quinta-feira, 28 de junho de 2012

Deus dará

«Sabes qual é a sensação que eu tenho quando isto acontece?», perguntava-me a minha mulher ontem, no regresso a casa. «A de que isto acaba sempre da mesma maneira.»

Ao que eu lhe respondi: «A sensação que eu tenho é que começa sempre da mesma maneira.» Ao Deus-dará.

Estando ambos frustrados, nenhum dos nós estava verdadeiramente revoltado, nem insatisfeito. O que esta equipa fez nos últimos 15 dias foi muito bom, e fomos até ao limite. Perder com a melhor selecção do Mundo por um penálti é melhor do que qualquer outra equipa tenha feito nos últimos quatro anos, incluindo a Alemanha, o Brasil, a Itália e muitas outras do top-15 (e devemos lembrar-nos que lhes ganhámos 4-0 na Luz – e se era amigável para eles também era amigável para nós…).

O Ronaldo podia ter sido o primeiro a marcar? Sim, podia. E também podia ter sido o primeiro a falhar. Prefiro salientar como um defesa, Sérgio Ramos, supera o trauma de perder uma Liga dos Campeões por falhar um penálti marcando outro em que mostrou mais classe que qualquer outro jogador.

Esta equipa espanhola é a primeira na história do futebol a defender em três tempos: o primeiro, com bola – que é o que faz quando a circula a meio-campo sem progressão -; o segundo imediatamente após a perder – o que só é possível porque os seus dois melhores jogadores, Xavi e Iniesta, têm uma cultura tão defensiva quanto ofensiva, permitindo à equipa trocar imediatamente o chip assim que perde a bola, logo no meio-campo do adversário, sem sentir o impulso de ter de descer no terreno para defender –; e o terceiro (o mais fraco, mas mesmo assim eficaz) no seu meio-campo, só possível graças a dois jogadores de classe mundial, Piqué e Sérgio Ramos.

Ao acrescentar o tempo defensivo com bola aos dois tempos tradicionais, a Espanha (a Catalunha, melhor seria dizer), inovou, e recolheu os frutos dessa inovação: tornou-se a equipa que melhor defende no Mundo, e ganhou os troféus. Novamente, o mantra: os ataques ganham jogos, as defesas ganham títulos.

Não é impossível que uma equipa feita em cima do joelho ganhe um Europeu, ou um Mundial, a outra feita em cima de anos e anos de trabalho cuidadoso, como é a espanhola, mas, além de não ser justo – não, Ronaldo, não foi uma injustiça, o que se passou ontem, infelizmente, é justo, e quanto mais depressa compreendermos isso mais depressa passaremos de competir a ganhar –, não é provável.

Porque, afinal, que equipa portuguesa é esta? Se quisermos ser justos, só podemos responder de uma maneira: é a equipa do Paulo Bento. Foi ele que pegou nela, como escolha secundária, num momento em que Queirós, Laurentino Dias e Gilberto Madaíl (é bom meter nomes nestas coisas, porque o «sistema» não é uma entidade meramente abstracta), a tinham usado para jogar os seus jogos de vaidade e poder, num momento em que ela estava prestes a ser entregue, num saco de plástico, a Mourinho, para ver se ele a safava à segunda-feira, no dia de folga no Real Madrid. Foi Paulo Bento o primeiro, e o único, a acreditar nela, a ser português, a saber que era possível, enquanto os dirigentes se escondiam, preparados para dizer: «Nós tentámos…» quando a coisa desse para o torto. Foi ele quem, à sua maneira, a defendeu, quando ninguém queria saber dela, enquanto os Bosingwas deste país ainda não tinham percebido que a corrente tinha mudado. Foi ele quem deu o exemplo ao chamar Veloso, ao chamar Carlos Martins, ao recuperar, durante meses, um Ronaldo que toda a gente já dava como perdido para a selecção. Até há 15 dias, reconheçamo-lo todos, mais ou menos apegados à selecção, mais ou menos crentes, esta equipa era a equipa do Paulo Bento.

Mas hoje, quando todos a sentimos nossa, o que é dramático é que continua a ser a equipa do Paulo Bento. Porque é que é dramático? Porque, quando o Paulo Bento for à vida dele, volta tudo ao princípio. E o que encontraremos nesse princípio será o que encontramos em todos os princípios: nada. E o que poderemos vir a ter será o que sempre tivemos: o que Deus der.

Temos a equipa do Paulo Bento contra tudo e contra todos, como antes tivemos a equipa do Queirós contra tudo e contra todos, como antes tivemos a equipa do Scolari contra tudo e contra todos, e assim sucessivamente. Ao Deus-dará.

Há um facto perfeitamente incontestável sobre a verdadeira razão para os sucessos e os insucessos da Selecção Portuguesa: a sua afirmação como equipa de nível internacional coincide perfeitamente com a liberalização do mercado de futebolistas, na sequência da lei-Bosman. Assim que os melhores futebolistas portugueses – que não são melhores que os futebolistas portugueses até aos anos 90 – saíram de Portugal para jogar futebol, a Selecção portuguesa ganhou nível mundial.

Ou seja: o futebol português interno é um factor castrador da Selecção, e não potenciador. Ao contrário do que acontece com todos os nossos competidores europeus.

Apenas isto é suficiente para identificar o verdadeiro problema do nosso futebol: as elites decisoras. E este não é um problema apenas futebolístico: é um problema nacional. Portugal é, hoje, um país de potencial elevadíssimo e castrado pelos seus líderes, fracos e incompetentes. É um problema de regime, e aí o futebol pode novamente ajudar-nos, porque é no futebol que encontramos o primeiro representante do regime político português dos últimos 40 anos: Jorge Nuno Pinto da Costa, um cacique corrupto e inimputável que representa, paradigmaticamente, o princípio instituído do sacrifício de todos para o proveito de alguns, ante a complacência de um Estado-marioneta de Direito.

Tenho, da Selecção Portuguesa, uma visão pouco fundamentalista. Representa Portugal, sim, mas representa sobretudo o futebol português. Não me choca, por isso, que tenha dois ou três brasileiros a jogar nela – se metade dos jogadores do campeonato português são brasileiros, como é que uma selecção com dois ou três brasileiros não representa a realidade do futebol português?

No entanto, abrindo a lente, posso dizer que a Selecção Portuguesa de futebol é não só o principal elemento identitário da nação portuguesa, actualmente, como o seu melhor produto cultural e sócio-económico da era moderna. Num país destinado ao soft power, à projecção cultural dos seus valores como factor diferenciador e criador de poder no mundo, dada a impossibilidade de termos verdadeiro hard power, não temos nenhuma arma, quer de coesão interna quer de força externa, como a Selecção Nacional de futebol.

Se é ridículo ou não, não sei. Se é triste ou não, também não sei. Que é verdade, é.

A Selecção não é só o melhor que temos: é a única coisa a que, todos, nos podemos agarrar.

Talvez sim, talvez seja triste. Talvez não. Talvez seja apenas um princípio.

Mas é o mais importante.

E, por isso, depois destes dois anos, o Paulo Bento passou a ser dos meus. Quer esteja na selecção, no Benfica ou no Porto, como inevitavelmente acabará por estar. Porque é com gente assim, como os seus defeitos e as suas virtudes, mas com esta alma, que os meus filhos têm de crescer.

Não vou esperar a Selecção ao aeroporto. Não posso.

Não sei se a Selecção se apresentará ao público. Duvido. Eles querem férias e os dirigentes não sabem o que querem.

Mas, no próximo jogo da Selecção, seja em Lisboa, em Braga, no Algarve ou no Porto, eu vou estar lá, e levo a família.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Dez que não fazem um

Há alguns momentos, muito poucos, em que tudo se alinha para a intemporalidade. Para mim, o único desses momentos, de facto, foi o Sporting-Benfica do 3-6.

O estado de espírito, o adversário, a sorte, a confiança, essa insignificância de termos na equipa um dos melhores futebolistas portugueses de todos os tempos (eventualmente o melhor)…

O que me deixa mais ansioso no Portugal-Espanha de hoje é a minha confiança de que, daqui a dez anos, estaremos a contar como vivemos e o que sentimos neste dia épico.

A certeza da vitória deixa-me nervoso. Tanto que prefiro não mexer. Não dizer nada. Fazer de conta que não sei, que não tenho a certeza, que hoje vamos eliminar a Espanha à frente de todo o Mundo.

Como tal, só tenho uma safa: falar do Benfica. E do Porto, claro.



O tal de Caballero, de um momento para o outro, passou de ser uma jovem esperança desconhecida do Paraguai a futura estrela. Bastou assinar pelo Porto. O Caballero até pode vir a ser uma futura estrela, mas se para ter uma futura estrela tenho de contratar 15 miúdos de 17 anos a cheirar a leite para irem jogar no Rio Ave, prefiro não trazer nenhum e reforçar a equipa AGORA com um titular.

Continuo a ir contra a corrente em relação a essa história do «futuro». No futebol não há «futuro». No futebol há o agora, e é o agora que faz o futuro. Não alinho em Caballeros, nem em Iturbes, nem em Melgarejos, nem em Urretas, nem em Moras, e escusado será dizer que muito dificilmente alinho em equipas B, pelo menos dentro do enquadramento em que elas são normalmente utilizadas em Portugal – que é o contrário do que acontece em Espanha, dai se explicando que em Espanha elas dêem Nolitos e cá não dêem em nada.

Qualquer jogador que não seja para dar minutos a sério – e não nos jogos contra o Pinhalnovense – agora é um mau investimento, tanto a curto como a longo prazo, e é mais prejudicial que benéfico.

É evidente que há excepções. Em todas as regras as há. Mas dêem-me um exemplo – um bom exemplo, um exemplo claro – de um jogador estrangeiro contratado com 19 anos ou menos, que tenha sido emprestado, e que tenha vindo a revelar-se, depois, como uma mais-valia clara quer em termos futebolísticos quer em termos financeiros.

Anda-se a comprar Caballeros e Urretas para quê? Para ter Yannicks? Sim, porque o que se espera com estes negócios de grande visão é achar o Maradona que ninguém viu, gastar 40 mil e ganhar 40 milhões, mas o que se tem é Iturbes, uns atrás dos outros, a tirar lascas de madeira do rabinho.

Uma contratação como a de Ola John, David Luiz, Di Maria, James Rodriguez, até poderei ir ao tal Jesé Rodríguez, que nunca vi jogar mas que parece ter escola, justifica-se apenas porque se combina oportunidade de negócio e oportunidade desportiva. São jogadores que têm qualidade para, mesmo com 19/20 anos, senão serem titulares pelo menos jogarem 50 por cento dos minutos da época com qualidade. Se qualquer um destes dois elementos não existir, é pura e simplesmente 99 por cento de hipóteses de perder dinheiro e espaço para alguém mais útil à equipa.

A prospecção dos clubes portugueses funciona bem a descobrir talentos – e parece que a do Benfica já funciona melhor que a do Porto – mas trabalha mal a contratá-los - e aqui o Porto parece funcionar melhor. Ainda depende em demasia da quantidade para encontrar qualidade. Tem de falhar muito para acertar de vez em quando. E nisto, como em tudo, é a eficácia que distingue os melhores.

O segredo tem de estar em conseguir determinar, previamente, qual é o jogador que pode ser o próximo David Luiz para não ter de comprar cinco até achar um que se aproxime.

Por outro lado, o plantel do Benfica, para não ir mais longe, já tem os jovens de que precisa e que pode suportar.

O grande investimento feito em qualquer equipa do nível do Benfica, Porto ou Sporting tem de ser feito nos resultados imediatos, e não nas vendas. O caso do Sporting é exemplar. Por não ter resultados desportivos, nos últimos 20 anos, o Sporting deixou de ganhar dezenas de milhão de euros em transferências – quer porque, não tendo resultados, tem menos receitas fixas, e logo mais urgência em vender; quer porque os jogadores não se valorizam o suficiente; quer porque não se estabelece o vínculo suficiente entre o jogador e o clube que permita ao clube gerir a venda com espaço de manobra.

O caso de João Moutinho é paradigmático. Ao vender Moutinho ao Porto da maneira que vendeu o Sporting perdeu dinheiro, estatuto (indiscutivelmente, colocou-se um patamar abaixo de Porto e Benfica) e prestígio entre os próprios jogadores. E o dinheirito que recebeu foi para continuar a alimentar uma máquina de perder.

Se Moutinho tivesse sido campeão e ido a uns quartos-de-final da Champions, por exemplo, jamais teria sido vendido por três quartos do seu preço de mercado e ao principal adversário na luta pelo título.

Se o Benfica for campeão e voltar a estar nos quartos-de-final da Champions, provavelmente Rodrigo será vendido não por 20 milhões, daqui a um ano, mas por 30 milhões. E jamais Witsel seria vendido por esses 30 milhões (como vai ser, e isto já eu dizia antes de acabar o campeonato, quando ainda nem se falava nisso – só já quatro jogadores com mercado aberto, nesta equipa do Benfica, para as equipas que pagam a sério: Witsel, Gaitán, Javi Garcia e Garay, por esta ordem, o resto é a preço de saldo ou a perder dinheiro) se o Benfica não tivesse eliminado o Zenit de São Petersburgo.

Entre gastar 8 milhões a comprar 10 Melgarejos, ou 10 Caballeros, ou 10 Urretas e gastar 8 milhões a comprar um Witsel, ou um Ola-John (vamos ver, vamos ver…) ou 5 a comprar um Rodrigo ou um Garay, ou até um Jesé Rodriguez, o que é que eu prefiro?

Qual é a dúvida?

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O valor acima

Moutinho está a fazer em 15 dias a época que não fez no Porto.

Coentrão beneficia de uma época de evolução e sem desgaste excessivo com o melhor treinador do Mundo, que, depois de Jesus, acabou de lhe tirar tudo o que ele tem para dar, assim como de um ambiente amigável – Coentrão é o típico jogador que precisa de carinho, mais que de exigências, para chegar ao seu melhor nível.

Meireles chega ao Europeu como jogador pleno, completamente maduro após ganhar o título europeu pelo Chelsea eliminando duas equipas superiores.

Pepe é um dos cinco melhores defesas do mundo, e, se juntarmos à especificidade o potencial generalista – o que pode render como central e como trinco – não hesito em considera-lo o melhor. Neste último aspecto, talvez só coloque perto do seu nível o espanhol Sérgio Ramos.

Uma questão incontornável: como, em 2004, Scolari beneficiou do trabalho de sapa feito por Mourinho no Porto – Costinha, Maniche… - este ano Paulo Bento beneficia do trabalho de sapa feito por Mourinho no Real Madrid. Pepe e Coentrão estão a um nível que a Selecção até resiste a um defesa-direito e a um guarda-redes de terceira linha europeia.

Ronaldo mostra que é um caso perfeitamente à parte no futebol mundial. Ninguém – repito, ninguém – conseguiria chegar ao décimo-primeiro (!) mês de uma época em que levou o Real Madrid às costas até ao triunfo sobre a melhor equipa do Mundo, num campeonato de 38 jornadas, e fazer dois jogos, em quatro dias, como os que Ronaldo fez na Polónia. Ninguém. Aos 70 minutos do jogo contra  República Checa, depois de dez minutos em que os jogadores andaram a correr para todos os lados, sobre um relvado mole e super-desgastante, num contra-ataque português Ronaldo acorre a um lançamento em profundidade com um sprint de mais de 40 metros. Perde-o, mas a imagem que é mostrada dele é de estar completamente à vontade fisicamente, respirando bem, costas direitinhas, como se fosse o décimo minuto de jogo.

Não sei se votaremos a ver um jogador tão distante dos outros como Ronaldo.

Pelé estava 30 anos adiantado ao relação aos jogadores do seu tempo tecnicamente – tal como Maradona, que fez em 86 o que Messi agora recria em 2012.

Cruyff estava 30 anos adiantado em relação aos outros jogadores tacticamente – e, hoje, a maior cultura futebolística do Mundo (a de Barcelona) é a que ele legou.

Ronaldo está 30 anos adiantado em relação aos outros jogadores fisicamente. E isto numa era em que um futebolista já é, acima de tudo, um atleta, e em que um jogador tecnicamente sofrível pode jogar nas melhores equipas do Mundo desde que tenha estofo mental e físico para isso. Ronaldo é a definitiva máquina de futebol, e será o protótipo que os futuros formadores tentarão criar. Será precisa uma geração para que comecem a aparecer equipa com dois ou três Ronaldos, que vão fazer o Ronaldo parecer normal.

Até agora acertei em todos os jogos da Selecção neste Europeu: derrota curta com a Alemanha; vitória frente à Dinamarca e vitória frente a uma Holanda que tinha «desastre nuclear» escrito nas camisolas desde que chegou à Ucrânia e os seus jogadores começaram a dizer que não tinham de se dar bem para ganharem. Quando se vê jogadores a baixarem os calções a outros e a mandar SMS’s durante o aquecimento do jogo com Portugal não há grande margem de dúvida sobre aquilo de que uns querem e os outros não querem saber. Contra a República Checa até previ o resultado: 1-0.

Neste momento, penso que Portugal vai jogar a final deste Europeu frente à Alemanha. Penso que a França vai enganar a Espanha e, sem ser melhor equipa, vai ganhar e jogar as meias-finais connosco. Chegará aí como favorita, por ter ganho à Espanha, mas perderá, pelas seguintes razões:

- porque terá um jogo mais difícil de encaixar, como equipa em construção que é, contra um adversário a quem tem de marcar do que contra uma Espanha que terá toda a carga do jogo em cima de si;

- porque Portugal jogará muito mais concentrado do que a Espanha;

- porque esta equipa portuguesa estará no seu ambiente mais favorável – contra tudo e contra todos, a poder jogar em contra-ataque, contra um adversário que se encontrará a competir um nível acima da sua capacidade, tal como Portugal, mas de quem, ao contrário de Portugal, se exigirá aquilo que ainda não está preparado para dar.

A final é o limite para esta equipa inventada por Paulo Bento.

A final será jogada e perdida com a Alemanha. As limitações portuguesas podem ser disfarçadas em contextos favoráveis, como têm sido os que encontrou até agora e que provavelmente encontrará na meia-final, mas serão fatais na final.

A Alemanha é uma equipa estruturada, feita para competir neste tipo de competições e para ganhar. Desta selecção alemã provavelmente só três ou quatro jogadores é que teriam, individualmente, lugar na Selecção portuguesa, mas, colectivamente, só Ronaldo jogaria pela Alemanha. A Alemanha não constrói equpas para competir: constrói equipa para ganhar. Por isso, ou falha rotundamente ou ganha (e, se não ganha, anda lá perto). A diferença entre uma selecção alemã banal e uma selecção alemã campeã do Mundo ou da Europa é meia-dúzia de mecanismos colectivos que uma não consegue fazer e a outra consegue.

Este Portugal é o contrário: uma manta de retalhos que Bento coseu, com maestria, desde que substituiu Queirós (que bela merda de homem que ali está, diga-se de passagem. O Manuel José é que tem razão: o Queirós não vale um cagalhão do Paulo Bento). Vai chegar à praia, mas nem este colectivo efémero poderá resistir, num jogo de exigência máxima e fora de todos os antecedentes históricos, a lacunas incontornáveis como a fragilidade defensiva na lateral-direita, a falta de poder físico do meio-campo, a inexistência do outro jogador fundamental de Portugal (Nani) ou de um ponta-de-lança que seja, sequer, de segunda linha europeia. Não é possível que uma equipa como a portuguesa possa ganhar um Campeonato da Europa – a não ser que joguemos a final com a Grécia, claro (que é o meu sonho molhado, com a tal cena dos 24 Lisboas no centro do campo, como já referi há dias…).

Portugal tem uma equipa sem rotina, sem maturidade e sem eficácia. Contra a Dinamarca temos o jogo ganho e perdemo-lo antes de o ir buscar outra vez ao fundo do poço. Contra a Holanda, que tem a defesa mais banal do Europeu, perdemos 10 golos para fazer 2 e ainda ganhar – algo que só pode acontecer contra a Holanda. Contra a República Checa perdemos 45 minutos e quase fomos a penáltis e prolongamento por não termos jogadores em campo suficientemente maduros, como equipa, e inteligentes para perceber que bastava subir 10 metros para banalizar e subjugar facilmente um adversário mais fraco que a Dinamarca e claramente a jogar num grau de dificuldade acima das suas possibilidades.

Chegará, eventualmente, para ir à final, com sorte. Não para ser campeão europeu.

A Grécia que ganhou em 2004, por exemplo, não tendo senão estratégia defensiva, era uma equipa coriácea, experiente, batida, que sabia ler perfeitamente todos os momentos do jogo. Esta equipa portuguesa, não.

Dito tudo isto, e garantindo já que sofrerei até ao fim, tenho de dizer que estes jogadores ganharam um lugar na «minha» equipa, e que só sinto gratidão. Não por estarem a ganhar (claro que é por estarem a ganhar, mas a questão não é só essa) mas por terem devolvido a Selecção ao país real, depois dos Queirozes e dos Merdagiles a terem conspurcado e deitado fora uma ligação de quatro anos como nunca antes tinha havido e que devolveu a auto-estima ao país.

Sinto-me grato a Paulo Bento, a Ronaldo, a Moutinho, ao Pepe, ao Bruno Alves, e estou felicíssimo por poder dizer que me estou borrifando para as benfiquites. É para isto que a Selecção existe: para mostrar que há um valor acima, e que há mais a unir-nos que a separar-nos. Sinto-me feliz por poder dizer que sinto que a Selecção Nacional é sagrada, e que sinto que ela está acima do Benfica. Não me sentiria feliz se não fosse verdade, mas é. Vejo os meus filhos pintados de verde e vermelho e sinto-o.

Sinto-me feliz por poder dizer que, em minha casa, ninguém fala mal do Ricardo, porque me deu o melhor momento da minha vida desportiva; nem do Scolari, que é mais português que milhões deles, incluindo a valente merda que é o Pinto da Costa, um homem a quem odeio, também, por durante 30 anos ter colocado a Selecção do meu país ao serviço da valente merda da sua máfia, graças a biltres como os Merdagis; nem do Deco, que, no Portugal-Inglaterra que eu vi ao vivo com a minha mulher e o meu pai, no meio de dezenas de ingleses, na terceira fila a contar do fim do Terceiro Anel do Estádio da Luz, fez, em 120 minutos, a médio-ofensivo, médio-defensivo e defesa-direito, o jogo mais grandioso a que já assisti de um jogador com a camisola portuguesa vestida, incluindo Figos, Ronaldos ou Ruis Costas.

E quero um palanque com os jogadores todos lá em cima, no meio de Lisboa, quando voltarem, para poder ir dizer «obrigado».

domingo, 17 de junho de 2012

Porcos

Querem um fino exemplo de hipocrisia? A UEFA anda há anos a apregoar aos sete ventos que a política tem de ficar fora do futebol. Castiga jogadores, clubes, federações, adeptos que usem os jogos para tomar posições políticas, trata o futebol como se fosse um ambiente hermético da sociedade, «just business». E depois qual é o seu maior evento? Uma competição entre equipas nacionais, ou seja, formadas por critérios políticos.

Algumas definições, para percebermos melhor esta profunda ambiguidade:

- «etnia» é um grupo cultural definido e com características próprias e distintivas. (Já que estamos numa onda antropológica, não é o mesmo que raça, que é uma coisa que, no ser humano, nem sequer se possa dizer que existe, e que foi «inventada» pelos evolucionistas que dariam origem ao posterior movimento nazi, por exemplo);

- «nação» é uma etnia com a pretensão à autonomia política (e este é o ponto chave: uma etnia pode não ser uma nação. Os ciganos, por exemplo, são uma etnia que não pretende representar-se politicamente; os curdos, uma etnia que quer um Estado próprio, são uma nação);

- «nacionalismo» é uma ideologia que defende que todas as nações têm o direito a um Estado. Considerando que o estado está sempre em risco, por inúmeros factores, o nacionalismo tornou-se, hoje, mais numa defesa do Estado instituído que propriamente numa busca do Estado, mas o princípio é o mesmo que era na origem.

Estes são os conceitos.

O Estado-nação é uma invenção histórica europeia, a sua principal exportação para o resto do mundo – mais do que a democracia e os supositórios  Bayer – e praticamente todos os países europeus são Estados-nação, ou seja, partiram de um movimento de afirmação étnica e nacional para chegarem a país, a Estado, e alguns mesmo a Império, que não é mais que um Estado a tentar ampliar-se a todo o mundo.

Todas as equipas em competição na Ucrânia e na Polónia representam Estados-nação. Os critérios de selecção dos jogadores para o Europeu são, antes de mais, políticos. A simbologia que envolve os jogos (a bandeira, o hino…) é política.

Claro que, se aparecer um jogador a jogar com uma mensagem política na camisola interior depois de marcar um golo, é irradiado, porque jogador é jogador, e não tem nada a ver com a política, mesmo que esteja no meio da maior manifestação política do ano, que é exactamente o que qualquer Campeonato Europeu de Futebol é. Uma coisa é o circo, outra o palhaço.

Ao grupo que acabou ontem, e em que a Grécia e a República Checa passaram, ficou a faltar uma coisa, que era impossível à partida por causa do sistema de cabeças-de-série: a Alemanha.

Porque, dessa forma, teríamos, no mesmo grupo do primeiro Europeu jogado na antiga esfera de poder da antiga União Soviética:

- os dois países que determinaram o rumo da II Guerra Mundial, na sua origem e no seu fim (sim, quem ganhou a guerra foi a URSS, não os Estados Unidos, lamento desiludir a propaganda), que simbolizaram a divisão política do mundo depois dela (RFA/RDA…) e que representaram a oposição ao «Ocidente vencedor» (a Rússia, herdeira da URSS);

- um país que foi dividido e politicamente aniquilado pelo pacto Ribbentrop-Molotov, assinado pelos governos precisamente da Alemanha e URSS, em 1939, que viu a população que resistiu à expurga e às matanças perder, pura e simplesmente, todos os direitos de nacionalidade, que, depois da Guerra, foi absorvido pelos soviéticos, e de onde partiu, precisamente, a onda revolucionária que viria a destruir o regime soviético – a Polónia.

- e o país que começou toda esta história: a Grécia, o primeiro Estado-nação moderno a ser constituído no século XIX, em 1832, após a guerra nacionalista da independência contra os otomanos. Ou seja, quem começou toda esta história, mostrando o caminho, por exemplo, à Itália (1860 e anos seguintes) e… à Alemanha de Bismarck (1871), que apenas 40 anos depois já declarava guerra ao resto do mundo para defender o seu direito ao império.

Vocês espantam-se de ver polacos a perseguir russos depois dos jogos? Eu não. Não há nenhum polaco que não tenha tido pelo menos um avô perseguido ou morto por russos ou alemães. Experimentem fazer isso em Portugal, com alguns esqueletos escondidos em campos de concentração no Alentejo, para cúmulo, e vejam por quanto tempo duram os rancores.

Com o cenário histórico, a crise europeia e o desenfreamento das paixões que o futebol consegue provocar, este Europeu é um barril de pólvora à beira de explodir.

Hoje há eleições na Grécia. Tudo isto tem um sentido colossal por baixo da superfície. Há massas enormes que se movem enquanto estamos distraídos a ver aquilo que pensamos ser apenas um jogo de futebol na televisão.

Imaginem que somos gregos. Estamos rodeados por todos os lados. Querem sufocar-nos. Querem vergar-nos. Nós somos os que não pagam, os que não trabalham, os que não têm honra. Nós, que inventámos a política que eles hoje usam, somos a escumalha da Europa. Somos motivo de gozo e de humilhação. E vamos lá acima, ao centro do mundo, ao país que é o novo menino-bonito da Europa, somos roubados descaradamente no primeiro jogo (e mesmo assim só não ganhamos porque falhamos um penálti – grande Karagounis, caraças!), e passamos à segunda fase, contra tudo e contra todos, eliminando o país anfitrião e a Rússia.

Tudo isto, estamos a ser chantageados para continuar a pagar a crise e, no dia seguinte temos as eleições que vão definir o nosso futuro.

Marquem este dia na vossa agenda de recordações, porque pode ser histórico: alguém se admiraria que, depois de ter inventado a política, e depois de ter iniciado o nacionalismo, a Grécia começasse, nas urnas, também contra tudo e contra todos, o processo de desmantelamento desse Ocidente que ganhou a Guerra Fria e que tomou conta do mundo?

Por quem é que eu estou a sofrer neste Europeu? É fácil de responder, porque não tenho pudor nenhum de misturar política com futebol: pelos PIIGS – uma sigla fina que um inglês rico  inventou para chamar «porcos» aos países que não eram realmente europeus nem civilizados. Portugal (somos os primeiros…), Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.

No Europeu estou a torcer pelos africanos, pelos pretos, pela canalha da Europa.

O meu cenário de sonho? Portugal e Grécia na final, os portugueses a ganharem por 1-0, com um golo de cabeça de um tipo qualquer (porque era justo, caraças...) e, no fim, todos os 24 jogadores no centro do campo, a mostrarem a Taça em conjunto, unidos, e a fazerem o mesmo gesto que o Lisboa fez no Porto quando ganhou o campeonato de basquetebol.

E como eu sei que é disto que queriam mesmo que eu falasse quando viram o título do post, aqui vai:

Aconteceu uma coisa maravilhosa este ano nas modalidades do Benfica.

Não foi só ir ganhar o quinto jogo do basquete às Antas (ou à Caixa, seja lá onde for essa merda, mas também gosto, porque ir a um banco e ganhar sabe sempre bem a dobrar) e ver o Lisboa a mostrar como lhes foi ao cú.

Não foi só ouvir o tipo do hóquei (que eu não conhecia mas de quem passei a gostar bastante) a dizer que «ganhámos aos porcos».

Foi muito mais do que isso. Foi ver como, nas modalidades do Benfica, há treinadores, dirigentes e jogadores suficientemente apaixonados para expressarem exactamente, sem tirar nem pôr, sem políticas nem hipocrisias, o que vai na cabeça dos adeptos.

Não pode haver melhor coisa para um clube que ter uma sintonia perfeita entre o sentir dos adeptos e o sentir dos dirigentes. Porque dessa forma percebemos que esta raiva que sentimos pelas humilhações e pelas injustiças de anos e anos está a passar para o lado de lá, e que quem tem o poder está mais próximo de usar esse poder de uma maneira que represente, realmente, o clube – porque o clube são as suas pessoas.

Quando o Pinto da Costa diz que quer continuar a fazer da Luz o seu salão de festas não está a falar pelos seus adeptos? E não está a ser ordinário e provocador? E não está, também, a ser «um grande presidente»?

Não há nada mais triste, como adepto, que sentirmo-nos enrabados pelos outros e, logo a seguir, encornados pelos nossos, como tantas vezes aconteceu em 30 anos. E vocês sabem do que eu estou a falar.

Não gostaram «das atitudes» do Lisboa? Não gostaram «das palavras» do Trindade? Aguentem-se. Aqui, comigo, já sabem que não há hipocrisias. É pão, pão, queijo, queijo. Sim, fomos lá mesmo enrabá-los. E sim, ganhámos aos porcos. Não aos adeptos, que esses são todos iguais de Norte a Sul, mas à corja de mafiosos que tomou conta daquele clube e o tornou numa associação criminosa. Porcos, mesmo. Todas as vitórias contra o Porto são, hoje, acima de tudo, e graças a eles próprios, vitórias contra as pessoas que representam toda uma forma de estar na sociedade que a torna imunda, e acima de todos a Pinto da Costa, o personificador supremo do regime político que nos rege desde o 25 de Abril, o novo ditador da demagogia.

No programa da Sport TV a purificar o Pedroto, o Pinto daa Costa disse uma coisa que temos de reter: «Só gostam de nós enquanto não incomodamos ninguém.» Lição retida, a não esquecer, e a repetir todos os dias pelos dirigentes do Benfica, todos os dias, quando vão à casa-de-banho antes de sair de casa.

Sentiram-se «envergonhados» pelo Lisboa? Não se sentem «representados», como benfiquistas, pelo Trindade? Paciência. E más notícias: as coisas ainda vão piorar muito antes de melhorarem. Vai ser feio, vai ser longo sujo e vai ser sujo. Estamos a nadar pela vida no meio de um pântano, atolados em merda até à boca. E vocês andam preocupados com perfumaria?

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A Casa é bonita…

Vejo cinco minutos de telejornal e dou de caras com o grande momento anual de Pinto da Costa: o almoço na Assembleia da República.

Se se perguntar ao transeunte casual se acha aquilo minimamente relevante, provavelmente ele responderia que não, que provavelmente nem deveria aparecer no noticiário.

Mas aparece. E é relevante. Aliás, como disse, é o dia mais relevante do ano para o Pinto da Costa, para o Porto e para o sistema corrupto que envolve não só o futebol português como a nossa sociedade.

O simbolismo não é irrelevante. Símbolo quer dizer, literalmente, «o que está no lugar de algo que não está lá». Qualquer bom antropólogo poderá, em cinco minutos, esclarecer qualquer pessoa, da importância do símbolo na vida humana. Tudo o que é cultural e simbólico. O nosso conjunto de valores, tudo o que nos torna gente, é símbolo. O símbolo é a forma mais profunda de comunicação – é a forma de comunicarmos sem sequer percebermos que estamos a comunicar.

Como é que se estabelecem doutrinas? Com símbolos, suficientemente claros, perceptíveis e universais. As doutrinas impõem-se simbolicamente, tornam-se ideologias, adquirem os instrumentos do poder (os meios de comunicação, a opinião públicas, as instituições politicas) e, de repente, vemo-nos a defender inconscientemente, sem sequer pensar nisso, teorias subjectivas como se fossem verdades incontestáveis. Porquê? Porque fomos educados a pensar nelas como verdades incontestáveis. É assim que funciona o verdadeiro «sistema de opressão das massas». Pela educação, e pelo tempo, sendo que a educação é proporcionada sempre pela elite (que tem o se conjunto de valores) e o tempo joga a favor de quem tem os meios de sustentação da sociedade – a propriedade, se quisermos.

Porque é que partimos do princípio que uma sociedade democrática é uma sociedade mais justa, quando todos os dias nos aparecem à frente exemplos gritantes de injustiça até nas sociedades mais «democráticas» do mundo, e quando sabemos perfeitamente que nunca existiu um sistema realmente democrático na História?

Porque é que defendemos um sistema económico que nos tira poder económico?

Porque é que consideramos alguns grupos que defendem a sua identidade terroristas e outros heróis da liberdade?

Porque é que somos nacionalistas se as nações nunca serviram senão para dividir a espécie humana?

Fazemo-lo porque estamos formatados para isso.

E o que é que esta conversa marxista e gramsciana tem a ver com o Pinto da Costa? Tem tudo, porque o que se passou na Assembleia da República foi (mais) um momento de consagração do regime vigente.

A leitura restrita do evento? O presidente do Futebol Clube do Porto foi almoçar à AR a convite dos deputados portistas, como vai todos os anos.

A leitura lata, e simbólica? O homem que reverteu um «sistema injusto» a seu favor, o tribuno «do Norte» que lutou contra a pérfida capital do reino, o artista que conseguiu fugir à Justiça mesmo quando estava cercado de provas esmagadoras, é convidado pelos representantes do povo a entrar na própria «Casa da Democracia» e a sentar ao centro, no lugar de honra entre a facção de rebeldes que, dentro dessa casa, mostram que não têm problema nenhum em definir as suas prioridades: primeiro o clube, depois o país, e a ética logo se verá.

A seu lado, quem? A própria Assunção Esteves.

Um dia destes, antes do homem morrer (depois já não faz sentido, porque bater a mortos não é «à Benfica»), ainda hei-de ir ao fundo do baú, fazer um acervo de todas as imagens em que aparece Pinto da Costa em cerimónias, festanças e segredinhos com todos – TODOS! – os principais políticos de Portugal do pós-25 de Abril, devidamente legendadas, e a começar pelos Dragões de Ouro.

O título será «O Homem do Regime», e a última imagem será a de Pinto da Costa ao lado de Assunção Esteves, juíza do Supremo, presidente da Assembleia da República, magistrada de elite, uma espécie de manequim platinado topo de gama que esse mesmo regime, corrupto , marialva e injusto, põe na vitrine para mostrar como não é nem corrupto, nem marialva nem injusto, detentora do segundo cargo político da Nação logo a seguir ao Presidente da  República.

No fim do repasto, o discurso, claro. Não o do lado de dentro da sala, claro, mas o que realmente importa, o que é feito à porta, para os microfones e as câmaras.

«O número de estúpidos não diminuiu», afirma o grande homem. Ou seja, nós, os espertos, estamos cercados, mas continuamos a ganhar-lhes. Continuamos a ser melhores e a enganá-los.

Tem razão, é verdade, o número de estúpidos não diminuiu.

E é por essa razão que os espertos continuam a tomar conta do regime.

Mas há uma coisa que convém guardar, quer pelos espertos que estão de poleiro quer pelo pessoal mais novo, que corre o risco de olhar para estas coisas e de se enganar, por pensar que nasceu num país sem solução: é que são sempre os estúpidos que fazem as revoluções.

sábado, 9 de junho de 2012

Está tudo na tola

Perder por 1-0 com a Alemanha num ressalto não é trágico.

Perder com a Alemanha por 1-0 num ressalto por causa de se estar a defender muito em cima da área também não.

Perder com a Alemanha por 1-0 num ressalto por causa de se estar a defender muito em cima da área quando se joga com João Pereira, Miguel Veloso, Hélder Postiga, Varela, Nélson Oliveira, para não ir mais longe – e sem Deco, Ricardo Carvalho, Simão Sabrosa… – muito menos.

Perder com a Alemanha por 1-0 num ressalto por causa de se estar a defender muito em cima da área quando se joga com João Pereira, Miguel Veloso, Hélder Postiga, Varela, Nélson Oliveira, para não ir mais longe – e sem Deco, Ricardo Carvalho, Simão Sabrosa… – tendo duas bolas na trave, uma em cima da linha e outra de baliza aberta atirada à figura do guarda-redes, é, eu diria, mais do que digerível

O que é dramático é ter um país que entra a perder. Que não tem a vitória na cabeça. Não é dramático por não termos a vitória na cabeça: é dramático porque NÃO HÁ NENHUMA BOA RAZÃO para não termos a vitória na cabeça.

NÃO HÁ NENHUMA BOA RAZÃO para aceitar uma inferioridade QUE NÃO EXISTE a não ser na nossa cabeça!



O resultado? O resultado é o menos.

Entre os maus resultados foi o melhor. Para o apuramento, depois da vitória da Dinamarca, era fundamental não perder por mais de um golo, porque há grandes probabilidades de o apuramento vir a ser decidido pelo diferencial de golos.

Com uma vitória por 2 ou 3 a 0 a Alemanha ficava praticamente apurada.

As duas finais, na cabeça dos jogadores, dos adeptos, dos treinadores, continuam a ser as duas que eram: contra a Dinamarca e contra a Holanda. Com uma vitória frente à Dinamarca por mais de um golo Portugal fica quase apurado, sobretudo se a Alemanha ganhar à Holanda. Com duas vitórias, Portugal está apurado. Com estes resultados, só há um dado realmente relevante a retirar: a equipa que conseguir ganhar por 2 ou mais golos na segunda jornada fica com o apuramento na mão.

Só há um problema com estes dois resultados: a elevada probabilidade de a Dinamarca chegar à terceira jornada a jogar o apuramento frente à segunda equipa da Alemanha, no caso de esta chegar lá já apurada.

No entanto, não penso que isso vá acontecer.

O meu palpite é que as quatro equipas vão chegar à última jornada empatadas em pontos.

Na minha opinião, o apuramento de Portugal depende, em 80 por cento, de se conseguir marcar 3 golos à Dinamarca.



Não menosprezemos as hipóteses portuguesas: a vitória da Dinamarca abriu as contas, e a equipa sai do jogo com a Alemanha com os pontos que esperava ter (ou seja, está tudo dentro dos planos) e convencida de que tem reais possibilidades de ganhar a qualquer equipa no Europeu.



P.S. – Lembram-se, há uns tempos, a propósito daquela lesão do Hulk quando as coisas andavam difíceis para ele no Porto, de eu dizer que a pressão (física e, sobretudo, psíquica) tinha influência nas lesões dos atletas? Pois bem, a Naide Gomes rompeu o tendão de Aquiles na corrida de aproximação durante um salto em comprimento (uma coisa que ela já deve ter feito 5 mil vezes ao longo da sua vida) e não vai aos Jogos Olímpicos, daqui a um mês. E com ela já são dois, juntando o Nélson Évora. A maior parte deste tipo de lesões (as não- traumáticas) começam na cabeça.

terça-feira, 5 de junho de 2012

«E o burro sou eu?!»

Gosto muito do Manuel José, e o velho acertou na mouche. Cirúrgico, sem salamaleques, com a visão própria de quem:

- não precisa da mama da FPF e da Liga para nada;

- já viu tudo o que tinha a ver e já experimentou tudo o que tinha a experimentar no futebol;

- não sente necessidade de andar a lamber o cu a Ronaldos, nem a Espíritos Santos, nem a Pintos da Costa;

- está «fora», cá dentro.

Um dia, lá mais para a frente, eu explico porque é que, para mim, o único treinador português com capacidade para substituir o Jesus (à excepção do Mourinho, por razões óbvias), é o Manuel José.

*

O jogo com a Turquia – o outro nem percebi que havia, confesso – só vem confirmar uma ideia que já tenho há algum tempo: não se devia fazer este tipo de jogos de preparação. Pelas seguintes razões:

- não servem para preparar nada, porque, por um lado, os jogadores não «estão» lá (muito menos no fim de uma época sobrecarregada de pressão e à beira de mais 15 dias de super-pressão já com o depósito vazio), e por outro porque os segundos 45 minutos, com as substituições, são uma mera formalidade;

- não há nada a ganhar e há muito a perder. Como disse o Manuel José, o capital de confiança ganho com um apuramento muito difícil e meritório foi desperdiçado, à beira de um jogo com a segunda melhor selecção da Europa, para andar a fazer «dressages» com a  Macedónia e a Turquia (vender bilhetes, cachecóis, mostrar os meninos, etc, etc);

- ao contrário do que se diz, prejudica o espírito de selecção. A única forma de se adquirir esse espírito é fazer com que, cada vez que os jogadores joguem, «sintam» o jogo, a camisola e a pressão.

A selecção só devia fazer jogos de preparação com equipas do top-15 do Mundo. Porque:

- mesmo fazendo menos jogos, cada jogo seria muito mais útil, no sentido de nos confrontarmos com equipas a sério e nos prepararmos para as grandes competições, mais difícil e mais intenso;

- se perdêssemos, teríamos sempre algo de positivo para aprender, o que não acontece, manifestamente, quando s eleva 3-1 da Turquia em casa;

- se associaria a selecção a um nível de excelência.

Para andar a jogar com Macedónias já chegam os apuramentos. Fora isso, deveria ser apenas nos jogos a sério. Ou jogar com o Lichtenstein não serve como jogo-treino?

*

O Paulo Bento está a ser burro. Eu tenho legitimidade para dizer isto porque, a seguir ao Jesus, sou a pessoa que mais percebe de futebol (de longe) em Portugal.

O Bento, como o resto dos portugueses, ainda não percebeu a vantagem que tem em ter o Ronaldo na equipa. É normal. Como é raríssimo aparecer um jogador a assim a tendência é para pensar que é bom para a equipa e pouco mais. Errado. Quando uma equipa tem um Ronaldo, ou um Messi, a lógica normal de funcionamento de equipa deixa de existir.

Eu explico: os mais antigos devem lembrar-se do Mundial de 90, em que a Argentina foi à final com um guarda-redes a defender penáltis, o Maradona e o Cannigia. Como? Da mesma maneira que os Chicago Bulls, no basquetebol, ganhara o primeiro campeonato no ano em que o Mivhael Jordan passou de marcar 40 pontos por jogo em média para passar a marcar 30.

Em qualquer jogo colectivo de ataque e defesa alternada um jogador excepcional, como o Ronaldo, tem duas fases distintas em que é decisivo: a primeira, em que, graças ao seu talento, desequilibra os jogos individualmente; a segunda em que, depois dos adversários perceberem como o anular individualmente, o jogador passa a decidir os jogos colectivamente.

Para o Ronaldo, que é muito egocêntrico, não foi fácil fazer esta transição. A sua primeira fase acabou mais ou menos a meio do último ano em Manchester, e a segunda só chegou na segunda época em Madrid, já com Mourinho, entre esses dois momentos, Ronaldo andou à procura do seu lugar, a desperdiçar golos e a perder títulos. Na selecção, a segunda fase de Ronaldo ainda não chegou e duvido que vá chegar.

Ronaldo vai ser o melhor jogador presente no Europeu – de muito, muito longe, e só não o seria se o Messi jogasse – mas vai passar despercebido, precisamente porque o Paulo Bento não vai ter lata para fazer o que é preciso.

O que é que era preciso?

1 – Montar uma defesa e um meio-campo de ferro, sem panaleirices, para jogar em contra-ataque, à italiana;

2 – Deixar os três avançados, mas com três elementos rápidos, ratos a jogar à bola e o mais soltos e, ao mesmo tempo, livres, quanto possível;

3 – Ensinar o Ronaldo a passar a bola no momento certo.

O golo de Portugal contra a Turquia devia ser mostrado e repetido antes de todos os treinos, porque é a única (e grande) hipótese desta Selecção ter sucesso: Ronaldo com espaço, a aparecer em posição de remate e, no momento certo, a passar a bola ao Nani, que só teve de olhar e marcar. O Ronaldo é tão perigoso no um contra um que não é preciso mais do que isto e uma defesa de betão para ir longe neste Europeu ou no próximo Mundial.

Portugal teria boas possibilidades de ser campeão europeu se o Ronaldo chegasse ao fim do campeonato com um golo marcado e seis ou sete assistências.

Jogadores destes aparecem de 20 em 20 anos, e nos só o vamos perceber quando andarmos há 30 a falar «dos tempos do Ronaldo».

Um último argumento: o Maradona foi o melhor jogador e marcador da Argentina no Mundial de 1986, que a Argentina ganhou. Sabem quantos golos marcou dos 3 com que a Argentina bateu a Alemanha na final? Nenhum. Só deu a marcar. No jogo mais difícil e decisivo, o melhor jogador do mundo não marcou nenhum golo, e foi campeão.

Porque é que eu sei que o Paulo Bento não vai ter lata? Porque o ponta-de-lança esperto, rato e finalizador de que o Ronaldo e esta selecção precisavam para ganhar o Europeu está no Brasil, tem 75 anos, e chama-se Liedson.

Numa competição com 3 a 6 jogos num mês? Ai não que não era…

*

Ao pessoal que tem aparecido e ficado a seco, uma explicação: as aulas acabam para a semana e têm sido avaliações atrás umas das outras. A partir de terça/quarta-feira cá nos veremos mais vezes.