quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O mito da infalibilidade

«Pinto da Costa domina de novo o mercado de Verão.»

Jorge Barbosa, em Record de 11 de Agosto de 2011

O seu a seu dono. Para entendermos a lógica e a beleza de uma organização bem organizada, onde toda a gente sabe quem é o pater famílias, eis uma semana do aparelho de propaganda portista. Fiquemo-nos pelo Record, porque chega. Escusamos de ir ao Jogo, não há necessudade de exagerar.

11 de Agosto

Segundo Rui Sousa, no Record, «os 45 milhões de euros da cláusula de rescisão são proibitivos» para o Atlético de Madrid, cujo interesse em Falcão deu a Pinto da Costa «vontade de rir». A tecla dos 45 milhões, após a renovação e suposta blindagem do contrato de Falcão há apenas dez semanas, tem sido batida em força como uma vitória negocial do presidente do Porto, um dos seus grandes negócios e uma prova da fidelidade do jogador. O intensificar das movimentações em torno do internacional colombiano provoca uma «guerra de nervos» que, na opinião do jornalista, «favorece as intenções dos azuis e brancos [não se percebe bem como], já que é vontade de Pinto da Costa que o seu maior goleador continue ao serviço do clube.»

Paralelamente, uma eventual proposta de 40 milhões por Hulk «nem deverá merecer a atenção de Pinto da Costa».

12 de Agosto

Diz Rui Sousa que a SAD portista está a gerir o processo Mangala com toda a tranquilidade porque «mantém o controlo da situação». Pierre François, director do Standard Liége, diz à imprensa do seu país que não entendeu a nega de Mangala ao valência, quer desportiva quer financeiramente.

O «controlo da situação», digo eu, é o controlo do jogador e do empresário, feitos à revelia do clube, muito provavelmente a troco de contrapartidas financeiras (escondidas ou não) no momento em que o Benfica fez a sua oferta pelo jogador e este se revelou uma possível nova vitória de mercado. O arrastar da situação deve-se a isso. Para que ninguém se esqueça, Rui Sousa acrescenta no penúltimo parágrafo: «Certo é que o central, de 20 anos, deu preferência ao FC Porto, depois de ter recusado o Benfica e o Valência, tendo já um acordo com os azuis e brancos.»

Mais à frente, o mesmo Rui Sousa, dá conta do interesse do Chelsea em Álvaro Pereira, por 18 milhões mais um jogador, mas uma fonte da SAD garante que, com o Chelsea, depois do roubo de Villas-Boas, Pinto da Costa não conversa com Roman Abramovich, e a única proposta válida seria de 30 milhões de euros, que é o valor da cláusula.

14 de Agosto, manhã

A situação de Defour também «está controlada» (André Monteiro). Novamente, o Standard de Liége foi apanhado na curva e, com tudo negociado com o jogador, tem de comer e calar. «A SAD não está disposta a deixar que os obstáculos colocados pelo emblema belga acabem por inflacionar o preço de uma eventual transacção.» O método do Porto, obviamente, é segurar os jogadores, quer directamente quer através dos empresários, e encostar os clubes à parede. As suas vitórias de mercado sobre o Benfica assentam neste método.

Quanto a Falcão, os 40 milhões de euros mais um jogador que o Tottenham estaria disposto a oferecer não chegam, porque ficam a cinco milhões dos 45. A vontade de Falcão em concordar com essa condição sine qua non é, desde sempre, tida como um facto consumado.

14 de Agosto, noite

O Porto ganha em Guimarães e, depois do jogo, onde foi suplente utilizado, Falcão, à revelia do departamento de comunicação do clube, vai à zona de imprensa e diz, por meias mas suficientes palavras, que quer ir para o Atlético de Madrid. Toda a gente é apanhada de surpresa.

15 de Agosto

Segundo André Monteiro e Paulo Paulos, o avançado foi propositadamente ao local para transmitir a mensagem que «nitidamente tinha em mente». No final da notícia, dá-se que esta forma de pressão do jogador pode resultar das dificuldades que a subida da cláusula de rescisão está a provocar numa saída para o exterior.

Entretanto, Fernando, o proscrito por ter dito que queria sair do Porto e, dessa forma, desvalorizar o seu valor de regateio no mercado, é fotografado na bancada dos Superdragões, em Guimarães, apesar de não ter sido convocado e de mais nenhum jogador não-convocado ter comparecido ao jogo. Está a ser trazido de volta para terreno amigável.

É anunciada a aquisição de Mangala e Defour, por 13 milhões de euros.

16 de Agosto

Jorge Barbosa, em coluna de opinião, defende que, ao fim 43 milhões de euros gastos em nove jogadores, está na hora de começar a vender para equilibrar um orçamento de 90 milhões. No meio-campo vai sair alguém que será substituído por Defour – mas só pela cláusula ou perto disso.  Anúncio público de Falcão «prejudicou sobremaneira os interesses do clube». Já Mangala é para aprender durante um ano, pelo que Rolando e Otamendi não devem sair. O departamento de propaganda já informou, assim, os seus opinion-makers do que vai acontecer: Falcão, depois de ter encostado o clube à parede como Mangala, Defour, Danilo e outros fizeram com os seus, está à porta para sair; um médio também, e é tudo. Com isso chegarão aos 60/65 milhões de que precisam para não darem grande prejuízo. Subtraindo os 43 que já gastaram mais os 9 ou 10 que terão de gastar para comprar um bom substituto brasileiro para Falcão, sobram sete ou oito que, em ano de Champions, chega para manter a loja aberta e ficar, ainda, com a melhor equipa portuguesa.

A comunicação de Falcão, na véspera, provocou um «terramoto». Numa nota paralela recorda-se a calorosa recepção ao avançado quando regressou da Colômbia. Começa a ser clara, a quem queira ver (e se não quiser vai ter de ver à mesma), a ingratidão do jogador em relação ao clube. Já quanto ao substituto para Falcão, «os olhos estão bem abertos», assegura-se. Deve ter sido alguém que lhes disse: «Temos os olhos bem abertos.» Porque ninguém deve ter dúvidas disso.

17 de Agosto

Na primeira página: «Falcão no Atlético de Madrid por horas – Acordo deve ser selado por 38 milhões» e, ainda, «Ruben Micael e Fernando também podem sair»

Depois de terem andado quase um mês a assegurar aos leitores que Falcão sairia apenas pelos sacrossantos 45 milhões, Rui Sousa e André Monteiro dizem agora que os cerca de 38 milhões por que se fará o negócio serão, ainda assim, a maior transferência do futebol português.

Afinal, o Porto ganhou. Falcão vai ser um grande negócio, até porque perdeu margem de manobra no Dragão desde que disse que queria sair (como se o jogador precisasse de manobrar mais) e porque, como se indicia no parágrafo seguinte, afinal não é suficientemente ambicioso para jogar no Porto, uma vez que não vai nem para o Chelsea nem para o Real Madrid, preferindo o secundário Atlético de Madrid.

O momento seminal é uma foto de uma parede em que, durante a noite, os Superdragões, o braço armado da direcção do Porto, saindo à rua (que é onde está a voz do povo), escreveram: «Vai embora Falcão.» está tudo dito.

Note-se que, na véspera, a Bola tinha escrito que os 38 milhões eram um acordo tácito, dando a entender que Jorge Mendes, o recém-contratado empresário do jogador, o tinha orientado no sentido de pressionar o clube na comunicação social, como fizera Fábio Coentrão com o Benfica, informando o Atlético de que o preço real eram os 38 milhões acordados e não os 45 da cláusula. Nesse momento, o mito da cláusula de rescisão estava morto.

Paralelamente, informa-se que dificilmente o Porto convencerá a Roma a pagar os 30 milhões da cláusula de Fernando (e aposto que a Roma nem sequer sabia que queria comprar o Fernando, muito menos por 30 milhões) e que Ruben Micael, um jogador cujos grandes feitos de carreira tinham sido ser portista desde pequenino, no Funchal, ter levado com dois dedos na cara do Jorge Jesus e ter marcado um livre à traição no primeiro jogo que fez pelo Porto, passando depois um ano no banco assim que Villas-Boas substituiu Jesualdo Ferreira, Rubem Micael afinal tem mercado. O empresário, curiosamente, é… Jorge Mendes. Certamente que na sua estratégia de rapina de Falcão das Antas Jorge Mendes já tinha em vista esta benesse de oferecer ao Porto o favor de o livrar de um peso-morto por dois ou três milhões de euros, eventualmente até com algum a entrar por fora, como é de bom tom.

O mito

Outro mito que, mais tarde ou mais cedo, vai morrer é o da infalibilidade de Pinto da Costa no mercado.

Vejamos, então, o balanço de Verão, até agora, de Pinto da Costa:

- perdeu o seu treinador e trave-mestra do sucesso no ano passado ao ser apanhado na curva;

- roubou Danilo e Alex Sandro ao Benfica, dois laterais saídos agora dos juniores, por 23 milhões de euros. Vejamos como e quando é que qualquer um dos dois jogará, recordando que, por Hulk, o Porto pagou praticamente o mesmo, e que Falcão veio por metade do preço apenas há dois anos, não tendo o mercado sido assim tão inflacionado. Para serem um bom negócio, à maneira antiga, cada um deles deveria ter sido comprado por 3 ou 4 milhões de euros, no máximo. Têm cláusulas de rescisão de 50 milhões, mais vinte que a cláusula original de Falcão, tal como Mangala e Defour. O que nos leva a questionar porque era a cláusula de Falcão, já na altura muito mais promissor que qualquer um deles, tão baixa.

- gastou mais 20 milhões de euros, num total de 43, em Kléber, Iturbe, Mangala, Defour, Djlama e Bracali. Desafia-se o mais bondoso adepto a encontrar, no meio destes 43 milhões de euros, dois titulares indiscutíveis.

- vai perder o seu melhor e único avançado-centro fiável, um dos três melhores atacantes europeus na temporada passada, quando a sua intenção era, claramente, atacar a Liga dos Campeões este ano. Com os 38 milhões que vai ganhar aí terá de gastar entre 7 e 10, pelo menos, a comprar alguém que demorará pelo menos um ano a atingir o mesmo nível, se é que atingirá. E aqui já vamos, pelo menos, em 50 milhões.

- Fernando está a ser trabalhado para não ser vendido a preço de saldo. É capaz de dar 15 a 18 milhões, com boa vontade de quem quiser comprar, porque não está a jogar nem quer. E não vale isso, mas enfim… Rolando já abriu brechas ao dizer que também quer sair.

- aos 26 anos, idade de plena maturação competitiva, Cebola Rodríguez, que custou 7 milhões de euros para ser roubado a um Benfica que tinha acabado de acabar em terceiro no campeonato anterior, e que tem um dos maiores salários do plantel pela mesma razão, está encalhado e ainda deve vir a ser emprestado para não passar um ano encostado. Walter, a grande aposta do ano passado (6 milhões?), vai pelo mesmo caminho. Micael, a fantástica aquisição de há ano e meio (4 milhões?), igualmente.

Que o Porto tem mais experiência e mais qualidade no trabalho de mercado de jogadores e de constituição de plantéis, é inegável. Que Pinto da Costa domine esse mercado, é falso. Domina enquanto ganha. Mas se o Porto perder o próximo campeonato, depois de gastar mais de 50 milhões de euros em contratações, ou se não for aos quartos-de-final da Liga dos Campeões, quem ousará dizer que Pinto da Costa domina seja o que for?

Até ver, o Porto gastou 43 milhões de euros a comprar futuros. Na prática, em vez de nove possíveis bons jogadores, que vêm ocupar o lugar de outros nove possíveis bons jogadores que já não o vão ser ou que passaram de prazo – porque, dos titulares, sair ainda não saiu nenhum, e não se vê como é que qualquer um destes miúdos vá pegar de estaca, se for preciso, numa equipa da categoria da do Porto, pelo que o mais provável é haver entrada por saída –, na prática, com esses 43 milhões o Porto já teria comprado dois jogadores jovens e titulares indiscutíveis, para reforçarem o seu onze, e não nove para reforçarem o seu banco.

Entre os negócios, as negociatas, os flops e os retoques, as comissões e as rasteiras ao rival, o clube com maior rendimento de mercado no futebol mundial nos últimos dez anos continua a ser, economicamente, vulnerável a qualquer Atlético de Madrid, e ainda o ano passado ficou fora da Liga dos Campeões num campeonato com apenas três candidatos ao título. Fica a dúvida: e quando a vaca emagrecer?

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