sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Missão Improvável

(Vou ter de dividir a minha perspectiva do prazo de validade do Jesus em duas partes, porque, a meio, percebi que é enorme e que nem sequer tenho tempo para acabar agora. Mas hoje à tarde fui ver a Missão Impossível IV, e se o Tom Cruise pode fazer quatro filmes sem mudar de corpo eu também posso passar um texto de um dia para o outro…

Aliás, juntando as duas postas de Natal, mais estas duas, também temos aqui uma espécie de Missão impossível em quatro partes: tentar decifrar o mistério de Jesus.)



Primeiro ponto que quero deixar perfeitamente claro logo no início desta conversa sobre o prazo de validade do Jorge Jesus no Benfica: não é uma questão cultural.

Como já sei que a argumentação vai dar aí, porque os opinion makers da treta dos nossos jornais nem sequer se dão ao trabalho de trabalhar cinco minutos à procura de fundamentar as suas afirmações, simplesmente abrem a goela e «lá vai Ferguson» digo já que não há, repito, NÃO HÁ, uma questão de «mentalidades».

Invariavelmente, quando se fala em longevidade de treinadores, vamos todos dar ao sempre mesmo. Pois bem, se temos de ir aí dar, eu coloco um desafio: indiquem-me outro Ferguson no futebol profissional? Eu respondo: não há. A razão porque vamos dar sempre ao Ferguson é porque só há um.



Neste momento estarão a dizer: «Já te apanhei: e o Wenger?»



É uma opinião válida, mas o Wenger é outra questão. No Arsenal há a noção clara que o sucesso «é» o Wenger. Que o Wenger é a única e a grande mais-valia do clube.

No United tenho poucas dúvidas de que os próprios donos do clube prefeririam que o Ferguson já tivesse pendurado as botas para ir buscar o Mourinho, ou outra figura do género, alguém que ficasse três ou quatro anos, que trouxesse ideias novas ao clube, e que não fosse o que o Ferguson é: uma instituição. Com o Ferguson no lugar, os donos do clube estão praticamente de mãos atadas. O Ferguson é indespedível. Para quem está de fora é engraçado, é romântico. Para quem é dono, ter alguém no clube que manda mais que ele é complicado, e arrisco mesmo dizer que facilmente se torna contraprodutivo. Foi por muito pouco que o Ferguson não se tornou obsoleto, quando o Mourinho esteve no Chelsea. O fosso que se criou entre as duas equipas, de um momento para o outro, mostrou claramente que o Ferguson está ultrapassado em relação aos melhores. Se o Abramovich não se tivesse fartado do Mourinho (lá está, ter alguém que manda mais que o presidente é sempre complicado…) o United não tocava na chincha durante mais um ou dois anos e o Ferguson já se teria reformado.



Já para o Arsenal, perder 8-2 com o United não é tão mau como seria perder o Wenger. Perder seis ou sete ou oito campeonatos não é tão mau como perder o Wenger. Por isso ele não sai, e só sai se quiser. Porque eles sabem que sem Wenger não andam nos quatro primeiros: vão parar à terceira linha. Chega a ser injusto dizer que o Wenger é uma tentativa do Arsenal de criar o seu próprio Ferguson, porque, mesmo que ao princípio a intenção fosse essa, o Wenger é muito melhor que o Ferguson. Com metade ou um terço do dinheiro do Ferguson, com dez anos de atraso, com a construção de um estádio novo, de raiz, pelo meio, o Wenger fez uma  equipa do nada, com jogadores de segunda linha, a maior parte criada lá desde os juniores, anda sempre lá em cima e até ganhou campeonatos e jogou finais da Champions League. Se eu tivesse de escolher um treinador do campeonato inglês a quem entregar um projecto de futebol escolhia o Wenger à frente do Ferguson vinte vezes em vinte. São opiniões, e não consensuais, admito.



Voltando ao desafio, quantos Fergusons é que há nos clubes de topo do futebol europeu? Nos clubes campeões europeus, por exemplo. Quantos Fergusons houve? Quantos treinadores com mais de cinco anos de clube é que já ganharam a Champions desde 1991, para não ir mais longe? A resposta é 1. Em 1997, Ottmar Hitzfeld ganhou a Champions League com o Borussia Dortmund no seu sexto ano no clube. E saiu nesse mesmo Verão, para o Bayern de Munique.

E dos restantes treze só houve dois que estiveram mais de seis anos no clube com o qual ganharam a Champions (arrisco mesmo a dizer que só lá estiveram tanto tempo porque, pelo meio, ganharam a Champions e deixaram a promessa de a ganhar outra vez): Cruyff, no Barcelona, entre 1988 e 1996, e Ancelotti, no Milan, entre 2001 e 2009. Todos os outros saíram antes de começar a sétima época. E todos eles ganharam coisas importantes, atente-se bem. Não foi por falta de sucesso que não ficaram mais tempo.



Mais uma questão que coloca em causa algumas ideias feitas: quantos treinadores na Premier League inglesa, apontada como símbolo da «longevidade dos treinadores», é que estão no lugar há mais de três anos? A resposta é 6. 6 em 20, sendo que acima de seis anos só há três.



O Jesus treina uma equipa que joga para ser campeã e em que a pressão de ganhar é permanente. Uma época no Benfica equivale a cinco épocas no modesto Stoke City, que ainda há dois anos andava na segunda divisão, e que não chocará ninguém se para lá voltar noutros dois.



Podíamos continuar com exemplos válidos para desfazer alguns mitos. Quantos clubes do top-20 (incluindo o Porto) é que mantiveram, nos últimos vinte anos, treinadores por mais de três épocas? Quantos treinadores campeões das cinco maiores ligas é que estiveram no clube durante mais de três épocas? E por aí fora. Em qualquer cenário encontraremos alguns casos de longevidade, mas eles não são a regra. E isso é transversal, do Norte ao Sul da Europa.



Trago esta questão para cima da mesa porque há um mito que deve ser destruído para se poder falar como deve de ser do futuro do Benfica com ou sem Jesus. Vou chamá-lo «mito do escocês», e diz-nos que, no que respeita a treinadores, longevidade resulta em qualidade.

Deve ser destruído porque não é verdade.

Não só a manutenção de um treinador no cargo durante muito tempo não traz, forçosamente, qualidade à equipa como, na maior parte das vezes, provoca uma degeneração dessa mesma equipa. De uma forma geral, nunca uma equipa volta a ser tão boa como nos primeiros três, no máximo quatro anos, com um treinador. As excepções que existem confirmam a regra, e basta ver a história para confirmar essa regra.

É verdade que estabilizam, mas não estabilizam sequer no seu nível mais alto, antes num nível médio-alto, que lhes permite ir ganhando, eventualmente voltar a fazer um brilharete, mas já se o fulgor inicial.



Quando se fala na falta de alternativa a Jesus eu prefiro pensar no factor habituação. Habituámo-nos ao Jesus, e temos dificuldade em pensa noutro registo. Não é nada que não se altere num par de meses. Quando o Jesus sair (e eu não estou a defender que ele deve sair já, atenção) vai-se respirar uma lufada de ar fresco no clube e o novo treinador terá, também, o seu estado de graça. Todos têm.



Não considero o factor longevidade relevante, e não considero que a falta de alternativa seja um problema real. Acho mais pertinente colocara questão a outro nível, com duas variantes:

- o que o Jesus ainda tem para dar ao Benfica depois do fim desta época;

- e o que o Benfica poderá estar a perder por manter o Jesus daqui para a frente.



Antes de ir por aí, e até antes de colocar sobre a mesa os argumentos sobre as vantagens e as desvantagens daí decorrentes, adianto que não vejo o Jesus a treinar o Benfica na próxima época. Talvez seja por falta de hábito. Afinal, desde que me lembro de ser do Benfica, nunca vi um treinador a começar uma quarta época.



Diria mesmo mais: se o Jesus ficasse uma quarta época no Benfica a mudança de paradigma directivo seria de tal forma fracturante com o passado que não me admiraria que o Jesus ficasse outros quatro.



A própria ideia de pensar em termos de «este tipo não é o melhor treinador do mundo, nem é o melhor treinador que podíamos ter, mas é um treinador suficiente desde que o próprio clube seja capaz de fazer a diferença em relação aos outros, por isso vamos ficar com ele e fazer do cargo de treinador não uma coisa fundamental mas uma coisa estrutural» seria de tal forma revolucionária, no Benfica, que não estou certo que não seja mesmo essa «acomodação técnica» conjugada a um «aperfeiçoamento estrutural» a maior vantagem de manter o Jesus. Não seria pelo Jesus, seria pelo que a manutenção significaria.



Pessoalmente, isto provoca-me sentimentos ambíguos. Gosto da exaltação e da inovação, mas por outro lado, sempre achei, racionalmente, que, quando se tem o poder em termos absolutos que o Benfica tem (em dinheiro, energia, dimensão pura), ter uma abordagem ao jogo igual à dos rivais directos, em que se coloca tanto peso sobre a figura do treinador, era uma fragilidade. Conseguir manter um poder corrente, estável, ter uma estrutura vitoriosa, preparada para ganhar independentemente do treinador, e sem ficar totalmente dependente dessa figura que aparece no princípio de uma época e que dois meses depois pode estar despedido, sempre me pareceu o mais inteligente. Ao jogar com as regras dos outros o Benfica é como um exército poderoso a lutar com técnicas de guerrilha. Perde a sua vantagem relativa. Manter um Jesus qualquer durante cinco, seis, sete, oito anos seria, eventualmente, a melhor forma de relativizar a importância do treinador, desde que tudo o resto funcionasse bem e permitisse chegar às vitórias. Seria, no fundo, não deixar o Benfica à mercê da incompetência do primeiro Quique que aparecesse.

Se é para manter o Jesus, então ele que fique mesmo até 2015.



Mas isso já é melhor ficar para amanhã.

2 comentários:

  1. Excelente a análise, uma vez mais. Interessantes e fundamentadas as perspectivas sobre Ferguson e Wenger, que têm algum sentido, embora me pareça que a de Ferguson é um pouco injusta. Por muitos recursos o United tenha, e está metido num poço muito fundo de dívidas, Abramovitch tem muito mais.

    De qualquer modo, à partida, a ideia de mais JJ agradar-me-ia se sentise que a equipa continua a evoluir. Para isso é importante ver o que se vai passar, não tanto em termos de sucesso desportivo, mas em termos da forma como a equipa vai lidar com os desafios que se lhe colocarão este ano.

    A ver vamos.

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  2. em inglaterra há muitos. vá alguns. o próprio moyes que agora vai para o unáite.

    gosto imenso de te ler, hugo, mas tens coisas que me tiram do sério. todo o paragrafo que termina com "o ferguson já se teria reformado" é duma inconsistência atroz.

    -desvalorizas o falhanço do mourinho na 3ª epoca
    -desvalorizas o papel do unáite nesse falhanço.

    - esqueces te que antes do mou começar carreira já o ferguson se podia ter reformado como a maior lenda do futebol mundial pos moderno...

    em duas palvras: não sei como é que o morinho não se reformou primeiro...

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