terça-feira, 28 de agosto de 2012

O ano do lagarto


Porque é que o Sporting vai ser campeão?

 

1 – Porque a fruta está verde.

Até o Pinto da Costa percebe que ganhar sempre tem efeitos nocivos. A ilusão de um mercado concorrencial é muito mais útil para o negócio e para a perpetuação do monopólio de facto que existe do que a evidência desse monopólio. Dito por outras palavras, o Porto tem o monopólio do sistema, mas é-lhe mais útil, a longo prazo, manter a sugestão de que o que existe é um sistema de concorrência. A debilidade intelectual e a subserviência do corpo crítico que forma opinião na nossa comunicação social permitem a sustentação dessa estratégia. Na verdade, o argumento que prova, racionalmente, o domínio do sistema por parte do Porto é lógico, não tem nada de metafísico nem de voluntarista – resume-se a um silogismo básico: A – O sistema (arbitragens, financiamentos, legislação, disciplina, etc) é um factor decisivo na conquista de resultados desportivos, no futebol português, de acordo com todos os seus dirigentes (podem chamar-lhe a evidência Calabote, para tornar a coisa mais consensual…); B – o Porto ganhou 20 dos últimos 25 campeonatos e títulos em todas as épocas nos últimos 30 anos; C – o Porto controla o sistema.

Tudo o resto é ruído propositado, areia atirada para os olhinhos do maralhal, num processo tão básico que nos faz, realmente, pensar que as pessoas têm aquilo que merecem. Vivemos na Grunholândia, a terra em que os grunhos comem com talheres, escrevem em blogues na internet, misturam putas com frutas e não distinguem o crepúsculo do cabelo crespo do cú. Para os grunhos, é fácil explicar como é que um clube que tem os árbitros na mão ganha três campeonatos em 20 anos: é porque o padrinho diz. É claro que o Benfica corrompe os árbitros. Por isso é que todos os anos é campeão.

Assente este raciocínio lógico como ponto de partida, nem o Porto consegue ganhar sempre. O que acontece, normalmente, é uma de duas coisas:

- um tiro de bazuca na própria pata:

- uma redefinição inconsciente de prioridades, por norma baseada no excesso de confiança.

Na primeira categoria temos falhanços retumbantes, como foram os do regresso de Tomislav Ivic, o da escolha de Octávio Machado para treinador ou o ano do Gi-Vi-Zé (Del Neri, Fernandez, Couceiro). Nestes casos, é Pinto da Costa a tentar ser mais papista que ele próprio, a tentar elevar a «cultura» a religião e a falhar.

Na segunda categoria encontramos o caso do último título do Benfica, em que Pinto da Costa, evidentemente cheio de confiança na superioridade do seu esquema, pensou que poderia facilmente manter um técnico de segunda categoria (Jesualdo), vender dois jogadores de primeira (Lucho e Lisandro), apostar forte na Liga dos Campeões e, mesmo assim, ganhar o campeonato a um Sporting inofensivo e a um Luis Filipe Vieira em processo de auto-imolação. A prova de que a má época do Porto resultou muito das más escolhas do seu presidente e pouco ou nada do famigerado castigo do Hulk é que, de um ano para o outro, o Porto mudou tudo o que pôde, entre treinador e jogadores.

Como o sistema é forte, mesmo nestas épocas o clube geralmente arranja uma maneira de ganhar qualquer coisa e manter o pagode entretido, mas o que acontece, claramente, e invariavelmente, a meio destas temporadas, é uma reorientação de prioridades e uma redefinição de estratégias. O Porto começa a pensar na época seguinte e, aí sim, começam a acontecer coisas realmente invulgares no futebol português: o Boavista a ser campeão, o Braga a amarinhar e a apurar-se para a Liga dos Campeões, o Sporting a ser beneficiado pelas arbitragens (ou, pelo menos, não prejudicado) e a ganhar campeonatos, o Benfica a conseguir meter a cabeça de fora e vender bilhetes e camisolas, decisões disciplinares ambíguas, etc.

Na sua maior parte, são o que eu chamo de «acções preparatórias», ou «acções ‘estão a ver?’». O Porto abranda a pressão ou manipula o sistema de forma a poder argumentar que o sistema, afinal, é para todos, legitimando o regresso ao controle do mesmo, que invariavelmente, no ano seguinte, se segue, em força, de forma a que não subsistam dúvidas sobre quem manda. E o Porto, graças à «genialidade gestora» de Pinto da Costa, que «fez as opções certas na reconstrução da equipa», volta a ser campeão, de preferência com 15 pontos de avanço para poder ganhar algum nas competições europeias.

Este ano tem tudo para ser um desses anos «preparatórios».

Porque o Porto precisa desesperadamente de fazer dinheiro, e vai ter, simultaneamente, de vender dois dos seus melhores jogadores e apostar forte na Liga dos Campeões, após um ano desastroso. Essa opção vai começar a tornar-se clara não só esta semana, com o fecho do mercado, como a partir do momento em que comece a Champions.

Porque os próprios jogadores vão menosprezar o campeonato e apostar na Champions. Querem sair enquanto é tempo, ganharam dois campeonatos seguidos (o segundo sem fazerem muito por isso, entregado pelo Benfica), a coisa tornou-se fácil, confiam que o terceiro virá da mesma maneira, sem ser preciso trabalhar muito.

Porque o treinador é uma merda, não tem mãozinhas para aquilo, e já devia ter ido, mas o Pinto da Costa foi enganado pela conquista do campeonato e viu-se forçado a aceitá-lo por mais um ano, mesmo não o querendo (afinal, ele não despede treinadores…)

Porque (por estas razões e outras) no Porto o terceiro campeonato é sempre o mais difícil.

Mas, sobretudo, porque o Sporting está disposto a tudo, e vai vender-se ao sistema.

É fácil ignorar a delicadeza do momento do Sporting no meio da confusão, mas a verdade é que o Sporting está, provavelmente, no ponto mais delicado da sua existência.

O fim da «era Roquette», da suposta «gestão moderna», foi um lançar de toalha. Com o regresso de Duque e Freitas, às costas de um Godinho que não risca nada a não ser cheques pessoais para comprar jogadores (alguém tem dúvidas?), a aposta forte no mercado, o Sporting juntou-se à matilha, deixou de querer se diferente e está completamente a descoberto.

A primeira época correu incrivelmente mal. Era suposto ficarem em segundo, para jogarem a Champions e se financiarem, e acabaram em quarto. O Benfica lixou-os, basicamente, naquele jogo do 1-0, na Luz. Nesse mesmo jogo, Vieira, aparentemente, descaíu-se. «É para isto que queres controlar as arbitragens?», perguntou a Duque. Mas alguém duvida da matéria em cima da mesa nos almoços entre o Vieira e o Duque? Não era croquetes, com certeza.

Esse jogo, além da derrota temporária do «projecto» do Sporting e da jaula para os grunhos, deixou-nos o fim da putativa aliança entre Benfica e Sporting contra o Porto. Os Idiotas Cristóvãos ganharam, e os dois clubes de Lisboa vão ficar separados – a guerrilha no mercado de Verão comprova-o claramente, e é um prelúdio para outras guerras bem mais acirradas que por aí vêm.

Tudo isto faz com que o Sporting esteja no ponto para ser cooptado por Pinto da Costa, cuja estratégia magna nos 30 anos de presidência foi sempre manter-se aliado a um dos clubes de Lisboa e, sobretudo, mantê-los de costas voltadas, manipulação para a qual tanto os Damásios como os Roquettes sempre se mostraram amplamente disponíveis, porque, com mais ou menos dinheiro, eram líderes fracos e estúpidos.

Mais ou menos por altura do Benfica-Porto, a agulha vai começar a virar. O Sporting ainda vai andar na luta, vai ter superado, com dificuldades iniciais naturais, uma primeira volta muito difícil, sem ter de se preocupar muito com a Liga Europa (basta ganhar os dois jogos em casa para se ser apurado, afinal, e é bom para dar moral aos suplentes), e o Porto, apurado para os oitavos-de-final da Champions, vai começar a perder o comboio a nível interno.

Lá para Março as coisas vão estar mais claras, e por essa altura o Sporting já não vai ter razões de queixa da arbitragem. É bem possível, até, que comecemos a ver Duque e Pinto da Costa juntos em ocasiões informais, em reuniões antes das assembleias gerais da Liga, e o Vieira a barafustar contra o sistema e a nova aliança tácita.

No fim, o Sporting terá ganho o campeonato de que desesperadamente precisa para não morrer, o Porto acaba em segundo, ao sprint, garantindo a Champions para o ano seguinte, e o Benfica, se não se põe a pau, ainda acaba em quarto, para que fique bem marcada a vitória do sistema sobre os insurrectos – sobretudo se os insurrectos insistirem em não vender os seus 15 jogos em casa ao polvo. Não ao Paul mas ao de São Martinho de Penafiel.

E tudo estará bem.

 

É claro que o sistema, por si só, não chega, mas como a prosa já vai longa os outros dois factores a favor do Sporting ficam para depois, com a gentileza dos fregueses.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O clube dos 100 milhões


Tal como a equipa de futebol do Benfica, só vim de férias à segunda jornada do campeonato.

Aparentemente, o Benfica está a ser levado ao colo, porque no primeiro jogo o Beto atirou-se para o chão sem ninguém lhe tocar e o terceiro golo foi invalidado, e porque em Setúbal o Amoreirinha (que nome tão mimoso para um menino tão dócil…) foi bem expulso. Para o atrasado mental do José Mota uma entrada frontal a pés juntos que só não parte uma perna ao adversário é comparável a um toque num pé (doloroso, certamente, porque é dado na parte macia do pé) numa jogada banal. Natural. Só há um adversário a quem a majestosa besta que é o José Mota raramente tira o mérito quando lhe ganha, e nem é preciso dizer o nome.

De qualquer forma, o Amoreirinha esteve quase a resolver o problema do defesa-esquerdo do Benfica. Por pouco não dava homicídio qualificado. O grande drama desta equipa do Setúbal nem sequer é não jogar nada: é nem jogar nem saber bater.

Aos 3-0 mudei para o filme de polícias e ladrões do Hollywood. Tinha menos violência e nunca achei grande piada em bater a mortos.

Este jogo fez-me lembrar aquele, há dois anos, em que o Benfica foi dar 5 ou 6 ao Marítimo. Acabou antes de começar, e não significou nada. São três pontos, num campo chato, e para mim é sempre agradável massacrar o Vitória desde que lá perdemos por 5-2 no tempo do Yekini e do Chiquinho Conde, mas no fim não servem para nada se não se ganhar por 1-0 ao Sporting ou ao Porto. Já toda a gente sabe o que esta equipa do Benfica consegue fazer nos jogos em que tudo corre bem, mas é nos outros, em que as coisas correm mal ou são mais difíceis, e em que é preciso obrigar a sorte, que se vêem as grandes equipas.

Espero que o Porto não venda o Hulk até sexta-feira. Se ficar com o Hulk, o Porto vai perder em toda a linha, financeira e desportivamente. Se o vender perde só o campeonato. Se não o vender não só vai perder este como se arrisca a não ter dinheiro para ganhar o próximo. Aos poucos vão-se materializando as lacunas da «engenharia financeira» que o Porto tem vindo a fazer para conseguir competir com um Benfica economicamente muito mais forte – porque essa é que é a questão. É o Benfica que está a forçar o Porto a arriscar mais do que pode financeiramente. 15 por cento de Álvaro Pereira, comprado para roubar o Benfica, não eram do Porto. 20 por cento de Moutinho, comprado para recuperar o título, são do Sporting. 15 por cento de Hulk (cujos restantes 85 por cento já custaram ao Porto 28 milhões de euros) não são do Porto. As aquisições de Manko e Lucho, feitas sob pressão para ganhar o título do ano passado, são a fundo perdido. Dar quase 20 milhões de euros por um lateral-direito para o Benfica não o ter, metade disso por um lateral-esquerdo para o Benfica não o ter, é uma loucura que o Porto, apesar dos seus adeptos ainda não quererem saber, não pode comportar.

O Porto tem um orçamento de 100 milhões de euros para o seu futebol profissional. É o maior orçamento de todos os tempos no futebol português, e significa, tão-só, um salto decisivo para uma plataforma europeia de que o Porto, para continuar a crescer, não pode recuar, mas que o clube, em sim, sobre-dependente de dois factores conjunturais, não conseguirá suportar a longo prazo. São eles:

- o mercado;

- e o carisma.

Quando o mercado falhar ao Porto (e vai falhar, mais ano menos ano, provavelmente quando os resultados também falharem) e quando o carisma presidencial morrer (porque vai morrer), esta «época dos 100 milhões» vai ser lida, historicamente, como aquilo que é: um sinal, na altura não reconhecido, de que a bolha estava a encher já no ponto de não retorno, em que não há maneira de continuar sem ser continuando a encher, mesmo sabendo que as expectativas estavam completamente desfasadas da realidade.
Esclareçam-me: se o Porto não for apurado para a Champions do ano que vem, como é que o futebol vai suportar uma descida de 100 para, por exemplo, 70 milhões de euros de orçamento, sem perde capacidade competitiva - se o Porto for obrigado a trocar Hulks por Quaresmas ou Luchos por Defours?

Há duas fases distintas no crescimento da bolha do Porto. A primeira é a dos pobrezinhos, que é muito bonita mas é muito fácil, uma vez que quando se começa do nada tudo o que vem é pato. Durou dos anos 70 até ao primeiro ano do Mourinho. Até esse momento, o Porto era um clube de trazer por casa, dos Pedrotos, Octávios e Oliveiras, um clube com trinta metros a menos, que fazia gala de comprar baratinho e ser pobrezinho e mesmo assim mandar cá dentro.

Com a equipa que o Mourinho construiu abriu-se a torneira. De repente, com a Champions, o dinheiro começou a entrar em volumes colossais, o Benfica foi atrás, aumentando a dívida, e o Porto deu a volta que podia. Deixou de ser um clube porco, sujo e mau para ter design. Começou o branqueamento da imagem, veio o azulinho bonito, o Estádio do arquitecto, os Fabianos e os Diegos, começou-se a gastar dinheiro a sério. O Porto passou a querer ser um clube do Mundo, maior que o seu país, maior que a sua cidade. (Como o Benfica o foi nas décadas de 60 e 70)

De repente, o Porto, que só ganha o campeonato de 2011/12 por inépcia do Benfica, gasta cerca de 60 milhões de euros em quatro jogadores (Hulk, Danilo, Sandro e Jackson) e 100 milhões de euros numa época. Pagos com quê? Com o apuramento para a Champions, basicamente, sem o qual nem teria dinheiro para pagar ordenados nem teria montra para vender jogadores e equilibrar as contas.

A bolha do Porto vai rebentar, e eu vou estar cá para ver. Serão tempos felizes. Quando penso nisso até tiro algum prazer em ver o Porto a fazer mais do mesmo, quase todos os anos, como se estivesse a subir, e não já a descer. Lembro-me da década de 90 do Benfica, depois de Jorge de Brito ter tentado fazer a «equipa para a Europa» e destruído a estrutura económica do Benfica para os vinte anos seguintes, basicamente retirando-lhe as hipóteses de ser realmente competitivo perante um adversário conjunturalmente mais forte, como foi desde o Porto «penta» até hoje.
 
Tenho poucas dúvidas que já estamos a assistir à inversão da ordem dos factores.

domingo, 19 de agosto de 2012

Um cadáver que anda


Queria recordar isto. E também um outro post, depois desse, em que escrevi que só acreditava que o Benfica fosse campeão se tivesse um defeso perfeito, quer na parte política (leia-se «cascar no Proença» até convencer toda a gente que perdemos o título por causa daquele fora-de-jogo), quer na gestão do plantel, quer no trabalho técnico, no relvado. Lembro-me de ter escrito que o Benfica estava a trabalhar muito bem até esse momento, e que o período mais importante da época (e decisivo) seriam os primeiros 15 dias de treinos.

Pois bem, bastou o primeiro dia para, vendo chegar os jogadores que não deviam e não chegar os jogadores que deviam, perceber que as coisas, daí em diante, iriam começar a correr terrivelmente mal.

Confesso que uma semana depois do início da pré-época, desliguei.



Compreensivelmente, quando vejo as coisas a desenrolarem-se como eu antevi, as minhas expectativas ficam baixas, e jogos como de ontem passam a afectar-me bastante pouco.

Percebi que as minhas expectativas tinham atingido o mais baixo ponto possível quando, antes de vir de férias, comprei o Football Manager. Quando chego ao «limiar Football Manager» é sinal de que perdi toda a esperança. É uma forma de catarse; de tomar um controlo, ainda que ilusório, sobre uma realidade que não posso controlar.

(Para que conste, comecei na época de 2011/12, fiquei em segundo, atrás do Porto, e na época de 2012/13 fui campeão. Não tenho dinheiro para comprar jogadores, porque naquele mundo paralelo não se pode acumular passivos, mas estou convencido que o facto de ter vendido o Emerson e o Aimar, de ter encostado o Saviola e de ter usado o Capdevilla como defesa-esquerdo tiveram grande infuência no meu sucesso.

Além de atenuar as minhas mágoas, o Football Manager, que é um jogo estúpido nas coisas complicadas mas muito inteligente nas coisas básicas, e que se rege por números concretos, quantificações simples e um critério racional, teve outro mérito: explicou-me exactamente o estado calamitoso em que se encontra a gestão do futebol do Benfica. Para terem uma ideia, pelas minhas estimativas, entre técnicos de segunda categoria, jogadores excedentários pagos a peso de ouro e salários ruinosos pagos a jogadores suplentes, vou levar quatro épocas, a contar de 2011, só a endireitar o clube, de maneira a que qualquer coisa naquilo faça sentido e possa começar a jogar, de facto para ganhar, e não apenas para não perder. O título? Bom, digamos que sou um mestre da táctica, mas em bom… deu-me para ganhar crédito suficiente para acabar de limpar a casa. Numa palavra, o futebol do Benfica, em termos de eficiência custo/rendimento, é um desastre.)



Voltando ao jogo com o Braga. Foi bom. Quando chegarmos ao final da época, poderemos pegar no DVD e dizer: «Aqui encontra-se resumido o Benfica 2012/13.»

A saber:

- uma equipa cansada, não nas pernas mas na cabeça, incapaz de sair do colete de forças mental criado por um treinador maníaco e egocêntrico, convencido de que o jogo de futebol se ganha ao contrário, a partir do banco e da resolução pontual de situações de jogo, a olhar compenetradamente para a tabuleta das bolinhas vermelhas e pretas como se ali estivesse a resposta para uma equação complexa de 22 individualidades autónomas e, elas próprias, complexas, incapaz de perceber que a táctica é, de facto, apenas a parte final de um jogo de futebol;

- um conjunto de jogadores com um ADN de ataque (implantado por esse treinador), desejosos de rasgar o campo e jogar rápido, mas sem as soluções colectivas mínimas necessárias para criar o espaço para jogar;

- uma equipa de jogadores isolados perante o enorme problema que é jogar por um monstro do futebol, desamparados por uma estrutura técnica mais preocupada em safar-se do que em defendê-los, a começar por um treinador que escolhe os filhos e os enteados conforme a utilidade para a sua «estratégia» e trabalha a partir daí;

- uma equipa de jogadores que vão tentar, contra adversários mais bem preparados, contra um país desportivo que torce, invariavelmente, contra eles, e contra um treinador egoísta, e que, no limite, vão falhar, acabando (incentivados pelo próprio clube) por se refugiarem nos erros dos árbitros, recebendo a compreensão e o respaldo de um estádio cheio de adeptos demasiado ressentidos para aceitarem a realidade: a de que a equipa é fraca.



O que encontramos no princípio da quarta época de Jorge Jesus no Benfica? Uma equipa incapaz de fazer mais de três passes seguidos no meio-campo adversário, de marcar mais de dois golos seguidos em jogadas em que não haja um ressalto ou um erro de arbitragem, de pegar num jogo e dar-lhe a volta de que ele precisa, de pensar antes de jogar.

Um capitão perdido em campo. Um lateral esquerdo vindo da extrema-esquerda do Paços de Ferreira a oferecer dois golos ao adversário. Um jogador em recuperação psicológica, após um ano de exílio e uma pré-época em crescendo, a ser preterido por um compatriota que fez dois treinos. Um guarda-redes a passar a bola aos avançados, dando continuidade a um sucessivo processo de medianização.

Em resumo, um «projecto» exausto a caminho do fracasso.



Para ganharem, este ano, os jogadores do Benfica teriam de cometer uma proeza: criarem uma unidade à prova de bala e vencerem, até, o treinador e o próprio clube, com toda a dinâmica de mediocridade que nele está instalada.

Não vão conseguir.

Não têm capacidade competitiva suficiente para isso.

Duvido que alguém tivesse.



PS – Este post vem com delay porque estou num lugar perfeito, com pinheiros, com piscina, com bar, com família e sem rede wireless. Entretanto, Porto e Sporting já perderam dois pontos cada um, a proverbial estrelinha do Jesus já veio de novo em (aparente) socorro, e o empate do Benfica deixou de ser dramático. É sempre assim – até ao momento em que se chega ao precipício, com o chão a desfazer-se atrás de nós, e a única alternativa é atirar-nos de cabeça para, já que morremos, morrermos em estilo. Não altero uma vírgula ao que escrevi de manhã.

sábado, 18 de agosto de 2012

Mais a Taça da Liga


I



O campeão este ano é o Sporting.

Podia ter começado este segundo ano d.C da Religião Nacional a falar sobre os chineses a jogar ténis de mesa nos Jogos Olímpicos mas, como os que me conhecem já sabem, eu gosto de ser politicamente correcto, não gosto de levantar ondas e faço o possível para que as pessoas não se sintam incomodadas, por isso achei melhor fazer a minha rentrée algarvia de uma forma serena e responsável.

Estou aqui sentado a escrever na mesma sala em que comecei este blog faz este Agosto um ano, com significativo menos entusiasmo do que estava há um ano, convencido de que o Benfica ia ser campeão, e podia entrar naquela conversa de «o Porto tem quarenta por cento, e o Benfica 35 por cento, e o Sporting 25 por cento», mas não entro. Isso é conversa de quem é empregado da Sport TV e não se quer não se pode comprometer. No ano passado disse: «O Porto teoricamente, tem 70 por cento de hipótese, mas o campeão será o Benfica.»  Este ano, pela mesma lógica, digo: «O Sporting, que à partida terá 20 por cento de probabilidades, será o campeão.» Prefiro falhar a ficar pelas meias tintas.

Da mesma forma, e pela mesma lógica, não preciso de reassumir que falhei – o que é bom para os benfiquistas, eu incluído. Quero muito enganar-me este ano.

No entanto, devo lembrar aos mais tolerantes o seguinte: praticamente todas as premissas que enumerei, há um ano, para sustentar a minha tese de que o Benfica seria campeão, concretizaram-se. Basta ir ler. O que falhou na minha análise? Muito pouco, mas o suficiente. Falhou a minha expectativa do que seria a influência de Vítor Pereira na descida do Porto, e a minha expectativa do que seria o comportamento de Jorge Jesus na gestão do plantel.

No primeiro caso, o TOC saíu muito pior do que a encomenda, e graças a ele, em grande parte, o Porto fez a pior campanha europeia dos últimos vinte anos, o que se revelaria fundamental na conquista do campeonato, precisamente porque o Benfica fez uma das suas melhores campanhas europeias dos últimos vinte anos.

No segundo caso, nunca esperei que Jesus fosse estúpido e ambicioso ao ponto de pôr o contrato à frente de toda a lógica, e de consumir num projecto europeu sem o mínimo fundamento (a não ser mesmo o de se mostrar aos clubes europeus como treinador de primeiro nível) as condições reunidas para conquistar um dos campeonatos mais importantes na história do clube. Neste caso, devo dizer que, quanto mais penso, mais me convenço que  se o Jesus fosse benfiquista, e soubesse o que significa, para um benfiquista, ganhar um campeonato ao Porto, jamais o Benfica teria perdido o título. Com um Toni, por mais fraco que fosse, o Benfica teria sido campeão o ano passado. Depois passava mais cinco anos sem tocar na chincha, mas aquele ganhava.

Pode haver um buraco no meu raciocínio, espero que haja, mas vejo o Sporting campeão por três ordens de razão: a fruta que está verde (1), o precipício (2) e o factor Football Manager (3). De todos falarei num destes próximos dias.

Por agora fica o vaticínio – só para não virem depois dizer me encolhi.



II



Benfica e Porto não deixarão de ser campeões pelo que vier a acontecer nos últimos 13 dias do mês de Agosto.

Há quem veja neste campeonato o campeonato do bluff, com as últimas cartas que estão na mão a decidir, no pormenor, a vitória no campeonato. Não concordo. O Porto não será campeão por ficar com o Hulk (aliás, o Porto, nesta fase, não tem absolutamente nada a ganhar e tem tudo a perder em ficar com o Hulk, na minha opinião, que também será fundamentada nos próximos dias), e o Benfica não será campeão mesmo se contratar, até ao fecho da janela de transferências, o defesa-esquerdo, o defesa-central e o defesa-direito de que necessita.

O campeonato, este ano, será uma questão de dinâmica, de oportunidade e de calendário.



III

A imprensa  chegou à conclusão que o primeiro jogo do campeonato é o menos importante para o Benfica, pois o clube não o ganha há nove ou dez anos e, nesse período, já lhe aconteceu de tudo, desde ser campeão a acabar a quase descer de divisão.

Mais uma vez discordo.

Este ano, o primeiro jogo do Benfica será um dos dois mais importantes quando se fizerem as análises no final do campeonato, por duas razões:

- porque, ao contrário dos últimos três anos, a «equipa do Jesus» está sem oxigénio, e se for com a cabeça abaixo de água já não vem mais ao de cimo;

- porque o apuramento do Benfica para a Liga dos Campeões de 2013/14 será, em muito, decidido pelos resultados dos jogos em casa frente a Braga e a Porto. Este ano há uma hipótese real de o Braga ficar em segundo ou terceiro, outra vez, e, mais importante, há uma hipótese real do Porto voltar a ficar em terceiro no campeonato, provavelmente em luta ombro a ombro com o Benfica (e mesmo com um orçamento de 100 milhões, que devia ser afixado na cabine do balneário do Benfica e em todas as redacções dos jornais de Portugal, para que não haja dúvidas sobre quem é o candidato, quem tem a maior obrigação de ganhar e quem tem mais a perder)

Pelas minhas contas, desde a época de 2003/04, no ano em que o Benfica foi empatar 3-3 às Antas, semanas depois do Paulo Sousa e do Pacheco terem ido para o Sporting, que o primeiro jogo do campeonato não é tão determinante na época do Benfica.



IV



Dito isto, e antes de saber o resultado do jogo com o Braga, adianto três cenários realistas para a época do Benfica, todos positivos, mas em diferentes graus – e isto partindo do princípio que ainda não entrámos no território da Lei de Murphy, segundo a qual «quando alguma coisa pode correr mal vai correr mal» (o que, depois de assistir à rábula do alemão adormecido, não é, de todo, seguro).



Cenário «Se o Mundo fosse um Lugar Perfeito…»:

O Benfica ganha ao Braga, começa o campeonato a abrir e não perde em Alvalade. Calha no grupo da morte da Liga dos Campeões – qualquer coisa como Bayern de Munique, Manchester City e Udinese, que eu nem sei se é possível, mas vocês percebem a ideia; e qualquer coisa suficientemente peremptória para nem os lunatismos do Jesus poderem resistir, que à terceira jornada da Campions deixem o Benfica com zero pontos e sem hipótese, sequer, de ir à Liga Europa.

Ao mesmo tempo, o Porto apura-se para as eliminatórias (sob risco de não poderem fazer o cabaz de frutas para distribuir pelos afilhados no Natal deste ano) e joga com o Avenir Beggen no Luxemburgo nos oitavos-de-final (qual é o espanto, o APOEL também não se apurou o ano passado?). Pelo caminho, deixa espalhados alguns pontinhos na primeira metade do calendário, que é a mais fácil, suficientes para que as prioridades , antes do Benfica-Porto, estejam definidas na seguinte razão: 80 por cento para a Champions-20 por cento para o campeonato.

O Benfica ganha ao Porto na Luz, afasta-o da luta pelo título e fica a disputar apenas as competições internas de Janeiro a Maio. Ganha o campeonato e a Taça de Portugal, na final com o Porto, que nas meias-finais eliminou o Sporting.

E ganha a Taça da Liga, claro.

O Sporting acaba em segundo e o Porto em terceiro.

O Jesus recebe um convite irrecusável do Panathinaikos, a ganhar o dobro (esta é a parte mais difícil, dado o montante em causa…), agradece ao Benfica e decide que está na altura de tentar uma aventura num país em que falem português tão mal como ele e onde compreendem um treinador com dois H’s bem grandes.

Aqui, o Benfica ganha em toda a linha.



Cenário «Tudo Está Bem Quando Acaba Bem»

O Benfica começa mal o campeonato e, na Champions fica tremido num grupo acessível. Depois de uma derrota em casa frente ao Guimarães, à oitava jornada, em Novembro, com mais um campeonato perdido e em pleno ambiente eleitoral, Luis Filipe Vieira percebe que a única maneira de conseguir vender mais um projecto e perpetuar-se no poder é despedindo Jesus.

Norton de Matos passa a treinador interino enquanto Vieira vai ao Brasil, de onde traz o sargento Scolari, que se estreia em Alvalade, frente ao Sporting, com uma vitória do Caravaggio. No fim do jogo, jogadores como Luisão ou Javi García vem dizer para os jornais que passar de Jesus para Scolari foi como passar de andar dentro de um pântano com bolas de ferro acorrentadas aos pés a andar sobre a água, como que por milagre. O Benfica entusiasma-se e, beneficiando do «efeito Camacho», mas para melhor, e beneficiando das boas campanhas europeias de Porto e Sporting, vai-se alimentando dos banhos de multidão que o povo benfiquista lhes dá de semana a semana, seguindo o profeta bigodudo do Brasil.

Quando o Benfica vai às Antas, na penúltima jornada, até já há bandeiras do clube penduradas nos postigos das portagens à passagem do autocarro.

O Benfica ganha o campeonato – e perde os próximos dois, porque depois é a vez do Scolari começar a fazer a equipa dele, e aí a coisa começa outra vez a complicar, porque já preciso pensar.

E ganha a Taça da Liga, claro.



Cenário «Tudo Está Bem Desde Que Acabe»

O Benfica entrega os pontos com um começo à Roberto, com o Melgarejo a estender a passadeira a todos os clientes que lhe apareçam pela frente. Antes do Natal, o Jesus é despedido, e a nação benfiquista assiste, emocionado, ao resgate da sua equipa, sequestrada durante três anos.

Aqui podem juntar alguns brindes extra, para adocicar a coisa (fica em segundo, à frente do Porto; ganha a Taça com o Chalana no banco; o Vieira decide que se vai embora e aparece, vindo de um nevoieiro, o melhor presidente da história do Benfica…), mas, basicamente, é só isto.

Ah, e ganha a Taça da Liga, claro.