sábado, 10 de dezembro de 2011

A Troika

Há três boas razões para eu, como benfiquista e como apaixonado do futebol, dar tanta importância ao Porto, e nenhuma delas me envergonha.
Primeiro, é um caso de sucesso quase ímpar a nível mundal. Segundo, tem aquilo que eu quero, e isso obceca-me. Terceiro, acredito que é um privilégio para o Benfica ter, como adversário, um clube tão forte.
Se conseguir aprender, comprender e superar o Porto, o Benfica terá reunido as condições para conseguiro que, sozinho, não conseguiu na década de 60: tornar-se um grande clube europeu, de facto, em todas as suas dimensões. É isso que eu quero como benfiquista. Não é ser temido pelo Sporting, é ser temido pelo Real Madrid, e não é uma vez em cada trinta anos, é todos os anos. É ter um clube realmente admirado no mundo, pela sua dimensão ética, desportiva e filosófica.
Felizmente, temos um Porto. E espero que o Porto continue a ser forte e que só venha a enfraquecer por o Benfica (e o Sporting, já agora) se ter tornado mais forte, e não por cair de podre.
O facto de eu não os suportar também ajuda.

Como tal, mais Porto:

No espaço de uma semana chegam-nos notícias como estas de uma equipa que vai à frente do campeonato com apenas três empates em onze jogos, um deles contra o outro candidato ao título:

- Cristian Rodriguez discutiu com o treinador e está de castigo;

- Janeiro pode trazer Christian Atsu de volta;

- Maicon impressiona olheiro da Juventus;

- Ricky Álvarez pode servir como moeda de troca para Fernando;

- Moutinho no Chelsea com a ajuda de David Luiz;

- Vítor Pereira diz, em comunicado ao site do clube (!), que lhe deram garantias de que os jogadores essenciais não vão sair.



Neste momento da temporada, o que deveria estar a acontecer ao Porto «do ano passado» seria o seguinte:

- José Mourinho considera Porto candidato às meias-finais da Champions League;

- Manchester United pode avançar por Falcão em Janeiro;

- Villas-Boas na corrida para treinador do ano;

- Avanço no campeonato «dá para gerir o plantel» para a Champions.



O desastre em que se está a transformar, lentamente, a época do Porto, tem três nomes, mas um (o último) acima dos outros: respectivamente Villas-Boas, Falcão e Pinto da Costa.

Pelas seguintes razões:



- Ao desistir de um projecto sem paralelo na história do Porto (nem com Mourinho o clube teve uma equipa como a que construiu na época passada em termos de talento), um ano antes do prazo mínimo, Villas-Boas sentenciou o destino imediato da equipa. Villas-Boas desistiu da equipa porque não acreditou nem nela nem em si próprio. Villas-Boas, o comandante, foi o primeiro a saltar do barco assim que teve oportunidade. Foi o momento marcante para os próximos cinco ou seis anos na história desportiva do Porto, tal como a contratação de Mourinho marcou essa história desportiva até ao último ano de Jesualdo.

Ao ver o treinador sair, mais de metade da equipa titular sentiu que estava a mais. Guarín, Rolando, Fernando, Álvaro Pereira, Hulk, pelo menos estes, olharam para o lado e pensaram: «Então e eu?»



- Ao escolher uma equipa de segunda linha europeia para forçar a sua saída do Porto, Falcão deu uma machadada brutal na moral de todos os portistas. Se já tinham caído das nuvens quando viram o treinador-líder propagandista  a trocar a cadeira de sonho por um cadeirão na Casa da Moeda, mais se desiludiram quando confirmaram que a grandeza alcançada não era mais que aparente. O problema do Porto foi, é e continua a ser um problema de afirmação. Ao contrário do que se diz, ganhar não chega – é preciso ser reconhecido. A questão das arbitragens e das mafiosices impede que isso algum dia venha a ser alcançado a nível interno, mas a nível externo não. A grande luta do Porto, nos últimos dez anos, tem sido a da tentativa de reconhecimento a nível internacional. Isso é visível até nas crónicas dos seus adeptos na imprensa. A forma como se realça qualquer sinal de legitimização vindo do exterior mostra que os portistas precisam de alguém (na falta desse alguém a nível interno) que lhes diga «vocês são os maiores».

Os títulos europeus de Mourinho, sobretudo o segundo, revelaram-se fenoménicos, episódicos. A vitória da Champions não teve, minimamente, o reconhecimento que se poderia esperar por parte da Europa do futebol. O facto de se ter tido quatro equipas de segunda linha europeia a disputar essas meias-finais não ajudou, obviamente. Porto, Mónaco, Corunha e Chelsea, apenas sete anos passados, não fariam, hoje, sequer umas grandes meias-finais da Liga Europa.

A vitória na Champions foi muito mais uma vitória a nível interno que a nível externo, sentimento que a pobre defesa do título europeu na época seguinte se encarregaria de reforçar.

Desta vez, esperava-se que uma grande Champions League, a seguir à vitória na Liga Europa, com uma equipa melhor, com um jogador pronto a tornar-se um dos cinco melhores do mundo (Hulk) e uma super-estrela a nível internacional, elevasse o Porto, finalmente, ao reconhecimento que não teve nem com Artur Jorge nem com Mourinho.

Eis senão quando o seu melhor jogador (de acordo com o mercado) diz: «Quero lá saber».

Villas-Boas tirou ao Porto o oxigénio. Falcão tirou ao Porto o tapete.



- Pinto da Costa teve um dos piores defesos dos últimos vinte anos. É fácil comparar esta época com a que se seguiu à saída de Mourinho. Nessa altura, tal como agora, houve uma decisão amplamente errada de Pinto da Costa, na escolha do treinador. Nessa altura foi apenas um erro de casting – teve tempo de sobra para escolher e escolheu mal. Desta vez foi completamente ultrapassado pelos acontecimentos, quando não deveria ter sido. Pinto da Costa confiou em Villas-Boas e deixou-se trair.

Depois disso, pior ainda, não só não quis acreditar como não lidou com a situação como a própria situação impunha. Pinto da Costa deveria ter percebido que, naquele momento, o seu projecto europeu estava morto e enterrado.

Quando percebeu que Villas-Boas ia sair, Pinto da Costa deveria ter mudado o programa. Pelo contrário, entrou em negação. Negou a evidência de ter de rejeitar à segunda época (a época-Champions), após a qual já estava planeado, então, vender Hulk, Falcão e outros, e insistiu em avançar com o mesmo exército mas com um tenente a fazer de general. Uma espécie de exército em auto-gestão, confiando que era suficiente. Afinal, era «o Hulk e mais dez».

Seis meses depois, com uma equipa e uma época completamente virada do avesso por não ter conseguido perceber a alteração súbita de dinâmica que o tinha envolvido, Pinto da Costa vai ser obrigado a fazer o que na altura não fez: além de Falcão, vendido da pior maneira, sem dar azo a alternativa, vai vender Guarín e Fernando, desvalorizados e a jogar metade ou menos, e no final da época sairá Rolando, Álvaro Pereira e, provavelmente, Hulk, ficando Moutinho para a época seguinte. De todos estes, o único que irá sair na altura em que devia sair será Hulk. Todos os outros terão sido mal vendidos, ou por causa do timing ou por causa do timing, do preço e dos prejuízos desportivos entretanto provocados pela gestão deficiente das suas saidas.

Pinto da Costa deveria ter sido capaz de perceber que, sem Villas-Boas, o ciclo ficava por ali, e feito o que fez depois da Champions de Mourinho: vender muito e vender bem, na altura certa ditada pelo mercado. Com Falcão, Guarín e Fernando vendidos no Verão, Álvaro Pereira em Janeiro, Hulk e Rolando no fim da época, Pinto da Costa teria dado ao Porto não só um desafogo financeiro que lhe proporcionaria a liderança económica do futebol português durante mais dez anos como, aos adeptos e à equipa, uma mensagem clara: o ciclo acabou, vamos fazer o que sabemos fazer melhor, que é construir de novo. E «ser Porto», enfim. Porque isso é uma coisa que existe.

Não me admiraria muito se, com essa política assumida no defeso, o Porto estivesse, nesta altura, como favorito claro à conquista do título, tendo ganho ao Benfica, e apurado para a fase seguinte da Champions. Porque a dinâmica teria sido diferente.

É admissível pensar que Pinto da Costa não tenha tido alternativa. É sempre possível dizer que nas últimas duas vezes em que vendeu em demasia no Verão perdeu o campeonato para o Benfica, e que isso aconteceria outra vez. Mas o que é importante, para mim, é que de ambas as vezes Pinto da Costa foi pragmático, fez o que devia fazer no momento em que lhe era exigido. A manutenção dessa atitude pragmática valer-lhe-ia, depois, o sucesso. Ao ano dos quatro treinadores seguiu-se a aposta em Co Adriaanse. Ao esgotamento de Jesualdo (que também passou de prazo, note-se) revolucionou o plantel e apostou em Villas-Boas.

Desta vez, em vez de conduzir Pinto da Costa foi conduzido. Pode salvar-se se ganhar o campeonato. E se o perder?

Nunca se deve menosprezar a sua capacidade de resistência e a sua audácia. Seria um erro. Mas também não seria inteligente continuar a acreditar que Pinto da Costa é imune ao meio envolvente. Noutros tempos, sem a concorrência que o Porto hoje enfrenta de Benfica e Sporting, isso parecia verdadeiro.

Em 2012, se o Porto perder o campeonato ao mesmo tempo que perde Hulk e todos os outros que têm de sair, se se vir obrigado a reconstruir uma equipa, com um treinador novo, frente a um Benfica com dinheiro, com um treinador experiente e uma estrutura cada vez mais habituada a ganhar, e frente a um Sporting que voltou a reunir as armas fundamentais para ser campeão e que vai apostar tudo na segunda época do projecto-Duque, está com problemas.

Basicamente, do que se está a falar é da perda da maior parte da vantagem competitiva que o Porto acumulou ao longo dos últimos vinte anos e que lhe permite, ainda hoje, ser o favorito natural à partida para cada temporada. Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia acaba por se partir.

Uma derrota do Porto neste campeonato seria, provavelmente, a mais importante desde que Pinto da Costa é presidente do clube. O verdadeiro momento da viragem histórica.

5 comentários:

  1. É sempre com grande prazer que leio as suas crónicas pois elas dão-me uma ideia clara da sua visão de politica desportiva entre as chamados grandes equipas portuguesas.

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  2. Hugo,

    Excelente análise. Lê-se uma, duas, três vezes e a opinião é sempre a mesma.

    Sempre que têm vitórias europeias os tipos ficam com excelentes oportunidades para vender vários jogadores por quantidades pornográficas de dinheiro. Este ano teriam feito o mesmo... não fosse o dragay de ouro Vilas Boas. A dimensão da traição não é apenas desportiva, é, acima de tudo, em rentabilização do plantel. Acresce que as condições deste ano podem ser irrepetíveis, dado o investimento do Sporting e o continuar de rumo do Benfica. ´
    Também por isso seria de enorme importância a vitória do Benfica no campeonato, este ano. Seria mais um factor de fracasso, associado a uma Liga Europa onde dificilmente poderão ter o destaque que tiveram o ano passado, com tanto tubarão a participar.

    Esperemos que o Benfica esteja à altura da viragem história. Num momento em que a equipa começa a dar alguns sinais que podem preocupar, um reforço cirurgico num ou dois lugares essenciais, poderia contribuir para reforçar a capacidade para assegurar a tal viragem, desportivamente.

    De qualquer modo, excelente a análise. Do melhor que aqui se serve, que é sempre muito bom.

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  3. Eu quero muito acreditar nesta analise. Mas a historia, mesmo a historia dos ultimos 10 anos, mostra-nos que o PC, para alem de dominar o sistema, tem o dom de construir excelentes equipas eu muito pouco tempo. O que se diz neste post ja era o que o Veiga dizia quando o Benfica ganhou em 2005, mas depois foi o que se viu (tetracampeonato).

    Estar a fazer esta analise partindo de um paralelismo que assenta na conquista da Taca Uefa, na minha opiniao, 'e errado. Como dizes e bem, o Mourinho ganhou a LC com muita sorte, pelo menos no que aos adversarios que tiveram de enfrentar diz respeito. Nos dias que correm, o que faria o Porto este ano com AVB e Falcao ainda na equipa? Quartos-de-final, nao mais que isso. Meias ja seria um milagre.

    Por isso penso que estar a comparar tudo o que correu bem em 2004 com tudo o que tem corrido menos bem em 2011 simplesmente porque no ano anterior houve a conquista da UEFA 'e falacioso.

    Portanto, sim, o Porto esta moralmente e financeiramente debilitado, mas continua a ter o melhor plantel em Portugal e continua a ter o PC e continua a dominar o sistema.

    E no Benfica, sera que nao ha uns quantos que tambem gostavam de sair assim que possivel e financeiramente vantajoso? Sera que estamos financeiramente mais desafogados? O que esta a acontecer no Porto (e.g., nao pagarem salarios a modalidades e funcionarios) ira eventualmente acontecer no Sporting e Benfica se as coisas continuarem assim.

    Faco votos para que tudo o que 'e dito neste post aconteca mesmo e que os proximos 30 anos do Benfica sejam tao bons como os ultimos 30 do Porto, mas, a meio da epoca e quando o Porto ainda 'e o actual campeao e lider da Liga, penso que 'e um pouco "wishful thinking" a mais.

    Luis

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  4. Bom post, concordo com tudo. No entanto, quando se fala do Porto e não se fala dos tráficos de influência e de uma máquina que foi construída durante vários anos e a vários níveis para os favorecer, e não só em Portugal, fico sempre insatisfeito pois não mostra o filme todo.

    Não há dúvida que ter um adversário forte, torna-nos mais fortes. A concorrência, e não só no desporto, tem destas coisas.

    A grande fixação e obsessão do Grande Timoneiro é o Benfica. Foi isso que o conduziu este ano. Para mostrar que são maiores, incluem num orçamento proveitos extraordinários resultantes das vendas de jogadores. Fizeram um orçamento superior a 100M€, cerca de 50M€ advém da venda de jogadores. O princípio da prudência recomenda que nos orçamentos se trate um proveito extraordinário como algo que pode acontecer... ou não. O sucesso subiu-lhes à cabeça.

    A saída prematura da champions, quando estava orçamentada a passagem aos oitavos retira-lhes receitas da UEFA, da Market Pool (todo para o Benfica) das assistências, publicidade e, mais importante, da DESVALORIZAÇÃO dos jogadores. Com a necessidade de ir ao mercado em Janeiro, os valores que poderão receber pelos jogadores irão ser muito inferiores aos que desejam. Apesar de toda a desinformação que diáriamente aparece nos jornais tentando empolar os preços que oferecem. Como ainda hoje aconteceu.

    A formação está uma desgraça, daí não virá ajuda. Portaram-se como verdadeiros "losers". Os jogadores querem sair pois têm os ordenados em atraso e querem ir ganhar mais. Isso é muito desmotivador, deixaram de acreditar num clube que se auto-proclama vencedor.

    Penso que 2013 vai ser um ano crucial, em que vamos observar a queda de ídolos com pés de barro.

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  5. Eu percebo o que dizes, Luís. É verdade: eu tenho sempre a tendência para ver o copo meio cheio. Provavelmente é uma forma de auto-defesa que aprendi com os sucessivos fracassos do Benfica nos últimos vinte anos. Depois de se perder tanto, e tão dolorosamente, aprendemos a pensar: «Temos de tirar qualquer coisa boa desta derrota.» Com o tempo, esse positivismo entranha-se no nosso raciocínio.
    Wishful thinking? Provavelmente. Mas o que seria trágico seria deixar passar a oportunidade só por não acreditar que ele fosse passar.
    É preciso perder muito antes de saber ganhar, mas não se consegue, nunca, chegar a ganhar se se deixar de acreditar. Essa é a base dos grandes projectos, e olha que me parece que, dentro do Benfica, essa cultura fundamental do sucesso (e vi-o novamente neste Verão, depois da terrível época que se passou o ano passado) está também a implantar-se. É daí que vem a minha positividade.

    Outra coisa a considerar: não há linearidade nestas coisas. Nem o Porto vai passar a perder sempre, e de um momento para o outro, nem o Benfica vai começar a ganhar a torto e a direito, sem sofrer percalços. O Benfica tem imensas fragilidades internas. Digo mais: o Benfica está a muitos anos de se tornar naquilo que eu espero dele, e não tenho a certeza se algum dia o conseguirá.
    Mas, se estou a ler correctamente o ciclo histórico (e isso é sempre complicado quando estamos dentro desse ciclo histórico), não me lembro de ver o Benfica tão preparado para subir de nível desde a época de Fernando Martins.

    O Benfica vai ter os problemas que todos os outros clubes terão – o futebol é e será sempre um jogo dominado pela aleatoriedade – mas o seu nível de preparação para ela está cada vez mais perto do do Porto. Que é a base do seu sucesso.

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