quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Segunda Bipolar

Para os adeptos do Sporting, os dois jogos com o Benfica são, invariavelmente, os jogos da época. Há os que dizem que não porque percebem que isso é um sinal de menoridade mas, mesmo esses, não conseguem esconder que, lá no fundo, ganhar ao Benfica, e ficar à frente do Benfica, é pelo menos metade da época. Se alguma coisa boa a estadia do Paulo Bento no Sporting teve para o Benfica foi a inocência com que ele admitiu, depois de sair, que, no interior do Sporting, ficou tudo em polvorosa a partir do momento em que, na pré-época, se percebeu que o Benfica podia fazer uma grande temporada. Foi de uma sinceridade desarmante.

O Sporting não é só um clube bipolar no seu comportamento desportivo e na sua estrutura social – também o é territorialmente.
O Sporting é capaz de façanhas desportivas incríveis (ainda que pontuais) ou terríveis. Tem uma elite clara e um povo bem distante dela. E, para se sentir completo, não só precisa de sentir que tudo está bem na margem norte da Segunda Circular como de que tudo esteja pior na margem sul.

Posso estar enganado, mas duvido muito que, para os adeptos benfiquistas, o comportamento dos seus adversários tenha a mesma influência psíquica que o comportamento do Benfica tem no sentido inverso. Por exemplo, não me parece minimamente que os benfiquistas (ou os portistas, por sinal) se sintam minimamente diminuídos, ou até ameaçados, pela recente recuperação pontual do Sporting. Também penso que ganhar ao Porto, para os benfiquistas, tem muito menos importância que para os portistas ganharem ao Benfica (e por isso é que têm ganho tanto). Mas sei que os sportinguistas tremeram com o empate do Benfica em Manchester.

Para saber o que eles pensam, comprei ontem o Record. O Record é a voz da intelligentsia sportinguista. Basta interpretar os textos de opinião e as primeiras páginas para tomar o pulso à nação sportinguista. O Bernardo Ribeiro, sobretudo, leão dos sete costados e muito próximo da estrutura sportinguista (é amigo do Carlos Freitas desde os tempos em que trabalhavam no Jogo e andou a lutar pelo regresso dele a Alvalade desde o ia em que ele se foi embora), é transparente.

A primeira página do Record antes do jogo com o United, por exemplo, é típica. Quando titulam «Benfica pensa em grande» não estão a ser originais. A estratégia do Record é sempre a mesma: encher artificialmente o balão benfiquista, de preferência aproveitando as bacoradas dos próprios responsáveis benfiquistas (como quando JJ disse que o Benfica podia ganhar a Champions do ano passado, por exemplo), para depois, quando o inevitável falhanço aparece, o rebentar com um estrondo suficiente para abalar a moral dos benfiquistas.

Esse era o plano para esta semana. Quando o Jesus apareceu a dizer que ia lá «para ganhar», esfregaram as mãos. Já estavam a ver o filme: o Benfica ia lá de peito feito, trazia dois ou três no cabaz, amochava e dois dias depois jogava no Sporting «com a desilusão de Manchester na bagagem» (como se o jogo com o United significasse, de facto, grande coisa para o apuramento), com os adeptos desconfiados, de cabeça feita e prontos para assobiar ao primeiro falhanço. Os adeptos do Benfica são relativamente fáceis de manipular e não há grandes variações no tipo de cozinhado psicológica feito pelos dois jornais do inimigo ao longo dos anos. É com os jogos, com os reforços, etc. Faz-se a festa, deita-se os foguetes e apanha-se as canas. É tudo tão inventado que, mais um bocadinho, e nem Benfica tinha de haver para se escrever a história toda.

O que não estava no plano era o Benfica não só não perder com o United como jogar como jogou. É que o sportinguista também é fácil de manipular, só que não é pelos jogos mediáticos artificiais. O sportinguista, que desconfia naturalmente do Benfica (já foram enganados muitas vezes e nas situações mais inesperadas), treme quando pressente que o perigo que vem do Benfica, mais do que resultado do fogo-de-artifício dos jornais, é real. Quem não sofre de benfiquite percebe facilmente quais são os pontos fortes e os pontos fracos e o que val realmente o Benfica, e sobretudo os sportinguistas, que vêem os jogos do Benfica quase com tanta atenção como aquela que prestam aos do seu clube.

Antes de Manchester, os sportinguistas estavam ansiosos. Agora estão nervosos. Viram numa equipa do Benfica algo que já não viam há muito tempo: personalidade. E sabem que há lá qualidade e maior maturidade que na sua própria equipa – mesmo com as vitórias sucessivas frente a adversários maioritariamente muito acessíveis .

Tradução da primeira página do Record após o jogo de Manchester:
 - O que saiu: «Benfica foi mesmo grande»;
- O que significa: «Oh diabo! O que foi isto? Espera lá, vamos ter calma. Damos gás mas não muito que a coisa complicou-se. Só o suficiente para depois valorizar o facto do Sporting não perder ou para atenuar uma eventual derrota.»


Há duas leituras diferentes a fazer da abordagem do Sporting ao jogo de sábado.

Em termos institucionais – a paródia dos bilhetes, da gaiola, do jantar, da camisola do Mantorras, do cirurgião Barroso a soltar bitaites, etc – é o Sporting a meter-se em bicos dos pés. Resulta de dois anos humilhantes que provocaram um afastamento muito grande do clube do centro de decisão. O Sporting caiu num papel menor e sente a necessidade, até perante os seus adeptos, de voltar a subir de divisão. Tudo isto é normal, é passageiro e não me parece que vá minar a aproximação política entre os dois clubes – até porque a verdadeira aproximação está e vai continuar a ser dirigida pelo Luís Duque, que, até agora, salvo erro, ainda não disse nada e deixou o Godinho (que precisa de ganhar os adeptos, sobretudo os da Juve Leo, que no dia das eleições o sequestraram no Estádio) chegar-se à frente. Os sportinguistas agradecem esta fantochada da gaiola. Dá-lhes a oportunidade de sentirem que são gente outra vez.
O jogo vai passar e, daqui dois meses, quando for a vez dos Superdragões irem para a gaiola, tudo isto fica atenuado.

Outra, mais importante, é a desportiva. Que fique claro: a contratação de Domingos, mais que por qualquer motivo técnico-filosófico, foi orientada pela necessidade imediata de ganhar ao Benfica. Por vários motivos (pelo passado portista, pelo aparente domínio táctico e psicológico sobre Jesus, pelos bons resultados conseguidos nos últimos anos) o Domingos especializou-se em defrontar o Benfica, nomeadamente o Benfica de Jesus,que joga sempre da mesma maneira. Quando não ganhou esteve perto disso. Com melhores jogadores à disposição, nada mais natural do que continuar a fazer bons resultados.

Duque sabe que ficar à frente do Benfica (ou ganhar-lhe pelo menos uma vez) é indispensável para o Sporting. Só isso lhe dará o tempo suficiente para montar uma equipa campeã em dois ou três anos. Se ele achasse que o Cajuda lhe daria melhores hipóteses de ganhar ao Benfica o Domingos agora estava a treinar o Porto.

Reparem como a abordagem por parte da estrutura desportiva do Sporting tem sido completamente diferente da directiva. Parece que até nem há jogo. Enquanto o Sporting do Godinho está indignado e patrioticamente exaltado, o Sporting do Duque está, como diria o Futre, concentradíssimo.

O Sporting chega ao jogo decisivo da sua época – o jogo que realmente não pode perder – perante uma dúvida fundamental: será que a química de uma equipa nova e com uma semana de trabalho concentrado será suficiente para resistir (num ambiente de pressão que ainda não experimentou, num contexto novo para a grande maioria dos seus jogadores) ao melhor adversário que já teve de enfrentar esta época, sendo que esse adversário tem mais dois anos de experiência competitiva de alto nível em cima e parece, de acordo com a exibição de Manchester, ter atingido um nível de maturidade superior?

Não são sós os sportinguistas que estão na angústia, diga-se de passagem.

Friamente, as perspectivas benfiquistas não são as melhores.
Perdeu o seu jogador fundamental na defesa, sem ter um substituto minimamente à altura.
Enfrentou um jogo de alto nível de exigência, com todos os titulares (os mesmos que vão jogar na Luz, à excepção de Rodrigo e Luisão), a meio da semana, enquanto o adversário fez todos os treinos de preparação sem qualquer sobressalto.
Sente uma obrigação de ganhar que, sendo positiva, torna mais fácil a tarefa de um treinador especializado em sacar-lhe bons resultados com base numa defesa organizada e num jogo de contra-ataque.
Para os mais supersticiosos (que não é o meu caso, não senhor…) não ajuda nada falar-se de que falta um jogo ao Jesus para bater o recorde do Eriksson, ou que nunca perdeu com o Sporting, e etc e tal. Cheira a enguiço.

Não descarto a hipótese de chegar ao fim do jogo convencido a não rejeitar o empate e a pensar nas contas finais do campeonato.

Por outro lado, depois dos empates fora com Porto e Braga, não tenho dúvida de que uma vitória frente ao Sporting – uma vitória de qualquer espécie – significaria que este é, definitivamente o ano do Benfica.

Acho que vai ser um jogo perfeitamente brutal em termos mentais. Estou psicologicamente preparado para ver pelo menos cinco golos, dois dos quais nos últimos vinte e cinco minutos. Vai ser um jogo de sorte, em que marcar primeiro não será decisivo. Quanto ao resto, a fórmula para ganhar um clássico, sem penáltis inventados ou expulsões maradas, é sempre a mesma.

4 comentários:

  1. Esta análise, seguramente, encheria de orgulho qualquer analista encartado da rádio, televisão ou cassete pirata. Excelente, Hugo! A link da fórmula da vitória permanece actualizadissimo.

    Hoje, no meio do sentimento de que o Benfica que se tem portado quase impecavelmente este ano merecia a minha presença na Luz, depois de um breve debate familiar, ainda recorri à casa do Benfica local para ver se conseguia comprar bilhetes. Burguês, me confesso, não tive vontade de gastar um balúrdio com os bilhetes e a viagem para ver o jogo do 3º piso (o único jogo em que fiz isso não correu bem), para além de a coisa não ter a emoção de estar à flor da relva. Serei, pois, um dos espectadores da análise em tempo real.

    Até lá.

    ResponderEliminar
  2. Giro giro vai ser ver como se aguenta o Sporting com uma equipa melhor que todas as outras que já enfretou. A mim preocupa-me apenas até onde a condição fisica dos jogadores do Glorioso os deixará ir. "Acardito" que haverá golos porque ambas as equipas têm capacidade para tal e será curioso ver se esses golos acontecerão cedo, sendo essa também uma das características de ambas as equipas. Estou também pragmático e não ponho de lado o empate olhando tb para as contas do campeonato. Um problema dos lagartoides é que bastam umas boas exibições e/ou vitórias para se sentirem motivados e quando chega o Benfica, deixam de ser motivados para passarem a arrogantes, e eu gosto disso! Agora imagine-se se encaixam um valente cabaz sabendo que o "Gordinho" está no meio da maralha que lhe quis fazer a folha! Não sei se é boa ideia ir lá para a jaula. Acho que me vou rir muito.

    PS: Ainda não encontrei a filha da p... da nave, ó c... Que m... esta!

    ResponderEliminar
  3. Ver o Godinho no meio da Juve Leo com o Sporting a levar 3 ou 4 na Luz seria, de facto, épico.

    Mas há limites para o sonho.

    Rui, ressalvando o facto de eu não ser supersticioso (nunca é demais frisar este ponto), se quando vieste o Benfica perdeu estás terminantemente proibido de passar abaixo de Leiria no sábado.
    A minha mulher, por exemplo, também está proibida de se aproximar da Catedral desde que lá a levei para ver a Académica e levámos 3 secos. Vai ver a selecção e já tem sorte.
    Já o meu flho, que ganhou 4-1 à mesma Académica, está a ser guardado para um daqueles jogos de Inverno para ganhar à rasquinha, depois de um jogo da Champions.

    Não é medo - é respeito...

    Kaspov, já procuraste debaixo da cama? (Eh, eh)

    ResponderEliminar
  4. Hugo,

    Não há nenhum risco, vou mesmo ver em casa :).

    ResponderEliminar