domingo, 16 de outubro de 2011

Porque não... iniciados?

O que eu quero dizer é que enquanto no Sporting (e no Benfica, porque não dizê-lo?) os casos de espírito competitivo muito elevado são uma excepção à regra e resultam, aí sim, mais da personalidade dos jogadores que do método do clube – como se, no seu processo de formação, essa vertente mental fosse a menos importante para o clube – no Porto dá ideia de haver uma selecção competitiva mais apertada, ou seja, de se dar maior importância à capacidade de concentração, de entrega ao jogo, de disciplina mental, do que propriamente à parte técnica. O que não significa, em qualquer um dos casos, que haja ausência de preocupação, apenas que as prioridades são diferentes.
No Sporting o jogador talentoso e mentalmente hesitante é a regra e os Ronaldos (muito poucos) são a excepção.
No Porto, o jogador mentalmente mais apto para a competição e menos apto de desequilibrar tecnicamente é a regra e os Postigas são a excepção.
Se considerarmos um Futre, um Figo e um Ronaldo como jogadores à parte de todo o universo futebolístico português – seja Sporting, Porto ou Benfica – o quadro geral, penso eu, aproxima-se disso.
Mas é discutível, obviamente…

Em relação ao que custa, ainda é mais discutível, mas a minha ideia é a de que a formação do Benfica, entre prospecção, alojamento, salários, deslocações, águas e luzes, etc, custa cerca de 5 milhões de euros por ano (lembro-me de ter lido este número num jornal, há uns tempos, e de ter feito sentido). Mas vamos fazer por baixo: vamos pôr o número em 3 milhões/ano. São 30 milhões de euros em dez anos. Nestes dez anos (desde 2001) qual foi o grande jogador que o Benfica formou?

Vejamos se me faço entender. O problema do Benfica não gastar 30 a 50 milhões de euros em dez anos no futebol de formação – é gastar 30/50 milhões sem sequer conseguir formar um bom suplente, quanto mais um bom titular, quanto mais um grande jogador.
Admito que possa ter havido algum, mas desculpem-me, não me lembro - o que, por si só, já é significativo.

Qualquer processo que resulte numa perda de 3 a 5 milhões de euros por ano, sem retorno desportivo, é péssimo.

Mas também se pode pegar pelo outro lado. David Luiz custou 4 milhões de euros ao Benfica. Di Maria 6, Javi Garcia, 7,5 milhões, Gaitán 8,5. Ao rácio de 3 milhões/ano (que é mais, estou certo), o Benfica consegue formar um David Luiz por ano, ou um Di Maria de dois em dois anos? Ou até um Gaitán de três em três? Não é que sejam jogadores baratos, pois não são. Mas são jogadores de nível mundial, cujas transferências pagaram e pagarão o seu custo e ainda cobrirão despesas.

Evidentemente que por cada Javi Garcia pode acontecer um Balboa, isso é indesmentível e tem de entrar na equação, mas nesta perspectiva a leitura económica é a do resultado financeiro no fim da cada época e, sobretudo – não nos esqueçamos deste «pormenor» – o resultado desportivo.

Com Javi Garcia (+ Balboa) o Benfica não só não perde dinheiro como consegue estar na luta pelo campeonato e, eventualmente, ganhá-lo. Com a diferença entre o lucro de 10 milhões que Javi Garcia dará e o que Balboa custou (5 milhões) o Benfica pagaria uma época e meia de formação, da qual não tiraria nenhum jogador que conseguisse vender ou, sequer, que o conseguisse pôr a lutar por mais do que o quarto lugar do campeonato nacional.

Por tudo isto que eu disse pode pensar-se que eu sou contra o futebol de formação no Benfica. Não sou. É completamente ao contrário. Na minha ideia do Benfica a formação seria toda a base cultural e desportiva do clube. Digo mais: eu estruturaria todo o clube sobre as suas bases formativas. Já penso assim há muito tempo – sem me querer armar em «idiota», penso assim desde ainda antes de o Barcelona ter elevado a formação a cátedra. Formação é trabalho, o trabalho mais árduo porque envolve não apena recursos ma também arte. Qualquer clube que se construa em cima da formação é visceralmente saudável. Mas o Benfica não forma nada – e o Sporting, que forma mais que qualquer outro clube em Portugal, ainda assim não forma o suficiente, como eu defendi no último post.

Tudo isto parte de uma perspectiva pessoal, obviamente. Eu sou um darwinista. Não o sou por pensar que sou mais apto que os outros – não o suficiente para pensar que sou melhor, seguramente – mas porque a lei da sobrevivência dos mais aptos está de tal forma patente à nossa volta que a tomo como inquestionável.

Acredito que, no fim, os mais aptos prevalecem, e que é por isso que, por exemplo, no futebol, muitas vezes um jogador estrangeiro (pode ser um português no estrangeiro, entenda-se) se torna melhor que um nacional: porque é colocado perante uma adversidade maior e, com o desafio, recorre a mais capacidades pessois, que o tornam, no fim, mais forte que o que poucas vezes ou nunca foi desafiado.

Acredito que é sobre este princípio que o futebol está suportado, e, como tal, acredito que é pensando nisto que se deve formar um jogador de futebol.

No seu comentário, o Rui diz que a mentalidade pode ser trabalhada. Não discordo. Mas o ponto inicial é fundamental. Sim, pode-se pôr um miúdo que tenha uma perna mais pequena que a outra a correr os 100 metros – mas não se pode esperar, realisticamente, que algum dia ele venha a conseguir competir com um miúdo com as duas pernas do mesmo tamanho que treine tanto e tenha tanta vontade como ele.

Poder trabalhar-se a mentalidade competitiva, pode-se. Mas a primeira parte do trabalho consiste em eliminar, à partida, os miúdos que não tenham os requisitos mínimos. Não tenho nada contra eles – caramba, provavelmente eu ou os meus filhos não teríamos capacidade para competir ao nível que é exigido num Benfica, mesmo que tivéssemos jeito para a bola! – mas cada macaco no seu galho. Fazer desporto é uma coisa, fazer desporto de altíssima competição internacional é outra, completamente diferente.

Num grupo de animais, o que faz a força  do grupo é a selecção natural. Os mais fracos mal conseguem chegar a adultos, quanto mais fazerem filhos a alguém. Num clube de futebol a lógica terá de ser a mesma. É a selva, pessoal. Como disse, um dia, um treinador americano, «uma equipa é tão mais forte quanto mais forte for o seu elo mais fraco», porque é por aí que a equipa será atacada.

O que se vê, nos jovens que o Benfica forma, é uma quase total inaptidão competitiva de alto nível, mesmo que um ou outro até consigam dar dois pontapés seguidos na bola.



Deixo só uma provocação – um exagero, decerto, mas vocês perceberão o sentido – à vossa consideração. Onde é que é mais difícil entrar: nos Comandos ou no plantel principal do Benfica? E onde é que deveria ser mais difícil entrar?

Seria engraçado ver como as respostas divergiriam.

4 comentários:

  1. Caro Hugo,

    Eu sinto que esta discussão é um nadinha difícil, porque a realidade da formação de cada um dos grandes não é propriamente conhecida. Há uma coisa que quero dizer, no entanto. Parece-me claro que a formação do Sporting é, ainda agora, altamente lucrativa. Deveria o Sporting encerrá-la?!

    Penso que o Benfica deve aspirar a ter uma formação capaz de produzir talentos que alimentem a sua equipa principal ou, no mínimo, que representem um prejuízo suportável. Penso que, tal como acontecia com a equipa principal de futebol, a formação era gerida de um modo que alimenta as dúvidas apresentadas nos dois últimos posts. Parece que houve mudanças que, aparentemente, parecem apontar para melhores resultados, quer em termos de indicadores dos resultados da formação per se, quer em termos de produzir jogadores para a equipa principal. Nélson Oliveira, David Simão, até depois do jogo no Algarve, parecem indicar que têm potencial para, com trabalho, poderem fazer parte da equipa. Outras pessoas têm apontado outros nomes que, confesso, não conheço. Mas se esses nomes alguma coisa parecem indicar é que, finalmente, depois de alguns anos sem que isso acontecesse, temos alguém da formação que pode aspirar a entrar na equipa principal do Benfica.

    Quem, hoje em dia, não recorre a jogadores formados noutros lados? A diferença é que alguns recorrem enquanto consumidores finais, outros fazem-no quase como intermediários. Quem tem poder para comprar o melhor, fá-lo, e compra normalmente já formado, quem não tem, compra em semibruto, transforma e vendo com valor acrescentado.

    È evidente que não há clube nenhum onde a formação seja a fonte exclusiva de talentos. Podíamos ver os clubes ingleses, hoje os mais financeiramente abonados e se formos aos de top, quantos usam jogadores da sua formação? E se formos a Espanha, quantos jogadores tem o Real da sua formação? O Barça tem mais, claro, mas ainda assim compra! (continua...)

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  2. (continuação)

    É para mim claro que o Benfica tem apostar num modelo que combina o aproveitamento de jovens da formação com a contratação de jovens talentos vindos de outras paragens. Mesmo esta área é recente - antes de David Luiz, e Di Maria, quem se tinha vendido nestas condições? Da formação, desde Rui Costa, quem se vendeu por números decentes? Manuel Fernandes ao Valência e mais quem?

    Portanto, a realidade é bem complexa - as vendas milionárias são recentes e só fizemos algumas. Até aí a estratégia era tão má quanto os resultados da formação.

    Da mesma forma que aí as coisas mudaram, também na formação parecem mudar. O Seixal não é assim tão antigo. A mim, o que me parece relevante destacar é a convergência da contratação de talentos doutras origens, com resultados mais eficazes em termos de formação.

    Importa referir outra coisa - é que se tem contratado muita porcaria. Eu não sei se não teríamos muitos Balboas na formação. A competitividade que se requer de um jogador que entre na equipa principal do Benfica, pode ser obtida apenas na formação? Esse não é um problema de todas as equipas do futebol português que aspiram a algum estatuto em termos europeus? Quem é que o Porto formou recentemente, para a sua equipa principal? Mesmo com a tal filosofia competitiva?

    Receio que não comece a fazer muito sentido. Eu acho que o problema da formação não é exclusivo do Benfica, mas os passos que parecem ter sido dados recentemente apontam para melhorias. Veremos se sim se não. Além disso, importa não esquecer que, tal como foram dadas oportunidades aos Davides, Fábios e Di Marias, os jogadores da formação do Benfica também têm de as ter, senão o "jogo" está viciado.

    Sobre os comandos, é mais difícil entrar no plantel do Benfica, para os portugueses, seguramente. A comparação, no entanto, assenta em bases pouco comparáveis - há mais lugares nos comandos que no Benfica e nos comandos só entram portugueses :).

    Finalmente, também não seria descabido, na perspectiva da formação do Benfica, passar a malta dos juniores, aí numa semana de formação "competitiva" nos comandos. Seria uma forma de lhes incutir ou melhorar as "combat skills" :-).

    Abraço

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  3. Para concluir, sobre o carácter competitivo da formação de uns, ou a ausência dela, no caso de outros, em minha opinião, como dizem os ingleses, “the jury is still out”. A razão para esta minha afirmação tem a ver com o número de jogadores que saíram da formação dos grandes e puderam competir nas equipas respectivas. Quantos jogadores da formação do Porto estiveram na equipa principal nos últimos anos? Para além dos centrais, quantos? O curioso é que, assim de cabeça, agora estão lá mais jogadores de formação do Sporting que do Porto. E fora do Porto, de quantos jogadores de formação competitivos nos poderíamos lembrar? Alguém que impressione, de facto, saído dessa tal escola competitiva?
    Eu não consigo lembrar-me de muitos, com franqueza. Daí que a dúvida sobre o resultado da formação persista – os tais mais competitivos são resultado da personalidade ou da “escola”?

    Peço desculpa pela dimensão da resposta :).

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  4. Um bom debate sobre formação de jogadores,que continuarei a seguir.

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