quinta-feira, 8 de março de 2012

Póquer de ternos?

Não sei se 22 milhões de euros por época durante 5 épocas é um bom valor ou não, se está acima do preço de mercado, abaixo ou se bate no ponto. Deve haver 10 ou 11 pessoas em Portugal que o sabem, de facto, e parto do princípio que pelo menos uma delas trabalha para o São Martinho de Penafiel. Espero que pelo menos outra trabalhe para o Benfica, e que seja a mais bem paga porque, em princípio, isso significará que é a melhor.



Em relação a isto, só posso ter ideias.

Tenho ideia de que 22 milhões de euros por ano é um bom valor para quem parte de uma base 8. Quer dizer que no espaço de um contrato a posição negocial do Benfica valorizou-se 250 por cento. Isto, por seu lado, quer dizer que a desigualdade de posições era francamente favorável à Olivedesportos e que o que houve nos últimos anos foi uma exploração de uma situação de emergência do Benfica por parte da Olivedesportos. É importante que isso fique explícito (em relação ao Benfica e para todos os clubes) para que se tire da ideia que a OD fez algum favor ao futebol português e aos seus clubes. Ela não os salvou – foi salvando-os aos poucochinhos para que pudessem continuar a respirar enquanto ela enriquecia como nenhum operador da Europa Ocidental, estou seguro. Ao que assistimos foi a um regime de feudalismo. Que o Benfica, anteontem, encerrou formalmente com o documento que enviou à CMVM. Anteontem caiu um muro no futebol português, mesmo que o Benfica venha a fazer negócio com a OD – mas já lá vamos.

Tenho ideia de que 5 anos é um período aceitável, para o Benfica, mas também penso que é precisamente por aí que o Benfica está a forçar a barra. Não me admiraria que o Benfica viesse a aceitar um pouco menos por ano mas por apenas 4 épocas. Há aqui questões do ciclo económico que, certamente, serão importantes, e com as quais os gestores estarão a contar. É a função deles. Economicamente, estes são os piores tempos possíveis para se vender publicidade, e ambas as partes estão a tentar jogar com isso – a OD confiante de que o Benfica não conseguirá vender os jogos por mais do que isso por não encontrar quem lhos compre estando estruturalmente preparado para se aguentar à bomboca da crise durante mais um ou dois anos; o Benfica confiante de que todos saibam que, em 2014, os valores a ganhar com a publicidade serão muito mais lucrativos para os operadores do que hoje.



Há, no entanto, uma coisa que julgo poder dizer, mesmo sem saber as regras e as multas em caso de não notificação da CMVM: fazer publicar o teor de uma proposta deste montante num assunto desta delicadeza não é o que se faz quando tudo está a decorrer de forma linear.

Poder-se-ia pensar que isto é uma forma da Direcção do Benfica se fazer difícil para os seus adeptos, de forma a, quando aceitar a proposta seguinte, poder mitigar um relativo falhanço e dizer: «Sim, não recebemos 40 milhões, que era muito acima do valor de mercado, nem 30, mas passámos dos 22 para 25 ou 26, que era o que sabíamos à partida que o contrato podia valer.»

Não me parece que seja isso que tenha acontecido, e não me parece que seja bluff.

Se for bluff, é dos bluffs mais tomatudos que já houve no futebol português.



Em relação ao negócio, já aqui discutimos isso há uns tempos, e há lá opiniões bem mais relevantes e sensatas dos que as minhas. Aconselho que quem não viu volte a ver, e que quem participou reveja. (Estive à procura do título para fazer o link mas não me lembro de qual é, se alguém puder dar uma ajuda agradeço.)



Também não sei até que ponto é que o timing teve influência na decisão – três dias depois de uma derrota que praticamente decide o campeonato – mas não me parece que o Benfica tenha recebido o fax de manhã e respondido à tarde ou, sequer, na manhã seguinte. Fico aberto a ideias em relação a isto. Parece-me poder ser relevante, sobretudo considerando o que temos vindo a falar em relação à influência da OD nas decisões do sistema, admitida pelo próprio irmão-fundador-delator.



Mas há uma coisa que eu sei: não se faz isto sem ter uma carta na manga. Pode ser um terno ou uma quina, mas se houver lá mais três dá para póquer e ganha.

Pode ser algo como esperar mais seis meses à espera que os indicadores do mercado mudem, vendendo jogo a jogo. Pode ser uma estratégia de desvalorização intencional do mercado e de pressão sobre a OD para que as perdas a levem a ter de subir a parada sob risco de ganhar a batalha e perder a guerra . (Como os americanos no Vietname. Estavam a ganhar quando saíram, e tê-la-iam ganho se tivessem continuado a meter dinheiro e homens, por uma mera questão de força bruta. Os americanos não perderam a guerra no Vietname, ela simplesmente tornou-se demasiado cara para ser combatida, fizeram as contas, económicas e políticas, e retiraram. Tal como no Iraque.) É algo que pode correr bem. No princípio da época há sempre grandes audiências e muita gente a ir ao estádio. Em termos de valor, os jogos de princípio de época são os mais rentáveis e os mais fáceis de vender.



Não sei qual é a estratégia do Benfica, e tudo é especulativo. Mas a sensação clara que tenho é que, ao enviar a proposta e a rejeição dela à CMVM, o Benfica subiu de divisão em termos de agressividade de mercado. Uma coisa é fazer de boca, cantar de galo, entrar à leão para assustar e, depois, quando aparece o touro, recolher às tábuas. Anteontem, o Benfica jogou forte. É uma afirmação de atitude no mercado que classifico de histórica. A formalização de uma filosofia é sempre um momento decisivo. A massa que fica para se trabalhar, na realidade em que as coisas acontecem, não é o que pensa, é o que se faz, e este gesto vai ser recordado futuramente, quando o Benfica voltar a ganhar com a ajuda do seu dinheiro.

A mera assumpção de um estado de espírito atacante perante a concorrência e perante o ambiente de economia livre-concorrencial globalizada que é a actual e que continuará a existir nas próximas décadas é mais importante que o dinheiro.

A minha conclusão é essa: não é uma questão de dinheiro. Mais ou menos 3 ou 4 milhões de euros por ano não será o que vai levar o Benfica a ser melhor ou pior que o Porto. Nunca foi. Entre 1984 e 2004 o Benfica foi sempre mais rico que o Porto, investiu sempre mais, e ganhou metade dos campeonatos. O que o Benfica poderia ganhar, verdadeiramente, deste processo negocial que já classifiquei aqui, um dia, como o mais importante dos últimos 15 anos, era um estado de espírito, uma mentalidade predadora. O negócio pode vir a sair pela culatra, mas isso não interessa, porque assumindo-se este tipo de atitude cria-se uma cultura, e quando assim é o que hoje se perde ganha-se amanhã em dobro.



Só por curiosidade, aliás, e pelo mero potencial subversivo e, até, revolucionário, que isso poderia encerrar no statu quo do futebol em Portugal, gostaria muito de ver um cenário do Benfica a tomar em mãos o seu próprio negócio, sem intermediários. A visão de que seria mau por se perder dinheiro a curto prazo parece-me manifestamente curta. Quando o Infante D. Henrique mandou os primeiros barcos para Marrocos também não foi ganhar dinheiro – perdeu-o. A possibilidade a longo prazo, pelo próprio efeito de onda que toda a dinâmica acaba por criar, parece-me incrivelmente mais atractiva.

Mas eu sou um bocado aventureiro, confesso…

13 comentários:

  1. Quando eu dizia que o Porto ia passar com o City não era por ser maluco.
    Que o City tem uma boa equipa já se sabe, mas a questão nunca foi essa. Uma coisa é o que uma boa equipa sabe jogar, a outra é o que está disposta a jogar. A diferença deste jogo para o das Antas é que, no Porto, o City foi convencido de que estava a jogar uma final, enquanto que com o Sporting entrou convencido de que tinha 90 minutos para cumprir calendário e outros 90 para jogar a sério e decidir a eliminatória em Manchester. (Aliás, ainda é isso que pensa, e provavelmente com razão.)
    Perdeu este como perderia com o Nápoles, o APOEL, o Málaga, o Braga, etc, etc, etc. Por desconcentração pura. Assim como o Sporting jogou o mesmo que joga com o Rio Ave, o Brugges, o Lokomotiv de Valverde, etc, etc, etc.
    Se a isto juntarmos a história felicidade do Sporting com equipas inglesas, a histórica dificuldade do Porto com equipas inglesas, a maior erupção solar dos últimos cinco anos e os efeitos magnéticos na Terra está explicada a vitória do Sporting sobre o Manchester City.
    O Porto, com 1-0 nas Antas, a poder jogar em contra-ataque lá, tinha limpado os tipos, certinho, direitinho.

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  2. E o Ricardo coração de agressão voltou ao estado de graça inicial... Em Inglaterra levam 8 ... Uma aposta? ( deus queira que nao acabe como o daniluh...)

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  3. O mais engraçado desta historia toda é o facto de tanto o zbording como o porko estarem, contratualmente, ligados ao Benfica. Tais quais sanguessugas...

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  4. Grande vitória do meu Athletic em Manchester. Ficam a saber que é a minha equipa em Espanha. A ganhar, a perder, na primeira, na segunda, sempre. Orgulho, peito, carácter, identidade, há 20 anos como agora. Impressionante a imagem dos adeptos nos festejos do segundo golo.
    Só uma equipa acreditaria que pode ganhar ao Barcelona na Final da Taça do Rei, mas essa equipa é precisamente a que a vai jogar com o Barcelona a Final da Taça do Rei. Eu também acredito.
    E se acham que não é coincidência que a minha equipa em Espanha não seja espanhola... têm toda a razão.
    Aguardo com expctativa ouvir mais uma vez o hino espanhol emudecido pelos assobios catalães e bascos.
    Não é defeito, é feitio...

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    1. Em Espanha também sou "leão", infelizmente só consegui ver os últimos minutos do jogo. Quando os adeptos preferem ver o clube a descer de divisão do que a ver algum jogador não-basco a envergar a camisola do seu clube, está tudo dito. É a vitória da identidade sobre todo o resto. Ai se o meu Benfica fosse só um bocadinho assim...

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    2. Hugo,

      Nisso estamos de acordo. Já o tinha dito nos blogs do record. Em Espanha, sazonalmente posso gostar de um ou outro clube (é um flirt). Mas o amor é pelo Bilbao. Quem ergue a bandeira que eles ergueram e a defende como eles a defendem, com principios que vão muito para além do negócio futebol, merecer ser feliz. É preciso trabalhar muito para combater orçamentos muito superiores apenas com recurso a uma filosofia de vida e a uma forma de estar. É coração e é caracter.

      Abraço
      RS

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  5. Também não acho que tenha sido "bluff". Isso só acontece nas cabeças dos desesperados que começam a sentir o chão a fugir debaixo dos pés pois um dos grandes argumentos que utilizam para atacar a direcção do clube é a afirmação (falsa) de que LFV está a fazer o favor ao Oliveirinha por ser seu amigo. O que é totalmente falso como se provou.

    Também sou a favor de que se deve semear primeiro para colher depois. Os que tentam fazer o contrário, um conceito muito em voga em Portugal, dão-se sempre mal. E não percebem porquê. Tudo o que se ganhar para além dos 12M€/ano, para mim que sou modesto, já é positivo, se pensarmos que estamos neste momento a ganhar escandalosamente apenas 7M€.

    "Wait and See" é por vezes a melhor estratégia...

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  6. Falta saber se esta recusa não tem haver com a comparação do que pagam ao Porto por epoca (20M) e num contrato apenas de 4 anos.
    É quase igual a pagarem 22M por epoca mas num contrato 5 epocas.
    Opinião pessoal sem ser um dos 15 que podem saber detalhes sobre estes valores, fez bem, por 27M o Benfica estou em crer que assine.

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    1. Se o Porto recebe 20 por 4 anos passo a acreditar que a proposta era mesmo para não ser aceite...
      O Benfica ganhar menos que o Porto? Impensável.

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  7. "dos bluff mais tomatudos..." Priceless!

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  8. Concordo que seja um bluff, mais tarde ou mais cedo o LFV irá assinar o contrato, talvez com uma proposta um pouco maior.

    22 Milhões por época são 1,4666 milhões por jogo, é muito dinheiro não vejo como poderá o SLB captar receitas desta ordem, penso que assinava este contrato com uma duração inferior(dois anos), a duração para mim é o factor menos positivo, é muito tempo, demasiado, agarrado a um contrato, não sei é se o "oliveirinha" ia na estória.

    Para aqueles que pensam ser este o principio do fim da Olivedesportos, pensem nisto esta empresa ficará com os direitos de 225 dos 240 jogos do campeonato (mais ainda em caso de alargamento), liga honra, e das seguintes ligas: espanhola, inglesa, italiana, alemã, francesa, holandesa, russa, argentina, mais outros desportos nomeadamente F1, NBA. Não será fácil destronar este império.

    O melhor será esperar pelos próximos acontecimentos.

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    1. Penso que não é apenas para os 15 jogos do campeonato.Há a incluir os jogos europeus,da taça e da liga.

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    2. Penso que os direitos são só do campeonato.

      Os direitos da Champions e da Liga Europa pertencem à UEFA, que os vende aos diversos operadores, por isso é que há um prémio que se recebe usualmente chamado de "Market Pool".

      A RTP é detentora dos direitos da Champions escolhe um jogo por jornada e cede os restantes à Sportv.

      O mesmo se passa com a SIC em relação à Liga Europa.

      O detentor dos direitos da Taça da Liga é a SIC e a Sportv apenas fica com os jogos não escolhidos pela SIC. Penso que os clubes cedem os seus direitos à Liga, que por sua vez vende o pacote a um operador e o dinheiro reverte para os clubes na forma de prémios de participação.

      Já no Campeonato a Sportv escolhe 1º, a TVI escolhe outro jogo e os restantes ficam para a Sportv, pois aqui é ela a detentora dos direitos. Estes são os direitos que o Benfica está a vender.

      Na Taça de Portugal não sei como funciona, o detentor dos direitos neste momento é a Sportv, com excepção da Final pois tem que ser transmitida obrigatoriamente em canal aberto.

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