terça-feira, 3 de julho de 2012

A verdade anda por aí

Esta é a época do ano em que todas as ilusões são possíveis – e atenção que digo ilusões no seu sentido real, de algo que pensamos que é possível mas não é, não no sentido espanhol de «desejo» que os energúmenos dos nossos jornalistas desportivos introduziram no vocabulário português às três pancadas, tal como «cantera» ou «remontada» (se querem utilizar os termos espanhóis, sejam rigorosos: cantera é «canteiro», ou «viveiro» onde se plantam as sementes; remontada é… bom, deve ser alguma moça que foi montada duas vezes…).

Nesta altura, como ainda não vimos ninguém a jogar realmente à bola, as coisas são todas como gostaríamos que fossem. Geralmente, este estado de graça imaculada dura até ao primeiro jogo com os amadores do Brandesnshwicken, da 4.ª Divisão suiça. Nessa altura, e depois de andarmos duas semanas a apanhar com as «estrelas do dia» nos jornais diários, e de ficarmos a saber que eles nasceram em determinado dia, que já jogam futebol há uns anos e que têm pé direito e pé esquerdo, a realidade começa a atingir-nos como uma rajada de metralhadora. Descobrimos, com um espanto desiludido, que o Emerson, de grande jogador só tem o nome, que o Ola John não é (incrivelmente) um Ruud Gullit, que o Melgarejo, afinal, ainda não estava bem, bem pronto para competir com jogadores de nível europeu, apesar de marcar uns golos no Paços de Ferreira, que continuamos a não saber marcar cantos, que continuamos a não fazer pressão sobre a bola como deve de ser, que os avançados continuam a falar linguagens diferentes uns dos outros, e todas essas pequenas coisas que teimam em lembrar-nos que uma equipa de futebol é um acto contínuo, e não um projecto anual que abre em Julho e fecha em Maio.

Rapidamente (no espaço de duas/três semanas) nos damos conta que, pensando bem, 95 por cento daquilo que temos e somos é aquilo que já tínhamos e éramos em Julho do ano passado. Compreendemos que a construção de uma equipa de futebol é um processo moroso e complexo, em que se trabalha muito para se conseguir avançar muito pouco todos os anos.

Nesta altura fala-se de tudo, diz-se tudo e vende-se toda a banha da cobra que há em stock. Mas o que se diz é o menos importante que existe no futebol. O futebol é o que se faz. O Luisão pode dizer 20 vezes que «vamos ser humildes»: se não forem humildes, isso vê-se, e paga-se, na prática.

Esta é a época da cassete, e o Benfica, acima de todos, tem pago por não saber distinguir o que é a cassete – aquilo que se aprende a dizer para os adeptos nos deixarem em paz e a imprensa não poder implicar connosco e estragar-nos o arranjinho (algo muito útil aos jogadores num clube onde há muita pressão e onde se ganha muito dinheiro) – e o que é o trabalho, que é o que dá resultados desportivos. Julho é a época dos jornais ganharem dinheiro, Maio é a época das equipas ganharem títulos. Os jornais estão em vantagem, porque em Julho quase ninguém se lembra (ou sabe) do que vai ou pode acontecer em Maio. Mas os campeões são os que sabem que é em Julho e Agosto que se decide muito do que vai acontecer em Maio.

Quem anda mais ou menos metido no meio do desporto sabe que a fase mais importante da época é a pré-epoca. Até nos juvenis do basquetebol isso é verdade. Se não se corre no Verão, a meio da época as pernas vão-se embora. Queremos puxar por elas mas os outros parece que têm uma velocidade a mais. No futebol actual isso é ainda mais válido, porque, depois de cinco semanas em que se pode trabalhar como se quer (e como se sabe), entra-se num ritmo de dois jogos por semana em que o treino consiste, basicamente, em descansar dos jogos e das viagens e ir preparando alguns esquemas de bola parada. Quando o calendário volta a abrir, lá para Fevereiro (algumas semanas antes no caso do Porto, o ano passado…), já os jogadores estão cansados demais para aprenderem coisas novas, já nada se faz de raiz, os vícios próprios que resultam da competição e no interior da equipa já estão instalados.

É nessa altura, em Janeiro/Fevereiro, com o Inverno, que o Julho vem ao de cima. As equipas bem preparadas fisicamente recuperam energia. As equipa com um espírito de grupo sólido unem-se perante o desafio iminente, que nessa altura se coloca, dos jogos que decidem tudo. Nessa altura surgem as soluções que só um bom Julho torna possíveis. As pequenas diferenças que fazem o sucesso nessa altura resultam de grandes sacrifícios físicos feitos meses antes. São questões de pormenor, que, quando submetidas à alta pressão da competição, acabam por irrelevar tudo o resto, agigantar-se e tornar-se nas únicas visíveis.

Num dos últimos posts da última época escrevi que os quinze dias mais importantes da época do Benfica, este ano, seriam os primeiros. Reafirmo.

Começam, não na segunda-feira passada, em que apenas se pode ver que os carros estão bem servidos de automóveis (que me dizes a isto, Manuel José?), mas na próxima quinta, quando for sorteado o calendário de jogos do campeonato.

O calendário é, actualmente, no contexto bicéfalo (mais apêndice verde) do futebol português, um factor, senão determinante, muitíssimo importante. Nas últimas três épocas o calendário teve uma influência clara no desfecho do campeonato – em 2009/10, o facto de o Benfica receber o Porto na Luz, numa altura em que as dinâmicas das equipas eram de tal forma diferentes que eliminaram a distância qualitativa entre ambas, possibilitou a um Benfica inferior vencer o jogo (do título, acrescente-se); em 2010/11, exactamente o inverso, resultando no 5-0 das Antas; em 2011/12, com o Benfica a ter cinco dos oito jogos mais importantes da sua época concentrados no espaço de três semanas, em Janeiro, ampliando o efeito do desgaste, dando ao Porto a vantagem suficiente, em termos de gestão física e anímica, para ser campeão, num ano em que o normal seria não o ter sido.

Depois do sorteio vêm os estágios, nos quais as três equipas de topo se depararão, acima de tudo, com os três seguintes cenários:

- em termos de gestão do plantel, os problemas do Porto pouco ou nada diminuíram em relação ao último defeso. A única coisa que mudou foi que, ao contrário de 2011, a equipa que regressa ao trabalho está muito longe da ilusão de ser perfeita. As expectativas são mais baixas, mas, parece-me a abordagem será, também, enviesada. Não me parece que os jogadores do Porto percebam realmente como estiveram perto do fracasso na última época, e de como foi o Benfica a perder o campeonato, e não eles, realmente, a ganhá-lo. Numa equipa que pensa que ganha «porque sim», pode ser uma ilusão fatal. Eu diria que, como aqueles avisos na beira da estrada a dizer «perigo de derrocada», o Olival deveria ter um letreiro ao lado do relvado a dizer «cuidado, perigo de relaxamento» - e mesmo assim não sei se seria suficiente.

Por outro lado, os jogadores que queriam ou podiam sair no ano passado continuam quase todos lá, a começar pelo Hulk, que representa um risco efectivo de duplicação do factor-Falcão, quer porque é mais importante para a equipa quer porque pode dar mais dinheiro numa altura em que há ainda menos dinheiro para gastar. Sem o dinheiro das vendas, o tal de Jackson não vem. Há Hulk, James, Moutinho, Rolando, Álvaro Pereira, Fernando, todos, à excepção de James, em idade e situação desportiva de fazerem «o contrato».

- no Benfica, tudo na mesma, como a lesma, e o perigo real é esse. No papel, está tudo bem: uma equipa a crescer e que já tem um ano junta, jogadores jovens, poucos reforços «de facto», supostamente ambição, supostamente qualidade suficiente para, com um pouco mais de sorte no calendário e nas derrotas (sim, ter sorte nas derrotas é muito importante – se não tivesse tido sorte nas derrotas o Porto não ganharia nada no ano passado), chegar lá. Mas o problema do Benfica, actualmente, é de metodologia. Jesus. Um bom treinador, mas possivelmente um treinador desgastado, quer na imagem perante os adeptos e jogadores quer, e sobretudo, nos métodos. O estímulo é um factor preponderante numa boa pré-época. Vejo muito difícil o Jesus conseguir, ao quarto ano como treinador perante jogadores que são praticamente os mesmos, fugir da rotina, do rame-rame, da preguiça mental que é característica de todos os seres humanos (o hábito faz o monge…), arrancar deles algo que ainda não se conheça. E, se não o fizer, o Benfica começará a época sem dinâmica.

Já aqui disse o ano passado, e volto a dizê-lo, para mal dos meus pecados (sinceramente, porque estou a sofrer por antecipação): não tomo como adquirido, nem nada que se pareça, que o Jesus chegue ao Natal como treinador do Benfica. E espero bem estar enganado. Pode ser que nos calhe um grupo lixado na Champions, que não nos apuremos, e que tenhamos sorte em dois ou três jogos do campeonato… Pode ser que o Porto, desta vez, ganhe aos anartósis…

- a primeira época real do Sá Pinto começa agora. Pegar numa bicicleta caída à beira da estrada, meter-lhe a corrente no carreto e pedalar em terreno plano, desculpem lá, mas não custa nada. Quando as expectativas são baixas, tudo o que se ganha é lucro. Mas a única expectativa do Sporting a partir de Novembro do ano passado era ganhar a Taça de Portugal. O próprio Sá Pinto inchou-se todo nas vésperas do jogo. E deu no que deu.

Ter o discurso do «grande humildade, grandes campeões» quando não se tem nada a perder e não se pode ser campeão é porreiro, mas desta vez os «grandes campeões» têm, de facto, de demonstrar se estão ao nível de um clube que só pode existir para ser campeão ou se são apenas gajos porreiros, como têm mostrado ser até agora.

O Sá Pinto vai perceber rapidamente o que é ser mesmo treinador do Sporting, e os jogadores vão perceber, também rapidamente, que já não chega dizer bem do Sá Pinto para os adeptos gostarem muito deles e aturarem os seus fracassos.

Para o Sporting, esta temporada já não há almofadas. E não sei se os jogadores, à partida, estarão cientes do que é preciso para se ser campeão, e se trabalharão para isso.

Para o Sá Pinto, o desafio desta pré-época é claro: pegar num grupo de jogadores sem títulos, de nível médio europeu, muito jovens, e fazer deles uma equipa a lutar (mesmo) pelo título.

3 comentários:

  1. Por mim seria sempre Porto-Benfica na 1ª jornada,assim ia-se ao covil em igualdade pontual e retirava-se já essa preocupação do pessoal,numa fase em que está tudo a aquecer os motores.A ultima vez que isso aconteceu foi em 93/94 num tal 3-3.A partir desse momento foi sempre a subir até ao título... Se analisarmos bem a estatistica-que vale o que vale-o Fcp só nos derrota em sua casa quando em vantagem no campeonato.Das raras vezes que fomos lá em igualdade ou vantagem (excepção em 2010,mas com o titulo próximo) nunca nos venceram.Eles gostam de bater nos coitadinhos quando estão em vantagem mas em igualdade está quieto...

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    1. Sem dúvida. A possibilidade de uma equipa poder jogar em casa sem precisar de ganhar para ter vantagem no confronto directo, neste tipo de jogos, é muitas vezes determinante, porque lhe permite jogar de outra forma, arriscando menos e pela certa - o que, no caso de uma equipa experiente, como é a do Porto, é ainda mais verdadeiro.

      Se o Benfica tivesse chegado ao jogo com o Porto, na Luz, na última época, em vantagem pontual de dois ou três pontos, o jogo teria sido completamente diferente, e muito provavelmente o Benfica teria saído campeão dessa partida.

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  2. Cada dia me sinto mais inseguro quanto à época do Benfica... Ainda não contratamos uma mais-valia SEGURA para a equipa de futebol, e isto preocupa-me sobremaneira...

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