quinta-feira, 15 de março de 2012

A Quadratura do Esférico (III)

O Factor Pingo Doce



Quando o tipo da Jerónimo Martins foi à TV explicar porque tinha mudado a sede para a Holanda (depois dos outros 29 PSI20’s terem feito o mesmo pela calada da noite e sem dar cavaco a ninguém) disse, basicamente, três coisas:

- Que não ia pagar menos impostos (o que é quase verdade);

- Que lá tinha mais crédito (o que é treta);

- E que não podia gerir um negócio sem saber se, daí por um ano, Portugal ainda ia estar no euro (o que é completamente razoável e, de resto, o único argumento válido).



Considerando que os clubes são, hoje, sem dúvida, entidades económicas, quer tenham ou não estatuto jurídico de SAD, a minha questão é apenas esta:

- como é que se pode pedir a qualquer gestor de clube em Portugal que faça um trabalho profissional, competente e de médio/longo prazo se, a qualquer momento, e de um ano para o outro (já para não dizer de Maio para Agosto), por causa de uma bola na trave no último jogo de campeonato, pode passar de uma receita potencial de 1 milhão de euros para uma receita máxima de 100 mil euros?



Dizem que os dirigentes do futebol são uns irresponsáveis, em grande parte é muita verdade, mas se fossem responsáveis sabem o que seria a I Liga portuguesa? 14 ou 15 clubes a jogarem com sub-21 portugueses, brasileiros e ganeses, porque um gestor realmente responsável conta com o pior cenário, e o pior cenário neste caso seria passar dois ou três anos na I Liga a ganhar dinheiro suficiente para, no caso de descerem de divisão, terem dinheiro no banco suficiente para sobreviverem mais 10 ou 15 anos sem deixar dívidas a jogadores, fornecedores e bancos.



Não sei se há algum negócio no mundo que sobreviva a uma lógica económica em que o risco de ter uma quebra de receitas de 500 ou 600 por cento de um ano para o outro seja um factor de cálculo permanente.

É, simplesmente, ridículo.



Impor um sistema de rotatividade permanente na I Liga é impor o aspecto desportivo ao aspecto económico, e em economias mais ricas isso não é forçosamente problemático, mas na economia portuguesa, e à escala do futebol em Portugal, com as especificidades do futebol português, é irracional e dramático.

Arrisco dizer que nem sequer é uma questão de escolha – é uma questão de sobrevivência.



Outra questão igualmente importante:

- que garantia pode um gestor de clube a um patrocinador ou a investidor se nem sequer pode garantir que, daí por um ano, ainda vai jogar com Benfica, Porto ou Sporting e ter jogos vistos na televisão?

Na verdade, o que é que um dirigente de um Feirense ou de um Setúbal tem para vender? Oito meses garantidos?

Quando se pensa nisto de um ponto de vista económico é uma verdadeira loucura.

Os únicos 4 clubes em Portugal actualmente com verdadeiro poder negocial são Benfica, Porto, Sporting e Braga. Porquê? Porque são os únicos que podem dizer aos seus parceiros económicos (e contar com isso nos orçamentos plurianuais) que não vão parar á egunda divisão. O Gumarães, que é o Guimarães, este ano esteve por um fio. Se não tivesse tido alguma sorte com a chicotada psicológica, da maneira que aquilo está, hoje seria um dos candidatos à descida.



Eu arrisco dizer que o futebol português tem vários problemas económicos estruturais, todos solúveis com o tempo, mas há um de entre esses problemas que torna o negócio, na prática, inviável. Esse problema basilar é o de haver descidas de divisão.



Pelo contrário, se um clube como o Setúbal pudesse garantir que, pelo menos durante dez anos, não viria a cair na II Divisão, todo o seu contexto económico seria potencialmente diferente. Claro que poderia continuar a ser vítima de maus gestores, mas saber-se-ia, então, que são de facto maus gestores, e não apenas bons gestores colocados perante um negócio impossível de conduzir.



O Factor Eucalipto



O Factor Eucalipto decorre da mesma lógica que o Factor Pingo Doce, mas não se aplica apenas à vertente económica.

Actualmente, os pequenos clubes em Portugal são recursos de consumo rápido. Basicamente, a sua utilidade real é a de fazer de figurante nos jogos que permitem aos grandes fazer receitas televisivas, de bilheteira e outras para depois poderem aparecer na Europa e digladiar-se entre si. Os clubes pequenos são descartáveis. São eucaliptos. Planta-se, bebem a aguinha toda em redor, deitam-se abaixo, faz-se pasta de papel, consome-se e vêm outros a seguir.

O problema disto é que, no fim, só há eucaliptos, tornam-se uma praga, Ora, Portugal não é um país de eucaliptos – é país de árvores de raízes profundas. Oliveiras, sobreiros, castanheiros… Árvores com personalidade. Com carisma. Com mística. E ainda bem.



Um clube de futebol precisa de tempo para deitar raízes, e o futebol português também. Como qualquer outro, tem de ter condições para criar tradições, rivalidades, mitologias. Isso não se consegue com objectos descartáveis, e só se consegue com tempo e com estabilidade. Com continuidade. Aqui, em Itália, em Inglaterra, na América ou na China.

Este será o factor menos objectivo dos quatro que apontei, mas não me parece que seja menos importante. Há clubes em Portugal que podem, com estabilidade económica e estabilidade desportiva, estabelecer uma ligação forte à população das suas terras. Clubes hoje caídos em desgraça, como o Chaves, o Farense, o Salgueiros e outros, têm um potencial de implantação cultural igual a um Marítimo, a um Setúbal, e estes, por seu lado, com os mesmos factores de estabilidade, poderiam ascender a um grau de importância maior, que, não sendo comparável ao dos grandes, seria suficiente para criar uma verdadeira classe média no futebol português, e dar-lhe uma base demográfica e territorial que o fortalecesse. Dar-lhe um corpo organicamente estável.

O que há hoje é, na prática, três reis, dois camelos e um deserto. (Sim, um dos reis vai a butes…)



Perante isto, há a questão óbvia: sendo assim, sem descidas, como é que deveria ser a I Liga portuguesa, e quem é que jogaria?

É a resposta que vou ensaiar no próximo post – ou no outro a seguir, uma vez que amanhã há dos jogos relativamente importantes cá para o pessoal…

4 comentários:

  1. Primeiro ponto:
    - 2.ª mão da Liga Europa a 5 de Abril, três dias antes do Sporting-Benfica. Aqui, equilibraram-se as coisas. Saíu melhor a emenda que o soneto.

    Segundo ponto:
    - Piores adversários possíveis para o Benfica em relação a dificuldade/viagem: Bayern e APOEL. Qualquer um sem ser o Bayern, assinava já por baixo.
    - Piores adversários possíveis para o Sporting nos mesmos parâmetros: Metalist (ui…!), Schalke, Hannover.
    Entre isto e as possibilidades reais de apuramento que saírem do sorteio vai-se jogar uma parte do destino do Sporting-Benfica.

    Terceiro ponto:
    - com o Sporting a jogar na 5.ª feira, vai dar dérbi na 2.ª feira, último jogo de uma jornada que terá um Braga-Porto. O que isso poderá significar para a abordagem do Benfica ao jogo de Alvalade, só na altura saberemos. E se der empate e o Benfica, com uma vitória passar para a frente a quatro jornadas do fim? (ui, ui….!)

    Quarto ponto:
    - Não me lembro de outra ocasião em que uma equipa tenha tão flagrantemente derrotada pela sua própria soberba. Nem com o 0-1 o City considerou a hipótese de ser eliminado. Só com o 0-2 isso lhes passou pela cabeça. Começaram a jogar à bola e marcaram 3 golos. Com mais cinco minutos teriam dado a volta á eliminatória. Enquanto isso, o Sporting elimina a equipa mais cara do mundo com o Rui Patrício a fazer a defesa da noite, a remate do outro guarda-redes, depois de ter estado a ganhar por 2-0 fora. Como explicar isto? É fácil: é o Sporting.

    Quinto ponto:
    - Há três equipas ao alcance do Sporting: AZ Alkmaar, Hannover e Metalist. Todas as outras dão eliminação. O factor menosprezo, que permitiu ao Sporting apurar-se frente ao City, já não vai existir. Eu quero que lhes saia o Metalist. Muito.

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  2. Acontece que o Metalist é uma especie de Shaktar que tem alguns sul americanos.Quero ver o SCP em San Mames.Só para ver no que dá.

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  3. Com este argumento da instabilidade financeira,estou quase a deixar-me convencer.O único ponto que me faz estar céptico,é o factor cultural.Não haver descidas,com a mentalidade existente,seria um rogobofe.E os próprios adeptos não estão preparados(eu não estou)para que não haja descidas e subidas.

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