sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Benfica 3.0

Ainda é demasiado cedo para tirar conclusões sobre o novo Benfica, mas desde quando é que isso impediu alguém?

Primeiro ponto: metade da equipa que jogou na Grécia não vai ser titular em Dezembro, e até o onze que entrou hoje em Famalicão, apesar de mais próximo da realidade, está ainda longe disso. Tal como todas as equipas do mundo, mesmo aquelas que têm jogadores suficientes para fazer duas, o Benfica 3.0 vai ter um grupo de 14/15 que vão jogar quase sempre e sete ou oito que vão chegar ao fim da época sem ter apanhado o comboio. As lesões, as dinâmicas e a própria química entre os jogadores vai encarregar-se disso.

Segundo ponto: Jesus é exactamente o mesmo. Viveu, morreu, ressuscitou, mas é o mesmo. Aliás, o Vieira não o contratou para ser uma coisa diferente. É claro que tem um bocado mais de mundo – devia ser obrigatório para qualquer treinador passar pelo menos seis meses no Brasil, para saber o que é futebol no estado puro, um bocado como aqueles estagiários que passam um ano a fazer treinos da segunda divisão antes de poderem começar a trabalhar com os crescidos – mas isso, em alguém com a personalidade do Jesus, só serve para se sentir ainda mais senhor do seu nariz. Antes de sair de Portugal ele já pensava que era um génio; agora pensa que é um grande génio. É a natureza do animal. Nada a apontar.

Quanto à bola propriamente dita, também poucas novidades.

Quatro centrais, dois na defesa e dois no meio-campo, a partir pedra, como deve ser numa equipa em 4x4x2 cujo primeiro mandamento é não sofrer golos. Gabriel e Taarabt não vão ser os dois médios-centro, mas neste momento da época joga quem consegue correr mais tempo, não quem é melhor. É muito provável que Pizzi acabe a jogar no meio e não me admirava absolutamente nada se o Weigl acabasse a época a defesa. Falta um jogador para o meio-campo e isto não quer dizer que não esteja já no plantel. Quem jogar como ele quer – como o Pizzi jogou no primeiro ano a titular – vai agarrar o lugar.

O guarda-redes joga dez metros a frente em relação ao ano passado. Esse guarda-redes – aquele guarda-redes que joga a líbero, como o Neuer – não é o Vlachodimos, mas também não é nenhum daqueles que o Jesus gostaria de ter, simplesmente porque não há. Ou melhor, haver há, é o Svilar, mas é mais fácil o Jesus aprender a falar espanhol do que apostar num guarda-redes de 21 anos, a menos que não tenha absolutamente alternativa nenhuma.

Aposta total na defesa em linha, como deve ser com qualquer equipa que queira ser grande pelo menos desde que o Milão do Sacchi descobriu a pólvora e percebeu que era muito mais fácil jogar em 40 metros do que em 70. Mas não vai ser com o Grimaldo, porque não sabe. Aposto a minha máscara em como o Jesus deve estar mortinho para vender Grimaldo, comprar um central titularíssimo e meter o Verthongen a jogar a defesa esquerdo, para ter mais segurança defensiva e ganhar um homem nas bolas paradas. O que seria uma medida inteligente, uma vez que se matariam vários coelhos com uma só cajadada. Jogar com extremos a defesas laterais não é para todos, sobretudo para quem perde demasiadas bolas.

Potência física no ataque com Everton, Waldschmidt e Darwin – e quando falo em potência refiro-me à relação massa-velocidade, assim mesmo à doutor –, dando à equipa equilíbrio nesse aspecto, o único (além dos Soares Dias e dos gatunos informáticos) em que o Porto foi claramente superior nas últimas três épocas.

Waldschmidt não é um Jonas mas vai ter de ser. Darwin não é um Cardozo mas é muito melhor, porque com ele teremos a certeza de jogar sempre com onze. Cardozo era um rematador canhoto, Darwin é um futebolista dos pés à cabeça que só não vai marcar tantos golos pelo Benfica como Cardozo porque, ao contrário do paraguaio, daqui a um ano vai ter meia Europa atras e vai valer o mesmo que duas Ligas dos Campeões.

Sim, em Famalicão o Benfica arrasou, tal como teria arrasado na Grécia se o PAOK não tivesse tido toda a sorte do jogo – aliás, a sorte grande foi mesmo ter apanhado o primeiro jogo do Jesus: já não me lembro da última vez em que o Jesus ganhou o primeiro jogo de uma temporada.

Vai continuar a arrasar enquanto estiver a crescer, o que vai acontecer durante os próximos quatro, cinco meses. Jogar a Liga Europa vai ajudar. O Jesus é um péssimo gestor de plantéis e a Liga Europa é muito menos cruel que a Champions quando toca a fazer pagar pelos erros de casting. Depois, quando tiver de mudar o chip e passar a jogar com o estatuto que entretanto tiver ganho, não vai saber bem o que fazer e entra em perda. Mesmo assim, se não houver terremotos, jogos com intervalos de três meses e pagamentos pelo meio ou árbitros a apitar pela própria vida, deve chegar.

Nesse aspecto – na dinâmica, não na sua relação com a máfia, entenda-se – o Benfica 3.0 vai ser exactamente igual ao Benfica 1.0 e completamente oposto ao Benfica 2.0, com Vitória e Lage, que jogava sempre melhor quando dava avanço. Quando não deu, quando teve o campeonato no bolso a meio da época e precisou de gerir a vantagem, arranjou maneira de dar um tiro na cabeça com uma pistola sem balas.


3 comentários:

  1. Bem-vindo sejas! Que saudades destas crónicas tão cruas, assertivas e... benfiquista. Um abraço e o desejo que seja para continuar.

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  2. Também desejo que sim. Haja tempo. Abraço.

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  3. Não acompanhei o Flamengo do Jesus, pode-se dizer que não houve evolução no Jesus, desde a sua saída do sporting?

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