segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os números falam connosco

É possível que a maioria de vós já conheça esta notícia, que é antiga, mas eu dei com ela há umas semanas e interessou-me bastante, porque os números passam por cima da propaganda e permitem-nos quer compreender quer antecipar realidades.

Quero realçar os seguintes:

Competições europeias: Porto, 2.6 milhões, Benfica 10.3 milhões.
Isto foi feito no ano em que o Porto não teve Liga dos Campeões. E permite-nos antever as consequências catastróficas que terá (não digo teria, digo, terá), um dia, na gestão portista, a ausência da Champions durante dois anos seguidos. Já aqui há uns tempos eu disse (se não foi aqui que o escrevi foi noutro sítio qualquer) que o declínio do Porto ficaria marcado no momento em que passasse duas épocas sem jogar a Champions, e também por causa deste outro número:

Transferências de jogadores: Porto, 30.8 milhões, Benfica, 16.1 milhões, Sporting, 18.8 milhões.
O Porto só consegue especular com os passes dos jogadores, e inflacioná-los, por duas razões: porque os tem na montra da Champions, que os valoriza pelo simples efeito mediático da competição; e porque pode dar-se ao luxo de esperar pela melhor altura, tendo a almofada financeira da Champions nas costas. Sem os 10 milhões garantidos, por época, da Champions, o Porto perde o seu trunfo negocial. Quem quiser comprar os seus jogadores sabe que o Porto, que é sobredependente das transferências, não está em condições de fazer o seu bluff. Por exemplo, se o Porto não se tivesse apurado para a Champions deste ano seria garantidíssimo que Falcão não seria vendido pelo dinheiro que foi. A necessidade do negócio, juntada à vontade do jogador em jogar a Champions noutro sítio (ou só de ganhar mais dinheiro, como foi o caso de Falcão), retiraria ao Porto toda a vantagem negocial.

Isto para dizer o seguinte, usando apenas estes dois pontos: a famosa gestão portista tem apenas um vector: o vector desportivo. Falhando a vertente desportiva o Porto fica completamente vulnerável. Dois anos de ausência da Champions resultariam, na prática, em perdas da ordem dos 20 milhões de euros por época. Traduzam «euros» para «jogadores» e «jogadores» para «resultados». E esta a importância estratégica do Sporting para o fim do domínio portista. Portugal vai ter duas equipas na Champions durante muitos anos, mas dificilmente terá três durante mais de três ou quatro, e há sempre o perigo real de uma eliminação antes da fase de grupos. Ter um Sporting entre os dois primeiros é fundamental para quebrar o Porto. (Ou o Benfica, visto do ponto de vista do Porto).

Vou cometer um sacrilégio benfiquista: se me puserem a frente um papel em que, nos próximos três anos, o Sporting ganha dois campeonatos e o Benfica um, e o Porto acaba sempre em terceiro, onde é que eu assino?

A vulnerabilidade do Porto é precisamente aquele que é tomado como o seu ponto forte: o rendimento desportivo. É um factor altamente volátil. Tanto pode sair bem como, pela própria conjuntura, sair mal. Chama-se a isto ter os ovos todos no mesmo cesto. Qualquer economista dirá que é o primeiro passo para tudo correr terrivelmente mal.


Outros números.

Para quem diz que o Benfica tem menos sócios pagantes que o Porto:
Quotizações: Porto, 1.9, Benfica, 5.1, Sporting, 2,1.
É só quase o triplo.

Direitos TV: Porto, 4.5 milhões, Benfica, 4,5 milhões.
Estamos a falar num cenário actual, pré- acordo. Por mais que o Pinto da Costa indexe o valor do Porto ao do Benfica, o fosso é considerável. Não vamos falar, sequer, nos referidos 40 milhões do Pais do Amaral. Falemos de 30 milhões que, a longo prazo (fora do contexto de tentativa de afogamento da Sport TV), é mais viável. Mesmo que o Porto conseguisse que alguém lhe pagasse 80 por cento desse valor (será que alguém além do Oliveira o faria, a longo prazo?) estaríamos a falar de menos 6 milhões de euros/ano. 6 milhões/ano é o valor de um Garay, de um Javi Garcia, de um Falcão a mais, todas as épocas do Benfica em relação ao Porto. Projectem isso a cinco anos, com os devidos rendimentos exponenciados pela futura venda.

Acabemos com um último exercício especulativo (especulativo, obviamente – e se é verdade que não estamos a contar com a capacidade do Porto arranjar outras receitas também não estamos a falar, por exemplo, do naming da Luz, ou de outras receitas – os 300 mil sócios? – que Vieira possa inventar entretanto – e ele já mostrou que sabe).

Estamos no ano de 2015, o Porto não foi à Liga dos Campeões, Benfica e Sporting acabaram nos dois primeiros lugares, já há novos acordos televisivos para os três, indexados ao valor do Benfica, que vamos fixar nos 40 milhões.
Total dos proveitos, incluindo vendas de jogadores:
Porto – 75 milhões de euros
Benfica – 101 milhões de euros
Sporting – 77 milhões de euros

Dinheiro é poder. 26 milhões de euros de receitas a mais, por época, é muito dinheiro.

Não seria tanto se se trabalhasse desportivamente mal. No Benfica isso já aconteceu – aliás. Foi por se trabalhar desportivamente mal que o Benfica perdeu toda a sua vantagem. Mas, hoje, já não acontece.
É nestes números que Pinto da Costa pensa quando determina que o sucesso desportivo do Benfica tem de ser evitado a todo o custo.

Há uma jogada que pode salvar o Porto – o Porto não vai acabar, entenda-se, mas estamos a falar do nível competitivo que os portistas hoje tomam por seguro, e que, não o sendo, é a mesma coisa que não valer nada e frustrar expectativas: a eventual criação de uma Liga Europeia. Mas se for feito no âmbito da UEFA, como se prevê, Platini (que vai ficar lá muitos anos) não admitiria que fosse apenas o Porto – um clube que ele despreza – a representar Portugal.

Há uma palavra que é chave no que se vai passar no futebol português dos próximos dez anos: Sporting.

Porque o lado para onde o Sporting cair é o lado para o qual a balança do poder vai desequilibrar.

Talvez os sportinguistas consigam perceber que o ciclo histórico está a mudar, e que é na sua rivalidade desportiva (saudável) com o Benfica, e não com a sua relação mórbida com uma potência decadente, que se encontra o futuro do futebol português.

Penso que Luís Duque já percebeu isso. Não sei se os idiotas que aconselham Godinho Lopes o querem perceber. Mas há um dado importante, a reter: foi em Duque e Freitas que os sócios votaram, de facto, na eleição de Godinho Lopes. Sem Duque do seu lado, Godinho Lopes teria facilmente perdido as eleições para um epifenómeno vale-e-azevedista. A sua base do poder é frágil, e a habilidade, ainda por cima, é escassa.

A entourage do Godinho Lopes faz o possível para não entender isso, e para o esconder, por uma questão de sobrevivência no poder, mas Duque, que é uma fera política, sabe-o perfeitamente, e sabe que, assim que os resultados começarem a aparecer, lhe basta ir esticando a corda, aos poucos, até partir e atirar com o lastro para fora do comboio. Aliás, já o está a fazer. 

Quando tiver de escolher, a velha guarda sportinguista vai escolher ser contra o Benfica. Está-lhes no sangue. Mas Duque vai preferir eliminar o Porto e devolver o poder a Lisboa. Ele sabe que essa é a única forma do Sporting vir a ser o maior clube português, a longo prazo. Sem ter poder real o Sporting não conseguirá, sequer, vir a ser maior que o Porto, e arrisca-se mesmo a ver o Benfica, segundo um processo natural de crescimento, a ficar sozinho com as chaves de casa e a tornar-se hegemónico.

4 comentários:

  1. Hugo:estive a ouvir o Barroso e o Seabra e a pega que tiveram foi precisamente por causa do Duque.Pelos vistos há dirigentes dos lacostes que não estão muito satisfeitos com a percepção do poder que o Duque está a projectar.É como dizes,a velha guarda vai escolher contra o Benfica.Só que penso que o LFV começa a distinguir-se ao assumir a liderança na contenção de despesas,que vai ser essencial com o começo da regra do fair-play desportivo pela parte da UEFA.

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  2. É que, depois, há outra coisa e que o Sporting se consome, sempre, ciclicamente: o Sporting é um clube de aristocratas e está cheio de pessoas que têm mais direitos no clube do que outras. Há um desfasamento muio grande entre as elites do Sporting e o povo do Sporting. O povo sente que tem de dar muito, as elites (que se compõem em inúmeros grupúsculos) sentem que devem dar alguma coisa e receber muito em troca, porque acham que o clube é delas.

    Isto não acontece nem no Benfica nem no Porto. O Benfica não tem uma cultura histórica de elites, e dá-se muito mal com elas. O Porto está, apesar do longo regime de Pinto da Costa, inserido numa cidade altamente liberal, onde as elites são de natureza diferentes - não são, como em Lisboa, elites de «berço» (ou que pensam que são de berço) mas elites deestatuto adquirido.

    É sempre nesta dialética entre os desejos do povo e os privilégios da nobiliarquia que o Sporting evolui e se consome. E agora o povo está do lado do Duque, não está do lado dos «viscondes». O Sporting está numa fase de crescimento e vai ter alguns bons anos, mas para isso vai meter nuita gente que pensa que é melhor que os outros fora do comboio.
    Na devida altura, os vicondes voltarão para reclamar os seus «direitos» e o Sporting entrará outra vez em guerra interna. Está-lhe no sangue.

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  3. Só para completar, os últimos três presidentes «do povo» que o Sporting teve (que não foram escolhidos a dedo pelas facções elitistas) foram João Rocha, Jorge Gonçalves e Sousa Cintra. Veja-se como acabaram e como os olham as elites.

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  4. O problema do Benfica não foi só a falta de trabalho desportivo. A essa falta de trabalho não correspondeu uma gestão sensata, gastou-se dinheiro à fartazana. As coisas melhoraram nos últimos anos mas, ainda assim, os custos financeiros imputáveis ao passado são enormes. È verdade que a capacidade de geração de receitas aumentou e aí ainda há margem para melhorar (35,000 lugares de assistência média mostram-no à evidência).


    É evidente que o modelo de negócio do Porto é arriscadíssimo. Mesmo com 130 milhões de transferências, este ano o passivo aumentou 40 milhões. Precisamos de lhes fazer o mesmo que o Reagan fez aos soviéticos - pô-los a correr até à falência. O Sporting seria essencial para esse objectivo.

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