domingo, 13 de novembro de 2011

Javi

Não há muitos jogadores que se tenham colocado tão prontamente à disposição da equipa, no Benfica, nos últimos anos, como Javi Garcia. Há uma diferença entre o que Javi Garcia faz e o que faz, por exemplo, Aimar, Rodrigo, Garay, Matic… bom, na verdade não consigo lembrar-me de nenhum jogador no Benfica actual que me transmita o mesmo tipo de sensação que Javi Garcia.

Todos os outros jogadores do Benfica jogam para a equipa e entregam-se, é um facto, e legitimamente (mesmo que se possa, pontualmente, achar que um ou outro andam um bocado abandalhados) não se pode pedir de um futebolista profissional mais do que o que eles dão. Mas Javi Garcia vai mais longe.
Enquanto, com os outros, se tem a sensação de que tentam sempre preservar o seu interesse individual e a sua imagem profissional, como se estivessem permanentemente a pensar não só no Benfica como no seu futuro ou no que as pessoas pensam sobre eles, com Javi o que nos é transmitido é uma atitude de comprometimento pessoal total com a equipa, se necessário em prejuízo próprio.

Penso não estar a exagerar quando digo que, num sentido de formação de cultura competitiva, de escola de equipa, Javi Garcia é, actualmente, o jogador mais valioso que o Benfica tem.

Peguemos no caso-Alan. Quantos jogadores do Benfica é que se preocupariam ao ponto de incorrerem numa situação daquelas? O que é que o Javi Garcia, pessoalmente, tem a ganhar em insultar ou provocar o Alan? E porque é que o faria? Porque é que não fez o que todos os outros fizeram: encolher os ombros, baixar a cabeça, esperar pelo penálti e – eventualmente – acomodar-se a uma derrota fácil de desculpar naquela situação de apagões, penáltis mal marcados em cima do intervalo, em Braga, etc, etc, etc?
Porque para Javi tudo aquilo conta demais.

Não sei se Javi é racista ou não (não sei se há alguém que não seja pelo menos um bbocado racista, mas pronto…), nem me interessa. Sei que, nesse momento, ele se atravessou completamente à frente de um comboio por uma questão de brio, pessoal e colectivo.

Não foi a primeira vez que o fez, e também não foi a primeira vez que pagou por isso. Nesse mesmo jogo sofreu uma entrada do Alan que lhe teria facilmente partido a perna se o Alan soubesse dar porrada tão bem como fazer teatro. No ano passado foi expulso por o Alan se ter atirado para o chão. Várias vezes já levou amarelos e até vermelhos, muita porrada e um sem número de críticas. É claro que Javi é um jogador violento. Não se pode negar isso. Assim que ele conseguir concentrar mais a sua agressividade na bola e ser mais objectivo ofensivamente torna-se um trinco de classe mundial. Mas sabemos que um jogador é fulcral para uma equipa quando é o mais odiado pelos adeptos das outras equipas.

Isto só acontece porque Javi é um jogador especial. No ano passado havia também Coentrão – e por isso Mourinho deu trinta milhões por ele, não foi por um polivalente, foi por um jogador valente. São jogadores cujo espírito de entrega os coloca numa dimensão superior do colectivo, e é por isso, mais que por qualquer característica técnica, que valem milhões.
Javi vestiu a camisola do Benfica assim que chegou e percebeu que a equipa precisava dele. Incorporou o espírito benfiquista e é um verdadeiro capitão em campo, combinando a inteligência de Aimar, o colectivismo de Luisão e um altruísmo que, na verdade, só ele tem.

Não tenho dúvida nenhuma de que Javi Garcia é, neste momento, o jogador do Benfica mais desejado pelos grandes clubes europeus. De todos os que estão no plantel, entre os transferíveis, é o único que se revela excepcional numa característica específica: neste caso a capacidade de entrega ao jogo e à equipa. Rodrigo, Garay, Gaitán, Artur, Witsel, são ou vão ser jogadores muito bons nas suas especialidades. Javi Garcia é excepcional. Há poucos jogadores como ele.
Porque é que Wenger o quer no Arsenal? Porque vê nele o que tinha em Patrick Vieira e nunca mais teve. (Perdendo aí, quando o perdeu, de facto, a sua equipa). Porque é que Ferguson o quer? Porque não há muitos como Roy Keane, e Javi é um deles. Javi é um jogador feito à medida para o futebol inglês.

É provável que Javi seja o próximo jogador a sair da Luz. É o mais fácil de vender. É o que enche menos os olhos aos adeptos. É trinco. Já cá está vai para três anos. Vale muito mais dinheiro do que aquilo que se pensa. «E vestir a camisola qualquer profissional veste porque é pago para isso», dir-se-á. Falso. Há quem o faça apesar do dinheiro.
Vender Rodrigo, Gaitán, Witsel, seria muito mais mal aceite, neste momento, pelos adeptos, do que vender Garcia. Provavelmente pensam que seria mais difícil substituí-los. Não é verdade. É Javi Garcia que é, de facto, insubstituível nesta equipa do Benfica. O Benfica pode passar mais dez anos sem voltar a encontrar um jogador tão especial como ele.

Audacioso seria, realmente, mantê-lo, porque, tal como Luisão, e tal como Aimar, Javi é o tipo de jogador estruturante – o tipo de jogador ao redor dos qual, pelas suas características mentais, se constrói uma equipa, se congrega os novos jogadores.
Javi Garcia seria, neste momento, a seguir a Luisão, o último jogador que venderia do plantel do Benfica.

Mas há outra parte importante nesta questão. Javi tem de ser protegido. Não tanto dos que estão do lado de fora da equipa, dos adversários, dos críticos, de quem o quer ver sair tão rapidamente quanto possível. O Benfica tem de ajudar Javi a proteger-se de si próprio.
Porque ele não perde muito tempo a preocupar-se com isso.

6 comentários:

  1. Totalmente de acordo. Com uma excepção, e começo com esta. Não considero o Javi um jogador violento. É duro mas é leal. Já sofreu faltas que ele nunca fez. Vejam a última falta do Alan.

    Estas são as frases-chave deste belo post:

    - "...uma atitude de comprometimento pessoal total com a equipa, se necessário em prejuízo próprio".
    - "...é o mais odiado pelos adeptos das outras equipas".
    - "Incorporou o espírito benfiquista e é um verdadeiro capitão em campo".
    - "...insubstituível nesta equipa do Benfica".
    - "...o tipo de jogador ao redor dos qual, pelas suas características mentais, se constrói uma equipa, se congrega os novos jogadores".
    - "O Javi tem de ser protegido".
    - "O Benfica tem de ajudar Javi a proteger-se de si próprio".

    Por fim, o Javi lembra-me um antigo jogador do Benfica que nunca vi jogar a não ser na TV: o Coluna.

    Pessoalmente, penso que o Javi deve ser tão protegido como tem sido o Luisão. Dando-lhe o concomitante prolongamento do contrato e não permitindo a sua venda. Porque são jogadores destes ao redor dos quais se constrói uma equipa vencedora.

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  2. Excelente crónica, que subscrevo completamente, e ainda aplaudo!

    Com todo o exagero que esta afirmação vai encerrar, Javi é uma espécie de Benfiquista ferrenho, que tem a oportunidade adicional de jogar pela equipa e põe nisso a alma. É um pouco como cada um de nós, que andamos por estes blogs fora, chateando-nos com quem não concorda connosco, perdendo a cabeça, mas sempre com o Benfica como paixão.

    Javi possivelmente faria o mesmo noutro lado, porque ele é assim e é isso que o torna raro. Por ser assim, é que concordo veementemente com o post. Às vezes pergunto-me, retoricamente, como é que fomos arranjar um espanhol assim, com tantas "ganas", que parece ter vivido toda a sua vida futebolistica no Benfica.

    Onde estão os que criticaram os 7,5 milhões e meio que custou?

    Em minha opinião, Luisão só o bate na antiguidade, mas no resto...

    Espero que Javi fique muito, mas muito tempo no Benfica. Gostaria de o ver com a braçadeira, porque é aquele a quem ela assentaria melhor. Devia ser dos melhor pagos, porque Javi é único.

    Grande post, Hugo!

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  3. Um grande gesto, um gesto enorme, inteligente e eterno, seria dar a braçadeira de capitão, no jogo com o Sporting, ao Javi García. Bastava esse jogo. Poque as palavras vêm e vão, mas o gsto é tudo.
    Não acredito que isso vá acontecer, porque ainda não temos lá gente para isso, mas tenho o sonho de chegar vivo ao dia em que os tenhamos.

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  4. O gesto certo é entregar a braçadeira ao Javi para o jogo com o Sporting.Sem dúvida que seria um grande sinal para o exterior e interior.

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  5. O Eusébio deu bem no G.Lopes quando este tentou tirar partido da história do malaico do Alan.Abençoado.

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  6. Hugo,

    Seria sem dúvida uma excelente forma de responder aos ataques que têm sido feitos ao Javi. Quero crer que já estivemos mais longe de chegar ao dia em que os nossos dirigentes terão esse tipo de percepção em relação aos jogadores do Benfica.

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