domingo, 9 de outubro de 2011

Tão certo como os impostos e a morte

Há um conjunto de reveses a que o Benfica não vai conseguir fugir, e que fazem parte do percurso de qualquer grande equipa em qualquer campeonato do mundo.


A derrota

Em setenta anos (e isto num campeonato com apenas três equipas candidatas) só por duas vezes o campeão conseguiu não perder. Haver equipas a consegui-lo em anos consecutivos não seria impossível, mas quase. Tanto o Benfica como o Porto vão perder pelo menos uma vez. A questão não é se vão perder, mas como vão reagir, e em que circunstâncias vão perder.

Se eu tivesse de escolher um jogo para perder, teria duas alternativas: com o Braga, fora, a 6 de Novembro, ou com o Marítimo, também fora, a 11 de Dezembro – e isto assumindo que duas derrotas comprometeriam muito o campeonato e que só pode haver uma.

Em qualquer um dos casos, não seria uma derrota completamente surpreendente (uma derrota do Benfica é sempre motivo de histerismo, mesmo que aconteça todos os anos, mas há umas que provocam mais histerismo que outras), não seria contra um concorrente ao título, o que não provocaria desvantagem no confronto directo, seria mais fácil de encaixar devido ao valor da equipa adversária, e qualquer um destes jogos seria após um jogo europeu. Para mim, aliás, faz todo o sentido que o Benfica perca pontos em qualquer um destes dois encontros, e diria até mais: uma vitória em Braga, depois do empate das Antas, colocaria o Benfica, sem dúvida, à frente das apostas.

Além disto, perder aqui permitiria uma reacção e uma recuperação pontual, ao contrário do que aconteceria, por exemplo, se se perdesse dentro das últimas cinco ou seis jornadas, no caso de uma recta final ombro-a-ombro.



A quebra física

Todas as equipas a têm, sempre, e as que têm de começar a época mais cedo por causa das competições europeias ressentem-se mais do que as outras. Ficam sem gás. É uma evidência histórica.

A gestão do plantel pode ajudar Jesus a atenuar este problemas, mas não o resolve. Nada o resolve, aliás, porque é sobre os elementos nuclears, e não sobre os outros, qu o desgaste incide. Outra atenuante seria a eliminação de uma das provas secundárias, e incluo aqui a Liga dos Campeões – sobretudo, até, a Liga dos Campeões, uma vez que na Taça de Portugal e na Taça da Liga, geralmente, jogam os suplentes.

É quando houver a quebra física que se vai ver a qualidade do trabalho do treinador, porque nesse ponto vai faltar velocidade, potência e critério, e é aí que os automatismos e a capacidade de jogar com eficácia a um nível mais baixo se notam e fazem a diferença. Basicamente, estamos a falar da capacidade de ganhar a jogar mal, que é algo que qualquer equipa campeã tem de saber fazer – precisamente porque nenhuma equipa do mundo está fisicamente bem durante o tempo todo.

O ideal, para o Benfica, seria a quebra física chegar em Dezembro. Nesse mês só tem três jogos a sério: Marítimo (f), o Otelul (c) e o Rio Ave (c). Depois vem a pausa do Natal e o primeiro jogo a doer é só a 8 de Janeiro, em Leiria. É quase um mês de férias, comparado com Novembro (Braga, Sporting, Basileia e United).



O Inverno

Disto já falei ontem. Não lhe foge o Benfica nem lhe foge ninguém. A pausa de Natal, instituída recentemente (sem qualquer boa razão, acrescente-se), atenua bastante o efeito do Inverno, mas não o elimina, bem longe disso. O Benfica, este ano, tem a vantagem de praticamente não ter jogadores inadaptados ao clima europeu e de os seus principais jogadores já conhecerem o campeonato português nesta altura do ano – os campos mais difíceis, os adversários mais traiçoeiros. O famoso «conhecimento do futebol português» que leva a que as equipas já praticamente não contratem treinadores estrangeiros torna-se útil a partir do momento em que chega a chuva.



As lesões

Não há profundidade de plantel no mundo que supra a ausência de três ou quatro jogadores nucleares num onze, sobretudo na sua coluna vertebral. No Benfica há três jogadores que, pelas funções que desempenham em campo e pela falta de solidez defensiva, não podem faltar à equipa durante muito tempo: Artur, Luisão e Javi Garcia. São eles quem segura defensivamente uma equipa totalmente virada para o ataque. Não tem a ver com sistema nem com táctica, tem a ver com características e com qualidade. O ponto fraco do Benfica é a eficiência defensiva.

Num plano imediatamente a seguir, Garay, Aimar, Witsel e Cardozo não têm substituto à altura. Pontualmente, sim, numa sequência prolongada de jogos, não.

Depois há os jogadores extra, não-estruturais, mas sem os quais o Benfica não chegará ao título porque são eles que lhe dão a qualidade extra: Gaitán e Saviola.

Nenhum dos outros jogadores é indispensável.

Apesar de tudo, uma grande evolução em relação ao ano anterior, em que se chegou a sentir que os dois jogadores indispensáveis, tal a sua forma relativa aos outros, eram os dois defesas-laterais, Maxi e Coentrão. O que, obviamente, não pode acontecer num Anzhi qualquer, quanto mais num Benfica.



O mercado

Se o Inverno põe à prova a qualidade do trabalho do treinador e a vontade dos jogadores, o mês de Janeiro põe à prova a qualidade do trabalho dos dirigentes. Mais do que pelo que compram ou vendem, pelo controlo de danos.

Janeiro é o mês em que os jogadores pensam mais em dinheiro que em jogar futebol. Quem disser o contrário estará a mentir. Se Gaitán receber uma proposta do United a ganhar quatro vezes mais e disser que só pensa no Benfica está, pura e simplesmente, a mentir, independentemente do que diga nos jornais para não ser multado. O mesmo se passará com Luisão, Cardozo, Saviola, Aimar, Artur, Garay, Rodrigo, Nélson Oliveira, Mika ou qualquer outro – incluindo Jorge Jesus. Querer mais é a natureza do animal de competição, e ainda bem. Um futebolista satisfeito com o que tem é um empregado de escritório.

É nesta fase que a palavra do dirigente ganha significado. Se houver, da parte do jogador, uma consciência de que o que está acordado é para cumprir, é-lhe mais fácil resignar-se a uma decisão desfavorável.

Controlar os empresários, controlar os media – o que é mais difícil, no caso do Benfica, pois é, tradicionalmente, o alvo mais fácil da especulação – controlar os efeitos de cenários que não existem mas que põem os jogadores com a cabeça fora do campo é o grande trabalho dos directores. No caso do Benfica é de temer a inexperiência de António Carraça, um dirigente com pouca tarimba a este nível e que parece ser o responsável pelo acompanhamento da equipa. Vamos ver se não é um a menos em vez de ser um a mais.

Por outro lado, Vieira já tem obrigação de saber as linhas com que se cose.

Os ataques da propaganda portista e da guerrilha sportinguista não vão faltar neste período, Podemos esperar uma enxurrada de cenários nas páginas do Record, do Jogo e na Renascença. Vão vir contentores de propostas da China e vai haver resmas de jogadores insatisfeitos. Mas depois chega o dia 1 de Fevereiro e, vai-se a ver, o que sobra é um campeonato por ganhar e um contrato por fazer no final da época. Atingir esse 1 de Fevereiro sem danos irreversíveis e, se possível, com mais um ou dois trunfos dentro de campo, é uma arte.

2 comentários:

  1. Realmente é ridículo o que vem hoje na Bola acerca de da insatisfação do Enzo Pérez,que pretende voltar aos Estudiantes por não jogar.E que o Saviola é pretendido pelo Milan porque o Kaká não sairá do Real.Será que a Bola também entrou na chamada ironia fina?Só pode,porque isto não lembra nem ao diabo.Então o Enzo não está lesionado desde o 1º jogo oficial?E o Saviola não é avançado e o Kaká médio?

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  2. Excelente análise, Hugo, uma vez mais.

    A imprensa diária, por ser diária, precisa de criar muitos casos. São muitas capas, no meio de muita concorrência, numa crise que não deixará de se reflectir nas vendas, associada à defesa dos interesses que cada jornal representa.

    A forma como o Benfica tem reagido a essas situações, nos tempos recentes, dá alguma esperança de imunidade a essas situações. Espermos que assim se mantenha.

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