ter essa agressividade natural em campo).



Quanto ao jogo em si, muito se há de falar dele esta semana, como tal, oportunidades não faltarão, mas há uma maneira bem simples de sintetizar a derrota do Benfica em Guimarães, sem mais delongas, considerando tudo o que já se disse: lógica.

Amanhã, quando o nível da azia baixar ligeiramente (tal como a euforia, a azia tolda o raciocínio), será mais fácil e mais útil dissecar este fracasso momentâneo.

Para já, fica a lição (para mim) verdadeiramente útil estruturalmente e a longo prazo: é preciso ser mais agressivo.

O resto é jogo.

(Actualização Kompensan às 10.22h

Entretanto, para a azia, aqui fica. Aproveitem.

)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Benfica do Minho

Há aqui alguém que deixe de me falar se eu disser que não vi um único minuto do jogo do Porto e que do Sporting só vi dois ou três bochechos (só o suficiente para ver que o Sporting continua a não jogar nada?

Não estava com paciência para jogos da treta.

Mas posso partilhar convosco a Primeira Lei do Crescimento Territorial do Estado, proposta pelo alemão (claro…) Friedrich Ratzel, um dos precursores da geopolítica: «O primeiro impulso para o desenvolvimento territorial de um Estado vem do exterior, de uma civilização mais adiantada.»

E a Segunda também, já agora: «O espaço de um Estado aumenta a expansão da sua cultura por ir assim difundindo o seu poder»

São sete, ao todo, e a sua publicação data de 1897.

Vale a pena saber disto, para se perceber que, ao falar-se de crescimento civilizacional do Porto ou de um Norte benfiquista, não se está realmente a revelar a fórmula da Coca-Cola.



Como já devem ter percebido, só cá vim picar o ponto. O único jogo capaz de me fazer sentar a ver futebol hoje seria para aí um Liverpool-Everton, um Bilbao-Real Sociedad, um Roma-Lazio ou um Bétis-Sevilha. Assim uma valente picardia, mas daquelas picardias a sério.

Já que estamos a falar de geopolítica e de picardias e do Minho, não sei se também têm esta ideia, mas a reprodução da guerra Porto-Benfica entre Braga e Guimarães tem muito mais em comum do que apenas o empréstimo de jogadores.

Mesmo quando tinha jogadores emprestados pelo Porto, o Guimarães já era uma espécie de Benfica do Minho. O apoio popular real ao clube é muito mais forte em Guimarães do que em Braga. A paixão exacerbada, que facilmente resvala para a pura irracionalidade. Não se consegue conceber com facilidade acontecer em Braga o que acontece com os adeptos em Guimarães, porque passa a sensação de que em Braga tudo aquilo é muito profissional, muito sistemático, muito bem pensado, mas, no fundo, muito artificial. A sensação que tenho, pelo menos, é que no dia em que acontecer ao Braga, por algum razão, em termos de resultados, o que tem acontecido ao Vitória, os adeptos saem de fininho, vão buscar outra vez os seus cachecóis do Benfica e fazem de conta que não tiveram nada a ver com aquilo. «Eu? Eu não sei nada, só cá vim ver a bola.» E o AXA fica para parque de estacionamento da Bragaparques.

O Braga não parece capaz de seduzir, realmente. Falta-lhe a ligação. Há um cheiro a podre que não se consegue disfarçar no meio de tudo aquilo. Eu chamo-lhe o cheiro da negatividade. O Vitória, pelo contrário, resiste, e parece ter essa ligação visceral à gente da terra de que é feita a massa do verdadeiro clubismo. É, entre as suas paixões assolapadas, os seus falhanços e os seus êxitos, um clube positivo – apesar do vulto omnipresente do sinistro Pimenta Machado.

É fácil, hoje, pensar que o aliado certo para se ter no Minho é o Braga. Pois eu continuaria a escolher o Vitória. Porque acho mais provável que, daqui a dez ou quinze anos, quando mudarem as pessoas e os cenários, ele continue a ser mais clube que o Braga.



*



Quando se chega a um score de 0-7 só há uma coisa a fazer: tentar a perfeição.

Mas com estilo.

Sobra-me um jogo. O saldo desta jornada é de 35 milhões de rupias apostadas e 35 milhões de rupias perdidas. Só há uma aposta simultaneamente valiosa e útil que me permita ou recuperar os 35 milhões ou, em alternativa, fazer o pleno: a vitória do Vitória a 6.25.

Portanto, aqui vai:

7 milhões de rupias na vitória do Guimarães a 6.25.

E quando o Benfica ganhar, amanhã, espero que os benfiquistas se lembrem que o enguiço invertido que resolveu o jogo foi feito aqui, e que o Jesus, o Cardozo e os patudos não foram mais que meros actores secundários neste grande enredo alquímico do qual vocês são espectadores (ou espetadores, com o novo acordo ortográfico) privilegiados.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

«Quem quer passar além do Bojador...»

É quase humanamente impossível, para qualquer pessoa que siga o futebol em Portugal, olhar para o calendário do campeonato e não fazer do ciclo Guimarães- Académica-Porto um único jogo para o Benfica.

Não é só a invulgaridade de se jogar dois jogos seguidos fora de casa; é também a coincidência de esses dois jogos serem contra equipas tradicionalmente difíceis e de antecederem o jogo do título, resultando estes três jogos num ciclo decisivo para um eventual desbaste da vantagem de 5 pontos que o Benfica detém sobre o Porto.

Não são só os benfiquistas que olham para este Gui-Aca-Por como um único jogo tripartido – os portistas também. Foi a olhar para estas três jornadas, enfiadas no meio de uma eliminatória russa da Champions, que o Porto também jogou as suas fichas em Janeiro. O Porto sente, e sabe, que se não chegar ao dia 3 de Março a pelo menos dois pontos do Benfica as suas chances de renovar o título caem para 5 a 10 por cento – neste momento andarão nos 35 por cento.

Ou seja, em 12 dias o campeonato pode ficar praticamente decidido.



Vitória e a Académica são equipas completamente diferentes, e, sendo ambas muito difíceis, para lhes ganhar é preciso fazer coisas também diferentes, sendo que o Benfica faz melhor uma que outra.

O Vitória é uma equipa de velocidade, de explosão, com um plantel construído nesse sentido desde o início de época. A Académica, sendo também uma equipa de transição (tirando os três grandes todas as equipas de Portugal são equipas de transição) é uma equipa mais construtiva, que joga mais devagar e mais no processo simples e bem feito do que no risco criativo. É por isso que a Académica tem dificuldades em ganhar em casa – porque, fazendo as coisas bem feitas, as faz mais devagar e de forma mais previsível, o que, dando-lhe muita bola, se traduz em pouco espaço por onde chegar à baliza. Ora, esse é um problema que a Académica não vai ter frente ao Benfica, porque o Benfica ataca sempre e dá sempre espaço – mesmo quando não ataca, porque não é grande coisa a defender.

A Académica vai poder dar-se ao luxo de jogar em casa como gosta: em contra-ataque.

O jogo de Guimarães vai ser um tiroteio, o de Coimbra um jogo de xadrez.

Ora, na minha opinião a equipa do Benfica está muito mais preparada para tiroteios do que para jogos de xadrez – foi por ter permitido que o jogo das Antas deixasse de ser um jogo de xadrez e passasse a um tiroteio que, por exemplo, o Porto empatou a 2 com o Benfica. Num jogo de transições, nas quais o Benfica é fortíssimo, como diz o Jesus e muito bem, tem mais hipóteses de sair por cima do que contra uma equipa mais fechada atrás a jogar em casa.

Na defesa, o Guimarães vai dar mais espaço ao Benfica que a Académica. No ataque, apesar de provavelmente vir a criar mais perigo, também lhe vai dar a bola mais vezes e mais depressa. Este Guimarães a jogar em casa, pelo seu estilo de jogo, é um adversário mais acessível ao Benfica, na minha opinião, do que a Académica a jogar em casa.



É claro que esta perspectiva enferma do preconceito básico que já referi no início: apesar de sermos compelidos a olhar para estes dois jogos pré-Porto como um só, não há nada que os torne dependentes um do outro. Ou seja, nada impede de considerar que o Benfica pode perder pontos nos dois jogos. Só mesmo a boa vontade dos benfiquistas.



Pelo coração, todos os benfiquistas anseiam por uma vitória em Guimarães. Pela razão, haverá poucos que não admitam que o empate é o resultado mais lógico para este jogo. Senão vejamos: o Benfica vai a casa de uma equipa tradicionalmente muito difícil e na melhor fase da época, quatro dias depois de ter feito um jogo exigentíssimo em termos físicos e emocionais, com duas longas viagens à Rússia pelo meio, sem o seu especialista defensivo do meio-campo e sem o seu avançado desequilibrador, ambos lesionados, esperando-o aí uma partida feita de transições rápidas e sucessivas.

Penso que, razoavelmente, nestas circunstâncias, e com 5 pontos de avanço sobre o segundo classificado, seria difícil considerar um empate em Guimarães um mau resultado, e que poucas pessoas conseguiriam recriminar Jorge Jesus se, a 10 ou 15 minutos do fim, e estando empatado, ele fizesse uma substituição para segurar o resultado em vez de para arriscar a vitória. Apesar de eu achar que, se esta situação ocorrer, o Jesus tenta mesmo ganhar o jogo, porque é a sua (boa) maneira de ser.



Pessoalmente (e assumo-o desde o início da época) considero que, na conquista do título pelo Benfica, haverá mais de destino que de capacidade. É uma subversão lógica, é um pouco justificar os factos pelos factos em si, em vez de pela razão, mas, lá está, eu aceito essa acusação. É verdade: tenho baseado a maior parte das minhas análises partindo da convicção que o Benfica será campeão, e não baseando a convicção de que o Benfica será campeão numa análise racional. Para ser ainda mais correcto, tenho baseado as minhas análises na convicção de que, por uma questão de lei da dinâmica competitiva (que não existe, note-se bem), o Porto não será campeão – e, uma vez que só sobra outro candidato, que por isso o título irá para o Benfica.

A minha resposta para a pergunta: «Mas porque é que achas que o Benfica vai ser campeão?» é, no fundo, apenas essa: «Porque não acredito que o Porto o venha a ser, e não resta mais ninguém.»

«Mas então não achas que o Benfica seja melhor que o Porto?»

«Não. Acho que vai fazer um campeonato melhor que o Porto e que por isso vai ser campeão.»



Posto isto, e considerando o que atrás ficou dito sobre Vitória e Académica, o que é que eu vejo a acontecer neste ciclo de três jogos?

Vejo o Benfica a fazer 5 pontos.

Não me parece que o Benfica vá perder nenhum destes três – aliás, acho que o Benfica só vai perder pela primeira vez depois de ter o campeonato encaminhado, e provavelmente em boa parte por ter de jogar os quartos-de-final da Liga dos Campeões.

Vejo o Benfica a passar o Cabo Bojador em Guimarães, com uma vitória, com muita sorte à mistura. Vejo-o a empatar em Coimbra, com muito sofrimento, e a chegar ao Cabo das Tormentas com pelo menos 3 pontos de vantagem, o que lhe permitirá encarar um empate (até 2-2, por causa do factor desempate) como um resultado positivo.

Vejo Porto e Benfica a empatarem na Luz, dando sequência ao campeonato mais equilibrado entre os dois primeiros das últimas décadas. Não vejo este Porto a ser capaz de ir ganhar à Luz, nem vejo o Benfica com capacidade de ser melhor que o Porto num único jogo com tanto em jogo.

Penso que o Benfica sairá deste ciclo com 3 a 5 pontos de vantagem sobre o Porto (dependendo de o Porto vencer ou não, hoje, em Setúbal), e com uma convicção importante: a de que uma eventual derrota no jogo com o Sporting, em Alvalade, não dará a liderança do campeonato ao Porto. Penso que essa vantagem no confronto directo mesmo em caso de derrota com o Sporting será a almofada anímica que permitirá, por um lado, ao Benfica gerir a pressão da recta final do campeonato e que colocará o Porto sob uma pressão que o fará, entretanto, perder mais pontos, mesmo estando só concentrado no campeonato.

Também acho que o Porto vai eliminar o Benfica à Luz, na Taça da Liga, mas isso são contas de outro rosário.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

«Burkina? Faço!»

O leitor Danilu Kerdi Zerkarma, que nos segue na Malásia, enviou um sentido e-mail a agradecer os palpites da Liga Bwin profana que decorre aqui na Religião Nacional. Diz-nos que, com os 500 ringgits que já arrecadou graças às gratuitas e desinteressadas sugestões do RN já conseguiu comprar uma árvore da borracha só para ele. Pede-nos que continuemos porque o seu próximo objectivo é comprar um conjunto de 3 pneus para o riquixó.



Caro Danilu, se me estás a ouvir, compreendo perfeitamente a tua ansiedade. Afinal, o saldo actual da Liga Bwin é nada menos que o seguinte:



19 apostas, 10 acertadas, 9 falhadas.

Saldo inicial: 100 milhões de ringgits.

Saldo actual: 205,55 milhões de ringgits.



Não me sinto muito inspirado, mas os verdadeiros profissionais são assim – jogam até em cima do cimento e com defesas-centrais híbridos de brasileiro e poveiro a perseguirem-nos pelo campo aos golpes de kung-fu.



Rio Ave – Marítimo

Danilu, lembras-te da última vez que um Rio Ave-Marítimo não acabou empatado? Pois, eles também não. O Marítimo não ganha de certeza. Tenho a sensação que o Rio Ave acaba nos oito primeiros este ano, e sei que vai ser por causa dos resultados em casa, não sei é se devo ir tão longe ao ponto de ignorar a capacidade do Marítimo em jogar bem fora de casa. Tenho um feeling de que o Marítimo vai acabar por cair, mas não sei se será já.

Ponderosas dúvidas se abatem sobre mim…

Queres saber? Vou por outro lado, não sei se o Rio Ave ganha, mas marca pelo menos 2 golos.

5 milhões de ringgits a 2,85.



Gil Vicente – Braga

Granda joga, hã, Danilu?

E agora, o que é que fazemos? Fazemos a loucura de meter a equipa mais quente do campeonato a ganhar a 3 dos 4 primeiros no espaço de um mês, com uma odd de 4,33 que faz crescer água na boca? Sabendo que o Braga jogou a meio da semana? Ou partimos do princípio que este jogo ganhou muito maior importância para o Braga depois da derrota com o Besiktas e pomo-los a fazer um resultado melhor em Barcelos do que o Porto?

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, como se diz aí na Malásia, não é? Também me parece. O Gil vai passar a época sem perder em casa com nenhum dos 5 primeiros, não vai? Também me parece. É sempre ingrato jogar no empate, porque é um escape para a indecisão e não se baseia realmente num raciocínio preciso, mas cheira-me tanto a empate que não consigo resistir. Ou é isso ou foi um dos putos que deitou uma bombinha de mau cheiro aqui ao pé.

6 milhões de ringgits no empate a 3,25.



Nacional – Académica

Danilu, já reparaste que a Académica é mais perigosa fora de casa que em casa? Já reparaste porque és um tipo atento e tens jeitos para as contas. Mas a Académica está em baixo, pá. Aquilo não é falta de qualidade, é baixa de forma. E as baixas de forma são lixadas, porque a cabeça pensa mas o corpo não chega lá.

O Nacional vai ganhar, porque precisa mesmo, mas eu não aposto em odds abaixo de 2.00. Não me agrada o retorno. E a vitória do Nacional está a 1.90.

Vamos fazer assim, o Nacional ganha, mas só por um golo. Uma aposta bem ousada.

4 milhões de ringgits a 3.50.



Feirense – Olhanense

Sem espinhas. Mesmo considerando que o Sérgio Conceição ganhou a Taça da Bélgica e ficou em segundo no campeonato como adjunto. Sim, eu sei: é um mundo bizarro e difícil de compreender.

Vitória do Feirense.

6 milhões de ringgits a 2.35.



Leiria – Beira-Mar

Como tens acompanhado a Liga Bwin aqui no RN já sabes que quem vai descer de divisão este ano vai ser o Leiria e o Setúbal. E sabes porquê? Por causa de jogos como este. O Leiria vai pagar o preço de ser uma casa de p….iiii frente a uma equipa certinha. E queres saber mais? Não me admirava que o Cajuda saísse do Leiria no fim deste jogo e viesse o Paulo Duarte, que foi despedido do Burkina Faso.

(Achaste piada a isso, não foi? Eu também. Só há uma coisa pior que ser despedido do Burkina Faso: ser contratado pelo Burkina Faso. Ou, melhor ainda: dizer Burkina Faso. Imagina o Paulo Duarte a falar com o sogro a pedir emprego: «Ó Bartolomeu, mas o que é queres que eu faça? Burkina?! Eu faço, pá!» Também ouvi dizer que Burkina é o nome de uma posição do karmasutra. Confirmas? Especialidade das meninas da luz vermelha. «Burkina? Faço…»)

Em que é que isto tem a ver com a nossa aposta?

Em nada, obviamente.

Beira-Mar também tem mais pontos fora do que em casa.

Danilu, vamos jogar forte nesta zebra?

Vitória do Beira-Mar.

4 milhões de ringgits a 3.30.



Setúbal – Porto

Só te digo isto, Danilu: toda a gente está a fazer contas ao Benfica a perder pontos para o Porto nesta jornada, mas no sábado o Porto empata. E mesmo que não empate que se lixe, eu aposto à mesma.

No sábado falamos melhor.

4 milhões de ringgits a 4.75.



Sporting – Paços de Ferreira

O Paços vai apertar o Sporting, mas não vai resistir à sorte de principiante do Sá Pinto. Ou, por outras palavras, ao estado de graça. No Sporting, os estados de graça têm muito poder. O mesmo poder que os estados de desgraça.

Mas o Paços marca um golito.

5 milhões de ringgits a 2.55.



Guimarães – Benfica

Aquele empatezinho a 3.75 dá que pensar, não dá?

É pá, dá mesmo que pensar…

Danilu, estou indeciso. Preciso de pensar melhor. Falamos no domingo, depois do jogo do Porto, OK?