domingo, 29 de janeiro de 2012

Santa Azia da Feira

É sempre bom quando o Benfica e o Sporting vão jogar ao Norte, e sobretudo à zona do Porto. Dá-se uma oportunidade aos jornalistas de serem jornalistas como deve de ser, e de fazerem perguntas difíceis, algo a que nunca têm oportunidade nos jogos do outro clube grande que joga no Norte quase todas as semanas e que tem oferecido, ao longo dos últimos trinta anos, muitos e pertinentes temas de investigação jornalística, geralmente sem consequência.



«O que é que teria acontecido se o Feirense não tivesse tido um golo anulado?», perguntou o jornalista. E perguntou bem, apesar de só o ter perguntado por azia, como se percebeu facilmente no diálogo com o Jesus. É uma pergunta que tem de ser feita, porque é muito relevante.



Vamos imaginar um diálogo a começar nessa pergunta, mas com um Jesus demasiado frio e inteligente para ser possível:

Jornalista (1): O que é que teria acontecido se o Feirense não tivesse tido um golo anulado?

Jesus (2): Não houve golo anulado. O fiscal-de-linha marcou o fora-de-jogo antes de saber se a bola ia entrar ou se ia para os prédios atrás da baliza.

1: Nesse caso, o que é que teria acontecido se não tivesse sido marcado aquele fora-de-jogo e a bola tivesse entrado?

2: O Feirense teria ficado a ganhar por 1-0, como ficou três minutos depois. E depois perdeu por 2-1.

1: Nesse caso teria ficado a ganhar por 2-0, o que é diferente…

2: Errado. Eu estou a falar do que teria acontecido de certeza. Você está a falar do que poderia ter acontecido. O que teria acontecido de certeza seria o seguinte: o Feirense ficava a ganhar 1-0 e a bola ia para o centro do campo, em vez de ser marcado um livre perto da grande-área do Benfica. Logo, toda a sucessão de passes, cortes e ressaltos que levaram ao canto do qual resultou o golo do Feirense não teria havido. Não sabemos se o Feirense teria ficado a ganhar 2-0. Até podia ter ficado a ganhar 3-0 ou 4-0. Ou podia ter vindo a perder por 4-3 ou 5-4, como veio a perder por 2-1.

1: Isso é uma teoria muito engraçada, mas na prática o Feirense podia ter ficado a ganhar 2-0.

2: Podia. 2-0, 3-0, 4-0. Mas há uma coisa que é completamente prática: se tivesse ficado 1-0 com aquele lance do fora-de-jogo não teria, de certeza, marcado o golo do canto, porque se o ponto de partida desse canto não tivesse acontecido o ponto de chegada também não teria acontecido. Da mesma maneira, não podíamos dizer que o Benfica teria ganho 3-2 se o penálti da primeira parte tivesse sido marcado. Antes de mais nada, não sabemos se teria sido golo, porque em trinta por cento das vezes os penáltis são falhados (apesar de termos concretizado um penálti na segunda parte). Depois, se tivesse sido golo o jogo teria sido diferente a partir daí, e não saberíamos como cada equipa reagiria. O Feirense poder-se-ia ter agigantado ou resignado. O Benfica poderia ter recuado ou ganho confiança. É impossível saber. O que sabemos é o que aconteceu. E o que aconteceu é que o Benfica esteve a perder por 1-0 e ganhou por 2-1.

1: E na sua opinião a equipa de arbitragem não teve influência nesse resultado, é isso?

2: Teve.  Arbitragem tem sempre influência no resultado. Logo à partida, se tivesse marcado o penálti, a sequência teria sido diferente e o resultado, provavelmente, também. Ma a pergunta que você quer fazer não é essa. O que você quer perguntar é se o Benfica ganhou por causa do árbitro. Acho que para se poder dizer isso é preciso ver, na arbitragem, uma acção clara de benefício em lances-chave. Se é verdade que o fiscal-de-linha tira dois ou três fora-de-jogo mal tirados (o que acontece em todos os jogos de futebol do mundo, contra todas as equipas), também é que o árbitro não marca uma penalidade estando bem posicionado para a marcar, e vendo perfeitamente o braço a tocar na bola num cruzamento dentro da grande-área. Era um penálti num jogo que estava 0-0 e num campo difícil. Tire você as conclusões que quiser.



A desonestidade intelectual que leva a falar em «2-0» quando é evidente, para quem se disponha a pensar durante cinco segundos, que não há «2-0» mas «1-0», é comum a praticamente todos os adeptos do futebol em Portugal, sejam portistas, benfiquistas ou sportinguistas. Não se faz isso por se ter razão – faz-se isso para, jogando com a estupidez natural do futebol, tentar ganhar créditos futuros.

Por exemplo, se o Porto perder este domingo com o Gil Vicente, já sabemos o que vamos ouvir o Santo Pontifício dizer:

«Pelos escândalos a que assistimos neste fim-de-semana, aqui no Norte, já percebemos que temos muito poucas hipóteses, para não dizer nenhumas, de defender o título que brilhantemente ganhámos na última época, sem ajudas de árbitros e sem túneis. Mas vamos continuar a lutar contra tudo e contra todos, como sempre fizemos, e enquanto tivermos forças.»

Um jornalista, perfeitamente industriado em relação à relevância da afirmação, perguntará:

- Está a referir-se ao que aconteceu em Santa Maria da Feira?

Ao que o Santo Pontifício replicará:

- Estou a referir-me ao que toda a gente viu. Só não vê quem não quer. Se o Feirense descer de divisão ninguém vai dizer que foi espoliado em cinco ou seis pontos contra a mesma equipa, mas é o que aconteceu. Que se tire daí as conclusões que se quiser tirar.

E os jornalistas, sem medo do ridículo, e iluminados pela icónica beatitude que daquele ente emana, dirão que sim com a cabeça e escreverão, emocionados, e em silêncio.

PS - Para que conste, sou da opinião que o Feirense tem muito mais razões de queixa do jogo da Luz que deste.

2 comentários:

  1. Excelente, o diálogo imaginário. A teoria do 2-o ilustra a dimensão intelectual do autor de tal pérola, representada com precisão irónica e cirúrgica pelo teu texto.

    Abraço

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  2. Boas.
    Excelente dialogo imaginario.
    Na primeira parte nao ha um mas sim dois penaltis a favor do Benfica. O ja referido braco e um derrube clarissimo a Javi Garcia,agora nao me recordo a que minuto foi mas sei que estava 0-0 . Os Benfiquistas dos blogues nao dormem e as imagens vao aparecer. Abraco.

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