sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Metafísicas à parte (II)


O campeonato

Tornou-se claro, para mim, ao fim de pouco mais de um mês de Liga, aquilo que, antes, era muito provável: que haveria dois campeonatos para Benfica e Porto. Um campeonato até ao Benfica-Porto e um campeonato depois disso, totalmente condicionado pelo resultado do Benfica-Porto.

Confirmo-o completamente. A única coisa que não esperava era que a distância entre os dois e os restantes fosse tão clara, e isso ainda tornou maior a importância do resultado desse jogo.

A queda abrupta de qualidade das equipas de classe média e baixa, por motivos da crise económica (algo que já era visível na última época); a redução para 16 equipas, com a facilidade de calendarização para as equipas de topo (praticamente não houve jornadas da liga antes dos jogos europeus até agora); e a elevação do nível competitivo de Benfica e Porto por via da dinâmica desafio-resposta que se estabeleceu, desde há quatro anos, entre os dois, provocou uma regressão da exigência e uma distância entre essas duas equipas e as restantes que só encontra paralelo nos anos 70.

Não é por acaso que se fala tanto, hoje, dos campeonatos invictos do Benfica nos anos 70 (num deles até acabou invicto e perdeu para o Porto por diferença de golos, vejam lá…). O Porto fê-lo há dois anos e, provavelmente, a equipa que for campeã este ano voltará a fazê-lo. Voltámos ao tempo em que o Amora, o Alcobaça, o Estoril, iam à Luz, levavam um cabaz e vinham satisfeitos por o jogo ter acabado. A última vez que vi uma coisa destas foi no tempo da primeira passagem do Eriksson pelo Benfica.

Também não é por acaso que, em duas épocas seguidas, Benfica e Porto tenham feito, em conjunto, aquelas que terão, sido, provavelmente, as melhores primeiras voltas dos últimos 50 anos. Em épocas normais, uma equipa que chegasse ao fim da primeira volta com seis pontos perdidos em 45 possíveis seria campeão virtual. Nas duas últimas, isso acontecerá duas vezes a equipas que não vão ganhar o campeonato.

Neste cenário, só uma falta de comparência cerebral poderia levar alguém a dizer que o Benfica-Porto e o Porto-Benfica não seriam decisivos. Tal como anos 70, feitas as contas, a equipa que ficar por cima no confronto directo entre os dois primeiros ganha o campeonato. E isso pode acontecer quer pelos pontos em si quer pelo desinteresse que um mau resultado terá nos outros jogos – foi o que aconteceu ao Benfica, por exemplo, claramente, o ano passado, depois de perder na Luz. A diferença real entre as duas equipas era inferior que a diferença pontual no final do campeonato, e esta só aconteceu por causa da vitória do Porto. Em caso de empate, por exemplo, o Porto teria sido campeão, certamente, mas apenas com dois ou três pontos de avanço.

Para efeitos da competição, o 2-2 da Luz poderá ser tão decisivo no final como foi o 3-2 do ano passado. O resultado do Benfica-Porto condicionou o resto do campeonato.

Se tivesse ganho (e considerando que ainda não tinha jogado em Braga) o Benfica passaria a ter 65 por cento de hipóteses de ser campeão. Com aquele empate, iniciou-se um novo campeonato em que o Porto passou a ter 85 por cento de hipóteses de ser campeão. Com a improvável vitória em Braga, o Benfica ganhou um balão de oxigénio que passa as suas hipóteses para 25 por cento, contra 75 por cento do Porto. Mudou alguma coisa, mas não mudou o fundamental.

Este novo campeonato é marcado pelo facto incontornável de as duas equipas se encontrarem nas Antas, na penúltima jornada, e é daí que resulta a probabilidade que assumo atrás.

Realisticamente, para ter mais que apenas uma escassa hipótese de ser campeão, o Benfica precisa de chegar a esse jogo com quatro pontos de vantagem sobre o Porto. Considerando a diferença de qualidade colectiva, de carácter e de agressividade, e considerando o ambiente específico que se encontrará no Porto num cenário de final para atribuição do título e os antecedentes históricos, este Benfica, a precisar de empatar ou de ganhar para ser campeão, não teria mais de 25 por cento de hipóteses de o conseguir – e é uma estimativa optimista.

Alguém lembrará a ocasião em que o Benfica, há 20 anos, foi ganhar ao Porto quase nas mesmas condições, ao que eu respondo que esse Benfica, do Eriksson, era uma equipa muito mais sólida do que esta, apesar de menos talentosa, e que esse Porto, do Artur Jorge, em reconstrução, era uma equipa muito menos dominante que o Porto que conhecemos hoje.

(O Pinto da Costa, por outro lado, já era o mesmo, assim como a «estrutura», de que fazia parte o famigerado Guarda Abel, que, para criar bom ambiente, inventou que o árbitro Carlos Valente – o Pedro Proença da altura – tinha viajado para o Porto no mesmo comboio da equipa do Benfica. Uma completa mentira. Gente séria, agora e sempre. Exemplos de desportivismo. Cabeça semelhante a essa só quando o Benfica foi às Antas ganhar a final da Taça no início dos anos 80, porque o Pinto da Costa disse que não queria jogar no Jamor. Ah, pois é. Há mais coisas entre o céu e a Terra do que a espuma destes dias que hoje correm.)

Quer isto dizer, friamente, que, em vinte jogos em que este Porto tivesse de ganhar a este Benfica, em casa, para ser campeão, na penúltima jornada, só não ganharia cinco.

Essa é a premissa fundamental: estamos numa situação em que, claramente, será o Porto a perder o campeonato, mais que o Benfica a ganhá-lo – tal como aconteceu, inversamente, na última época, sobretudo após o Benfica ter ganho uma vantagem de 5 pontos, tendo já empatado nas Antas na primeira volta.

Quatro pontos. São dois resultados. Em onze jornadas. Para isso acontecer, Benfica e Porto têm de desempenhar o seu papel. O Benfica tem de acertar quase tudo, o Porto tem de falhar muito mais do que o que falhou até agora.

O Jesus conta com o Sporting para fazer um desses resultados, e conta bem. Sem o Sporting, o Benfica muito dificilmente será campeão.

Num cenário de pormenores, e de clara superioridade, as equipas perderão por falhas de concentração, cansaço ou lesões. Nesse aspecto, a próxima eliminatória europeia será um momento potencialmente decisivo.

Estou mais do que convicto de que o sucesso do Benfica no campeonato passa, inevitavelmente, pelo apuramento do Porto nos oitavos-de-final da Champions, e que quanto mais o Porto avançar maiores serão as hipóteses do Benfica ser campeão – deve notar-se, neste aspecto, que, passando o Málaga, o Porto tem alguns potenciais adversários acessíveis, tal como o Shalke 04/Galatasaray, o Valência/PSG ou, até, o Shaktar, se eliminar o Dortmund. Mesmo que não lhes ganhe, o estatuto relativo chega para fazer sonhar e para distrair.

O apuramento para os quartos-de-final colocaria o Porto a lutar em duas frentes até 10 de Abril, e com a ideia inevitável (e certa) de que o campeonato seria um objectivo mais fácil e secundário (até porque os jogadores que lá estão já ganharam dois seguidos). Pelo meio, casados com as eliminatórias, há jogos fora, por exemplo, com Marítimo e Académica, o jogo em casa com o Braga, além dos outros que, sem a Champions no subconsciente e no corpo, são mero cumprimento de calendário.

Mesmo com a Champions, note-se, as probabilidades do Porto fazer três ou quatro maus resultados em onze jogos são pequenas.

Porquê três ou quatro? Porque, se forem só dois, o Benfica teria de conseguir algo de extraordinário até chegar ao jogo das Antas: ganhar mais 11 jogos seguidos para o campeonato, sendo um deles com o Sporting, sempre imprevisível, e cinco fora de casa (Nacional, Beira-Mar, Guimarães, Olhanense e Marítimo). Não vai acontecer. Na melhor das hipóteses, ganha 10 e empata 1. É nessa melhor hipótese que o Jesus tem de decidir se deve apostar antes do jogo com o Nacional, que é, provavelmente, o mais importante que vai ter até ir jogar às Antas. Por várias razões.

Se o Porto for eliminado pelo Málaga, as hipóteses do Benfica, como já disse, serão reduzidas. A decisão dessa eliminatória com o Málaga será feita a 13 de Março. A 3 de Março, o Porto vai a Alvalade. Três dias depois da segunda mão, vai ao Funchal jogar com o Marítimo. Por essa altura, muito do que tiver de acontecer já terá acontecido. Entrámos no mês fulcral do campeonato. Para ser campeão o Benfica tem de chegar vivo a dia 13, e de preferência à frente do Porto.

Se não chegar a 16 de Março com 2/4 pontos de avanço sobre o Porto, as hipóteses do Benfica ser campeão passam por ganhar nas Antas o jogo do título. 5 por cento. Se esse for o cenário, então sim, justifica-se completamente que o Jesus aposte tudo na Liga Europa, se ainda lá estiver. Porque o campeonato, em teoria, estará praticamente perdido. (O Benfica até pode ganhar nas Antas, note-se, mas, se o conseguir, considerando o seu estilo de jogo, será por pura sorte. Tal como qualquer APOEL, Dínamo Zagreb, o Sporting ou o Marselha lá ganhariam: com alguma qualidade, claro, mas graças à sorte.)

Até dia 14 de Março, o Benfica tem nove jogos – onde se incluem duas eliminatórias da Liga Europa – jogando com o Nacional, fora, antes da 1.º mão dos 16-avos, e com o Beira-Mar, fora, antes da 1.ª mão dos oitavos. A seu favor tem o facto de ter duas jornadas consecutivas em casa entre esses dois jogos.

Se passar aos oitavos, três dias depois da segunda mão vai jogar a Guimarães (onde é que nós já vimos isto?).

Consultem o calendário que vem na Bola, que é bom para pôr as coisas em perspectiva.

Em conclusão, o jogo com o Nacional é muito importante por duas razões:

- em primeiro lugar, porque, para chegar à bifurcação – o dia em que o Porto pode ser  apurado frente ao Málaga – em condições ou de continuar a lutar pelo título ou de poder apostar na Liga Europa, precisa de ganhar os próximos cinco jogos para o campeonato, dos quais o da Madeira é, claramente, o mais difícil;

- em segundo, porque o jogo da Madeira revelará o pensamento real do Jesus relativamente às prioridades.

Qualquer ideia que não passe por dar absoluta (a 100 por cento) prioridade às já pequenas hipóteses de ser campeão resultarão na perda do campeonato. O Jesus sabe disso. E a questão que está aqui em causa, na verdade, é saber se o Jesus ainda acredita que pode ser campeão o não.

É possível que não acredite. Até é natural. Quando se sabe que se tem 25 por cento de se ganhar uma aposta, aposta-se ou muda-se de mão?

É para tomar este tipo de decisões que o Jesus ganha bem, e tem de tomar uma até domingo.

Seria muito mais racional (até para os dirigentes, provavelmente) fazer as contas por baixo, guardar o que já se tem e mudar de mão. O Benfica tem o apuramento directo para a Champions garantido e vai ganhar a Taça – o que é sempre bom, porque não há mais jogos depois disso e a última imagem é sempre a que fica. Tem algumas hipóteses de passar o Leverkusen e de, se apostar muito nisso, chegar às meias-finais da Liga Europa. Seria uma época mais que razoável (caramba, no Sporting seria uma grande época. O Paulo Bento ficou lá três anos à conta disso…). Até podia calhar ir à final. O jogo do título foi o jogo da Luz, com o Porto, e o Benfica não ganhou. «Fica para o ano…», terão pensado os mais realistas.

Mas terá o Jesus pensado assim? Porque o Jesus, enquanto anda a viajar na maionese, é lunático, mas depois de aterrar torna-se um tipo bem realista.

Se for para a Madeira a poupar jogadores, o Benfica, mesmo ganhando, passará a mensagem mais importante, incluindo para os próprios jogadores: o campeonato é secundário.

Se, pelo contrário, o Benfica jogar com a melhor equipa na Madeira e for a Leverkusen (ainda por cima é fora…) com alguns suplentes – por exemplo, se meter o Maxi, o Gaitán, o Garay, o Enzo Pérez no jogo do Funchal – não só tem mais hipóteses de ganhar como deixará outra mensagem: a de que, mesmo com escassas hipóteses de ser campeão, a aposta continua a ser essa.

O Benfica até pode empatar na Madeira (perder, não), desde que ganhe os dez jogos seguintes, mas, se der tudo o que tem para ganhar, estabelecerá o cenário em que decorrerá o campeonato até ao final. E colocará o Porto, finalmente, sob pressão – algo que ainda não aconteceu e que, para que este venha a deixar fugir o título, tem mesmo de acontecer.

Se jogar com os titulares todos nos dois jogos, é fácil: é sinal de que vai acontecer o que já aconteceu no ano passado. Até pode ganhar um dos dois jogos, mas no fim perderá, mais ou menos rapidamente, o campeonato e a Liga Europa. Porque quer dizer que o Jesus embarcou no modo «rebenta cavalos», em que joga sempre com os melhores e depois começa a substituí-los à medida que eles vão ficando pelo caminho. Sendo assim, daqui a mês e meio estamos todos à espera que a final da Taça chegue depressa.

Em síntese, ansioso não estou muito (25 por cento é pouco…) mas curioso estou.

8 comentários:

  1. Meu Deus, nunca vi tanta especulação junta.

    Desde quando é que o Benfica está derrotado de antemão? O Porto teve muita sorte em ter tirado um empate na Luz.

    Isso é o que os andrades querem, que os seus adversários antes de jogarem com eles já se sintam derrotados. "Não vale a pena. São fortes demais!" Desde quando?

    "A exibição perfeita". "Um jogo perfeito". "A melhor exibição vista este ano" Um equipa de super homens invencíveis e outras baboseiras, etc, etc.

    Isso faz tudo parte da propaganda em que utilizam o físico para intimidar os adversários. Vejam as cabeçadas por detrás do Mangala ao Cardoso e ao Salvio. Acham que foram por acaso, um mero acidente do jogo?

    Por isso muitos dos seus jogos são autênticos passeios, pois os adversários já estão mentalmente condicionados, isto é, derrotados.

    O Benfica tem de lhes mostrar, como lhes mostrou, que isso é tudo mentira! Não passam de um bluff!

    Sabem como funciona o "bullying"?

    Eles fazem o mesmo.

    Porquê? Porque têm medo! A psicologia subjacente é a mesma!

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  2. Excelente post, Hugo, mais um. Texto tão longo e concordo com cada palavrinha que escreves. Não acrescento, está tudo dito. Segunda faremos contas à vida.

    (Pedro Guerra ou "Manuel": desampara a loja. Tu és pago para andar na internet só de dia. Não trabalhes gratuitamente, que isso, até para ti, já é lambe-botismo a mais)

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    1. Prostitutos, panascas, mais interessados na forma do que no conteúdo, benfiquistas fingidos e ressabiados, mais interessados nos seus interesses pessoais do que no clube, escritores falhados e frustrados, tudo isso é o futebol português da internet. Que fauna!




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    2. Vejo que a época de exames já lá vai.Espero que tudo te tenha corrido de feição.Concordo que a aposta tem de ser no campeonato.Veremos então com que jogadores se apresenta JJ no Nacional.

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  3. Claro que concordo contigo. Aliás, imediatamente após o jogo da Luz com os corruptos, disse imediatamente que perdemos ali o campeonato. Não que não seja possível ganhá-lo no ladrão, mas porque me parece completamente improvável que o Benfica tenha a força mental para o ganhar.

    JJ mudou o discurso e deixa claro que o campeonato é a grande prioridade. Assim seja.

    E no entanto... se tudo fosse assim previsível, nem valia a pena jogar-se. Temos de o fazer e colocar toda a pressão. JJ, tendo defeitos, e já deles se falou tanto aqui, também tem virtudes e, não sendo provável, é possível batê-los no Ladrão. Tem de se trabalhar para se chegar lá em condições de o fazer e isso é o que importa.

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  4. É tramado jogar na madeira... Ainda por cima o Nacional é muito pouco constante; ganha ao braga e perde com o Moreirense, que não ganhava há colhões...

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  5. Também dou aqui a minha mão à palmatória dizendo que o JJ tem coisas boas e espero que não se volte a esquecer do que para nós,benfiquistas,é mais importante-o Campeonato.Ano passado tivemo-lo na mão,mas o JJ com a sua ambição(que louvo)de querer mostrar à Europa do que era capaz,perdeu,o que para mim era o mais importante.Portanto já lhe permitimos esse saciar de ambição.Agora é hora para o campeonato.

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