sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Águias e falcões

Segue-se uma lista dos presidentes fortes que Pinto da Costa teve de enfrentar desde que tomou de assalto o poder no Porto a Américo de Sá (e corrijam-me se estiver enganado):

João Rocha – Foi o último presidente do Sporting a enfrentar, olho por olho dente por dente, Pinto da Costa. Note-se que, na altura (finais de 70, inícios de 80), Sporting e Porto tinham as melhores equipas portuguesas. O Benfica, apesar de continuar a ser o Benfica, estava já no início da sua decadência, em contraciclo com o Porto pedrotiano. As duas primeiras épocas de Eriksson, que apanharam os outros de surpresa pela extrema qualidade do sueco, foram uma espécie de canto do cisne de uma época dourada. O grande adversário do Porto era, então, o Sporting. A guerra do Futre, do Oliveira, do Jaime Pacheco e de outros foi toda com o João Rocha, que perdia mas não se encolhia e jogava com as mesmas armas.
Nessa altura, Pinto da Costa tinha em Fernando Martins, presidente do Benfica, um aliado – e ainda hoje a equipa vai sempre para o hotel dele.

Depois de João Rocha o Sporting entrou numa espiral de degradação do poder, em que Sousa Cintra, um empresário de sucesso e um idiota enquanto político, foi o mais estável até aparecer José Roquette y sus muchachos.

Nesse interregno entre Rocha e Roquette (sensivelmente dez anos) o Sporting foi um não-factor, quer desportiva quer politicamente, incapaz de fazer mal a alguém a não ser a ele próprio devido à mediocridade dos seus dirigentes. O próprio Sousa Cintra, no único ano em que teve hipótese de ganhar o campeonato, espetou uma garrafa de água das pedras na própria jugular ao trocar um treinador de futebol (Bobby Robson) por um tipo de bigode (Carlos Queirós).

Nesta fase, o grande adversário de Pinto da Costa foi Gaspar Ramos, o homem do futebol de Jorge de Brito (o verdadeiro chefe do Benfica, mesmo quando João Santos era, formalmente, o presidente). Os anos que se seguiram à conquista da Taça dos Campeões pelo Porto, em 1987, e o fim do mandato de Jorge de Brito, em 1994, após o Verão Quente de Paulo Sousa e Pacheco, foram de uma intensidade de conflito como não voltou a haver no futebol português – nem actualmente. Foram os anos da verdadeira bipolarização, em que personagens como Lourenço Pinto, Adriano Pinto e muitos outros sugiram em todo o seu esplendor.
A guerra acabou com a vitória de Pinto da Costa, que encontraria, depois, um novo aliado em Manuel Damásio como presidente do Benfica – outro presidente fraquíssimo, um presidente de jet-set, com o substrato de uma noz podre, como nunca tinha havido na história do Benfica e que ia contra toda a sua identidade, operária e popular.

O que se deve notar, em relação a este período, é que foi aqui que o Sporting começou a subalternizar-se, assumindo que o seu principal adversário era o Benfica (os presidentes precisavam de popularidade e o povo sportinguista sempre preferiu ganhar ao Benfica que ao Porto) e não o Porto, então claramente já o grande dominador do futebol português e quase sempre campeão.

José Roquette – No primeiro discurso como presidente do Sporting, e ante a debilidade da posição benfiquista, Roquette define a nova prioridade: «É preciso fazer o 25 de Abril do futebol.» O ditador, claro, era Pinto da Costa. Quando Roquette entrou a matar, Damásio era um (discreto mas bom) amigo de Pinto da Costa.  Quando saiu a morrer, depois de perceber que o futebol era uma economia fechada, o presidente do Benfica era João Vale e Azevedo.

João Vale e Azevedo – Que ninguém duvide que Vale e Azevedo foi um presidente forte. A demagogia, o populismo e, sobretudo, a situação de desespero a que os benfiquistas tinham chegado ante o vazio de liderança, dera-lhe uma força que nunca nenhum presidente do Benfica tinha tido. Com Vale e Azevedo o Benfica estreou o absolutismo – um sacrilégio na sua história, intrinsecamente democrática (um sacrilégio que ainda não acabou e está longe de acabar, diga-se de passagem) – mas que tenha chegado a tanto sintetiza bem o estado de decadência que atingiu.
Vale e Azevedo usou Pinto da Costa para chegar ao poder (atacando-o) e, mérito lhe seja feito, nunca se rogou ao ataque depois de eleito. A ofensiva à Olivedesportos foi o golpe mais directo que já foi feito ao sistema. Uma vez que a Olivedesportos era a Dona Branca do futebol português nessa altura, Pinto da Costa não teve dificuldade em encontrar aliados, e o mais importante foi… José Roquette, que, fazendo uma espécie de PREC à maneira dos ricos, decidiu que, não podendo ganhar-lhes, devia juntar-se a eles e aproveitar a oportunidade de atirar o Benfica para o fundo de um poço em que nunca tinha estado em cem anos.
Foi nesta altura que começaram os jantares de Roquette na casa de Pinto da Costa, pela noite fora, delineando «estratégias empresariais comuns», trocas de jogadores, etc.

Os sucedâneos de Roquette – até ao Bettencourt foi tudo da mesma cepa, e o Godinho não é diferente, mas o Godinho, na bola, não manda nada e nem deve saber qual é a cabine – foram mais do mesmo, com a breve excepção de Dias da Cunha, um lunático que teve a lata de dizer a palavra que fica para a história – sistema – e que pagou por isso.

Luís Filipe Vieira – Esta é a guerra em curso, e não será preciso contextualizar muito. Convém, no entanto, dizer, a bem da tese que irei referir, que o Sporting esteve sempre, no mandato de Vieira, ao lado de Pinto da Costa, satisfeito com a oportunidade de ficar em segundo, apurar-se para a Liga dos Campeões e não falir, à custa do Benfica e de uma subalternização evidente ao Porto.
O culminar desta política de agachamento foi o comportamento do Sporting no caso do Apito Dourado, submetendo-se a uma posição de circunstância, situacionista, débil, aguardando, como um bom oportunista, pela carcaça que ficasse a jazer no solo. Saiu-lhe o plano ao contrário: no momento em que ia comer o cadáver deu um piparote (como tantas vezes já aconteceu nesta história de má vizinhança), encontrou Jesus e meteu o abutre na gaiola.


Os trinta (?) anos de presidência de Pinto da Costa ficam marcados, politicamente, pelas lutas de poder contra estes quatro presidentes. Os outros foram figuras perfeitamente secundárias.

E agora aqui está uma coisa que nunca aconteceu nestes trinta anos: uma aliança Benfica-Sporting, bem organizada, para eliminar o sistema de poder de Pinto da Costa.

Sempre que houve a possibilidade de isso acontecer, Pinto da Costa encontrou maneira de separar as forças. Quando Roquette chegou, por exemplo, esboçou-se, com a Liga de Clubes, a possibilidade de lhe retirar o poder sobre os árbitros. Rapidamente Pinto da Costa enleou Damásio contra Roquette e, depois, Roquette contra Vale e Azevedo.

A grande prioridade política de Pinto da Costa sempre foi dividir para reinar. Aproveitou, para isso, a rivalidade atávica entre Benfica e Sporting, mais da parte dos segundos que dos primeiros, que lhe facilitou bastante a vida. Sobretudo em relação ao Sporting, foi-lhe fácil comprar a lealdade com a promessa de supremacia sobre o Benfica.
Muito do poder que Pinto da Costa construiu foi à custa do poder que ia ficando isolado, e foi sempre para ele que ficou a parte de leão, muito pouco restou para o parceiro.

O actual momento pode ser histórico porque Luís Duque, acima de todos, é ambicioso, e sabe que o seu lugar na história, de facto, só pode ser conquistado à custa de Pinto da Costa. Não está disposto apenas a ficar com as sobras. Quer ser o primeiro a comer, e com isso está a forçar o Sporting a afastar-se do Porto e a procurar o único aliado real que lhe resta: o Benfica.
A contratação de Domingos é um claro ataque ao Porto. É entrar em casa do inimigo e roubar-lhe património, de maneira que ele nem se consegue defender – seria impossível a Domingos recusar o Sporting.

Duque é um homem inteligente e pode ser, quer para o Sporting quer para o Benfica, no actual contexto de guerra total com o Porto, um homem providencial. Uma aliança entre Benfica e Sporting, neste ponto da história, de fortalecimento dos dois clubes de Lisboa e estagnação (no alto, por enquanto) do Porto, poderia constituir o momento mais importante dos últimos trinta anos. E seria inédita.

Quer Duque quer Vieira sabem que só há uma maneira de tirar o Porto do poleiro: levantando toda a merda que o pôs lá e que, por agora, ainda vai estando acamada. A acontecer, vai ser sujo, vai ser feio e vai ser longo.

É neste macrocenário que devem ser avaliadas, actualmente, todas as movimentações de Benfica e Sporting. É tempo de cedências e de interesses convergente. É tempo de política. De alta e de baixa política. E não é tempo de ter vergonha. Se Pinto da Costa se tornou papa foi porque nunca se preocupou com esse pormenor. Haverá tempo para o pudor e para limpar o campo de batalha depois de se ganhar a guerra.

Arrisco a dizer que quem acha que se mata um porco sem fazer sangue deve sentar-se à mesa e esperar pelo chouriço.

3 comentários:

  1. Totalmente de acordo. É pena ter-se perdido tanto tempo. Mas mais vale tarde....

    ResponderEliminar
  2. Aproximam-se tempos interessantes.

    ResponderEliminar
  3. Parece-me claro que uma estratégia conjugada com o Sporting é fundamental para derrotar o sistema corrupto. Já devia ter acontecido há muito e só a cegueira dos dirigentes sportinguistas levou a que se deixassem encantar, tristemente, por serem os eternos segundos, à frente do Benfica.

    De todos os nomeados, eu distingo Roquette. Pareceu-me sempre um tipo sem princípios, quer nos negócios (a venda do Totta / BPSM aos espanhóis) quer na liderança do Sporting. Foi o famosíssimo projecto Roquette que afundou o Sporting desportivamente e financeiramente. Confesso que o único presidente do Sporting por quem tenho respeito é, precisamente, João Rocha. Do ponto de vista desportivo foi o melhor do Sporting nos últimos 30 anos e foi alguém que não trocou princípios por lentilhas. Coube-lhe o mérito de denunciar a estratégia Roquettista de aliança com o clube da corrupção instítuida, para acabar com o Benfica. Atrevo-me a dizer que foi o único dos presidentes recentes que esteva à altura do património de valores que os sportinguistas reclamam para o seu clube, mas que não se tem visto minimamente em prática.

    Veremos o que daqui sai. Não sei se Pinto da Costa não levará a melhor, mas para isso será necessário que o Sporting aceite sempre uma subalternização face ao Porto. Pode ser que assim não seja. Esperemos que assim não seja. Jogar com dados viciados não tem piada nenhuma.

    ResponderEliminar