segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nuno Gomes

Quando procuro uma explicação para o fenómeno Nuno Gomes no Benfica acabo sempre numa palavra: timing. Em bom português, oportunidade. Mas a palavra lealdade é quase tão relevante.

Começando pelo fim, não tenho dúvidas de que Nuno Gomes só não continuou no Benfica este ano por causa do Europeu de 2012, e porque, de certeza, antes de tomar a decisão final falou com Paulo Bento sobre as possibilidades reais de ser convocado. A convocatória para um dos últimos jogos da selecção (não me lembro qual), feita sem qualquer razão objectiva, foi uma recompensa pública do seleccionador e uma forma de solidificar um compromisso. Se Nuno Gomes jogar com regularidade, Paulo Bento vai chamá-lo – e provavelmente bem, porque, numa competição de poucos minutos e em que o que conta é o momento, a experiência de Nuno Gomes pode valer mais que a boa vontade de Postiga, por exemplo, além da importância que um jogador experiente tem num grupo que disputa uma fase final, mesmo quando não joga.
A saída do Benfica foi uma mera questão de oportunidade.

O facto de Nuno ter passado tanto tempo a pensar na saída, quando era evidente que Jesus daria mais minutos a Weldon ou Kardec, por exemplo, é revelador. Qualquer outro jogador, depois de uma temporada passada como figura de porcelana, teria tomado a decisão em cinco minutos. Nuno Gomes levou cinco meses.
O curioso é que, neste momento, tendo voltado a jogar, não me surpreenderia se jogasse mais cinco anos, porque gosta do jogo o suficiente para isso.

Confesso que não esperava a revelação do «Nuno Gomes líder de balneário» que se deu durante as duas últimas épocas, e admito porquê: Nuno Gomes nunca me pareceu um jogador de carácter verdadeiramente forte, e muito menos um líder. Em campo, pelo menos, Nuno Gomes nunca me mostrou a fibra de um verdadeiro campeão.
Um jogador muito bom, sim, com uma técnica de passe invulgar, extremamente inteligente a ler o jogo, com capacidade para jogar nos jogos grandes, mas um vencedor nato, não.
Talvez seja injusto, por Nuno Gomes ter sido um símbolo do Benfica no pior período da história do clube, mas sempre vi Nuno Gomes mais como uma das causas do problema do que como uma vítima. Um dos problemas do Benfica era a falta de liderança, e Nuno Gomes, sendo líder, era um líder fraco. Nunca foi um daqueles líderes que consegue, com a força do carisma, liderar uma revolta contra o azar, ou contra a superioridade de um adversário.

Por outro lado, pode parecer uma incoerência dizer isto de um jogador que já marcou 200 golos, mas Nuno Gomes também nunca foi um matador. Nesse aspecto, assemelha-se a Cardozo.
Cardozo, sendo um goleador, é um goleador da estirpe fraca. Embora marque alguns golos decisivos, a maior parte dos golos que marca são pouco importantes, e precisa de demasiadas oportunidades para marcar. Em jogos contra equipas mais fracas, onde ou ele ou outro acabam por meter a bola na baliza, isso não é importante. Nos jogos em que perder um golo é quase perder o jogo, como são os clássicos ou os jogos europeus, é.
Nuno Gomes, enquanto ponta-de-lança titular do Benfica, era igual a Cardozo, com a desvantagem de, mesmo sendo muito mais inteligente, tecnicista e móvel, ter menor poder de fogo que Cardozo, cujo remate com o pé esquerdo é dos mais letais que já vi em qualquer avançado. Tal como Cardozo, também Nuno Gomes jogava relativamente mal de cabeça. E, tal como Cardozo, também Nuno Gomes era facilmente anulável por uma boa defesa. Daí ter um registo tão fraco nos jogos com o Porto.
Não creio que os cerca de 160 golos que Nuno Gomes marcou no Benfica sejam uma marca fabulosa em termos relativos. Jogou 12 anos no Benfica. Dá uma média de 13 golos por época. Numa equipa grande, que joga 95 por cento dos seus encontros frente a equipas inferiores, num campeonato de segunda linha europeia – a Liga portuguesa só subiu de divisão depois de Mourinho -, 13 golos numa época é, aliás, muito pouco. Um bom goleador faria, facilmente, entre 25 e 30 golos por ano no Benfica. Um grande goleador, como Jardel, 40.

Considerando que os títulos do Benfica, nesses 12 anos, foram escassos, é fácil, para quem acompanha o jogador desde antes de se tornar um verdadeiro fenómeno mediático, não o considerar assim tão indispensável.

O que conduz, então, ao fenómeno Nuno Gomes?
A longevidade, numa era em que passaram pela Luz centenas de jogadores, é um factor óbvio, mas não tanto como a oportunidade.

O último grande jogador-ídolo na história do Benfica foi João Pinto. A sua saída, nos culminantes anos de Vale e Azevedo, provocou um vazio igualmente histórico. O reingresso de Nuno Gomes no Benfica, em 2002, apresentado como uma vontade expressa do jogador em voltar à Luz apesar de estar no seu apogeu de carreira e de ter mercado na Europa, preencheu esse vazio, dando aos benfiquistas pelo menos a ilusão de que ainda havia um jogador para quem o amor à camisola valia alguma coisa. João Pinto, nessa altura, estava no Sporting.
A vontade de manutenção de Nuno Gomes na Luz sempre me pareceu mais fruto da acomodação que da lealdade, mas admito que essa ideia possa ser errada.

Outra explicação que encontro é a de estes segundos nove anos de Nuno Gomes no Benfica, como referência portuguesa do maior clube da capital, vivendo na Linha do Estoril, coincidirem com a entrada das mulheres e da imprensa cor-de-rosa no mundo do futebol.
Nuno Gomes sempre teve grande impacto no público feminino, o que aumentou bastante a sua popularidade, sem que ela viesse necessariamente do seu rendimento desportivo. Nuno Gomes vendia muita publicidade, e cavalgou sem complexos a onda mediática.
Os adeptos queriam Nuno Gomes na equipa porque era o único jogador que realmente conheciam, sobretudo os mais novos, e as mulheres - que de facto, percebem muito pouco de futebol apesar de comprarem bilhetes e camisolas cor-de-rosa (a camisola cor-de-rosa do Nuno Gomes era sempre a mais vendida) – simplesmente não percebiam que um jogador tão giro e que parecia saído de uma telenovela não jogasse sempre e não fosse o melhor jogador da equipa.
Nuno Gomes, sendo bom jogador, era um melhor produto mediático. Confundiu-se com a grandeza do Benfica, o melhor vendedor de jornais do país. Sentindo que o jogador tinha estabelecido empatia com a massa adepta do maior clube português, a imprensa aproveitou-o.

Com Jesus, um treinador sem feitio para mitos, demasiado egocêntrico e preocupado em ganhar «aqui e agora» para alimentar histórias da carochinha, Nuno Gomes, como Mantorras, foi colocado no lugar que a sua qualidade exigia naquele momento. Nuno Gomes é, actualmente, inferior a Cardozo, apesar de me ter surpreendido a facilidade com que Jesus fez a escolha assim que chegou. Pensei, durante alguns meses, que acabaria por colocar Nuno a jogar com Saviola. Eram os dois jogadores mais inteligentes do Benfica a jogar futebol. Imaginei Nuno e Saviola a jogar em tabelas, em velocidade, a abrir espaços, e parecia-me evidente. Jesus apostou no contrário, na diferenciação de características (um pouco como quando o Benfica trouxe o dinamarquês Maniche para dar físico a uma equipa incrivelmente técnica, no princípio dos anos 80), provavelmente com medo que, dada a fraca capacidade finalizadora de ambos, um grande volume de ataque resultasse em poucos golos.

A sua adaptação a reconhecido líder moral de balneário, confesso uma vez mais, surpreendeu-me. Menosprezei-lhe a inteligência e a lealdade. Continuo, no entanto, a pensar que a elevação de Nuno Gome a símbolo do clube é revelador do mau estado a que o Benfica chegou entre 1995 e 2005. Raramente vi em Nuno Gomes um golpe de asa anímico, um momento de revolta, de agressividade. A mesma falta de instinto assassino que tinha em campo, que o levava a falhar tantos golos, teve-a na carreira. O que é tomado como desrespeito pela instituição quando Luisão diz que quer sair é, na verdade, o inconformismo natural em qualquer grande competidor. Quando um jogador de futebol está bem num clube mediano (como é o Benfica a nível mundial, neste momento), então esse jogador não é competitivamente saudável. Não tem a garra suficiente. Nuno Gomes nunca se importou muito em conviver com a mediania.

O facto de ter assistido ao pior período na história do Benfica tornou-me, como a muitos outros, cínico em relação a ídolos de pés de barro. Ver jogadores como João Pinto, Simão, Nuno Gomes e outros acomodados ao lugar e à braçadeira de capitão, sem render sequer perto do que poderiam render, curou-me dessa idolite. Assisti, na força do meu benfiquismo juvenil, à traição de Paulo Sousa (na altura o meu ídolo) e de Pacheco, como assisti, no ano seguinte, à maior vitória na história do Benfica – o 6-3 em Alvalade. Aprendi, a partir daí, a entender a natureza mística e turbulenta do Benfica, e a não me impressionar sem razão. Às vezes ainda me surpreendo – a época de 2010 apanhou-me completamente de surpresa – mas impressionar-me, é difícil.

Nuno Gomes foi um dos melhores jogadores do Benfica nos últimos 15 anos. Novamente, é uma pessoa honesta, leal, inteligente e um profissional válido. Eu gosto do Nuno – não ao nível de adoração que a maioria dos adeptos do Benfica lhe vota, mas gosto. Em termos de qualidade futebolística, vi jogar no Benfica vários jogadores que, mesmo não estando (alguns) tanto tempo como ele no clube, eram melhores jogadores. Chalana, Diamantino, Valdo, Ricardo Gomes, Mozer, Preud’homme, João Pinto, Isaías, por exemplo. Nuno Gomes está no top 20 da minha experiência benfiquista, não tenho dúvidas disso.

Se Nuno Gomes teria lugar no actual Benfica? Sim. Pelo factor cultural, que já referi em relação ao Luisão, sim. Tem inteligência suficiente para passar experiência e cimentar uma equipa em construção. E provavelmente teria ficado se não fosse o Euro 2012.
Mas a questão de fundo, para mim, é apenas uma, em todos os momentos: não é com líderes da qualidade de Nuno Gomes que o Benfica vai conseguir tornar-se mais forte do que o Porto. É preciso mais. Mais força. Mais carácter. Mais vontade.

Portanto, que fique, que volte, que participe, sim, tem capacidade para ser um a mais e não um a menos, mas não como vaca sagrada, porque nem fez o suficiente nem é suficientemente bom para isso.

5 comentários:

  1. João Gonçalves12/09/2011, 13:23:00

    Aceitei a dupla Cardoso-Saviola sem problemas mas quando, para substituir um destes, se insistia tanto no Kardec sem dar oportunidade ao Nuno Gomes já me parecia errado. Tudo bem que Kardec tinha que ter oportunidade de jogar as vezes suficientes para se concluir se sim ou se não mas não demorou muito tempo a perceber-se que dali não sairia grande coisa.
    Nuno Gomes teve poucas chances com Jesus que ao longo do tempo que está no Benfica esgota fisicamente a equipa-base e mais 2 ou 3 sem promover uma rotatividade decente. Em Março-Abril está tudo de rastos...
    Fez bem em sair. Assim joga e na selecção não vejo que Postiga ou Hugo Almeida (que para mim é um "calhau com dois olhos") sejam superiores ao Nuno. Até o João Tomás ainda lá fazia uma perninha...

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  2. Temos vindo a aprender que o Jesus não gosta mesmo nada de jogadores que lhe sejam impostos, e que não tem contemplações no momento de os segregar. Nuno Gomes, Mantorras, Capdevilla, Sidney, Patric e alguns outros. Por outro lado, aos jogadores que ele escolhe, puxa para cima rapidamente (Jardel, Peixoto, Kardec, etc.).
    Não devemos julgar o Jesus muito severamente neste aspecto. Sacrificar um ou outro elemento para afirmar autoridade e impor disciplina é tão velho, no homem, como o próprio poder. Os generais romanos já o faziam. Quando as tropas se portavam muito mal, sorteavam dez legionários de uma centúria e executavam-nos. É daí que vem, originalmente, a palavra «dizimar» - desse dízimo.
    No exercício do poder há sempre um factor de crueldade. Neste caso o Nuno Gomes foi o elo mais fraco. Eu adorava tê-lo visto jogar com o Saviola regularmente. Acho que ia ser muito jogo. Mas o treinador é o homem…

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  3. João Gonçalves13/09/2011, 11:10:00

    Para terminar com o assunto Nuno Gomes e ao ver hoje e ontem os artigos da imprensa a enfatizar o seu grande momento de forma, a sua fome pelo golo, etc, fica a ideia de que é ele o grande craque do actual Sp. de Braga. Ora, para mim, quem tem sido craque mesmo não é ele, é outro, e esse outro é o Hélder Barbosa que tem marcado golos fantásticos.
    Mas a imprensa tem de puxar o Nuno Gomes para cima até para fazer passar a ideia de que o Benfica cometeu um erro terrível... o que eu não acho.

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  4. Caro Hugo,

    Eu não sou capaz de deixar de julgar com severidade o actual treinador do Benfica, no que diz respeito à dita segregação. A necessidade de segregar, em óbvio prejuízo dos interesses da equipa, é o sinal claro de um líder fraco, que se impõe apenas pela "mera" declaração de que ele é o líder. O facto de o ter de declarar desta forma é o melhor sintoma de fraqueza. Aliás, a estratégia é tão descerebrada, que descredibiliza o tal líder, não só face aos adeptos mas, quero crer, também face aos olhos dos jogadores, muitos deles que já não são os brutamontes descerebrados do tempo em que JJ era jogador.

    O pior nisto tudo é que a equipa sai a perder, quer em termos desportivos, quer em termos de rentabilização dos recursos financeiros alocados para a compra dos proscritos e pela desvalorização desportiva e financeira destes.

    Sobre o Nuno, também gostava de o ter visto jogar com o Saviola. Aliás, afectivamente, o JJ pode ser campião 35 vezes consecutivas, que nunca lhe perdoarei ter posto o cepo do Kardec a jogar vezes sem fim e nunca ter permitido que o Nuno tivesse meia dúzia de oportunidades de mostrar como podia ajudar a equipa.

    JJ é um líder do passado. Um treinador, hoje em dia, precisa de ter muito mais competências do que o domínio da táctica, coisa que aliás se viu muito poucas vezes neste Benfica, excepção feita ao Bliztkrieg com que muitos adversários foram obliterados no primeiro ano. Mas isso foi já há 2 anos.

    A imprensa, alguma imprensa (em particular o pró-lagartagem Record), esfregarão cada golo do Nuno com todo o acinte que lhes for possível. JJ, e por via dele, o Benfica, pôs-se a jeito e sobre isso não há nada a fazer.

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  5. Pois...

    O problema do «como eu digo aos meus jegadores, o futebol é o dia a dia» é que, no dia a seguir a um dia qualquer, já está tudo visto.

    Adorei o Blitzkrieg. Tás lá. Tás mesmo lá.

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