A derrota
Em setenta anos (e isto num campeonato com apenas três equipas candidatas) só por duas vezes o campeão conseguiu não perder. Haver equipas a consegui-lo em anos consecutivos não seria impossível, mas quase. Tanto o Benfica como o Porto vão perder pelo menos uma vez. A questão não é se vão perder, mas como vão reagir, e em que circunstâncias vão perder.
Se eu tivesse de escolher um jogo para perder, teria duas alternativas: com o Braga, fora, a 6 de Novembro, ou com o Marítimo, também fora, a 11 de Dezembro – e isto assumindo que duas derrotas comprometeriam muito o campeonato e que só pode haver uma.
Em qualquer um dos casos, não seria uma derrota completamente surpreendente (uma derrota do Benfica é sempre motivo de histerismo, mesmo que aconteça todos os anos, mas há umas que provocam mais histerismo que outras), não seria contra um concorrente ao título, o que não provocaria desvantagem no confronto directo, seria mais fácil de encaixar devido ao valor da equipa adversária, e qualquer um destes jogos seria após um jogo europeu. Para mim, aliás, faz todo o sentido que o Benfica perca pontos em qualquer um destes dois encontros, e diria até mais: uma vitória em Braga, depois do empate das Antas, colocaria o Benfica, sem dúvida, à frente das apostas.
Além disto, perder aqui permitiria uma reacção e uma recuperação pontual, ao contrário do que aconteceria, por exemplo, se se perdesse dentro das últimas cinco ou seis jornadas, no caso de uma recta final ombro-a-ombro.
A quebra física
Todas as equipas a têm, sempre, e as que têm de começar a época mais cedo por causa das competições europeias ressentem-se mais do que as outras. Ficam sem gás. É uma evidência histórica.
A gestão do plantel pode ajudar Jesus a atenuar este problemas, mas não o resolve. Nada o resolve, aliás, porque é sobre os elementos nuclears, e não sobre os outros, qu o desgaste incide. Outra atenuante seria a eliminação de uma das provas secundárias, e incluo aqui a Liga dos Campeões – sobretudo, até, a Liga dos Campeões, uma vez que na Taça de Portugal e na Taça da Liga, geralmente, jogam os suplentes.
É quando houver a quebra física que se vai ver a qualidade do trabalho do treinador, porque nesse ponto vai faltar velocidade, potência e critério, e é aí que os automatismos e a capacidade de jogar com eficácia a um nível mais baixo se notam e fazem a diferença. Basicamente, estamos a falar da capacidade de ganhar a jogar mal, que é algo que qualquer equipa campeã tem de saber fazer – precisamente porque nenhuma equipa do mundo está fisicamente bem durante o tempo todo.
O ideal, para o Benfica, seria a quebra física chegar em Dezembro. Nesse mês só tem três jogos a sério: Marítimo (f), o Otelul (c) e o Rio Ave (c). Depois vem a pausa do Natal e o primeiro jogo a doer é só a 8 de Janeiro, em Leiria. É quase um mês de férias, comparado com Novembro (Braga, Sporting, Basileia e United).
O Inverno
Disto já falei ontem. Não lhe foge o Benfica nem lhe foge ninguém. A pausa de Natal, instituída recentemente (sem qualquer boa razão, acrescente-se), atenua bastante o efeito do Inverno, mas não o elimina, bem longe disso. O Benfica, este ano, tem a vantagem de praticamente não ter jogadores inadaptados ao clima europeu e de os seus principais jogadores já conhecerem o campeonato português nesta altura do ano – os campos mais difíceis, os adversários mais traiçoeiros. O famoso «conhecimento do futebol português» que leva a que as equipas já praticamente não contratem treinadores estrangeiros torna-se útil a partir do momento em que chega a chuva.
As lesões
Não há profundidade de plantel no mundo que supra a ausência de três ou quatro jogadores nucleares num onze, sobretudo na sua coluna vertebral. No Benfica há três jogadores que, pelas funções que desempenham em campo e pela falta de solidez defensiva, não podem faltar à equipa durante muito tempo: Artur, Luisão e Javi Garcia. São eles quem segura defensivamente uma equipa totalmente virada para o ataque. Não tem a ver com sistema nem com táctica, tem a ver com características e com qualidade. O ponto fraco do Benfica é a eficiência defensiva.
Num plano imediatamente a seguir, Garay, Aimar, Witsel e Cardozo não têm substituto à altura. Pontualmente, sim, numa sequência prolongada de jogos, não.
Depois há os jogadores extra, não-estruturais, mas sem os quais o Benfica não chegará ao título porque são eles que lhe dão a qualidade extra: Gaitán e Saviola.
Nenhum dos outros jogadores é indispensável.
Apesar de tudo, uma grande evolução em relação ao ano anterior, em que se chegou a sentir que os dois jogadores indispensáveis, tal a sua forma relativa aos outros, eram os dois defesas-laterais, Maxi e Coentrão. O que, obviamente, não pode acontecer num Anzhi qualquer, quanto mais num Benfica.
O mercado
Se o Inverno põe à prova a qualidade do trabalho do treinador e a vontade dos jogadores, o mês de Janeiro põe à prova a qualidade do trabalho dos dirigentes. Mais do que pelo que compram ou vendem, pelo controlo de danos.
Janeiro é o mês em que os jogadores pensam mais em dinheiro que em jogar futebol. Quem disser o contrário estará a mentir. Se Gaitán receber uma proposta do United a ganhar quatro vezes mais e disser que só pensa no Benfica está, pura e simplesmente, a mentir, independentemente do que diga nos jornais para não ser multado. O mesmo se passará com Luisão, Cardozo, Saviola, Aimar, Artur, Garay, Rodrigo, Nélson Oliveira, Mika ou qualquer outro – incluindo Jorge Jesus. Querer mais é a natureza do animal de competição, e ainda bem. Um futebolista satisfeito com o que tem é um empregado de escritório.
É nesta fase que a palavra do dirigente ganha significado. Se houver, da parte do jogador, uma consciência de que o que está acordado é para cumprir, é-lhe mais fácil resignar-se a uma decisão desfavorável.
Controlar os empresários, controlar os media – o que é mais difícil, no caso do Benfica, pois é, tradicionalmente, o alvo mais fácil da especulação – controlar os efeitos de cenários que não existem mas que põem os jogadores com a cabeça fora do campo é o grande trabalho dos directores. No caso do Benfica é de temer a inexperiência de António Carraça, um dirigente com pouca tarimba a este nível e que parece ser o responsável pelo acompanhamento da equipa. Vamos ver se não é um a menos em vez de ser um a mais.
Por outro lado, Vieira já tem obrigação de saber as linhas com que se cose.
Os ataques da propaganda portista e da guerrilha sportinguista não vão faltar neste período, Podemos esperar uma enxurrada de cenários nas páginas do Record, do Jogo e na Renascença. Vão vir contentores de propostas da China e vai haver resmas de jogadores insatisfeitos. Mas depois chega o dia 1 de Fevereiro e, vai-se a ver, o que sobra é um campeonato por ganhar e um contrato por fazer no final da época. Atingir esse 1 de Fevereiro sem danos irreversíveis e, se possível, com mais um ou dois trunfos dentro de campo, é uma arte.
Realmente é ridículo o que vem hoje na Bola acerca de da insatisfação do Enzo Pérez,que pretende voltar aos Estudiantes por não jogar.E que o Saviola é pretendido pelo Milan porque o Kaká não sairá do Real.Será que a Bola também entrou na chamada ironia fina?Só pode,porque isto não lembra nem ao diabo.Então o Enzo não está lesionado desde o 1º jogo oficial?E o Saviola não é avançado e o Kaká médio?
ResponderEliminarExcelente análise, Hugo, uma vez mais.
ResponderEliminarA imprensa diária, por ser diária, precisa de criar muitos casos. São muitas capas, no meio de muita concorrência, numa crise que não deixará de se reflectir nas vendas, associada à defesa dos interesses que cada jornal representa.
A forma como o Benfica tem reagido a essas situações, nos tempos recentes, dá alguma esperança de imunidade a essas situações. Espermos que assim se mantenha.