domingo, 16 de dezembro de 2012

O melhor Benfica


A 16 de Dezembro de 2012, e com o Benfica no primeiro lugar do campeonato, é uma boa altura para lembrar a quem, eventualmente, não leu, na altura, ou já não se lembra, que, no final da última época, vaticinei que o Jesus já não passava o Natal como treinador do Benfica.

O que eu disse, na altura, numa carta aberta a Jesus, foi mais ou menos isto:

«Caro Jesus, eu sei que pensas que, para o ano, vai ser diferente. Estás a pensar que, com mais um ano em cima, a tua equipa vai subir de qualidade, mantendo o mesmo estilo de jogo, e que, se este ano já estiveste apenas a um jogo de ser campeão, na próxima época, com mais experiência, e com o Porto a perder o Hulk (pelo menos), dificilmente não serás campeão. Mas não é o que vai acontecer. O que vai acontecer é que as coisas vão começar a correr mal na pré-época, vais perceber que já perdeste os jogadores, que já nem confiam em ti nem têm paciência para te aturar. E, a partir daí, as coisas vão degradar-se e vais ter desejado sair neste Verão, para o bem de toda a gente.»

É o momento ideal para recordar esta minha previsão não só porque estamos a uma semana do Natal mas também porque ontem, com o Marítimo, vi o Benfica de Jesus fazer, que me lembre, o seu melhor jogo.

Com o Marítimo, o Benfica atacou como devia, e atacou bem. Defendeu como devia, e defendeu bem – a recuperar bolas no meio-campo adversário umas atrás das outras, como faz o Barcelona, por pura capacidade de antecipação.

Não o fez contra uma equipa banal mas contra uma equipa que sabe jogar futebol, que está desenhada para jogar em contra-ataque e que tem bons jogadores.

Não teve a sorte do jogo, pelo contrário: teve de lutar contra ela e contra um claro erro de arbitragem no primeiro golo, que resulta do primeiro remate do Marítimo, depois de um massacre de meia-hora sem marcar, a que se seguiu outro massacre de uma hora, a marcar quatro golos.

Não apanhou o Marítimo nem ninguém de surpresa, ao contrário do que acontecia durante os primeiros três meses da época do campeonato (em que, simplesmente, as equipas não estavam preparadas para lidar com aquela atitude de ataque desenfreado).

Nunca perdeu o controlo do jogo nem da cabeça. Nunca se desconcentrou. Fez o primeiro jogo a velocidade alta e constante durante os noventa minutos desde que me lembro.

E isto, para mim, é um bom jogo de uma equipa. Podia ser fora, para ser melhor? Podia. Podia ser contra o Real Madrid? Podia. Podia ser na final da Liga dos Campeões. Podia. Mas também podia ser em casa, com o Marítimo, para o campeonato, e ser uma merda de jogo, como tem sido quase sempre até aqui.

É claro que há explicações conjunturais para esta exibição.

Fisicamente, o Benfica está na melhor fase da época, como tem sido sempre nos últimos quatro anos. Muito mais difícil será encontrar uma equipa assim tão fresca a partir de Janeiro, quando as equipas do Jesus costumam quebrar (esta época, contudo, está a dar-se uma situação curiosa, como referi há uns tempos: a de que muitos jogadores essenciais vão chegar ao Inverno praticamente sem carga acumulada, devido a lesões, castigos e má forma actual. Ter elementos como Aimar, Gaitán, Luisão ou Carlos Martins frescos em Fevereiro/Março pode vir a ser perfeitamente decisivo).

Animicamente, a equipa está no máximo, depois de dar a volta ao dérbi. Ontem, a cada bola dividida, a decisão já estava feita no momento em que os jogadores do Benfica partiam para o duelo, tal a confiança com que estão. Neste momento os jogadores estão com aquele estado de espírito em que nem sequer pensam que podem falhar, e por isso ganham praticamente todos os 1x1.

A coincidência de quatro jogadores iminentemente colectivos e muito homogéneos na sua forma de jogar deu à equipa uma atitude colectiva – de jogar em equipa a atacar e a defender, de optar pelo passe antes da fina, de se mover em bloco – que raramente ou nunca tem. Falo de Matic, André Gomes, Ola John e Lima. São quatro jogadores de «Categoria E» - de equipa.

Matic dá ao meio-campo uma dimensão atacante que jamais teria com um Javi Garcia a jogar a «6». É um jogador de dimensão extra, muito mais próximo de um Witsel do que de Javi. Mesmo tirando o facto de estar num grande momento de forma, tem um kit de ferramentas – envergadura e força física, visão atacante e ampla do jogo, capacidade de passe perto e à distância, ausência de tiques tecnicistas e finteiros, capacidade de concentração – que fazem com que venha a ser a próxima grande venda do Benfica, no próximo Verão. A evoluir como está actualmente, Matic vai, facilmente, integrar uma das oito melhores equipas da Europa na próxima época. Já é o melhor «6» do campeonato, pois tem essa dimensão atacante que Fernando, por exemplo, não tem, e é um jogador feito para equipas grandes. Em termos de capacidades e estilo, é uma espécie de Yaya Touré – mas não tão bom, por enquanto. Uma equipa grande não precisa por aí além de um varredor especialista defensivo. Raramente tem de defender assim tanto. Precisa, sim, de jogadores que, em todas as posições do campo, construam jogo. Matic vai ter muito mais dificuldades contra o Porto, por exemplo, porque vai ter de defender mais, mas, nos outros 28 jogos do campeonato, é jogador para encher o meio-campo.

Devo dizer que, neste caso, sinto que tinha razão quando dizia que o meio-campo do Benfica, no ano passado, devia ter sido Javi-Matic-Witsel. Não percebo como é que o Jesus não viu isso.

André Gomes está na fase de apanhar com o Jesus em cima, como se viu ontem, mas não engana. A sua primeira ideia é sempre a equipa, a bola vai para onde tem de ir, as faltas aparecem quando têm de aparecer, falta-lhe ainda o estofo físico e melhorar o posicionamento defensivo, obviamente, mas é um daqueles jogadores que, por serem de equipa, fazem os outros melhores.

Vejo Ola John fazer coisas que já não julgava possível ver num extremo moderno. Ontem, vimos John fazer três, quatro, cinco centros em corrida, com o pé esquerdo, e meter a bola onde queria. Tal como o Pacheco dizia na televisão, depois do jogo com o Sporting, o defesa não tem opções, porque não pode dar-lhe um lado. Isso faz com que a mudança de velocidade e o pique nã sejam fundamentais no seu jogo. Tal como eu pensava, John é um pivô na linha, faz lembrar o Ronaldinho Gaúcho no Barcelona, em termos de abordagem ao jogo – sem se poder comparar em termos de classe, obviamente. Ontem, todo o ataque do Benfica estava centrado na linha do flanco esquerdo. Dai partiam os desequilíbrios. O melhor, para mim, em Ola John, é que a primeira opção é sempre o passe. Não acha que a boa jogadaseja passar por cinco adversários e entregar a bola de bandeja. Tem a mesma visão de jogo de Gaitán, mas muito mais desapego à bola e muito mais cuidado com a equipa. O jogo, em John, não trava: acelera, porque os outros jogadores, em vez de pararem, mexem-se. Veremos se não se estraga com a usual idolatria benfiquista.

Lima é o verdadeiro avançado titular desta equipa, precisamente porque faz o trabalho colectivo que permite ao ataque funcionar. E tem um poder físico que, juntamente com o de Matic e André Gomes (atenção, que o «menino» tem cabedal e não é tão lento como parece), dá ao miolo do Benfica uma pujança física que massacra. Algo que Aimar e Martins não conseguem dar.

Ou seja, em conclusão: tirando Jardel (bom jogador colectivo, também) e metendo Luisão, a melhor equipa do Benfica, em termos colectivos – ou seja, naquilo que conta – a melhor equipa do Benfica é que jogou ontem. Sem Aimar, Gaitán e Enzo Pérez.

É uma equipa que não dá garantias, no entanto. Não devemos esperar que Ola John, André Gomes e, mesmo, Cardozo, mantenham o nível actual. Os dois primeiros têm 19 anos (alguma vez isto aconteceu nos 30 anos de carreira de Jorge Jesus???!!!) e o segundo  nunca fez uma equipa inteira ao mesmo nível. O Benfica não vai ser sempre assim tão colectivo, e só será campeão com individualidades.

Por outras palavras, quando o colectivo falhar (e vai falhar, porque não foi suficientemente trabalhado nos últimos anos) o Benfica irá precisar de alguns momentos de Aimar, de alguns bons jogos de Gaitán, de alguns golos de Martins, de marcar golos de canto e de livre.

E aí, dando a mão à palmatória, com toda a alegria benfiquista, em relação à capacidade do Jesus em adaptar-se ao plantel – na verdade, é nesses momentos, em que tem de trabalhar limitado pelos condicionalismos dos plantéis feitos por outros ou por situações extraordinárias, que o Jesus melhor trabalha, como já devem ter reparado, e não quando começa a escolher brasileiros de segunda e a querer fazer equipas à sua imagem – continuo a não ver, ainda, no Benfica, uma dimensão estrutural, e colectiva, de campeão. Um filosofia e uma estabilidade de jogo que lhe permita manter um nível como o de ontem durante (não digo toda) a maior parte da época, e que lhe permita, por exemplo, ser melhor que o Porto na Luz e ir às Antas bater-se de igual para igual.

O que não quer dizer que o Benfica não tenha boas hipóteses de ser campeão. Aliás, imaginar esta equipa do Porto como tricampeã nacional, mais do que uma improbabilidade estatística, parece um claro optimismo exagerado. A bicefalia acentuada actual permite todos os cenários, e vai sempre criar uma situação anormal – uma equipa de terceira dimensão europeia (Benfica) a ganhar a outra de classe média-alta (Porto) ou uma equipa medíocre, em termos históricos, em comparação com outras (porto) a ganhar três campeonatos seguidos. Neste ponto, a sensação que tenho é que o Benfica-Porto vai decidir o campeonato, sendo que o Benfica tem uma hipótese em três de o vencer, precisando, para isso, de bater o Porto em casa.

Também não vejo este Porto, sem Hulk, a ganhar dois jogos seguidos para o campeonato na Luz, mas…

De qualquer forma, fica o reconhecimento: o Jesus, apesar de já não conseguir fazer a equipa crescer (e isto mantenho, porque é a própria equipa que, com a estabilidade do plantel, tem vindo a desenvolver a sua química), ainda não é desrespeitado pelos jogadores. A condição essencial para a implosão que previ não se cumpriu. Ainda bem. Sem cinismo. Não sou dos que preferem que a equipa perca para poderem dizer: «Vêem como eu tinha razão?»

Resta, agora, saber duas coisas:

- se a não-entrada de alguns jogadores, durante o Verão, para a equipa titular (defesa-esquerdo, médio-centro), acompanhada da saída de dois titulares, vai ser decisiva na fase em que o campeonato se decide, ou se os que estão chegam;

- se a pré-época foi suficientemente boa para permitir ao plantel (curto) enfrentar um  inverno que se prevê rigoroso e, provavelmente, «prolongado» pela presença em quatro competições.

Direi apenas que este era um ano excelente para acontecerem duas coisas: o Benfica voltar a ganhar a Taça de Portugal (admito que já tenho saudades, porra…); e o Porto, além de se mostrar «uma grande equipa europeia» na Liga dos Campeões, ser «obrigado a ganhar a Taça da Liga.

Nem que fosse para ver se, na final, jogavam com os suplentes, e se, ganhando, já não se queriam ver «livres desta»…

6 comentários:

  1. Matic:mas que grande jogador.Na minha cabeça também o comparei a Touré.Ola John:gozei com a vinda dele,pois achava que a equipa tinha outras necessidades mais urgentes mas o puto nunca perde nem passa a bola sem que seja com critério.E tem uma velocidade estonteante.Dá cabo das defesas.Lima:liga o meio campo ao ataque e move-sa na direita meio e esquerda.Um grande achado que faz o papel de Saviola,movendo-se entre linhas com mais poder físico mas com a mesma inteligência do conejo.Enfim,tenho também que enfiar a viola no saco pois também não tinha muitas expectativas no JJ nem no plantel.Enganei-me e ainda bem.Um abraço,Hugo.

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    1. desculpa lá oh xirico mas o john perde muitas bolas e permite contra ataques...

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  2. acho que estamos a sobrevalorizar o matic... vejo muita qualidade, sempre vi, e está bem entrosado com os companheiros de equipa, mas preciso de ver mais jogos a doer para tirar a prova dos 9.

    o ola john revela-se um bom jogador, mas cheira-me que se apanha um defesa que lhe dá uma porradas caga-se logo... parec que lhe falta manha, que é o que há de sobra no nolito por exemplo.

    este ano vou estar no jamor se Deus quiser e se Jesus deixar!!

    PS: há que foder o porto em casa, matá-los psicologicamente. aí é que se ganha o campeonato.
    não é preciso saber muito disto para ver que os do norte estão com medinho. até dá para cheirar...

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  3. Estou plenamente de acordo com a carta que escreveste ao JJ.
    Aviso que não li o post todo por ser muito longo e eu não ter vagar.
    Para mim o que acontece este ano (além de ser ele o culpado de já estarmos afastados da Champions),é que ele está a acreditar e a dar mais oportunidades a jogadores, que não deu o ano passado. Além disso apareceram outros da "cantera" e creio que LFV chegou à conclusão que com o vencimento que ele ganha, é obrigado a apresentar melhores resultados com a prata da casa.
    Ainda só terminou o 1º 1/3 do campeonato. Se ele não rodar bem todos os jogadores que tem à disposição. quero ver o que vai acontecer no último 1/3 do campeonato. Espero não termos de defender o 2º lugar com todas as armas.
    Apesar de tudo reconheço que JJ sabe muito de futebol e é dos melhores treinadores portugueses, mas tem um buraco muito grande ao fundo das costas.

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  4. Ainda bem que emendaste a mão. E não estás a fazer nada de especial, apenas a obrigação depois de "meteres a pata na poça".
    Farto de profetas da desgraça estou eu. O mundo acaba em 21 de Dezembro, não se esqueçam.

    "Fisicamente, o Benfica está na melhor fase da época". "Anímicamente, a equipa está no máximo".
    Não concordo. Com jogadores tão jovens, com ganas de aprender e com ambição de melhorar todos os dias penso que estamos muito longe de ver onde estes jogadores e respectivo treinador, e consequentemente a equipa, vão chegar.

    "A coincidência de quatro jogadores iminentemente colectivos." A coincidência de ter 4+ jogadores jovens com ambição, com vontade de crescer e melhorar todos os dias e com um professor que lhes permitirá exactamente isso.

    "É uma equipa que não dá garantias."
    Porquê? É uma equipa de velhos que já não tem a frescura física (Aimar, Carlos Martins) nem a ambição para crescer?

    "Por outras palavras, quando o colectivo falhar (e vai falhar, porque não foi suficientemente trabalhado nos últimos anos)".
    O colectivo com estes jogadores só tem um caminho: para cima. O método e o sistema de jogo está lá. Por isso, à medida que se forem conhecendo cada vez mais, à medida que a empatia entre eles se for acentuando, melhor será o seu jogo.

    Vou fazer uma previsão: o Matic não sai este ano nem nenhum dos grandes jogadores que se estão a formar. E será com esta equipa que iremos à final da Champions em 2014 no nosso estádio.

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  5. Hugo:boas entradas e muitos postes.Abraço.Luís.

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