quarta-feira, 25 de abril de 2012

Pedretas

Ver uma equipa alemã de alto nível a jogar futebol, para mim, é quase uma ideologia.

Só encontro uma palavra suficientemente significativa e definidora: carácter.

Escrevo isto enquanto vejo o Real Madrid-Bayern, está 2-1 e não sei como vai acabar, mas é indiferente. Um dia, o Mourinho já não vai estar no Real, vai estar outro pior que ele, nem o Ronaldo, o Real vai ser qualquer coisa de titubeante, e nesse dia o Bayern, qualquer que seja o seu treinador e quaisquer que sejam os seus jogadores, continuará a ser, senão melhor, uma equipa superior em mentalidade, compostura, disciplina. Em carácter. Com alemães, ganeses, argentinos, peruanos ou brasileiros.

O Bayern sofre o primeiro golo a abrir num penálti inventado pelo Santiago Bernabéu e mantém-se firme. Sofre o segundo num repelão e aguenta-se. Continua na mesma. Não treme. Marca, evidentemente, como estava já claro que conseguiria marcar, e enquanto festeja, já metade dos jogadores faz questão de recordar à outra metade que ainda falta ganhar o jogo. A jogar fora, com a melhor equipa da Europa do momento, o Bayern toma conta do jogo. O Real, por estratégia ou não, faz figura de equipa menor. Provavelmente vai ganhar, porque tem melhores jogadores, funciona melhor como equipa e tem o factor casa (é, portanto, tecnicamente muito superior), mas esta equipa do Bayern faz jus à melhor tradição alemã e é uma garantia de que, como disse Lineker, o futebol continuará a ser um jogo simples, de onze contra onze, em que os alemães ganham no fim.

Porque é praticamente invulnerável aos estados de alma.



Não são os estados de alma que ganham os títulos. É raríssimo isso acontecer. A velha máxima de que o segredo para o sucesso é 90 por cento de transpiração e 10 por cento de inspiração é completamente certa, e os estados de alma só imperam quando, por uma grande coincidência, entram em competição duas ou mais equipas que transpiram igualmente muito.

Quando começo a ouvir falar em motivação, em superação, em benfiquismos, sportinguismos ou portismos, começo logo a pedalar para trás.

São tretas. Costumo dizer que são Pedretas.

Lembro-me sempre de uma história que me contou um amigo jornalista da velha guarda sobre o Joaquim Meirim, quando estava no Belenenses, e andava com essas patranhas da mentalização na cabeça, nos anos 70. Um dia o Belenenses estava em estágio num hotel e o Meirim meteu na cabeça que ia meter um jogador que não sabia nadar a nadar. Era um defesa brasileiro, de que não me lembro o nome. Levou o rapaz para a beira da piscina e começou a mentalizá-lo. E «está tudo na tua cabeça», e «tu és capaz», e «tu és o melhor nadador do mundo», e não sei que mais, e o jogador, a certo ponto, tanto se convenceu de que se quisesse sabia nadar que se atirou à piscina. Tiveram de ir tirá-lo à água para não morrer afogado.

É verdade que toda a gente pode começar a nadar bem de um momento para o outro, mas não é na primeira vez que se atira à água.



Desconfio sempre das equipas que melhoram com as chicotadas psicológicas. É porque são fracas da cabeça e, quando se acabar o estado de alma, não têm carácter lá dentro. As equipas verdadeiramente fortes melhoram contra as dificuldades, não quando as dificuldades são mitigadas. As verdadeiras equipas crescem perante as dificuldades.

Eu, como dirigente, até poderia recorrer à chicotada psicológica, mas se ela resultasse preocupar-me-ia, realmente, em trocar de jogadores o mais rápido possível.



Ouço e leio notícias sobre o Só Pinto, ouço-o a falar, vejo-o a orientar a equipa, e só vejo ali um caso psicológico.

Aparentemente, a equipa do Sporting, seis anos depois, continua a precisar (desesperadamente) apenas de… tranquilidade.

Os cirurgiões embevecem-se, os engenheiros coninhas encostam-se, as velhas glórias revêem-se, os pretorianos enchem o peito e cantam o hino, os jogadores voltam a sentir-se relevantes, e tudo está lindo e perfeito. Vão ganhar a Taça à Académica, talvez cheguem à final da Liga Europa, e depois vão de férias. E quando vierem de férias vão encontrar quem realmente têm: um psicólogo amador, só que então já sem ninguém para tratar. E se o psicolólogo não tiver mais tácticas para usar nos jogos a sério a não ser a do autocarro vão ganhar exactamente os mesmos campeonatos que ganharam com o último: zero. E o novo psicólogo, que até é capaz de ficar em segundo uma ou duas vezes, como o outro, sai pela mesma porta por onde entrou.



Dizem que o grande segredo do Mourinho é ser um grande psicólogo, que é conseguir entrar na cabeça dos jogadores. Não é, porque não é segredo nenhum. Toda a gente sabe. Só é segredo para quem só está preparado para compreender até aí.

O verdadeiro segredo do Mourinho é fazer as pessoas acreditar que os mind games são o seu trunfo. É levar os outro a pensar que é mágico, que tem um toque de Midas. Os jornalistas idolatram-no e os outros técnicos tentam imitá-lo. O segredo dele é enganar as pessoas com a verdade, quando diz que ganha mais porque trabalha mais. O verdadeiro segredo do Mourinho é que o factor menos importante do seu sucesso são os estados de alma. Ele ganha porque trabalha melhor que os outros.

Se o Mourinho dependesse de estados de alma hoje estava a treinar o Besiktas.

12 comentários:

  1. Um espectáculo inesquecível.

    E no fim ganham os alemães.

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  2. 120 minutos de campeões.
    «Iker! Iker! Iker!» - fóe total num símbolo - que não falhou.
    Ronaldo, como Messi na véspera, a falhar depois de marcar dois golos.
    Sérgio Ramos aterrorizado, já com o penálti falhado antes sequer de começar a correr para a bola.
    Schweinsteiger. Um monstro. (Aliás, Schweinsteiger quer dizer, literalmente, carniceiro de porcos.) O último jogador do mundo que queremos a marcar um penálti decisivo contra a nossa equipa, seja em que situação for. Um Michael Jordan do futebol. Assassino nato. Só os alemães são capazes de fazer máquinas assim. Quando vi que era ele a marcar, pensei: «Já está.»
    80 por cento da força deste tipo está na cabeça, 20 por cento nas pernas, e a bola por acaso aparece no meio.
    Provavelmente a melhor meia-final de uma Champions a que já assisti, no conjunto das duas mãos, em equilíbrio, qualidade e emoção.
    Isto foi mais que futebol.

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    1. Concordo. Quando vi que era o Sérgio Ramos vi logo que ia falhar. Quando vi o Schweinsteiger perdi a esperança (torci pelo Real). O Sergio Ramos seria praticamente a minha ultima escolha. Alias o Pepe tem mostrado ultimamente melhor controlo emocional, era mesmo o ultimo a marcar. Havia Granero e Higuain (latinos mas de cabeca fria), Marcelo com muito mais tecnica, o proprio alemao Khedira. Agora ele nabo com cara de gaja que tem o record de vermelhos? Nao lhe cabia um feijao no cu.
      Lembro-me do jogador que passava à frente do Lampard no Chelsea para bater penalties. Que máquina, o meu preferido até hoje. Alemão, claro. Michael Ballack.

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  3. Tambem não tive duvidas quando ví o Bastian para marcar o ultimo penalty.Tambem são raros os centrais que sabem marcar nestas ocasiões,só mesmo os peritos.De resto a descrição dos Alemães é correcta.Rigor,disciplina e cabeça fria.Sempre foram assim no entanto aposto no Chelsea.Os Italianos sempre foram os mais felizardos e DiMatteo parece continuar essa tradição.Este Chelsea está com um estado de alma "á la DiMatteo"...

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  4. O Bayern é uma equipa com classe,os seus jogadores transpiram classe e é uma pena o Coentrão não ter ido jogar para eles.Transformar-se-ia mum grande jogador e a nossa selecção agradeceria pois não abunda classe por aqueles lados.Mais parecem um grupo armados em estrelas que mesmo sem se comprometerem a 100% pensam que tem o rei na barriga.Assim não passará de uma segunda linha de jogador que fará alguns bons jogos e não mais que isso.Embora esteja numa,por motivos políticos,em que rejeito qualquer produto alemão por motivos óbvios,abro uma excepção em relação ao futebol.A mentalidade é realmente superior,de puro trabalho e também de inspiração.Hoje só podia haver um vencedor e esse era o Bayern.E não há mais que dizer,

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    1. Por motivos políticos? lol!

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    2. Claro que posso parecer romântico(que não sou nada)mas a minha atitude pessoal de não comprar nada made in Germany pode parecer-te ridícula,como ridícula me parece a tua interrogação.Deves ser dos tais que leva e pede por mais.

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    3. Explica lá isso um pouco melhor. Mas quem é que leva aqui? Boicotar made in Germany? Porquê? Estamos no tempo dos nazis?

      Não me digas que és daqueles que acham que a culpa da crise em Portugal agora é dos alemães? É muito fácil quando se procuram culpados externos, quando se acusa os outros dos nossos próprios erros e falhas.

      Deve ser por isso que a primeira coisa que os benfiquistas fazem quando algo corre mal é arranjar um culpado, geralmente o LFV e o JJ, sem se preocupar, ou sem saber como, em analisar o que realmente causa as crises. É por isso que Portugal nunca mais irá sair do buraco. Com um povo destes...

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    4. Vai mas é usar uma Lacoste ou então uma Fred Perry.

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  5. A percepcao de que o Real madrid 'e a melhor equipa da Europa neste moento tem muito que ver com a proximidade dos media a esta equipa, dado terem Mourinho, CR e mais uma cambada de portugueses.

    Na verdade, nunca este Bayern foi significativamente inferior nem ao RM, nem ao Barcelona. 'E verdade que nao conseguiu tirar o titulo ao Dortmund, que apostou pouco na Europa, mas por outro lado nao se esta' a falar dum Chelsea-Barcelona. E sendo assim, Mourinho tem razao quando diz que o que se passou no fim-de-semana tem tudo a ver com o que aconteceu hoje. O RM jogou em Munique, depois em Barcelona e depois jogou duas horas em Madrid. O Bayern, entre Munique e Madrid, esteve quase de ferias (em especial em termos psicologicos).

    De qualquer forma, ao ver o jogo, achei o 2-0 um resultado tremendamente perigoso. Porque? Porque com o 2-1, que era quase a consequencia natural do 2-0 (o Bayern precisando e o Real nunca partindo para cima estando em vantagem), nenhuma das equipas iria arriscar sofrer um golo - em especial o Real, que teria de marcar dois se isso acontecesse.

    E assim se arrastou o jogo. O que o Mourinho se calhar nao percebeu foi que tinha mais hipoeteses de ganhar partindo pra cima (mesmo desguardando a defesa) do que nos penaltys. Porque os penaltys, neste caso, nao sao uma lotaria. Neste caso, nos penaltys ganha o Neuer...

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  6. Não duvido da força mental destes alemães. Essa força é também a sua fraqueza. São bons, talvez até muito bons, nunca serão grandiosos.

    O Real pareceu-me mental e fisicamente fatigado. Não se viu o brilhantismo de outras noites, em minha opinião, por causa desse cansaço. Pareceu sempre incapaz de engrenar uma velocidade maior e tentar ganhar o jogo. Foi pena, foi mesmo pena.

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  7. Mas alguem esta surpreendido ??
    O real quando encontra um adversário como deve de ser, encolhe-se, desaparece...
    Em 8 jogos com o Barca ganha prá aí 1... 1!!!
    E já é a melhor equipa do mundo.
    Chega o bayern, no Bernabeu, e após estar a perder por 2-0 (o real chega a esta vantagem sem saber ler nem escrever), reduz e DOMINA completamente o real ate ao final do jogo.
    O Mourinho quis ir para os penalties... BURRO! fez mesmo o que os alemães desejavam. E nos penalties é assim, ganha quem tem mais cabeça.

    Ps- acertei em todos os penalties menos o do lahm... Julgava que este atirava ao angulo.

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