segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Fazer das tripas 100 milhões


Praticamente tudo corre bem ao Benfica este ano.

Vê três dos seus jogadores decisivos – Aimar, Luisão, Gaitán – chegarem a janeiro praticamente sem minutos nas pernas, numa altura em que a época vai começar a sério.

Teve de inventar jogadores e, com isso, ganhou uma profundidade de plantel que faz com que as hipóteses de ganhar o titulo sejam reais. Por exemplo, Matic, André Gomes, André Almeida, Enzo Pérez (este freguês, em especial, vai merecer um post, só porque há um ano certo andava eu aqui a dizer que ele nunca jogaria um minuto sequer pelo Benfica e, agora, tem ali um médio-centro de grande categoria em construção. E vocês já sabem que, comigo, a César o que é de César.)

Perde os jogos que tem a perder nas competições que não interessam e ganha no campeonato (algo que permitiu ao Porto ser campeão o ano passado, por exemplo).

Calhou-lhe no sorteio da Liga Europa a equipa certa para resolver já esse problema. O Bayer Leverkusen, como qualquer equipa alemã, tem à partida 90 por cento de hipóteses de eliminar o Benfica – não me perguntem porquê, só porque sim. Alemães e Italianos, desde que não sejam os que andam pelo meio da tabela, são tiro e queda. Holandeses e ingleses é o contrário, venham eles que ficam cá. Neste aspecto, melhor mesmo só se o Porto eliminar o Málaga e for jogar ao Tajiquistão com o Shaktar Donetsk.

Cada vez mais me convenço, ao ver Benfica e Porto a fazerem uma das melhores primeiras voltas conjuntas na história do futebol português, que este campeonato se vai decidir pela quantidade e exigência de minutos que as duas equipas tenham de vir a fazer na Europa até Março.

Com o Porto fora da Taça, a verdadeira final do Benfica é em Coimbra. Porque o Braga, sim senhor, mas não nos esqueçamos que é o Peseiro. Joga bem? Têm maturidade? Bons jogadores? Experientes? Está bem, está tudo certo. Mas é o Peseiro.

E agora, a única coisa que podia correr mal, de repente, foi ultrapassada: o decisivo Benfica-Porto (decisivo, leram bem) calha precisamente a meio de uma quinzena em que tenho cinco exames. O que significa que: (1) não vou ter tempo para escrever aquilo que penso; o que leva a que (2) não vá poder enguiçar esta porcaria toda, como fiz no ano passado.

Aliás, para terem uma ideia, estou a pensar em nem sequer ver o jogo, ler jornais ou ver notícias no próximo domingo, porque, «ó sócios, estou aqui concentradíssimo», e não quero abalar a minha vibe.

O que estou a pensar, muito seriamente, se tiver tempo, é em fazer uma previsão remissiva, ou seja, escrever a previsão e publicá-la depois do jogo. Só para gozar. Sim, porque eu às vezes acerto.

Querem um exemplo?

Ando há semanas a dizer aos meus amigos que, se eu fosse treinador do Benfica, o Cardozo marcava os cantos. Aliás, não só marcava os cantos como marcava todos os livres num raio de 15 metros em redor da grande área, independentemente do lado.

Porquê? Porque é o único jogador do Benfica com força e técnica para marcar um canto, ou um livre, bem marcado – tenso, a cair à entrada da pequena-área, sem dar tempo ao guarda-redes para sair ao centro. Um pontapé em força, a cair em frente à baliza, é meio-golo. Há um ressalto, um toque, e está feito. Sem ser preciso inventar mais nada de bloqueios, zonas, pivôs...

Devo confessar que também dizia isto para me armar um bocado em esperto, que é uma coisa que às vezes faço, e para pôr o pessoal a chamar-me maluco.

Mas isso não quer dizer que não estivesse a falar a sério.

O Jesus, que é um tipo dos esquemas, que fez a carreira no Vietname do futebol português como João Ratão, graças aos atalhos, às espertices, sabe que 80 por cento dos golos, no futebol, são jogadas de sorte – ou em ressaltos, ou em falhanços, ou a passar no meio das pernas de um defesa, ou por cima da mão do guarda-redes... É raro o jogador de futebol que, na zona de finalização, consegue fazer exactamente o que quer, quando quer. Por isso é que o Jesus (tal como o Camacho, diga-se, lembram-se do Binya) pôs o Benfica a fazer lançamentos laterais à Vizela. Porque a batata vai para o meio do maralhal, há alguém que se atrapalha e, de repente, está na baliza. É feio? É o futebol de alta competição.

Nunca pensei, contudo, que o homem tivesse a lata de pôr o Cardozo a marcar os cantos. Achei que não tinha coragem. Pois bem, hoje o Jesus subiu muitos pontos na minha consideração. O Jesus está na melhor forma desde que chegou ao Benfica – e se sou eu que o digo, podem acreditar que está. Anda tranquilo, acho que já percebeu que não morre se confiar um pouco mais nos jogadores (só um pouco), resta saber se já percebeu realmente que a melhor maneira de fazer um bom contrato em Espanha não é apostar tudo nas competições europeias, como no ano passado, mas ganhar o campeonato ao Porto.

Hoje à noite, ao primeiro canto do Benfica, lá voltei eu à lenga-lenga do costume. «Mete o Cardozo a marcar os cantos e vais ver. Mete o Cardozo a marcar os cantos e vais ver.» E o Cardozo na área, claro. Até que, a certa altura, o Cardozo vai mesmo marcar um canto. Nem pude acreditar. O primeiro foi sem gás. Deu noutro canto. «Olha, queres ver?! Queres ver?!»

Parecia bruxedo: ao segundo canto, golo. E nem sequer foi muito bem marcado. Ele que meta o homem a marcar os cantos todos, que o deixe tomar as medidas e apanhar-lhe o jeito, e quando os balázios começarem a chegar à pequena-área a 100 à hora a bater nas cabeças dos defesas e a entrar na baliza, vocês vão ver. Depois disso é só fazer o mesmo em todas as bolas paradas perto da área. O Cardozo marcaria menos golos? Talvez. Mas a equipa passaria a conseguir voltar a fazer perigo nos cantos.

No próximo post - depois desta peça de narcisismo intelectual completamente despropositado que é fruto do meu actual estado de quase demência por motivos de esgotamento neuronal – explicarei porque é que eu seria o melhor paineleiro do Benfica nas segundas-feiras à noite.

Caramba, vou já adiantar, até porque se calhar só cá volto já com o Sporting na II Divisão. Eu seria o melhor paineleiro do Benfica nos Donos da Bola porque, comigo, já não se falaria senão de duas coisas desde o dia de Natal:

- do facto do Porto ser o clube do regime corrupto desta província peninsular, do fora-de-jogo do Maicon e de todos os casos em que o Benfica foi roubado com o Porto  desde o tempo do Iuran (sim, isso mesmo: seria tão ostensivo como isso. Não haveria de ficar nenhuma dúvida no ar de que eu estaria apenas a pressionar os árbitros para lhes ser impossível prejudicar o Benfica em caso de dúvida. Foi assim que o impoluto Pinto da Costa minou isto tudo. Não foi por ter pudor, foi por ser tão ostensivo que praticamente exigia ser beneficiado, mesmo quando não tinha razão absolutamente nenhuma. Neste país de baixa-as-cuecas profissionais, o segredo é não ter vergonha de exigir o que para pessoas de boa cepa, seria ultrajante);

- do facto da primeira equipa a gastar 100 milhões de euros por ano no futebol português ficar em risco de não ganhar o campeonato se perder na Luz. E continuaria a falar nos 100 milhões de euros até toda a gente ficar a perceber bem esta realidade, que a propaganda do regime tem tido o cuidado de não propagandear: o Porto, que teve um prejuízo de 40 milhões de euros num ano em que vendeu o Falcão por 40 ou 50 milhões, tem o primeiro orçamento de 100 milhões de euros este ano. O clube dos pobrezinhos, do «contra tudo e contra todos», do fazer do pouco muito, vai gastar 100 milhões de euros (mais 30 milhões que o Benfica), e pode muito bem acabar a época de mãos a abanar. E aí – se não for este ano vai ser num dos próximos – no momento em que o fracasso for assim tão visível, é que a vaca vai começar a tossir.

Aí, vai começar a perguntar-se se o Porto pode pagar 18 milhões de euros por um defesa-direito só porque o Benfica o quis contratar - quando o suplente desse jogador, que até andou emprestado para rodar em Braga, vai passar a ser «um dos jogadores mais bem pagos do Sporting, com um ordenado anual de 1 milhão de euros» (não vai, concerteza, ser aumentado com a mudança para Alvalade). E se pode pagar 12 milhões por um central mexicano de 20 anos e 70 quilos, quando o Benfica só ofereceu metade. E se faz sentido andar a pagar o dobro para ter James, Álvaros Pereiras e quejandos se o Benfica, gastando apenas 70 por cento, consegue ser campeão com o André Almeida, o Jardel e o Melgarejo.

Foi, também, com esta argumentação, (os mais novos não se lembram, e agora vêem-no tão dócil que nem lhes passa pela cabeça a pouca-vergonha que era) que o impoluto mestre foi construindo a imagem de eficiência e do «fazer das tripas coração». O «fazer das tripas coração», actualmente, é gastar mais 30 milhões de euros que o propalado «clube do regime». E isso diz tudo sobre o desfasamento do discurso que ainda passa nos media e a realidade. Nos media cria-se a ilusão de um «clube pequeno do Norte» a lutar contra os gigantes de Lisboa que têm os recursos todos. Na realidade, o Porto gasta, sozinho, quase tanto dinheiro como o Benfica e o Sporting em conjunto. Só por incompetência é que uma equipa que gasta mais 30 por cento do que o outro candidato não é campeã. E isso explica o nervosismo provocado pela rotura muscular do James e pela «ausência de Atsu e Kléber», como li hoje a um dos freteiros no Record. Como é que uma equipa bicampeã nacional, com 100 milhões de euros de orçamento, fica tão nervosa com um jogo na Luz a meio do campeonato?

Acreditem: esses vão ser os bons tempos. Mas era preciso começar a semeá-los já, antes que a Gabriela mate o velho do coração. Nessa altura já não terá tanta piada.

3 comentários:

  1. Fantastico... deu me prazer ler cada palavra do seu texto!

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  2. Grande Hugo.

    Desde já boa sorte para a chatice dos exames.

    Quanto ao post, na minha opinião, este é o Benfica que melhor defende. No ataque o desperdício é brutal e já custou pontos (em Coimbra, juntamente com uma arbitragem "à lá norte").

    Garay é um jogador soberbo e o melhor central que eu (que não tive a sorte de ver Mozer, Ricardo Gomes, Gamarra, Humberto Coelho, entre outros) já vi a actuar pelo Benfica.

    Não tive também a "sorte" de ver PdC no seu auge sarcástico, na sua divina graça que hoje faz jornalistas, dirigentes e políticos lamberem as bolas ao velho... Acho que poderia ter aprendido muito com esse período. A sério. Como vocês aprenderam e fiando-me no que escreveste, Hugo, a queda da "naçom" vai ser (para além de a pique) épica.

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  3. Muito bom texto, lido com muito prazer. No entanto hà que ter calma, que ainda não ganhamos nada, tão pouco sabemos se a queda do Porto acontecerà num futuro proximo. Espero que sim, mas està longe de ser uma evidência.
    Saudações benfiquistas.

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