terça-feira, 13 de março de 2012

A quadratura do esférico (I)

Teoricamente, a melhor maneira de organizar um campeonato é a inglesa. Que é a nossa. Um número tão grande quanto possível de equipas numa divisão superior, em que os mais fracos descem a uma segunda divisão e os mais fortes dessa segunda divisão têm uma oportunidade de virem a ser campeões, neste caso nacionais.

É essa a lógica. Não é «vamos mudar as equipas para ver o que dá». É «toda a gente tem de ter direito a desafiar o campeão e roubar-lhe o estandarte».

É o melhor sistema, em teoria, porque é o mais aberto, o mais justo, em que cada um usa as armas que consegue fabricar ou adquirir para chegar ao objectivo.

O ideal seria, mesmo, que não houvesse limitações. Em termos desportivos, porquê 16? Porquê 20? Porquê 50? Porque não 500? Quanto mais desafiantes enfrentarem o campeão maior é a sua legitimidade, mais glorioso é o seu título. Por isso é que a Taça de Inglaterra era, até há poucos anos, historicamente mais importante, para os ingleses, que o campeonato.

Mas, na prática, a teoria é outra. Depressa se viu que, em termos desportivos, económicos e logísticos, achar o campeão dessa forma, ao contrário de o legitimar, tirava-lhe credibilidade. Com tantas equipas, e com tanta disparidade nas armas, um campeão acabaria por ter a vida mais facilitada ao tentar competir com todos (ainda que indirectamente) do que ao competir só com os melhores. Hiperbolizando, um pouco como o que acontece hoje, em Portugal, entre a Taça e o Campeonato. É muito mais fácil ganhar a Taça que ganhar o Campeonato, apesar de o universo competitivo ser, teoricamente, muitíssimo maior.



Separaram-se, então, os melhores dos segundos melhores, com estes segundos melhores a terem de prestar provas, digamos assim, antes de poderem competir com os melhores. Mas a teoria, na sua essência, mantém-se. Na teoria, nada impede o meu Atlético de ser campeão nacional daqui a dois anos, sendo que há cinco estava na quarta divisão.

É por ser o melhor sistema que o sistema foi adoptado por todos, e não o contrário – ou seja, não é por ter sido adoptado por todos que se tornou o melhor sistema. E isto é importante. A tendência natural do homem para o mimetismo – para imitar o que vê os outros fazer quando vê que têm bons resultados com eles – não é justificativo da qualidade de uma prática. Trocando por miúdos: «E se o teu primo se atirar para dentro de um poço atrás de uma moeda tu vais atrás dele, Miguel?!»



O que é que, na prática, encrava a teoria? Basicamente a economia. E a assumpção de que o desporto tem tanto de desporto como de economia, e que as duas coisas já não são (se é que alguma vez foram) separáveis. Se se tomar um campeonato como uma questão meramente desportiva, o campeonato morre. E o futebol, tal como o conhecemos, morre.



Porque é que, em Inglaterra, na Alemanha, em França, e sobretudo nos países com mais população e com mais dispersão territorial da população e dos recursos, este sistema funciona quase perfeitamente, enquanto que nos países mais pobres, mais desiguais ou com menos gente, como Portugal, cria uma situação de crescente macrocefalia e desigualdade entre os clubes, ficando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres? Basicamente, porque em Inglaterra e Alemanha, por exemplo, há 50 clubes capazes de meter entre 15 e 30 mil pessoas num estádio de futebol de 15 em 15 dias e em Portugal há 5, se contarmos com o Sporting.

Lá, é possível fazer a renovação da massa crítica e económica. Cá, é impossível. Aliás, mesmo lá, em que qualquer Rio Ave pode (podia…) andar até à ultima a discutir um título, o fenómeno da macrocefalia está com cada vez mais pujança, criando uma clique de emblemas mais poderosos que os outros que hegemonizam a conquista de títulos. Mas aí já é o próprio darwinismo social a ditar regras. O caminho natural do mais apto é ficar acima dos outros. A questão é que, lá, o pode fazer em relativo equilíbrio com o ecossistema, enquanto cá o faz à custa dele, queimando a terra por onde passou. Como os africanos primitivos.



É que, além da questão económica, há outra questão a ter em conta quando se pensa seriamente numa reformulação do quadro competitivo do futebol português.

Em Portugal, Espanha, Itália, prevalece a cultura do clube (e quando digo prevalece não é preto ou branco, é mais preto que branco, sendo que os dois existem), enquanto que, quanto mais se sobe no mapa, mais prevalece a cultura do jogo.

Recorrendo ao conceito de trissomia que já referi neste blog, cá, quando se toma uma decisão, pensa-se primeiro e sobremaneira no que é bom ou mau para clube e depois no que é bom ou mau para o jogo. Lá, sendo também esse o caso (primeiro os clubes, depois o jogo), pensa-se muito mais no interesse do jogo, da actividade em si, e não em quem conjecturalmente a pratica. É mais fácil a um holandês, mesmo com os seus grandes Ajax, Feyenoord, PSV, etc, tomar uma medida contra os clubes a favor do jogo do que a um espanhol.

E isto leva a que, em muitos casos, os clubes consumam o jogo e, mais do que praticá-lo, o depredem em seu benefício. O poder dos clubes aumenta, a saúde do jogo degrada-se. O caso português, novamente, é um bom exemplo.



Qualquer alteração à forma de competição deve ter em conta esse factor cultural, que é fortíssimo. Uma mudança que ponha em causa, de forma artificial e por decreto, os direitos adquiridos pelos principais clubes está sempre condenada ao fracasso. Ninguém aceitaria que Benfica, Porto ou Sporting passassem, de um momento para o outro, a ser iguais (na prática, e não na lei) ao Famalicão, ao Esposende ou ao Vimioso. Nem isso estaria certo, porque o que eles têm ganharam na competição, pagando-os com «sangue, suor e lágrimas» – e também com uma dívida financeira muito jeitosa, acrescente-se, que terá de ser paga.



Por outro lado, é indiscutível que o futebol português, dentro do nosso território, é demasiado pobre, e que os seus profissionais só têm as devidas condições para chegarem ao seu melhor quando saem daqui. Isso é um sinal óbvio que o ambiente competitivo entre fronteiras não é saudável. Há uma indiscutível pestilência permanente no ar. Habituamo-nos ao cheiro, como as pessoas da Idade Média se habituavam ao cheiro da merda atirada pelas janelas para as ruas («Água vai!»), mas todos preferiríamos, creio, não viver assim. E isso implica fazer alguma coisa para mudar, e não ficar sentado à espera que Nosso Senhor desça à Terra ou a rezar para que chova, como disse a outra idiota.

Nem todos são iguais, nem devem ser nivelados de forma artificial, mas tem de haver, pelo menos, mais possibilidades de se dispersar o poder, a ambição, as pequenas vitórias que provoquem novas paixões, e que se faça isso sem uma boavistada – tornando-se mais podre que os podres –, uma arcebispada – parasitando um organismo maior – ou uma sargentada – alargando campeonatos à la gardère, como quem desvaloriza a moeda para se safar quando está à rasca mas comprometendo todo o futuro.



Começando pelo princípio – e tudo isto é o princípio (enfatizo a palavra PRINCÍPIO…): criando uma liga semi-fechada.



Porquê «semi»? Porque não é fechada sempre e a qualquer candidato, nem é de permanência vitalícia.

E porquê «fechada»?

Por quatro factores principais:

1 - O factor Titanic

2 - O factor Carlos Castrado

3 - O factor Pingo Doce

4 - O factor eucalipto



Todos eles temas do próximo post, que será publicado assim que estiver escrito.

5 comentários:

  1. Estou desejoso de ler o post seguinte.Que venha ele,Hugo.

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  2. O Basileia empatou 7-0 em Munique, o que dá uma ideia de que o Bayern vai mesmo abrir as pernas aos espanhóis para entrarem à vontade.
    O Inter falhou dois golos a dois metros da linha de golo e sofreu o da eliminação, já nos descontos, quase de baliza a baliza. O Marselha ainda não sabe a sorte que teve.
    Os fiscais do Proença não falharam um único fora-de-jogo.

    Benfica, APOEL, Marselha, Barcelona, Bayern, Milão, muito provavelmente Real Madrid e aposto que Nápoles.
    Um favorito (Barcelona), dois monstros (Real e Bayern), um outsider (Milão), três carapaus de corrida (Benfica, Nápoles e Marselha) e a equipa que eliminou o Porto. Já não havia uns quartos-de-final tão abertos desde que o Mourinho foi campeão europeu em 2004. É claro que, para dizer o mesmo em relação às meias-finais, Real, Barcelona, Bayern e Milão teriam de ser eliminados...

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    1. Duma perspetiva de portista e a pensar no campeonato o melhor era capaz de ser o Nápoles. Uma equipa que joga os 90 minutos a comer a relva ia estourar o físico ao Benfica para o campeonato. Avançados mt rapidos. E o Benfica ia encarar mt a serio pq, sendo dificil, seria perfeitamente acessivel (quase 50/50). Portanto iam meter as fichas todas numa eliminatoria desgastante. Enquanto que com o Apoel passavam mas nao se cansavam e com o Barca arrumavam logo na 1a mao.

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    2. "e a equipa que eliminou o Porto ..." - oh, me gusta :) ...

      " e em Portugal há 5, se contarmos com o sporting." - ui, tão bom...

      Andas subtil...

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  3. Para ser igual essas 4 equipas teriam de jogar entre sí e depois os vencedores das 2 eliminatorias nas meias.: ))
    O futebol vive tambem de sorte quer no momento de um jogo ou até de um simples sorteio.Importante agora é Sexta-feira pois poderá haver mudanças!

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