segunda-feira, 5 de março de 2012

Leões e raposas

«Só há uma coisa que vos posso prometer: sangue, suor e lágrimas»

Winston Churchill



«O que é que podemos fazer?», pergunta o Fehér29 num comentário.

Antes de mais nada, isto que estamos a fazer.

Estive o dia todo fora e, quando cheguei, fiquei radiante, confesso, com a quantidade de comentários e com a dedicação ao clube que transpira em todos eles. Podem-me dizer que não é nada de especial, mas eu acho que é. Porquê? Porque a inspiração que leva um pai de família a devotar o seu tempo ao Benfica num blogue é o mesmo que o leva a comprar títulos da Operação Coração e é o mesmo que o leva a ir ajudar a carregar tijolos para o Estádio da Luz, quando é preciso. Há quem tenha vergonha do povo benfiquista dar tanto de si, sem pensar no que os outros pensam, ao clube. Eu não tenho. Comprei um título da Operação Coração, não tenho vergonha nenhuma e compraria outra vez, se achasse que era necessário. Não ando em manifestações de rua contra os árbitros, porque acho que não faz sentido nenhum, mas jamais recriminarei quem ande. Isso é energia pura.

No Benfica há lugar para todos, até para os mais radicais, como o nosso Manuel (Manuel, cada vez gosto mais da tua convicção pretoriana. És de boa cepa. Só acho que separar o mundo entre os arianos e os outros, sem aceitar que há, de facto, todo um mundo de hipóteses pelo meio, que podem ser exploradas, não só é perigoso como é inútil. Todos os radicalismos acabam da mesma maneira. Todos. Não digo que o meio termo seja a solução, até porque não gosto do meio termo, mas também aí não há que ser radical: não ser radical não significa ficar pelo marasmo da mediania. Força, sempre. Radicalismo… só até certo ponto, antes de se tornar destrutivo).



«O que é que podemos fazer?», é a questão.

Esta é uma questão política (claro…). De poder.

No fundo, quer dizer: «O que é que eu posso fazer?»

Como eu sei que vocês gostam, vou usar alguns ensinamentos de mestres da política.

Disse Platão, na República: «A arte de fazer política é a arte de conduzir carneiros sem chifres e com duas patas.»

Disse Tomás de Aquino: «O poder do rei é dado por Deus, mas se esse poder não for usado com justiça o povo não tem apenas o direito à revolta: tem o dever de se revoltar.»

Disse Maquiavel: «Em política, há um tempo para ser leão e um tempo para ser raposa.»



Um dos grandes momentos políticos do século XX foi o das eleições inglesas imediatamente a seguir à II Guerra Mundial. Winston Churchill, do Partido Conservador, então primeiro-ministro, concorreu à reeleição. E o que aconteceu foi extraordinário. O homem que tinha levado a Inglaterra à mais importante vitória de todos os tempos, salvando o país da invasão nazi, foi derrotado nas urnas. O povo inglês, numa impressionante demonstração de autonomia e consciência política, decidiu que estava na altura de passar de uma política de leões – de força e obstinação, de sangue, suor e lágrimas – para uma política de raposas, de audácia, inteligência. O povo inglês entendeu a mudança dos tempos e a necessidade de mudar de vida e elegeu um Trabalhista para primeiro-ministro, ditando o fim da carreira política de um dos maiores estadistas da sua história, no seu momento mais glorioso.

Como é possível que isto tenha acontecido? Aconteceu, antes de mais (e sem discutir se a decisão foi a certa ou não), porque o povo inglês sempre manteve viva a sua tradição democrática, o seu juízo crítico, a sua capacidade de pensar pela própria cabeça, a sua individualidade, o seu poder de decisão.



O que é que nós podemos fazer?

Antes de mais, não sermos carneiros. Manter o espírito crítico mas, sobretudo, sermos inteligentes. Tentar separar o trigo do joio, procurar na diversidade de opiniões – que existe, demos graças por isso – o que faz mais sentido, o que é o melhor. A democracia é muito bonita, e muito útil para manter a paz, mas (e aqui vou buscar Aristóteles, outro mestre imortal) mal exercida facilmente degenera para a demagogia, que é o pior dos sistemas.

Nestas coisas nada acontece de um momento para o outro. Ninguém vai estalar os dedos, ou fazer uma invasão do Estádio da Luz, e de repente o Benfica joga mais que o Barcelona. Não é assim que as coisas se passam (felizmente, senão não tinha graça nenhuma). Mas se se mantiver a atitude certa, há momentos em que o poder gerado a partir da formação da opinião pública, passo a passo, cabeça a cabeça, chega, de facto, ao poder instituído, e o molda. No mundo real, digamos assim, as ideias demoram entre 20 a 30 anos a chegar ao poder. O ecologismo, por exemplo. Aqueles que, nos anos 60, eram estudantes universitários, nos anos 80 e 90 chegaram às instituições – ao Governo, às assembleias representativas, aos cargos públicos. O ecologismo chegou ao poder. É sempre assim. Demora tempo, mas chega-se lá. E enquanto isso há novas ideologias a formarem-se debaixo da superfície. Discutir, gerar ideias, gerar consensos, não é chover no molhado: é o processo político em acção. E, ao contrário das revoluções, a ideologia macia tem a tendência para se manter se for virtuosa, enquanto o que nasce de movimentos contra-natura tende a apodrecer prematuramente.

Quem é que nos diz que, aqui a três, quatro, cinco anos, as pessoas que hoje andam na Net a ler teorias malucas não terão a oportunidade de, lá dentro, colocar em prática uma ou outra mais exequível?

Quem sabe que oportunidades, que movimentos cívicos, que movimentos sociais espontâneos, mais ou menos bem pensados, vão aparecer, e se algum entre eles, pela sua qualidade, não terá a capacidade de se impor como gerador de poder e de intervir na tomada de decisão?

Nessa altura, se quem for chamado a intervir estiver imbuído das ideias certas, o Benfica ficará mais forte, estará mais perto do que todos desejamos.

Nada impede, aliás, que os benfiquistas se organizem para intervir. Já o fizeram muitas vezes na sua história, e foi isso que fez o Benfica ser maior que os outros.

Todos os gestos contam. Se eu tivesse dinheiro e vontade para comprar uma camisola, neste momento, comprava uma do Javi Garcia. Porquê? Porque acho que é um jogador à Benfica, pela qualidade e pelo temperamento. É só um exemplo – até porque nunca fui de comprar camisolas, nem sou de idolatrar jogadores. Ou então, pelas mesmas razões, compraria uma do Emerson.

Outra coisa que eu não faço: não vou para a Net queixar-me dos árbitros aos portistas ou aos sportinguistas. Claro que não vou. Porquê? Porque é disso que eles gostam. Por mais razões de queixa que possa haver, há uma coisa de que eu tenho a certeza: qualquer portista tem muito mais medo de um benfiquista que tenta encontrar as razões da derrota na sua equipa que nos árbitros. Se conhecerem algum portista em que confiem (isto agora soou mal…) perguntem-lhe quem é que ele mais teme: um tipo pragmático ou um calimero? É por isso que eu digo que não me importo nada de haver corrupção, desde que se saiba as regras do jogo. Só chora quem perde. Do presidente do Benfica espero apenas que seja melhor a jogar que os outros. A conversa toda que houve neste blog nos últimos dias, sobre os árbitros e os esquemas, é interessantíssima, mas quando eu disse que o Benfica devia preocupar-se em dominar o sistema antes de acabar com ele levantaram-se logo vozes a dizer que «temos de ser melhores que eles». Tudo bem, são opiniões, agora não venham é dizer-me que eu não dou a importância que devia às arbitragens, porque é difícil ser mais pragmático nisto do que eu. Os árbitros são corruptos? Perguntem o preço e comprem-nos, digo eu. Se não forem corruptos, calem-se e aguentem-se à bomboca. Agora, calimeros, comigo não dá. Não tenho feitio nem paciência para andar a choramingar pelas esquinas da Internet e a queixar-me da vida para tudo ficar na mesma. O que o Vieira veio dizer do Proença é uma paneleirice, ponto final. Mais valia estar calado. Mais valia mesmo, porque éoque não nos fortalece enfraquece-nos, e aquilo foi uma resposta fraca e pouco convicta. Para encher os ouvidos do pagode. Nem ele acreditava no que estava a dizer.



Sim, os adeptos devem questionar Jesus. Os adeptos devem questionar tudo. O que não devem é ser parvos. E, pelo que li aqui, ninguém está a ser parvo. Não é irracional nem desleal considerar que Jesus, provavelmente, já deu o que tinha a dar. Ou é suposto morrer no banco? De insubstituíveis está o cemitério cheio e até o mausoléu do Lenine já conheceu melhores dias.

Mudar por mudar? Não. Péssima ideia. Mudar para melhor? Sempre. Em qualquer situação. Seja quem for. Tem é de se ter uma convicção bem fundada de que é pelo melhor. Trocar Jesus por Domingos? Não, obrigado. Por Villas-Boas? Porque não pensar nisso, se for o melhor? (E digo já ao Manuel, antes de ele ter um congestionamento cardíaco, que pensar nisso é diferente de querer isso. Eu, por exemplo, pensei bem nisso, nas vantagens e desvantagens, e não quero. E olha que não é por falta de capacidade técnica.) Por Paulo Bento? Vai aparecer este cenário, não tenham dúvidas disso.

Vai chegar uma altura em que falaremos melhor disto, e até é possível que cheguemos à conclusão que entre deixar o Jesus acabar o contrato ou trocar de treinador seria mais favorável a primeira. Agora, fazer do Jesus um intocável, se o compararmos com outros treinadores que até estiveram menos tempo no clube do que ele, só porque é um tipo que está lá temporariamente empregado? Isso seria uma desonra dos valores benfiquistas. Se há uma coisa de que o Jesus não se pode queixar da parte da Direcção ou dos adeptos do Benfica é de deslealdade. E tenho a certeza de que, mesmo saindo no Verão, nunca o fará.



Em relação ao Vieira, o mesmo se aplica. Penso que, aqui, a questão da política dos leões e da política das raposas também se aplica. Vai caber aos adeptos do Benfica decidirem se o tempo é para leões ou para raposas, e quando é que deixa de ser de uma para ser de outra.

Penso que seria um erro o Vieira sair do Benfica já nas próximas eleições. Não me parece que o Benfica esteja, ainda, suficientemente robusto para aguentar a rotatividade democrática e, de facto, a dimensão do Benfica leva a que o clube se torne muito acessível a muita gente desaconselhável. Mas se aparecessem um ou dois candidatos bons, não-populistas, que levassem a debate ideias correctas e úteis, que despertassem o sentido crítico dos benfiquistas  sem eleitoralismos, e se com isso o Vieira viesse a ganhar com 55/60 por cento dos votos, penso que seria a melhor coisa que podia acontecer ao Benfica desde que Fernando Martins saiu da presidência. O mais importante para o Benfica, neste momento em que económica e desportivamente está a ganhar muita força, seria voltar a despertar a sua tradição democrática e dialéctica, porque essa é que é a sua força original.

Vieira ganharia um lugar (ainda mais) cimeiro na história do Benfica se, mesmo sem voltar a ganhar um campeonato nos próximos dois anos, fizesse o seguinte: acabasse de recuperar estruturalmente o clube, acolhesse duas ou três individualidades fortes e credíveis com ideias diversas em relação ao futuro do clube; apresentasse a demissão e desse espaço de decisão aos adeptos, sem o perigo de demagogias.

Se fizesse isto, Vieira, mais que um presidente, tornar-se-ia num estadista, o maior na história do clube.

Mas não esperem que isso aconteça. A primeira tendência do poder é apoderar-se do vazio e perpetuar-se. A segunda é ser deposto por um poder maior.

8 comentários:

  1. E, já agora, que o Benfica passe com o Zenit. Perdido por perdido o campeonato por causa da brincadeira da Champions, o menos que nos pague a época para não andarmos de mão estendida no Verão.
    2º lugar no campeonato e quartos-de-final na Champions na mesma época seria melhor, por exemplo, do que o que o Sporting fez em 90 por cento da sua história. Não sei se se tem bem noção disso mas há que ter em conta estes «pormenores»...

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  2. Concordo com tudo mas é preciso garantir o 2º lugar no campeonato. E contra o meu âmago falo, que sou um romântico (daqueles que fazem Excel para verificar se os resultados da 1ª volta de Benfica e FC Porto permitiriam ao Benfica ganhar o campeonato, mas não dá...) e continuo a achar que o Benfica ainda vai conseguir ganhar o campeonato. Como escreveu o RAP, um benfiquista mesmo a perder por 2 ou 3 a 1 min do fim acha que se marcarmos naquele lance ainda conseguimos dar a volta ao resultado e ganhar! E ainda falta a Taça da Liga, hipótese de mini-vingança ou perpetração da humilhação.
    Romantismos à parte, como interpretas as declarações do Pinto da Costa, tão suaves após mais uma vitória na Luz e ao mesmo tempo a passar a mão no pelo ao JJ?

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    1. Em termos práticos, o que é que ele perdeu ao fazer aquelas declarações? Nada. Estava no papel de vencedor.
      E o que é que ganhou?
      Enumeremos só dois pontos, entre outros que possa haver:
      1 - Relativizou a vitória para o interior da sua própria equipa e para o exterior. De facto, não é de todo impossível imaginar o Benfica a fazer só mais um mau resultado até ao fim do campeonato e o Porto a fazer três e a perder o título. Quase impossível, sim, Impossível, não. Imagina o Pinto da Costa a cantar de galo e a morrer no forno. Seria o fim da sua aura.
      2 - Lançou a confusão no seio do adversário. Só por abrir a boca, diga bem ou diga mal, o Pinto da Costa tem o poder suficiente para desestabilizar o Benfica. Lembram-se dos elogios ao Roberto? Ao dizer isto, ele distrai os benfiquistas e desconcentra-os. Em vez de se concentrarem nos objectivos, os benfiquistas começam a dizer que ele está a dizer aquilo porque quer ir buscar o Jesus, ou porque não quer que o Benfica mude, ou porque quer que piore e está a fazer uma «inversão psicológica», etc, etc.
      É uma jogada que só funciona porque os benfiquistas se permitem fazer o papel de presa, e não de predador.
      Qual é o problema do Jesus ir para o Porto se o Benfica estiver convicto de que o gajo que vem é melhor? O que é que interessa o que diz PC se os benfiquistas souberem exactamente o que vale a sua equipa, onde pode melhorar e onde já é muito forte? Não interessa nada.
      É um jogo mental que só funciona porque os benfiquistas assumem, à partida, uma posição de inferioridade, e só a assumem porque não estão dispostos a pensar pela sua própria cabeça e a assumir as consequências das suas conclusões.

      Queres saber o que um grande presidente do Benfica teria dito depois disso, em vez de vir falar «do senhor Proença»? Teria dito isto, ipsis verbi:

      - o Benfica ainda não tem uma excelente equipa, mas estamos a tentar melhorar gradualmente. Para já, como demonstram os resultados dos útimos anos, temos apenas a segunda melhor equipa portuguesa. O nosso objectivo é não só tornarmo-nos na melhor equipa portuguesa como, mais tarde, alcançarmos um nível de excelência que nos permita, por exemplo, disputar uma eliminatória europeia frente a um líder do campeonato inglês com hipóteses reais de apuramento e não correndo o risco de sermos goleados. Se outras equipas lutarem por isso o nível do futebol português ficará muito mais elevado.

      Dá para ver a diferença entre ser caça e ser caçador?

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  3. Vi agora a notícia sobre os 111 milhões. Isto merece um post mais logo, depois do jogo. É opssível que estejamos, hoje, a viver um dos dias potencialmente mais importantes na história do Benfica.
    Mas mais logo conversamos melhor.

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  4. Ora viva!
    Não respondeste ás perguntas que te coloquei no último post (não que seja obrigatório, senão não saías daqui, mas estou curioso para saber o que achas). Quando tiveres um tempinho, agradecia...

    (50 mil hoje? Depois de derrota angustiante com o Porko e mais três jogos sem ganhar?!!! MILAGRE DE JESUS?

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    1. 1 – E não só. Também em Thomas Edison, o inventor: «Se há primeira não conseguires, tentam e tenta outra vez.»

      2 – Além do que já escrevi no texto (aos poucos e poucos, sermos mais exigentes, e não abrirmos as pernas a qualquer primera página da Bola que apareça no Verão), experimenta fazer-lhe um desenho. Mas fácil, porque a inteligência, ali, não abunda…

      3 – Não, não devemos. Devemos estar preparados para sermos os mais imundos, se quisermos poder vir a ser, um dia, os mais limpos. Mas isso eu já disse muitas vezes.

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    2. «Há primeira?» HÁ primeira?!!! Meu Deus, fiquei afectado pelo alter-ego russo...
      «à primera».

      Quanto ao Gaitán, também podes aproveitar quando ele for ao Colombo e dar-lhe uma marrada. Acho que ele ia perceber...

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    3. Obrigado. És um bacano. Bendito o dia em que dei de caras com este blog...

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