segunda-feira, 19 de março de 2012

Batalha moral

A tendência para minimizar a importância do Benfica-Porto das meias-finais da Taça da Liga é natural. É um jogo que toda a gente preferia que não houvesse, e todos estão com medo de o perder. A entrevista de Pinto da Costa à Rádio Renascença, cuidadosamente agendada, é uma clara mentalização dos adeptos do Porto em caso de derrota. Estrategicamente, como é óbvio, é muito bem jogado por Pinto da Costa, cujas palavras têm um peso institucional suficiente para amparar qualquer mau resultado que venha a aparecer na Luz. Em caso de vitória, parece que veio gozar com o Benfica com antecipação. No caso de derrota (e atenção que o facto de não haver empates é muito importante neste contexto), ela já estará minimizada e justificada à partida («jogaram com os suplentes»). Jesus fez exactamente o mesmo, mas o gesto, bem explícito e pensado, de Pinto da Costa, tem maior significado. Porque torna claras duas verdades que se tentam manter escondidas:

- para os adeptos do Porto, não é indiferente perder com o Benfica, nem tão pouco é pouco importante. É mais importante que para os benfiquistas, e em boa parte é por isso que continuam a ganhar mais vezes;

- este jogo é muito mais importante do que parece, e não apenas por ser mais um potencial desequilibrador numa época superequilibrada entre Benfica e Porto. E, aqui, é mais importante para o Benfica do que para o Porto.



Em relação ao primeiro ponto, os benfiquistas não têm muita noção disso, porque têm uma perspectiva mais ambígua da dialéctica Porto-Benfica, mas os portistas, sobretudo os do Norte, que convivem menos com benfiquistas, ainda não conseguiram libertar-se do complexo de inferioridade em relação ao Benfica. Apesar de já muito pouco, racionalmente, o explicar, o Benfica continua a ser o motor do Porto, que continua a sentir-se mais pequeno e, também, inferior. Quando se vê o Porto a bater no peito é, na verdade, uma demonstração de inferioridade, mais que de superioridade. O Porto não se consegue libertar do Benfica, é e muito provável que venha a ser esse complexo que o venha a consumir, porque, se ainda não se livrou dele, também já não vai ser agora que se vai livrar. (E isto tem algo de inevitável, porque no dia em que o Porto deixar de bater no peito vai fazer o quê? Qual é a opção? O Porto está agarrado ao seu motor, para o actual bom e para o futuro mau.)

O jogo da Taça da Liga de há dois anos, em que o Benfica ganhou por 3-0, se bem se lembram, é um bom exemplo desta toxicodependência. O jogo era para a Taça da Liga, que teoricamente pouco vale, correu muito mal ao Porto, mas nada disso importou, pois os adeptos e os críticos do Norte, claramente, ampliaram em muito o valor real dessa derrota. Uma derrota normal foi transformada num sinal de alarme – e foi também devido a ela que o Porto empenhou a casa para se fortalecer na época seguinte.

E isto leva-nos ao segundo ponto.



O facto de toda a gente estar a fazer contenção de danos não tem a ver com as sequelas físicas que mais um jogo poderia deixar nos jogadores mas sim com as sequelas psicológicas que um mau resultado pode deixar numa altura em que um único resultado imprevisto pode decidir o campeonato.

Até agora, ninguém consegue dizer convictamente que uma equipa é melhor que a outra ou merece mais ganhar o campeonato que a outra. Estamos numa fase de batalha moral, em que as duas partes – recorrendo muito, como é costume, aos álibis das arbitragens – tentam ganhar a superioridade moral e convencer toda a gente disso. Porque, se toda a gente se convencer de que uma equipa merece mais que a outra, a tendência é para as coisas irem, consciente ou inconscientemente, de encontro a isso. Os jogadores empenham de maneira diferente, os árbitros têm outro à vontade para decidir a favor do mais merecedor, etc. A superioridade moral é um factor decisivo na maior parte das guerras. Se duvidam, convençam-se de que o Porto anda desde 1978 a recolher os frutos de ter conseguido convencer toda a gente – graças a Pedroto – de que o Benfica não era um campeão justo. Os «roubos de igreja», de que Pedroto falou na década de 70, têm justificado todo o edifício desportivo e paradesportivo (falando eufemísticamente…) do Porto até hoje.



Além de tudo isto, há a principal razão para eu achar que é um erro, sobretudo para o Benfica, menosprezar este e qualquer jogo com o Porto.

Eu lembro-me da Supertaça em Coimbra em que o Benfica esteve a ganhar por 3-1 nos penáltis e perdeu por 4-3 ou 5-4. Lembro-me de ver o Pinto da Costa a chorar, de joelhos, agarrado ao terço e a agradecer à Virgem.

Lembro-me de ver o Porto ganhar 5-0 na Luz, no tempo do Oliveira. Não sei já para que foi, mas lembro-me bem desse jogo, e sei que não foi para o campeonato. Mas contou, e contou muito.

Estes foram jogos que marcaram uma época e uma superioridade. Não são apenas sintomas – são marcos geodésicos. São bandeiras cravadas num eterno jogo territorial. E é disso que se trata, realmente, quando Benfica e Porto jogam. Não é uma competição que está em causa, é um território. Seja qual for a competição.

O Porto percebe isso melhor, e por isso ganha mais. O Benfica não percebe isso tão bem. E é por isso que o Benfica, mais que o Porto, não se pode dar ao luxo de virar a cara a uma batalha.

A verdadeira missão do Benfica, neste momento da sua existência, não é ganhar campeonatos, não é compor currículos nem não é fazer contas. A verdadeira missão do Benfica, nesta altura, é pura e simples: ser melhor que o Porto. O resto vem por acréscimo, mas não é o mais importante. O mais importante, o fundamental, é ser melhor que o Porto. E isso significa fazer de cada jogo com o Porto uma oportunidade de entrar e ficar por cima.

No tipo de batalha que estes dois colossos estão a jogar, não há intervalos, não há tréguas, e quem pensar que as há não está, de facto, a refugiar-se na neutralidade – está, na verdade, a oferecer a posição cimeira, a superioridade moral, a posição elevada.

Um Benfica-Porto, neste momento da história, não tem nada a ver com as competições que se disputam.

O Porto, que percebeu isso há muito tempo, passou a ganhar competições.

O Benfica, que resiste em aceitar isso, continua a procurar ganhá-las.

Esta terça-feira há mais uma batalha. E quem pensar que vai para uma negociação arrisca-se a perder muitíssimo mais do que o que julga. Com mais ou menos suplentes em campo.



PS1 – Vocês continuam convencidos de que o Paixão faz isto por dinheiro? É pela atenção, pá. No dia em que ele apitar um jogo e o nome dele não aparecer os jornais o homem suicida-se.



PS2 – É natural que o ritmo de posts venha a descer para um de 2 em 2 dias. A coisa está a apertar deste lado. Mas vou continuar a escrever todos os dias, nem que seja para comentar os comentários.

PS3 – Não me esqueci da Charrua…



PS4 – Não me esqueci da fórmula secreta para o melhor campeonato português do Mundo. Vem esta semana, comprometo-me.



PS Vita – «just kidding….»

7 comentários:

  1. Agora a ver a saída do Paixão do campo percebi que o Sporting tem um trunfo espectacular que ainda não jogou: o Paulinho.
    O que é que um árbitro pode fazer se o Paulinho começar a mandar vir? Vai expulsar um deficiente?
    E imaginem que o Paulinho começa a espingardar durante o jogo? Já imaginaram no poder que isso daria ao público? «Até o Paulinho está revoltado, pá!»

    A «exibição» do Sporting em Inglaterra já vai, segundo o tipo da SportTV, em «estrondosa». Imaginem se tivessem passado do meio-campo na segunda parte …

    Há outra «nuvem» que se vai acastelando no horizonte: se o Sporting continua a afundar-se desta maneira (e a tendência, à medida que avança na UEFA, é para piorar), que Sporting é que chegará à «mãe de todas as jornadas», daqui a um mês, para receber o Benfica? E que Braga, se continuar desta maneira, é que chegará ao decisivo jogo em casa com o Porto?

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    1. Não podemos contar com o Braga em casa frente ao FCP.A historia recente o demonstra.Agora frente a nós é outra coisa.Criaram o ódio ao Benfica com base em presupostos falsos.O nosso clube´serve até para ser insultado em jogos alheios.Triste mentalidade daqueles adeptos.Resta-nos dar um murro na mesa e partir a loiça.Vamos lá partir tudo até ao final da época pois é mais que evidente que o FCP está mortinho para que acaba o campeonato.
      Já não tenho palavras para o Scp... :O Talvez agora percebam que o City começou a jogar a 45 minutos do fim.

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    2. Essa do Paulinho foi muito bem vista, sim senhor.

      Sinceramente acredito que o Braga vai fazer tudo para ganhar ao Porto. O Salvador é esperto e sabe bem que nunca mais terá uma hipótese tão boa de ser campeão.

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    3. Lembro-me de ouvir o mesmo ha dois anos. Isso do "nunca mais" tem que se lhe diga.

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  2. Esses 0-5 na Luz foi a contar para a segunda mão da Supertaça. Um descalabro. A única boa recordação que tenho desse jogo foi que após o 4º golo a minha mãe, que é benfiquista, desligou o quadro da electricidade e o meu pai, que é tripeiro, ainda hoje acha que nessa noite toda a gente ficou sem luz em casa.

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    1. Onde é que já vi isso?

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    2. Piada!... Foi o jogo em que Dimas teve uma queda aparatosa e torceu o braço.Era o tempo em que um certo jogador passava as épocas inteiras a espera de marcar ao SLB:Artur que foi do Boavista.Os tripeiros não gostam de relembrar mas no inicio da época 94/95 tambem houve uma HiperDragãoTaça em que depois do empate na Luz(grande jogo do malogrado Rui Filipe que só não contava com o nosso Guarda-redes,Saint Michel) fomos ao cemiterio das Antas para ser roubados num golo mal anulado ao Amaral,ex-setubal.
      Os azuis vangloriam-se de ter mais trofeus mas isso só é conseguido através da HipertaçaDragão.Ora a taça de Liga é um trofeu oficial e com mais do que um simples jogo portanto temos que a ganhar.Mas sempre com a ambição de mais e mais.Queremos um Benfica sedente de titulos e vitórias,sobretudo frente ao Fcp.

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