sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Ah, fadista!

Não é por acaso que o português gosta do seu fadinho. Aquilo é uma coisa triste que vai cá ao fundo do fundo e um homem fica todo a chorar por dentro.



O Fado do Choramingo, por exemplo. Uma história muito triste de um pai que vai buscar um filho à sarjeta, que lhe dá pão e cama, que faz dele gente outra vez e depois, quando o filho se apanha outra vez sadio, bandido, cospe no prato da sopa e diz ao pai «Toma!». Traidor.

Ou o do outro filho, que o pai vai ver ao hospital, com ele para lá enjeitadinho, e depois trata-o, como a um cavalo ferido, e quando o sacrista se apanha bom outra vez desata a correr e faz-lhe um manguito. «Toma!»



Qual é o espanto dos portugueses andarem a ganhar prémios na América com as telenovelas? Então há lá povo mais agarrado à novela que o português?

Para nós, se não há novela numa história é porque não há verdade. E se vier com uma valente pronúncia do Norte, com os beiços molhados, os olhos humedecidos pelas lágrimas, ou de dor ou de felicidade, e com um cabelo à «Mingos e os Samurais», então, é irresistível.



Como tal, o Domingos tem tudo para ser um grande treinador, num grande clube. Tudo, pelos vistos, menos uma coisa. Estofo.

No ano em que o Braga andou na luta com o Benfica eu tinha um bloguezito que acabou ao fim de algumas semanas porque nessa altura, apesar de andar outra vez entusiasmado com o Benfica, não andava com muita paciência para isto da Net. E escrevi lá que gostaria muito de ver, o Domingos, um dia, a treinar o Porto, isto quando ainda nem se ponderava a hipótese de ele vir a treinar o Sporting. E hoje reafirmo que espero ver o Domingos, um dia, a treinar o Porto.

Porque aquilo que via nele é o que vejo hoje: um tipo com escola de futebol e com algum talento para conduzir uma equipa, com personalidade suficiente para tomar as suas opções e manter-se fiel a elas, mas com uma dificuldade inata em ser grande, e, inversamente, com uma tendência inata para a vitimização.

Quem viu o Domingos a jogar vê o Domingos a treinar. Um tipo muito menos frágil do que parece, um animal competitivo, mas muito mais disposto a deixar-se fragilizar do que aquilo que precisa.

O Domingos nunca foi um grande jogador. Foi um bom jogador, quando protegido por um ambiente confortável. As características de um treinador não têm obrigatoriamente a ver com as suas características como jogador. Há muitos exemplos de avançados que são treinadores super-defensivos e vice-versa. Mas as características pessoais têm tudo a ver. A pessoa que o Domingos era em campo é a pessoa que é no banco.



O máximo que o Domingos teve a coragem de se afastar de Leça da Palmeira, enquanto jogador, foi até Espanha, para clubes de segunda linha, apenas para voltar meia-dúzia de meses depois – e quando voltou, vinha para o Sporting, bastou um telefonema do Papa para mudar o rumo, em plena auto-estrada, para o seu Porto de abrigo.

Quando o Domingos foi para o Sporting, aquilo que mais me interessou foi como o Domingos iria lidar com a pressão pela primeira vez na sua carreira de treinador. Olho para o que escrevi neste blog a 14 de Agosto deste ano, ainda antes do Sporting fazer o primeiro jogo da época, e não encontro uma virgula para mudar. Entre o Porto B, a Académica e o Braga, ambos protegidos pelo guarda-chuva portista, onde é que o Domingos já trabalhou num ambiente estranho?

Pois bem, aqui está ele. E, assim que o estado de graça termina, a que é que assistimos? Ao Domingos a vazar que nem uma gasosa, a atirar-se aos ilustres sportinguistas (cavando uma distância entre a equipa e os outros, note-se, porque isso é muito importante), a atacar com cinismo, ex-jogadores seus (há coisas que se sabem, que se pensam, mas que não se dizem em conferências de imprensa), e a acoitar-se em lugares comuns.



Neste momento, Domingos parece ter entrado na espiral do costume em Alvalade. Pela lógica natural das coisas verdes, daqui para a frente, seria uma questão de tempo até ele sair, como Carvalhal, Paulo Sérgio, Paulo Bento e tantos outros, até Queirós, que me lembre, que a certo ponto tiveram de vir a terreiro para defenderem, eles próprios, a equipa, e pagaram por isso.

Se isso acontecer acontecerá não por causa da derrota em Braga ou dos empates com o Porto e a Académica mas por algo que aconteceu antes disso – aqueles trinta minutos em que jogou com mais um, na Luz, e não conseguiu sequer empatar com o Benfica.

Como eu já aqui disse, quer ele saiba quer não, e quer os adeptos saibam quer não, o Domingos foi contratado para ganhar ao Benfica. Ao não conseguir evitar a derrota naquela situação, e sem poder, sequer, queixar-se do árbitro – ficando, assim, sem o seu tapete preferido debaixo dos pés – Domingos começou a falhar no Sporting. E duvido que venha a conseguir reverter isso. Ele, pelo menos.



Assistimos, nestes dias, ao espantoso espectáculo de ver um portista e portuense inveterado a defender o Sporting de sportinguistas que já o eram quando ele apenas se divertia a marcar-lhe golos – incluindo o tal «médico», que, por acaso, é presidente da Assembleia Geral do clube – algo que estes não tardarão, decerto, a recordar-lhe; assim como a esclarecê-lo que, no Sporting, ao contrário do Porto, não há lei da rolha, cada um pode dizer o que quiser, e não é de certeza um Domingos de fraldas às riscas verdes e brancas que os vai mandar calar. Assim que aparecer o primeiro a recordar a toda a gente que o Domingos «só cá está de passagem», e a sugerir que o sonho dele é treinar o Porto, o futuro do Domingos no Sporting está traçado – se é que não o está já. São as inevitáveis elites do Sporting a fazerem, outra vez, o seu emérito trabalho.



Esta fossa emocional do Sporting vai durar até ao jogo da Madeira, provavelmente, mas vai ser suficiente para assistirmos a duas coisas:



- a irrelevância do presidente do Sporting neste processo, demasiado satisfeito, nos últimos meses, a fazer de vice-presidente das obras que já não é, incapaz de se assumir como líder do clube, reduzido a «newsletters» (!) de apelo a futilidades, à Cavaco Silva, e a uma constante tentativa de se fazer aceite pela Juve Leo, prescindindo, para isso, no processo, de grande parte da sua soberania para os que o rodeiam. Hoje, o que parece é que os Pereiras Cristovãos não mandam só nas claques, nos túneis, nos bilhetes ou na relva – o que parece é que também mandam no presidente. E mesmo que não seja verdade, o simples facto de parecer já é uma tremenda fragilidade de Godinho Lopes, que tende a agravar-se;



- em movimento oposto, o líder de facto do Sporting, Luís Duque, chefe do futebol, vai ter de, para a defender, vincar a clivagem que Domingos tratou de estabelecer entre a equipa e o resto do clube com a tirada do fadista, do médico e do carpinteiro – parece a anedota do português, do inglês e do francês. A imagem de que a equipa, que é totalmente nova, é a única parte saudável do universo Sporting, que é podre desde há muito tempo, vai ser, nas próximas semanas, reforçada, porque não há outra alternativa. É isso ou esperar que ela seja engolida pela máquina trituradora que é a aristocracia sportinguista. Neste processo, Godinho Lopes vai ficar sobre a corda bamba, pois tem de ser o elemento conciliador de duas partes inconciliáveis: o Velho Sporting, que não tem para onde ir, e o Novo Sporting, representado pelo grupo-futebol, e que é a única saída. Por isso, por ser a única saída – 30 milhões de euros depois -, Godinho Lopes não poderá despachar Duque e Freitas como Bettencourt despachou, por exemplo, Costinha. E isso fará de Duque o vencedor, no fim. Porque o projecto, na verdade, é Duque.

É este o verdadeiro pano de fundo sobre o qual se vai desenrolar a actividade política no Sporting até ao início da próxima época. Verão incluído – e no Verão sobretudo.



Domingos? É igual aos outros treinadores todos: depende dos resultados. Mas espero que vá para o Porto, porque não é grande coisa. A pressão e a resposta a ela dizem-nos tudo o que há para saber no futebol.



P.S. – Uma palavra para o campo de girassóis: épico.

5 comentários:

  1. Os comentários aqui correm o risco de ser repetitivos - excelente análise, mais uma vez. O homem não tem mesmo capacidade para resistir à pressão. Absolutamente patética a reincidência na crítica aos ex-jogadores em Braga, com o argumento do reconhecimento da voz. Absolutamente patético. Ora toma!

    ResponderEliminar
  2. Realmente do que me lembro de Domingos jogador era uma magrinho ágil, marcador de golos e muita técnica na condução da bola mas que gostava de mergulhos (a vitimização portanto), não me lembro é se os mergulhos já levavam lábios humedecidos e olhos lacrimejantes.

    PS: A melhor recordação destes tempos foi uma luta até ao fim com Rui Águas pelo melhor marcador do campeonato, e no fim ganhou... claro a papoila saltitante. Suponho que Rui Águas terá feito e dito a Domingos um valente "TOMA"!

    ResponderEliminar
  3. Hugo,tens a capacidade de por em palavras muito do que sinto quase que intuitivamente.Grande post.Em relação aos girassóis e plagiando um benfiquista:flôrzinhas de estufa.Ehehe!

    ResponderEliminar
  4. E para cúmulo da vitimização o Porto decidiu que a Bola tinha roubado um golo ao Domingos e nesse ano arranjou-lhe um troféu de melhor marcador. Até fizeram a cerimónia de masturbação no centro do relvado e tudo.
    Porque o menino é lindo, coitadinho.

    Lembras-te?

    ResponderEliminar
  5. Sim lembro-me dessa rábula do golo roubado lol

    ResponderEliminar