sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Ano 1 Depois de Pinto

Quando a diferença competitiva entre um campeão em título e os aspirantes é tão grande como no caso português, e quando existe um domínio estratégico tão amplo de uma equipa sobre as outras, mais do que por qualquer pressão externa é por questões internas que o favorito pode não chegar a ganhar.
Na época pós-Mourinho, em que o Porto atingiu, graças à valorização conhecida nesse período de dois anos, um patamar financeiro que até aí não conseguira atingir, permitindo-lhe recorrer ao dinheiro para alargar a base de renovação da equipa, a possibilidade de desgaste interno e de enfraquecimento estrutural diminuiu muito. Com o dinheiro ganho nas receitas originadas por esses dois anos de expansão europeia o Porto passou a ter acesso a mercados mais caros, podendo não só gastar mais dinheiro em melhores jogadores como fazê-lo de forma rápida e mais livre. Noutros tempos seria impossível, para a sobrevivência financeira do clube, gastar tanto dinheiro em tantos jogadores, com um nível de aproveitamento tão baixo, assim como comprar jogadores tão caros como Diego, Luis Fabiano, Hulk ou Falcão, numa base regular. O Porto passou de se munir apenas a nível interno para operar a nível externo, entrando num ciclo superior onde se gasta mais, se ganha mais e a qualidade, os erros e as recompensas são maiores. Mais do que a qualidade, o que distancia o Porto de Benfica e Sporting, neste momento, é a dimensão.

E isto tornou-o menos vulnerável à possibilidade de afundamento como a que estava a ocorrer precisamente no momento em que Mourinho pegou na equipa. Não foi a capacidade financeira que elevou o Porto ao patamar de riqueza actual, foi a criatividade e o talento quer para apostar num Mourinho quer para lhe dar as condições para o sucesso, mas é a capacidade financeira que permite ao Porto, actualmente, não descer abaixo de determinada fasquia.

É por esta razão que, desde Mourinho, o Porto só perdeu dois campeonatos: o primeiro, em que uma inevitável quebra de dinâmica (após o melhor período de dois anos na história do clube até então) se conjugou a uma má escolha de treinador (Del Neri) e a uma breve série de maus resultados, levando ao ano mais atípico da sua história, com quatro técnicos e o terceiro lugar no campeonato; e o de 2010, em que, mesmo tendo a melhor equipa, a ausência dos dois jogadores mais importantes da equipa, vendidos em simultâneo no Verão (Lucho e Lisandro), se juntou à acomodação proveniente de quatro títulos seguidos, à sedução da Liga dos Campeões e a uma concorrência invulgarmente forte no primeiro terço de campeonato por parte do Benfica, e resultou no terceiro lugar, ante o campeonato invulgar feito pelo Braga.

Em todos os outros campeonatos o Porto limitou-se a confirmar a sua superioridade, no último dos quais fazendo a melhor época de sempre.

Ou seja, mais do que serem os outros a ganhar, neste momento o Porto só não é campeão se for ele a perder o campeonato. E, para isso acontecer, neste momento, com uma equipa consolidada e em fase ascendente de maturação, tal é a distância competitiva entre Porto e Benfica e Sporting que tem de haver uma conjugação de desequilíbrio interno com superação externa dos adversários, sendo que esta segunda, sem ser, por si mesma, mais importante que a primeira, é mais necessária. Benfica e Sporting podem ser campeões sem que o Porto tenha uma quebra, mas não o conseguirão ser se não fizerem campeonatos acima do seu nível médio/alto dos últimos dez anos.

Qualquer tipo de previsão matemática do próximo campeão, com os dados conhecidos neste momento, realisticamente, teria de andar em redor do seguinte: Porto, 75 por cento de hipóteses; Benfica, 20 por cento; Sporting, 5 por cento. Ou seja, Porto, três hipóteses em quatro, Benfica, uma em cinco, Sporting, uma em vinte. Coincidentemente, estes números não andam muito distantes dos resultados obtidos nos últimos vinte anos. Porto, catorze campeonatos ganhos em vinte; Benfica, três em vinte, Sporting, dois em vinte.

Em termos pontuais, antevejo uma classificação final entre as seguintes janelas:

- Porto, entre 79 e 74 pontos;

- Benfica, entre 76 e 73 pontos;

- Sporting, entre 74 e 66 pontos.

No entanto, acredito que este vai ser um ano invulgar e contra as estatísticas. Penso que o campeão será o Benfica.

O que me leva a pensar que o Porto não será campeão:

- O Porto acabou de ter a melhor época da sua história, em que literalmente tudo lhe correu bem. Em termos não apenas desportivos, mas civilizacionais, foi um ano de apogeu. O treinador-adepto com o discurso perfeito, sempre, e um talento genial, portador do portismo básico e fundamentalista. A vingança na Supertaça, frente ao Benfica. O campeonato ganho à quarta jornada, permitindo-lhe gerir o resto da época. A vitória por 5-0 frente ao Benfica. As humilhações, impunes, das pedradas e das bolas de golfe. O descalabro interno do Benfica, com o vexame de Roberto à mistura. A importância na equipa de Hulk, o suposto injustiçado do túnel, Falcão e Álvaro Pereira, os roubados ao Benfica, e Moutinho, a jogada mestra de Pinto da Costa, todos vincando superioridade sobre Benfica e Sporting. A conquista do campeonato na Luz, com apagão incluído. A eliminação do Benfica na Taça de Portugal, na Luz, virando um 0-2 com um 3-1, marcando Falcão e Hulk. Um campeonato sem derrotas, pela primeira vez, e o máximo de pontos de sempre pelo clube. A vitória na Taça UEFA após a eliminação do Benfica pelo grande aliado Braga (uma espécie de Porto B). A goleada no final da Taça, frente ao amigo ingrato Guimarães. Até o Braga conseguiu a sua melhor época de sempre, sob a influência portista (presidente, treinador, principais jogadores, claques).  Há em tudo isto a sensação de ser demasiada felicidade, que nenhum karma pode ser assim tão forte. Estatisticamente, as hipóteses de o Porto voltar a ter uma época sequer semelhante são praticamente nulas. Da mesma forma que há dois anos o Porto foi batido por um início de campeonato apenas ligeiramente abaixo do normal e por uma derrota na Luz que o deixou a oito pontos de um Benfica muito acima do normal (e não pelo castigo de Hulk, uma vez que, na altura do castigo, a diferença era de oito pontos e no fim do campeonato, já com o castigo pelo meio, acabou em cinco), é possível que algo do mesmo género aconteça este ano – uma lesão num jogador-chave, um resultado fora do normal, uma situação anómala, algo fora do plano.

- A dinâmica do Porto vai ser, obrigatoriamente, menor, simplesmente porque não pode sequer ser igual. E, em futebol, a dinâmica é mais importante que a qualidade. Uma dinâmica superior de uma equipa inferior pode impor-se a uma qualidade superior do lado oposto, e o contrário também é verdadeiro: uma dinâmica desacelerativa, mesmo que não se lhe possa chamar negativa, influencia negativamente a qualidade – relativiza-a. Em termos internos, uma dinâmica em quebra gera desconfianças e afecta o desempenho;

- O Benfica está mais forte, o que acrescentará uma pressão que o Porto nunca sofreu ao longo da temporada passada. O Porto jogou sempre relativamente à vontade, na margem de pressão ideal, quer no campeonato quer na Liga Europa. Em nenhuma das duas competições a pressão adversária era tão elevada que o Porto não lhe conseguisse responder e tão baixa que lhe permitisse relaxar. A relação desafio-resposta foi sempre acessível para o Porto, e também em crescendo à medida que a capacidade interna aumentava, ou seja, esteve sempre num nível óptimo;

- O desafio e a atracção da Liga dos Campeões roubará ao Porto, como rouba sempre e a qualquer equipa, mas sobretudo às que têm aspirações fortes na Europa, concentração de forças a nível interno. Entre os oito a doze jogos que o Porto fará (com a forte possibilidade de chegar às meias-finais, dada a qualidade da sua equipa), existe a igualmente forte possibilidade de perder um ou dois resultados imprevistos no campeonato, que podem representar quatro a seis pontos. A atracção pela Champions é muito maior que a da Liga Europa, cujo carácter secundário permitiu, desde o início do ano passado, fazer uma escolha fácil de prioridades. A jogadores campeões invictos e convencidos da sua evidente superioridade interna será difícil convencer que a Liga dos Campeões não é mais importante, a nível pessoal, profissional e até do clube, que uma competição interna perfeitamente acessível. Não há, sequer, o factor-vingança pós-túnel que, desde o princípio da época passada, foi utilizado como maximizador de recursos pelo próprio treinador para apontar o campeonato como alvo principal;

- O Porto não acrescentou (ainda) qualquer mais-valia significativa ao seu plantel, ao contrário do ano passado, em que comprou Moutinho. Não comprou nenhum titular, e dificilmente comprará, porque tem jogadores secundários para valorizar e vender (Fucile, Rolando, Otamendi, Varela, Fernando, Souza, James, Ruben, Guarín, Belluschi) e enquanto não os vender não os substituirá. Isso fará com que todo o crescimento da equipa seja interno, sem nenhum acréscimo exterior de qualidade exterior, o que dificulta muito a dinâmica de crescimento de uma equipa já de si em muito alto rendimento. E se perder algum titular será um jogador nuclear, o que significará um retrocesso qualitativo de base, mesmo que adquira um jogador de nível semelhante. A aposta em jogadores ditos «de futuro» (Iturbe, Danilo, Sandro) indicia isso mesmo. Creio que só um muito mau arranque de época no campeonato ou Liga dos Campeões motivaria Pinto da Costa a gastar 15 ou 20 milhões de euros num titular para entrar de caras na equipa e encostar um dos jogadores que tem para vender, porque mais suplentes não comprará concerteza – ter gasto vinte e cinco milhões de euros a comprar quatro (os três referidos mais Kléber) já foi um investimento altamente arriscado, e, na minha opinião, um erro que certamente será pago no futuro.

- A quebra civilizacional já começou com o abandono de Villas-Boas (o tal que estava no seu lugar de sonho e que queria ir treinar para o Vietname depois do Porto, para conhecer novas culturas…). O sentido de religiosidade que o Porto tinha atingido o ano passado ficou abalado. O Porto desceu à Terra pela mão de quem o tinha levado ao céu. Não há forma de negar que a saída de Villas-Boas foi um passo atrás no idílio portista.

- As expectativas são extremamente altas, sobretudo se Hulk e Falcão não saírem. Um mau resultado (que vai aparecer, e quanto mais cedo pior) trará um estado de espírito negativo, provavelmente desproporcional, e obrigará o Porto, sobretudo através dos seus jornalistas, a um recuo estratégico mediático. A pressão aumentará, e facilmente se verá que o Porto tem muito mais um excelente onze que um excelente plantel. Será uma reversão da dinâmica e facilmente o campo vai começar a nivelar-se, pois na época anterior foi sempre a descer para uns e sempre a subir para outros.

- O Porto nunca teve uma má fase na época passada. Vai tê-la este ano. O momento da época em que ela acontecer, e a competição (o ano passado foi na Taça da Liga), vai determinar muito do sucesso da equipa. Se for no campeonato, há boas hipóteses de o Benfica aproveitar.

- O Porto foi demasiado longe na competição com o Benfica. Gastou mais de 22 milhões de euros em dois laterais juniores que ficarão no banco na maior parte da época, e que provavelmente não estarão, tão cedo, à altura da pressão. Foram tão caros que mesmo o falhanço de apenas um resultará em críticas à política de guerra total do Porto relativamente ao Benfica. Nunca o Porto gastou tanto dinheiro em contratações, e até ver limitou-se a comprar suplentes ou jogadores de futuro, seja lá isso o que for.

- O Sporting entrará na luta, o que poderá roubar pontos ao Porto e aumentar a pressão. Dois dos jogos mais fáceis do Porto no ano passado foram contra o Sporting, em que a motivação existia naturalmente e a diferença de qualidade se tornou mais evidente. Este ano o Sporting estará mais apto a defrontar o Porto.

Há, ainda, um outro factor (concordo que de natureza algo metafísica) que me leva a acreditar que o Porto não é tão favorito como racionalmente se pode concluir à primeira vista: apesar das aparências o momento histórico não é favorável ao Porto. Na História não existe estabilidade, ou há ascensão ou decadência. Em termos civilizacionais, a última época (já com a conquista do celebrado título na Supertaça deste ano incluída e o histórico 70-69 em relação ao Benfica) está para o Porto como as guerras germânicas estiveram para Roma no tempo de Marco Aurélio: nunca se foi tão longe, mas não se iria mais longe do que isso daí para a frente. O Império Romano não entrou em decadência imediatamente a seguir a isso, depois de um breve esplendor durou ainda três séculos de imobilidade, mas a decadência iniciou-se precisamente porque a expansão terminara. O mesmo aconteceu com o Benfica nas décadas de setenta e oitenta. O Porto não voltará a ganhar sete campeonatos em dez. Ganhará, provavelmente, cinco nos próximos dez. E, nos dez a seguir a esse, eventualmente três, ou dois. E creio que, dada a perversidade da História e a natureza fatídica e vingativa dos seus ciclos, muito feliz se poderá dar se a tanto chegar.

Em termos de dinâmica civilizacional, Benfica e Sporting estão em fase de recuperação – lenta, como é sempre, com avanços e recuos, com erros e sucessos, mas permanente. No Sporting, que culturalmente é um clube menos denso, e em que as mensagens passam com maior facilidade, percebeu-se (muito pelo contraste com os seus dois concorrentes, e sobretudo pelo eterno espelho Benfica) que o futebol tem uma economia própria, o que creio que era o passo fundamental. Percebendo que o dinheiro apenas faz parte do futebol, e que o futebol não se mede em moeda, o Sporting, concluída que está a dinastia roquetista, está agora a iniciar o seu regresso à grandeza, que não se coaduna com a satisfação de ser segundo desde que seja à frente do Benfica.

A revitalização é, por agora, mais visível no caso do Benfica, em que se instalou um processo de fortalecimento interno em lugar da desagregação sucessiva que durou até à entrada de Luis Filipe Vieira – um homem simples, em muitos casos mesmo básico, mas pragmático, o que é muito mais importante do que os projectos abstractos de glória. Os sintomas dessa mudança de paradigma são, neste momento claros: o Benfica perdeu um campeonato mas, pela primeira vez em vinte anos, manteve um treinador na entrada para a terceira época; está a negociar um pacote de transmissões televisivas que lhe dará uma vantagem de um jogador transferido/ano em relação à concorrência, ou seja, para poderem ter o mesmo nível de receitas os concorrentes terão de vender mais um titular, por ano, que o Benfica (ao fim de três anos isso significará uma margem significativa de qualidade e estabilidade); o clube mostra que está a melhorar a sua capacidade prospectiva e de recrutamento, os jogadores que chegam são cada vez mais valores seguros, diminuindo muito o risco de esgotamento de recursos e elevando as possibilidades de sucesso; a resistência ao insucesso e a capacidade de análise do erro são incomparavelmente maiores do que há dez anos, em que tudo mudava se alguma coisa não resultava – e este factor cultural é o principal ganho na última década do Benfica. Não se vê como é que, neste ponto, após tanto ter sido recuperado em termos de funcionamento interno, o Benfica possa regredir tão acentuadamente ao ponto de não vir a ganhar, pelo menos (e para já, dada a dimensão adquirida pelo clube), um campeonato em cada três.

Não é difícil imaginar o Porto a não ser campeão dentro de duas épocas. Nessa altura venderá Moutinho, Hulk e/ou Falcão (porque tem de vender) e, a ter sido campeão este ano, estará ainda menos focado no campeonato, exponenciando-se ainda mais todas as razões que apontei atrás, incluindo um fortalecimento do Benfica e, sobretudo, do Sporting. Este cenário ajustar-se-ia, é verdade, ainda melhor, à referida hipótese do declínio civilizacional lento. Além disso, o mais provável é que a diferença de andamento seja ainda tão grande que chegue para um Porto em quebra chegar à frente dos dois perseguidores. Ainda assim, acredito, pessoalmente, mais noutro: um em que o Benfica vence o campeonato deste ano à justa, dando um passo firme na sua reconstrução (mais firme que a do campeonato de 2010, que ganhou sem saber bem como), e em que o Porto, ainda superior e alimentando-se da rivalidade, volta a ganhar em 2013, embora já não com a superioridade que evidenciou até aqui e que, estou certo, não voltará a ter.

3 comentários:

  1. Ao ler este post,retrospectivamente em Outubro,fico com a ideia que as suas análises são muito bem estruturadas e factuais pois 90% delas,na actual data,mostram-se totalmente correctas.

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  2. Muito bom. Análise racional e muito inteligente do que se passa. Estou totalmente de acordo e tudo o que diz já eu o pensei e o afirmei, por outras palavras e de uma maneira muito mais simplista, vai para 3 anos. O "plano inclinado" do FCPorto. Não esperava é que tivessem tido um ano como o anterior. O chamado "the last push".

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  3. Hoje,29 de Janeiro de 2012,às 22 horas,digo que a percentagem está em 99%.

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