terça-feira, 29 de novembro de 2011

Leviatã

As últimas quatro semanas mostraram péssimos sinais para o Sporting.

Dizer isto não é novidade. Os dois últimos anos têm sido péssimos. Isto só se torna relevante porque, depois do jogo em Paços de Ferreira (o do 0-2  3-2 em dez minutos sem ninguém mexer em nada), o Sporting estava a conseguir aquilo que toda a gente parece disposta a aceitar como o que era o seu grande desafio: salvar-se.

É que estes não são tempos normais de crise para o Sporting. São tempos em que o Sporting, de facto, joga o seu futuro, e decide se se vai tornar num dos três grandes, outra vez, ou se se cristalizará como apenas o terceiro grande – o terceiro, hierarquicamente falando, algo que, hoje, ainda não se possa dizer claramente que é.



O Sporting não vai acabar, obviamente, nos próximos vinte anos, mas se o Sporting não conseguir ganhar mais que um ou dois campeonatos nesses vinte anos perderá, definitivamente, a sua grandeza equivalente, em termos de adeptos, em relação a Benfica e Porto, pois, por mais capacidade de renovação que as famílias sportinguistas possam ter, não aguentam, simplesmente, a pedalada.

Se o Benfica começa outra vez a ganhar e a crescer em número de adeptos, daqui a trinta anos a desproporção entre benfiquistas e sportinguistas pode, muito bem, passar de 1,5/2 para 1 para 3 para 1, ou até mesmo de 4 para 1, se se considerar que a maior parte da igualdade demográfica entre um e outro está entre as pessoas mais velhas, que (eventualmente…) acabarão por morrer.



Os primeiros jogos do novo Sporting pareciam ser cataclísmicos. Todos concordavam que era a última oportunidade, e a coisa ia direitinha ao fundo. Aconteceu Paços de Ferreira. Nos dois meses seguintes os sportinguistas voltaram a acreditar no destino. Deus disse-lhes: «Estão a ver? Eu não vos abandonei.»

Depois aconteceu o que lhe acontece sempre: o Benfica.

A proximidade do seu Leviatã começou a trabalhar com os nervos do Sporting. Aconteceu-lhe aquilo que acontece tantas vezes a quem não está seguro do que vale, e meteu na cabeça que tinha de fazer mais do que aquilo que sabia. É como o defesa-esquerdo que não joga muito e que vai jogar o seu primeiro dérbi. Como não se sente seguro de si pensa que tem de mostrar a toda a gente que sabe driblar, centrar, fintar com o pé direito, parar a bola com o peito… na verdade, esse defesa esquerdo só sabe defender. Ora, assim que começa a tentar fazer o que não sabe, dá um passo para o desastre. É a clássica história que acaba sempre mal.


Começaram com a rábula dos bilhetes, que não teve pés nem cabeça e que é o mais demonstrativo de todos os episódios desta telenovela – pode-se questionar tudo o que se passou depois, inclusivamente a oportunidade e a intenção de quem pôs a rede, mas não se pode questionar a nítida intenção provocatória do pedido de 10 mil bilhetes quando se sabia que as possibilidades de os receberem eram mínimas (e eu estou à vontade porque até não fui contra que se dessem os bilhetes).

Viu-se o Cirúrgico Barroso a mandar bitaites, o Gordinho a falar do Mantorras, uma série de outras pequenas parvoíces enquanto, do lado do Benfica (até porque havia outras guerras para travar), só chegava silêncio.

Apareceu então a gaiola. Eu sou contra a gaiola. Não é que a gaiola não faça sentido, em termos de segurança, mas é porque também sou contra as claques. Acho degradante pôr pessoas dentro de uma rede, num estádio de futebol – aliás, acho degradante pôr pássaros dentro de uma gaiola – mas eu só não as punha porque, comigo, as pessoas que deviam estar dentro de uma gaiola nem sequer entravam no estádio. Filmava-os a todos quando estivessem a gritar «filho disto» ou «vai para ali» e, no jogo seguinte, ficavam à porta por atentado ao pudor ou por não caberem num espectáculo desportivo.

«Mas toda a gente diz e isso é descriminatório!»

Estou-me cagando. Fossem queixar-se ao Papa. Processassem-me. Mas no Estádio não entravam.

E em relação à rede, fico por aqui.


Até aos 40 minutos da primeira parte tudo estava a correr de acordo com o plano do Sporting. na hora da verdade, após meses de preparação para o jogo da verdade, o Benfica, cansado, desconcentrado, desfalcado,impreparado para o adversário que tinha à frente (fresco, organizado, treinado ao pormenor durante a semana), estava à sua mercê.
Depois, no único ponto vulnerável pelo qual a estratégia podia falhar – os cantos – a muralha abriu. A nação benfiquista entrou. E o Sporting bipolar voltou a entrar na espiral negativa.


Daí para a frente tem sido um desastre. Como o Rui Dias muito bem disse na sua excelente crónica do jogo, no Record, (considero o Rui Dias, que conheço pessoalmente, o melhor jornalista desportivo português e, mais uma vez, ele insistiu em dar-me razão), o Benfica apelou à mística que, durante tantos anos, nomeadamente contra o Sporting, fez a sua sobrevivência e a sua prosperidade, e, com suor e sorte, aguentou um jogo que parecia impossível de ganhar.

Já o Sporting, no momento seminal, tornou a encarar uma fragilidade crónica, que o persegue historicamente: a incapacidade de matar.

Da força metafísica de um e da fraqueza existencial de outro se fez um resultado de que só daqui a uns anos conseguiremos perceber o verdadeiro alcance – uma vez que, com uma derrota, o Benfica facilmente perderia o campeonato.


Depois do jogo, falou o Paulo Judite Cristovão, que viu aí a oportunidade de ser o presidente de faroeste que os sócios não quiseram que ele fosse, e de mostrar onde é que está a força dentro da Direcção do Sporting.

Os adeptos fizeram a sua parte, praticando um acto criminoso para o qual vinham evidentemente preparados, como se comprova pela prisão de uma série deles à entrada do Estádio na posse de material incendiário. Com isso acabaram por retirar qualquer legitimidade à contestação institucional da sua Direcção. Mais uma vez, a Juve Leo mostra quem é que manda, realmente, no Sporting.

O presidente, que estava convalescente para ir ao estádio mas não está para o resto, entrou à leão, falando de condições degradantes e fazendo ameaças de gravador na mão para, hoje, à saída do MAI, sair à cordeiro, falando em pacificação e na «situação difícil do país», como se não se tivesse passado nada.

O Cirúrgico Barroso, que aparece pouco na televisão, também achou que devia vir falar outra vez da «oportunidade» da «caixa de segurança» - um argumento perfeitamente estúpido se se considerar que só há dois jogos em que a dita caixa faz sentido – com Sporting e Porto, eventualmente com o Braga, que também joga golfe – e que o Porto ainda não jogou na Luz.

O Sporting fala a três vozes em menos de 48 horas. Quatro se lhe juntarmos a do Duque, que disse o contrário disto tudo porque não disse nada. Quatro vozes de dentro da estrutura dirigente do Sporting, sobre um assunto paralelo, que só existe porque o Sporting perdeu com o Benfica.


Ora, o problema do Sporting é precisamente esse. Perdeu com o Benfica. É a derrota que os sportinguistas não conseguem engolir. Perder com o Porto é chato. Perder com o Benfica é trágico.
O Sporting perdeu o jogo, perdeu o campeonato – é que perdeu mesmo, não duvidem, se não for para o Benfica é para o Porto (aliás, já o tinha perdido) –  e perdeu a cabeça.
Assim que os resultados falharam, o novo Sporting recaiu no velho Sporting, muito vocal, cheio de opiniões pessoais, cheio de egos a reclamarem o direito aos seus cinco minutos sem acrescentarem nada de real ao esforço colectivo, e acabado de perder.

Se as fragilidades são as mesmas porque é que os resultados, a longo prazo, deveriam ser diferentes?

Pode o Sporting, neste jogo com o Benfica, ter perdido o pé?

6 comentários:

  1. João Gonçalves29/11/2011, 21:14:00

    Esta história das claques tem muito que se lhe diga. Não sei até que ponto é que as direcções de FCP e SCP são reféns das claques mas não me espanta que o sejam. É um poder subterrâneo mas que se sente bem quando as coisas correm mal desportivamente.
    A questão da legalização das claques é um pau de dois bicos. Não estando legais, sentem legitimidade para fazer o que bem lhes dá na mona. Estando legais a legitimidade parece ser a mesma só que de modo "legal"...
    E a claque do Benfica? Não está legalizada e não é melhor que as outras. Não me parece é que a direcção do Benfica esteja, de algum modo, refém dela. Pelo menos espero que não.
    A solução para alguns dos grandes problemas do nosso futebol passaria, também, pela erradicação das claques. Não me sinto bem a ver o dinheiro dos meus impostos a ser gasto com enormes escoltas policiais a percorrerem ruas e avenidas, protegendo a sociedade destas feras incontroláveis.

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  2. O clube lagarto está em roda livre, sem direção, apalhaçado, com um presidente de opereta a ceder o palco a personagens do mais descarado populismo anti-benfiquista, desmascarado por uma Direção do Benfica que tem revelado uma enorme sensatez e que, na sua contenção, tem tido a melhor arma para deixar o clube lagarto dar tiros nos próprios pés.

    A rasteirice tem destas coisas. Até para se ser rasteiro é preciso saber fazer. Estes aprendizes de feiticeiro não o sabem.

    Sobre as claques, no Porto são a tropa de choque, de onde saem seguranças pessoais, que fazem o trabalhinho sujo, até com os jogadores. Na lagartagem têm a força que querem, com uma liderança fraquissima a ceder o palco a quem acha que ter a Juve Leo do seu lado tem alguma importância.

    O Benfica não tem claques legais. Não sei se não é o melhor. Nunca gostei de turbas e acho que as claques que existem, acabam por ser antros de marginalidade, como se comprova com detenções em todas elas. As cenas de completa impunidade, com roubos em estações de serviço, agressões bárbaras e outras coisas inaceitáveis num país que se quer civilizado, são completamente inaceitáveis, independentemente da côr.
    Concordo com o João Gonçalves. As imagens das turbas a serem conduzidas para os estádios, tantas vezes a destruirem propriedade alheia, escoltadas pela polícia de elite, são uma coisa revoltante. Enfim, é mais uma sintoma da falência da autoridade do estado.

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  3. Pois eu ainda me lembro quando as claques do Benfica tentaram que o LFV lhes desse a legalidade e em que ele lhes deu para trás.Retrospectivamente penso que ele tinha toda a razão pois não ficou refém delas marcou uma posição e elas limitam-se a fazer o que é suposto fazerem:puxarem pela mística e pela equipa.Quanto aos lacostes,coitados,os dirigentes estão mesmo à mercê deles.Que lhes faça bom proveito.Que vai dar raia isso está de caras.As do Porto são,como o Rui diz,tropas de choque do capo papal prontas a obedecer.

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  4. Ando irritado pois até os nossos paineleiros(Seabra e afins) dizem que houve penalti ao capitão america.Mas ninguém vê que o dito cujo agarra o braço do Jardel e lança-se para o chão?Faz lembrar um jogo de sub-17 que vi em que a determinada altura um avançado desesperado por o defesa não o largar agarra no braço do defesa e prega um murro a si próprio.Então quando vi o choramingas mesmo agora voltar ao choradinho apeteceu-me entrar pela tv adentro e dar-lhe um carolo.Haja pachorra.

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  5. Essa do penalti é absolutamente rídicula. Se falta houve, foi do Onyewu. Eu também gosto desta coisa de acordar para um novo dia e fazer estas descobertas bombásticas - olha, houve um penálti. Já li, até, um Benfiquista dizer que o problema não foi o puxão (que não existiu!), foi uma obstrução do Jardel!!!

    Não há mesmo paciência!

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  6. Essa da obstrução do Jardel tem mesmo piada. O tipo que disse isso não será invertido? LOL.

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