terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Pinheirinho, pinheirinho...

Vamos tentar racionalizar o mercado, ainda antes de sabermos se há fisgadas de última hora ou não:


PORTO

Lucho

A mesma água pode voltar a passar por baixo da mesma ponte?

Futebolisticamente, nada nos diz que não.

Em termos desportivos, Lucho faz todo o sentido. Muito mais sentido, aliás, do que Iturbe ou Defour, por exemplo. Lucho tem mais dois ou três anos de bom nível para dar ao Porto, e é um reforço, de facto – vem para entrar directamente no onze e vem para começar a jogar agora mesmo. Apesar de, com o TOC, o que é evidente nunca estar garantido à partida. Nada nos diz que o Lucho não precise de um período de adaptação às «ideias» do novo treinador, como o resto do plantel que já trabalhava com ele hám ano precisou. E ainda agora não conseguem compreender o homem...



Pinheiro Manko

(Gostaram do trocadilho? É só um docinho para a rapaziada)

Porque não? Um internacional austríaco de 28 anos, devidamente documentado e educado nos melhores preceitos do futebol-trabalho, que mete a menina lá dentro se ela lhe aparecer a jeito. Entre uma invenção de projecto de internacional brasileiro a martelo, como o Kléber, e um jogador batido na escola europeia e habituado a mudar de ares, como o Manko, alguém duvida que daqui a duas semanas o titular está encontrado? Manko pode resultar e pode não resultar. Numa equipa com o volume atacante do Porto, vai fazer golos.
Lá está, se o TOC não chegar à conclusão que o Hulk deve continuar a jogar a ponta-de-lança...



Apreciação geral

Em termos de tipologia de jogador a contratar, tudo certo. O único lugar em défice, no Porto, era o de ponta-de-lança, e está colmatado. Quanto a Lucho, vem para liderar a equipa a meio-campo, algo que Moutinho, claramente um operário de luxo mas sem espírito de liderança, não é capaz de fazer. Um jogador como Lucho, em plena idade de maturidade competitiva, é sempre para somar.

Quanto ao planeamento, também não há dúvidas: mesmo sendo dois jogadores contratados para o longo prazo, são contratações feitas a pensar nesta época, na Liga, na Liga Europa e no apuramento para a Champions, e não em receitas futuras. Nestes dois casos, mais do que de investimento, pode-se falar de despesa – o que não tem problema nenhum, pois não é suposto que todo o dinheiro metido numa equipa de futebol seja para multiplicar através da venda de jogadores. Há jogadores que estão numa equipa sobretudo para ajudar nos resultados e para potencializar a venda de outros. Lucho é um exemplo claro, neste ponto da sua carreira.

Mas em relação à filosofia da gestão do Porto há grandes questões que crescem no horizonte.

Pessoalmente, nunca gostei de ver jogadores regressar aos clubes de onde saíram, e não é de agora. Já quando Valdo, Ricardo e Mozer regressaram de França para o Benfica, apesar de serem, inquestionavelmente, melhores do que os que cá estavam, não gostei. Acho que é um mau sinal ver os clubes a olhar para trás à procura de soluções. Mesmo quando se dá o caso de aparecer um negócio de ocasião, como foi, claramente, o do Lucho, com o Marselha a abdicar de um salário inflacionado, que mais ninguém pagaria, e o jogador a aceitar descê-lo apenas no Porto, há qualquer coisa que não bate certo. É como se o mecanismo estivesse a falhar. E, no caso do Porto, estamos a falar de um mecanismo de prospecção e contratação de jogadores que não só está na base quer do sucesso quer da sustentação económica do clube. Lucho faz sentido, mas seria de esperar que fosse outro Lucho a vir. Como Manko faz sentido, mas seria de esperar que viesse um Dzeko de 23/24 anos de que ainda ninguém tivesse ouvido falar, como aconteceu com Hulk, por exemplo.

A contratação de dois jogadores para morrer no Porto (e não estou a falar em rendimento desportivo, repito) pode significar várias coisas.

Pode ser um mero reequilíbrio pontual depois de um Verão em que se gastaram mais de 30 milhões de euros em jogadores «de futuro», sendo que ainda nenhum tem sequer presente; pode querer dizer que o dinheiro, simplesmente, não dá para mais; pode querer dizer que o Porto, na verdade, não sabe bem o que há-de fazer para sair da encruzilhada em que se viu metido, o que se reflecte numa gestão errática.



A encruzilhada é um facto, e há muito de culpa própria, sobretudo pela imprevidência de Pinto da Costa – sacrilégio!...

Como já aqui escrevi, o Porto foi apanhado pela vaga do seu próprio sucesso. Esperava que a vaga tivesse 5 metros e, afinal, tinha 15. Sem a vitória na Liga Europa, por exemplo, teria sido possível ao Porto manter as suas principais estrelas debaixo do radar durante mais um ano. Villas-Boas não teria saído, Falcão não teria saído e uma série de outros jogadores não sentiria que tinha direito a sair. O Porto teria mantido a sua super-equipa, teria ganho novamente o campeonato este ano e iria, com alguma sorte, às meias-finais da Champions. E aí sim, faria os seus milhões e recomeçaria de novo, como já fez n vezes.

Todas as suas contratações, no Verão, foram feitas nesse sentido. A filosofia foi: «Temos uma equipa feita e daqui a um ano temos uma equipa por fazer. Vamos começar a fazê-la já.» Era um excelente plano. Poderia, mesmo fazer o Porto subir um patamar na escada europeia. Mas depois saiu Villas-Boas e, sobretudo, saiu Falcão, a dois dias do fecho do mercado.

A escolha para substituir Villas-Boas e a escolha para substituir Falcão (neste caso a não-escolha) foram ambas más, nitidamente porque o Porto não estava preparado – algo espantoso para alguém tão habituado a lidar com as consequências do sucesso.

Quem o Porto devia ter vendido, não vendeu. Com Fucile, Guarín e Belluschi, todos perfeitamente dispensáveis e em topo de carreira, o Porto poderia ter feito, no Verão, entre 15 e 20 milhões de euros. Quando vemos os mesmos três jogadores a sair por empréstimo, em Janeiro, por cerca de 3 milhões de euros, em conjunto, percebemos que o Porto está, apenas, a tentar manter a cabeça fora de água e a agarrar-se a qualquer coisa que bóie. E aposto já que, em Junho, o Inter não vai pagar sequer perto dos tais 9 ou 10 milhões para ficar com o Guarín. Aliás, muito me surpreenderá se Guarín, um jogador vulnerável a lesões e com dificuldades clara de adaptação a curto prazo, chegar a fazer mais de dois jogos seguidos pelo Inter a titular no campeonato.

Álvaro Pereira e João Moutinho ficaram numa lógica clara de manter uma equipa dominante – uma equipa que já não existia, como não demorou mais de um mês a comprovar.

Entretanto, chega a crise. Quanto valeriam, neste Janeiro que agora acaba, os mais de 30 milhões que o Porto gastou em suplentes, em lesionados e em ausentes? Poderiam valer um campeonato. Em vez disso o Porto vê-se forçado a esperar até ao último dia do mês para contratar um salva-vidas (Lucho) e para tapar um buraco (Manko), à espera de um Verão em que, forçosamente, seja qual for o desfecho da temporada, vai ter de reconstruir a equipa.

Hulk, que não é vendido por 60 milhões na esperança de ainda ir a tempo de ganhar o campeonato e pela simples razão de que vendê-lo seria admitir o fracasso e dar meia época de barato – uma escolha insustentável – terá de sair em Junho. Não há qualquer hipótese de Álvaro Pereira continuar para 2012/13. Sobrará, eventualmente, Moutinho, o mais leal e também o mais acomodado. Com ele, Lucho, James (que também já andará com a cabeça noutro sítio, por essa altura) e pouco mais o Porto vai ter de reconstruir a sua equipa, esperando que Danilo, Sandro, Mangala e Kléber sejam suficientemente precoces, que Benfica e Sporting não mantenham o seu fortalecimento gradual e que o mercado lhes permita comprar os jogadores que vai ter seis meses para procurar.

Como se tudo isto não bastasse, é só a dois dias do fecho do mercado, com uma derrota perfeitamente traumática em Barcelos, que o Porto percebe que, na verdade, as suas hipóteses de ser campeão esta época se reduzem a 10 ou 15 por cento. Se a derrota de Barcelos tivesse acontecido há três semanas não tenho dúvidas de que a abordagem do Porto ao mercado teria sido diferente.

Só faltava mesmo uma coisa: que o Braga (que dificilmente poderá fazer da recepção ao Porto, este ano, um jogo amigável) ganhasse ao Marítimo e se colocasse mais perto do segundo lugar do que o Porto está do primeiro.

Se a tudo isto juntarmos o pormenor do Porto ter perdido o seu primeiro jogo para o campeonato em dois anos no segundo jogo que Hulk perde, em nove anos, por lesão muscular, somos obrigados a interrogar-nos: será karma?



BENFICA


Yannick

Em termos de investimento, excelente negócio. Internacional português, 25 anos, custo zero? É bom para qualquer equipa do mundo, menos para o Sporting.

Em termos desportivos, boa escolha. Um jogador que tanto joga no flanco esquerdo como no direito, que conhece perfeitamente o campeonato e que passa, competitivamente, de burro para cavalo. O Benfica está num patamar competitivo superior ao do Sporting, e isso, para um jogador habituado a jogar sob pressão, é diferente de ir para uma equipa de meio da tabela do campeonato francês. É perfeitamente vermos em Yannick o que vimos com Moutinho: um jogador que atinge a saturação num determinado ambiente evolutivo e que, colocado no patamar imediatamente superior de exigência, responde elevando o seu nível de resposta. Ao passar do Sporting para o Benfica Yannick não só não desceu de escalão como subiu para o nível certo, nem pouco nem muito.

Resta saber se está à altura. Porque não é por mudar de camisola que se vai tornar melhor jogador, ao contrário do que parece pelo que já se vai lendo por essa Internet fora…

Há duas coisas que não me agradam nada neste negócio:

- o empresário do Yannick, o Paulo Barbosa, que é uma víbora. Acaba sempre mal;

- a hostilização do Sporting. Continuo a dizer que uma aliança com o Sporting deveria ser a prioridade institucional do Benfica nestes próximos anos. Pelos vistos, o Sporting ainda tem de limpar muito lixo dentro de casa para eliminar os anti-corpos. Temo que, mais do que uma palmadinha de tau-tau, esta contratação à revelia do Sporting seja aproveitada pela facção anti-Benfica para fazer política. Aqui, novamente, eu preferiria que Vieira se oferecesse para negociar uma espécie de compensação ao Sporting. Mesmo que o Sporting não aceitasse, a disponibilidade do Benfica para qualquer coisa que se parecesse com uma arbitragem paralela aos trâmites legais seria útil para não queimar pontes. Não me parece que haja algum Yannick mais importante que a possibilidade de ter Benfica e Sporting numa frente comum. É claro que, se o Sporting não quer…


André Almeida

Entre tantos, há-de haver algum que pegue. Pode ser que seja este. Mas se o Maxi Pereira se lesionar ainda haveremos de falar muito do Rúben Amorim.



Apreciação geral

Dois reforços. Duas palavras: custo zero.

Tenho a sensação de que o principal reforço do Benfica para a parte final da época vai ser Enzo Pérez.

Honestamente, não sei se não estaremos perante um caso de excesso de confiança. Isto do custo zero é muito bonito, mas há uma razão para o «custo zero», normalmente, redundar em «benefício zero». Querer enganar o mercado é como querer enganar o casino: de vez em quando acontece (como com o Artur, por exemplo), mas na maior parte das vezes a casa ganha.

Encaro o facto de o Benfica não ter gasto um cêntimo no reforço da sua equipa como um sinal de que o estado económico dos clubes é muito pior do que o que se pensa. Com o campeonato à mão de semear e uma eliminatória da Liga dos Campeões que lhe pode pagar a época frente ao Zenit de São Petersburgo, o Benfica, em vez de avançar, encolhe-se.

Há uma descompensação nítida entre o ataque, cheio de soluções, e a defesa, que só tem quatro jogadores. O défice de qualidade nas laterais, ao nível de alternativas, é gritante. Se Maxi se lesiona a equipa do Benfica vacila por inteiro, e chegamos ao ponto de temer um castigo ou uma lesão de um jogador tão sofrível como Emerson.

Mais do que de um Yannick, o Benfica precisava de um Fucile que aprendesse depressa.

Por outro lado, Rúben Amorim é emprestado ao Braga. Tenho dificuldade em engolir, sinceramente. Pode fazer todo o sentido, mas há qualquer coisa de profundamente estúpido neste processo, de alguém que se esqueceu de falar com alguém, de alguém que facilitou. Politicamente, não percebo o que Vieira pretende do Braga. Não sei se há, em tudo isto (em Rúben, nos treinos lá, noutros sinais de proximidade apesar da manifesta hostilidade da Direcção do Braga em relação ao Benfica) um canto de sereia ou, como dizem algumas vozes, apenas interesses pessoais extra-desportivos. Mas não gosto. Desconfio.


SPORTING

Ribas

Parece um anúncio a um tónico capilar: «Um uruguaio de quase dois metros a jogar futebol? Isso não é natural». Tão pouco natural como um paraguaio canhoto de quase dois metros a jogar futebol. Muito menos natural do que um austríaco de quase dois metros a jogar futebol. De repente, veio o Natal e é pinheiros por todo o lado. Toda a gente tem direito ao seu Cardozo. Mas, quer no Sporting quer no Porto, ter um Cardozo vai significar o mesmo problema que ter um Cardozo no Benfica: não é com pinheiros no ataque que se aprende a jogar futebol em Portugal. É uma fase.

Será este que andava a treinar com uma corda atada à cintura?

E se se desse uma corda ao Rubio, depois de meia época com o Domingos, será que ele se enforcava?


Xandão

Sem o ter visto jogar uma única vez, posso fazer um prognóstico? No final da época a dupla titular de centrais do Sporting vai ser Onyewu e Xandão. Vamos passar do Onyolga para o Onyão.


Renato Neto

Rinaudo vai voltar a jogar. Matías está a conseguir fazer mais de três jogos seguidos. Querdizer que o Renato Neto tem seis meses para ganhar músculo antes de ser outra vez emprestado.



Apreciação geral

Ninguém me tira da cabeça que o Sporting só não vendeu João Pereira, Carriço e André Santos porque não apareceu ninguém a dar-lhe mais que um saco de berlindes.

O que fica deste Janeiro sportinguista, além da ideia de que o Domingos já percebeu que provavelmente daqui a um ano já está noutro sítio, é o buraco em que o projecto está metido, consideravelmente aprofundado com a vitória do Braga na Madeira, ontem.

Se o Domingos estivesse em Braga, neste momento, com cinco pontos de vantagem a treze jornadas do fim, estava a pensar: «Já cá mora». Não há nenhuma razão para crer que Leonardo Jardim não tenha razões para pensar o mesmo.

Uma coisa correu bem ao Sporting, pelo menos: o jogo em que percebeu que não tem a mínima hipótese de ficar nos dois primeiros lugares foi logo o primeiro em Janeiro. Se o Sporting tivesse ganho ao Porto teria, provavelmente, gasto mais do que devia, num projecto destinado ao fracasso. O terceiro lugar é o melhor que está ou já esteve ao alcance do Sporting, e neste momento está longe de estar garantido. Ao ponto de se poder dizer que, se não ganhar na Madeira e o Braga ganhar em casa, considerando os quatro decisivos jogos europeus que ainda vai ter até ao princípio de Março, o Sporting passa a ter 80 por cento de probabilidades de ficar em quarto no campeonato, de ficar sem treinador e, possivelmente, sem Luís Duque e Carlos Freitas.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A lei

O Gil Vicente – Porto foi, sem dúvida, um dos jogos mais extraordinários de que há memória nos últimos anos. Pela questão do recorde que o Porto perde quando só faltava envernizar – indo contra a imagem de marca construída ao longo do pontificado de não falhar nos momentos fulcrais, e isto é um sinal muito importante, de que nos recordaremos no futuro –, pela questão pontual num campeonato Benfica-Porto que já não acontecia há décadas, e pela arbitragem, obviamente.

E na questão da arbitragem, de que eu não falo muito, como já devem ter reparado – e não estou a usar de fina ironia, é mesmo verdade que não dou muita importância – o jogo foi especial por duas razões: porque o Porto, de facto, foi desautorizado (e digo isto no bom sentido), e porque o próprio Bruno Ratão caiu dentro do caldeirão.



Custa-me um bocado falar do Paixão, porque sei que é precisamente para se falar dele que ele é como é e faz o que faz, mas bolas, hoje tem de ser.

O Paixão, tecnicamente, e potencialmente, é um excelente árbitro. Vê tudo, e quase sempre vê tudo bem. Há é uma diferença entre ver e marcar, ou entre ver e marcar o que se prefere, que é o que ele faz.

Continuo a apresentar a tese que já aqui deixei há umas semanas, de que o Paixão é incorruptível, não pela sua grande dimensão humana mas por pura vaidade. Não é que não goste de dinheiro, mas para ele é mais importante dar nas vistas. A forma que ele encontrou de conseguir ao mesmo tempo dar nas vistas e continuar a ser árbitro foi tornar-se incorruptível. Só por saberem que ele não pode ser comprado é que os dirigentes continuam a dar-lhe jogos importantes para arbitrar. É claro que depois, nos jogos, o Paixão encontra maneira de ser sempre – sempre... – a figura central, sobretudo nos jogos em que entrem os três grandes. Porque é nesses que se dá mais nas vistas. O preço do paixão é o narcisismo, só isso.

Normalmente, os jogos de Benfica, Porto e Sporting acabam com casos, com erros ou com demonstrações de prepotência, mas sem uma influência real no resultado.

Ora, ontem, o Paixão enredou-se na sua própria teia.



Acho que o Paixão entrou para o jogo de ontem com o mesmo estado de espírito que entrou em todos os outros jogos: decidido a inventar para dar nas vistas e a manobrar a coisa de maneira a que, no fim, as suas parvoíces não lhe pesassem na consciência. Geralmente o plano corre-lhe bem, mas…



O lance do Defour é um daqueles lances demasiado estúpidos para ser penálti, em que a decisão correcta, para ser aceite, tem de ser tomada num contexto de confiança em relação ao árbitro e à arbitragem que manifestamente não existe em Portugal, e dificilmente algum dia existirá.

Eu acho que a decisão de Bruno Paixão neste lance é correcta.

A questão, contudo, é que sustento esta opinião não numa perspectiva técnica mas na apreciação subjectiva da lei.

Na letra da lei, é penálti. Há um contacto físico que impede a progressão do atacante, dentro da área, portanto é penálti. Não me venham com a treta da intenção, que não pega. Não tem de haver intenção para se fazer falta. Aliás, de acordo com o texto das leis do futebol, se houver intenção de fazer falta é anti-jogo, e nem falta deve ser: deve ser expulsão. É claro que pelo menos metade das faltas que se fazem são intencionais e nem amarelo levam, mas isso decorre da evolução natural da agressividade do jogo. Ou seja, a prática sucessiva leva a que o espírito da lei se torne mais importante que a letra da lei, porque a prática revela o que é natural, e adapta-se, enquanto a letra da lei é imutável, o que a torna, geralmente, desajustada.

Eu digo que a decisão está correcta precisamente por causa disto.

Na letra da lei, tem de ser penálti. Da mesma forma que, na letra da lei, não haveria um canto que não desse penálti, e não haveria uma jogada de corpo a corpo em que não houvesse falta.

Nem o contacto nem sequer a intensidade do contacto podem ser o único critério para marcar uma falta, seja dentro ou fora da área. A situação de jogo é tão ou mais importante do que o contacto.

A situação de jogo, neste caso, era a seguinte: a bola passa pela defesa e dirige-se, em velocidade para fora da grande-área, a caminho da linha lateral, afastando-se da zona de golo; o defesa corre para ela e abre os braços para impedir o atacante,que vinha mais depressa, de ganhar vantagem; como é mais alto, o seu braço, em vez de bater no peito do atacante, bate-lhe na cara e provoca a queda (se o Defour não tivesse caído o caso nem sequer teria existido). No momento do contacto, basicamente, a jogada era inofensiva. Daí ser tão estúpida. Mas era inofensiva. O mais provável era a bola sair. O que o dabiel fez não foi diferente do que fazem tantas vezes os defesas junto à linha, abrindo os braços para proteger a saída da bola. Tecnicamente, isso é obstrução, porque o defesa não está a jogar a bola, mas a impedir que o atacante a jogue. Na prática, aceita-se que o defesa está a proteger a bola.

Colocado perante a letra da lei e o seu próprio instinto, Bruno Paixão volta a mostrar a qualidade de julgamento rápido que, na minha opinião, poderia ter feito dele o melhor árbitro português, e manda seguir o jogo. É a decisão certa no espírito da lei. A jogada era irrelevante. Marcar penálti seria ir contra a própria lógica do jogo, e essa é uma decisão que o árbitro tem de tomar «n» vezes no decorrer de uma partida. Pode-se mesmo dizer que fazer daquilo um penálti seria, isso sim, corromper o jogo.



Aqui, Paixão começou a ser apanhado, porque não estava à espera desta armadilha. Geralmente é ele próprio quem inventa o enredo que, depois, há-de desenvolver e desenvencilhar. Desta vez, foi apanhado no enredo. E foi apanhado, sobretudo, porque ele soube que tinha tomado a decisão correcta. Paixão estava a dar nas vistas, como adora, e a ser um bom árbitro. Nessa altura, Paixão deve ter desconfiado que não ia ser uma boa noite para ele. Ficou, pelo menos, de pé atrás.



Na jogada do penálti, é maldoso culpar o fiscal-de-linha por não ver o fora-de-jogo. Não só era um fora-de-jogo muito difícil de marcar porque o jogador em fora-de-jogo estava muito perto dele como o movimento dos defesas, ao contrário do que é costume, não era a subir no terreno, mas a baixar, acompanhando a fluência do ataque. Tal como, muitas vezes, os fiscais-de-linha são enganados pelos movimentos opostos de defesas e atacantes e pela separação que se gera nos centésimos de segundo que leva a fazer o passe, deste vez o movimento contra-natura dos defesas enganou o bandeirinha. Se os defesas estivessem parados, provavelmente ele teria marcado o fora-de-jogo, porque o avançado, ao receber a bola, apareceria três ou quatro metros separado da linha defensiva. Tal como aconteceu este jogada, quando ele a recebeu estava em linha com a defesa.

Depois, no corte com o braço de Otamendi, há um pormenor importante: Paixão não ia marcar penálti, apesar de ter visto perfeitamente que o corte tinha sido feito deliberadamente com o braço. Não havia ninguém entre ele e o Otamendi, e o movimento do braço é nítido, mas ele ia deixar seguir. Só que o fiscal-de-linha diz-lhe que é penálti, pelo comunicador, e Paixão, completamente fora de tempo, percebendo-se claramente que estava a ponderar sobre se devia ou não marcar a falta, acaba por marcar. Ele não queria marcar, provavelmente porque pretendia fazer daquele lance a compensação do anterior, mas percebeu que o lance era demasiado claro e, decerto devido ao facto de saber que, no fundo, não tinha errado no outro, marcou mesmo. Além disso, sempre era mais uma oportunidade de dar nas vistas.



O lance do Kléber é, na minha opinião, o mais controverso de todos. Há um contacto evidente entre o guarda-redes, que sai atrasado, e o avançado. A questão, aqui, e novamente, é a da situação da bola. No momento do contacto, a sensação que me deu, imediatamente, é que a bola estava perdida, de tal maneira que, mais do que ir em sua perseguição, o Kléber já estava a travar, para evitar o choque com o guarda-redes. Foi o que me pareceu logo. Um choque casual numa jogada casual, em que nenhum dos dois jogadores tinha a bola em seu poder. Só ao fim de um segundo é que se me colocou a hipótese de ter sido penálti. E isto não pelo contacto, repito, que não acho ser o critério prioritário nesta decisões, mas pela possibilidade do avançado ainda apanhar a bola antes dela sair e marcar golo.

Não vi a repetição do lance, mas, tal como me lembro da jogada, mantenho a opinião inicial: não há falta, porque a bola está perdida e o que há é um choque entre os dois jogadores, sem culpa explícita de nenhum. Admito que possa estar enganado mas, sinceramente, estou convencido de que se o Paixão não marcou é porque, de facto, não viu maneira de encontrar ali um penálti.



No meio disto tudo, provavelmente assegurado pelos auxiliares, durante o intervalo, que tinha decidido sempre bem, o Paixão, vendo o Gil marcar um inacreditável terceiro golo apenas dois minutos depois, perdeu a oportunidade e a motivação para compensar o Porto. Porque é que digo que caiu na sua própria armadilha? Porque, afinal, Bruno Paixão faz, provavelmente, a melhor arbitragem da sua histriónica carreira e, no fim, sem culpa, apanhado num contexto verdadeiramente histórico, acaba por dar demasiado nas vistas e comprometer as suas possibilidades de voltar a apitar quer Benfica quer Porto nesta temporada, assim como a ficar artificial e involuntariamente ligado à perda do título do Porto, apesar de ser o menos culpado.





Dito tudo isto, há outra coisa que convém dizer aqui, ao cabo deste fim-de-semana que vai ainda fazer correr tanta tinta.

Julgo que quem lê o que aqui escrevo pode apontar-me muitas coisas (algumas, vá lá…), mas a hipocrisia não é uma delas. Digo o que penso, independentemente dos juízos que me possam fazer. Acho que a justiça é a fonte do espírito humano, e que tudo o que é injusto está condenado, cedo ou tarde, ao fracasso, seja dos nossos seja dos deles.

Nunca ninguém me ouviu aqui dizer que o Benfica não corrompe árbitros ou que não participa na corrupção do sistema. Não sou anjinho. Seja para se defender, seja para ganhar vantagem, seja pela pressão, seja pela manipulação, seja pelo tráfico de influências, todos os clubes, sem excepção, participam no sistema. O que eu digo, e reafirmo, não é que o Benfica não corrompe. O que eu digo é que não são todos iguais, e não podem ser todos tomados por igual. Roubar um banco não é o mesmo que roubar um frango. Ou por saberem, ou por poderem, há os que têm muito mais culpa do que outros. Há os que constroem os sistemas, há os que os aceitam e há os que, simplesmente para subsistirem, são forçados a viver dentro deles.

Se o Bruno Paixão e o Rui Costa (bolas, devia ser proibido um árbitro usar este nome…) prejudicaram deliberadamente o Porto e beneficiaram deliberadamente o Porto, se há um processo de corrupção generalizado para «levar ao colo» o Benfica até ao título, a única coisa que eu desejo sinceramente é que seja o Benfica a controlar esse processo, e não, por exemplo, essa Olivedesportos que o São Martinho de Penafiel (ex-treinador e accionista individual maioritário do Porto) diz à boca cheia que é quem decide previamente o campeão. Porque se não for o Benfica a controlar essa suposta rede de manipulação de resultados, se for a Olivedesportos ou alguma outra instituição obscura a manobrar na sombra, isso quer dizer que este campeonato será uma chuvada de Agosto, que não dá em nada, e que daqui para a frente será business as usual.



Escrevi e reafirmo: vivemos num país em que um dirigente evidentemente corrupto de um clube que ganha 15 campeonatos em 20 é apanhado em flagrante PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA a comprar resultados, não em uma nem em duas mas em várias ocasiões; esse dirigente vai a tribunal e é absolvido por uma questão burocrática; as autoridades desportivas concluem da culpa desse dirigente, aplicam-lhe um castigo fictício e o clube sofre consequências irrisórias, tão irrisórias que já ninguém sabe, de facto, se as chegou a sofrer ou não; depois de todos este processo escabroso o dirigente continua a ser glorificado por toda a imprensa nacional, como se fosse possível dissociar a ética da prática, levando-nos a concluir que, neste país, de facto, é possível, e até natural, dissociar a ética da prática.

Novamente, do que estamos a falar é da letra da lei e do espírito da lei. Tal como no Gil Vicente-Porto.

Escrevo, agora, e reafirmo: quando algo tão explícito como isto acontece, a minha preocupação não é mudar o mundo nem mudar as pessoas, é ficar a saber as regras do jogo. Porque, sabendo as regras do jogo (e as regras do jogo estão claras à vista de quem as quer ver) sabemos como devemos jogar. A partir disto, é fácil: se nos entram à canela, nós entramos ao joelho. Somos mais fortes, e se não somos passamos a ser. Entre mortos e feridos, haveremos de chegar, um dia, daqui a cem anos, ou quando as pessoas decidirem que já chega desta merda, ao futebol inglês com que, no fundo, todos sonhamos mesmo sem o percebermos.

Até lá, chafurdemos na trampa.

Como dizia a minha avó, «o tempo tudo cura».

domingo, 29 de janeiro de 2012

O bramido do alce

Se eu não besuntar o cágado hoje, um dia depois de apostar (ficticiamente, mas ainda assim apostar) que o Porto perdia – não que empatava, mas que perdia – um jogo em que podia igualar (e bater, basicamente) um recorde de quarenta anos, nunca mais besunto.

Portanto aqui vai:

Eu não disse?



E se acham que disse por acaso, depois de tudo o que já escrevi este ano, esqueçam. É porque só começaram a vir cá há pouco tempo. Não digo mais nada, a não ser uma coisa: vão à procura de um único post em que eu dissesse que o Porto iria perder, como fiz ontem, mesmo nos piores momentos da época.

Agora a sério: só se eu fosse estúpido é que diria que, racionalmente, sabia que o Porto ia perder hoje. Mas as vibrações nunca foram tão fortes este ano como ontem. Sorte? Claro. Mas é só de sorte, com outras palavras (dinâmica, sobretudo) que tenho vindo a falar desde o Verão.

Quero, finalmente, recordar aqui as palavras imortais de Hannibal, dos Soldados da Fortuna: «Adoro quando um plano bate certo».



Quanto ao jogo em si, não vamos minimizar a importância histórica desta derrota do Porto. Nos últimos trinta anos do Porto esta é uma das derrotas mais traumáticas. Suficientemente traumática para, em conjunto com as decisões complicadas dos árbitros neste fim-de-semana, tornar impossível que o TOC tivesse outra reacção que não a proverbial «se os querem levar ao colo, levem».

Para os portistas, neste momento, é um desabafo que atenua uma mágoa profunda (porque esta doeu muito, mas mesmo muito...), mas o que o Vítor Pereira fez, precisamente no mesmo dia em que entra definitivamente para a história negativa do Porto, foi atirar a toalha.

Este choro, que se repete todos os anos em diferentes lados da barricada (nuns mais do que noutros), é tão ritual como o bramido de acasalamento dos alces na Columbia Britânica: quando os alces bramem, é porque estão para acasalar; quando alguém fala em colo, em Janeiro, é porque já se percebeu onde está o campeão.

Para o Porto está encontrada a desculpa: o Porto só não foi campeão porque foi roubado pelo Bruno Paixão em Barcelos. A versão oficial está, a partir da flash-interview do Vítor Pereira, escrita, quer se queira quer não. A realidade? Bom, a realidade está aqui.

Azuis, vermelhos ou verdes, este é o fado dos perdedores, património histórico do futebol português.



Para o Benfica, o cenário é claríssimo: tem quatro jornadas para ganhar o campeonato, com duas deslocações complicadas a Guimarães e a Coimbra.

Da mesma forma que a 12 de Janeiro escrevi que o Porto não ia ganhar os jogos todos até ao encontro da Luz, apesar de, logicamente, isso parecer fácil, também, escrevi isto: «Quanto ao Benfica, não acredito nas possibilidades do Setúbal. Vejo o Gil a apertar um bocado o Benfica na Luz (normalmente quando não se ganha a uma equipa na primeira volta na segunda também não é fácil, é porque há ali qualquer coisa que não encaixa), vejo o Feirense a marcar e a fazer sofrer, mas o Setúbal é bom freguês.»

E escrevi que o Benfica não chegará sem perder pontos até ao jogo da Luz.

Ninguém duvide que estamos perante o momento seminal do campeonato. É a altura de fazer escolhas, de mandar o Zenit bardamerda, de apostar tudo. Com duas vitórias em Guimarães e Coimbra, ou com um empate e uma vitória, o Porto fica praticamente obrigado a ganhar na Luz. E não vai ganhar. Não é com o Porto que o Benfica vai ter a sua derrota deste ano – que vai acontecer, note-se (eu apostaria em Alvalade).

Até uma derrota em Guimarães ou Coimbra, a partir de hoje, passa a estar almofadada. Mas só atrasaria o resultado final. O Porto entregou-se. O ponto final das suas pretensões ao título será colocado com a eliminatória da Liga Europa, frente ao Manchester City, que a partir de agora passa a ser determinante para o Porto. Continuo a achar que o Porto vai passar, e com isso e com a não-vitória na Luz vai, definitivamente, arrumar o campeonato na gaveta.

O Porto tem ou não tem fibra?

Intervalo do jogo de Barcelos.

Aqui está a tempestade perfeita no caminho do Porto.


Hulk e Fernando de fora.

Benfica a dar a volta a um resultado de 0-1, na véspera, contra um Feirense que fez o jogo da época.

Sofrem um golo num charuto do meio-campo em que a bola, no meio de três defesas, cai na cabeça de um central do Gil Vicente com meio metro.

Sofrem um segundo de golo de penálti a acabar a primeira parte, com o Helton ainda a tocar na bola.

Um árbitro sedento de protagonismo, nomeado para um jogo em que o Porto pode igualar ( facilmente vir a bater) um recorde histórico se não perder.

O Gil a jogar em casa e em contra-ataque.

Um dia de franca desinspiração própria.

45 minutos para marcar três golos, sob risco de ficar a quatro ou cinco pontos do Benfica.



Nem o Gil está a merecer estar a ganhar 2-0 nem a estratégia do Porto está errada: está plantado no meio-campo adversário, controlando completamente a bola. Mas falta-lhe velocidade.

As derrotas dos grandes, nestes jogos, raramente têm a ver com mérito ou com demérito, porque a superioridade existe sempre. Do que se trata aqui é de sorte ou falta dela.



O Porto vai ter de lutar contra o Gil, contra o tempo, contra os nervos e contra a sorte. Se este Porto tem fibra de campeão, é agora que vai ter de o demonstrar. Os problemas nunca aparecem quando queremos. Limitam-se a aparecer. E depois, ou estamos preparados ou não.

Santa Azia da Feira

É sempre bom quando o Benfica e o Sporting vão jogar ao Norte, e sobretudo à zona do Porto. Dá-se uma oportunidade aos jornalistas de serem jornalistas como deve de ser, e de fazerem perguntas difíceis, algo a que nunca têm oportunidade nos jogos do outro clube grande que joga no Norte quase todas as semanas e que tem oferecido, ao longo dos últimos trinta anos, muitos e pertinentes temas de investigação jornalística, geralmente sem consequência.



«O que é que teria acontecido se o Feirense não tivesse tido um golo anulado?», perguntou o jornalista. E perguntou bem, apesar de só o ter perguntado por azia, como se percebeu facilmente no diálogo com o Jesus. É uma pergunta que tem de ser feita, porque é muito relevante.



Vamos imaginar um diálogo a começar nessa pergunta, mas com um Jesus demasiado frio e inteligente para ser possível:

Jornalista (1): O que é que teria acontecido se o Feirense não tivesse tido um golo anulado?

Jesus (2): Não houve golo anulado. O fiscal-de-linha marcou o fora-de-jogo antes de saber se a bola ia entrar ou se ia para os prédios atrás da baliza.

1: Nesse caso, o que é que teria acontecido se não tivesse sido marcado aquele fora-de-jogo e a bola tivesse entrado?

2: O Feirense teria ficado a ganhar por 1-0, como ficou três minutos depois. E depois perdeu por 2-1.

1: Nesse caso teria ficado a ganhar por 2-0, o que é diferente…

2: Errado. Eu estou a falar do que teria acontecido de certeza. Você está a falar do que poderia ter acontecido. O que teria acontecido de certeza seria o seguinte: o Feirense ficava a ganhar 1-0 e a bola ia para o centro do campo, em vez de ser marcado um livre perto da grande-área do Benfica. Logo, toda a sucessão de passes, cortes e ressaltos que levaram ao canto do qual resultou o golo do Feirense não teria havido. Não sabemos se o Feirense teria ficado a ganhar 2-0. Até podia ter ficado a ganhar 3-0 ou 4-0. Ou podia ter vindo a perder por 4-3 ou 5-4, como veio a perder por 2-1.

1: Isso é uma teoria muito engraçada, mas na prática o Feirense podia ter ficado a ganhar 2-0.

2: Podia. 2-0, 3-0, 4-0. Mas há uma coisa que é completamente prática: se tivesse ficado 1-0 com aquele lance do fora-de-jogo não teria, de certeza, marcado o golo do canto, porque se o ponto de partida desse canto não tivesse acontecido o ponto de chegada também não teria acontecido. Da mesma maneira, não podíamos dizer que o Benfica teria ganho 3-2 se o penálti da primeira parte tivesse sido marcado. Antes de mais nada, não sabemos se teria sido golo, porque em trinta por cento das vezes os penáltis são falhados (apesar de termos concretizado um penálti na segunda parte). Depois, se tivesse sido golo o jogo teria sido diferente a partir daí, e não saberíamos como cada equipa reagiria. O Feirense poder-se-ia ter agigantado ou resignado. O Benfica poderia ter recuado ou ganho confiança. É impossível saber. O que sabemos é o que aconteceu. E o que aconteceu é que o Benfica esteve a perder por 1-0 e ganhou por 2-1.

1: E na sua opinião a equipa de arbitragem não teve influência nesse resultado, é isso?

2: Teve.  Arbitragem tem sempre influência no resultado. Logo à partida, se tivesse marcado o penálti, a sequência teria sido diferente e o resultado, provavelmente, também. Ma a pergunta que você quer fazer não é essa. O que você quer perguntar é se o Benfica ganhou por causa do árbitro. Acho que para se poder dizer isso é preciso ver, na arbitragem, uma acção clara de benefício em lances-chave. Se é verdade que o fiscal-de-linha tira dois ou três fora-de-jogo mal tirados (o que acontece em todos os jogos de futebol do mundo, contra todas as equipas), também é que o árbitro não marca uma penalidade estando bem posicionado para a marcar, e vendo perfeitamente o braço a tocar na bola num cruzamento dentro da grande-área. Era um penálti num jogo que estava 0-0 e num campo difícil. Tire você as conclusões que quiser.



A desonestidade intelectual que leva a falar em «2-0» quando é evidente, para quem se disponha a pensar durante cinco segundos, que não há «2-0» mas «1-0», é comum a praticamente todos os adeptos do futebol em Portugal, sejam portistas, benfiquistas ou sportinguistas. Não se faz isso por se ter razão – faz-se isso para, jogando com a estupidez natural do futebol, tentar ganhar créditos futuros.

Por exemplo, se o Porto perder este domingo com o Gil Vicente, já sabemos o que vamos ouvir o Santo Pontifício dizer:

«Pelos escândalos a que assistimos neste fim-de-semana, aqui no Norte, já percebemos que temos muito poucas hipóteses, para não dizer nenhumas, de defender o título que brilhantemente ganhámos na última época, sem ajudas de árbitros e sem túneis. Mas vamos continuar a lutar contra tudo e contra todos, como sempre fizemos, e enquanto tivermos forças.»

Um jornalista, perfeitamente industriado em relação à relevância da afirmação, perguntará:

- Está a referir-se ao que aconteceu em Santa Maria da Feira?

Ao que o Santo Pontifício replicará:

- Estou a referir-me ao que toda a gente viu. Só não vê quem não quer. Se o Feirense descer de divisão ninguém vai dizer que foi espoliado em cinco ou seis pontos contra a mesma equipa, mas é o que aconteceu. Que se tire daí as conclusões que se quiser tirar.

E os jornalistas, sem medo do ridículo, e iluminados pela icónica beatitude que daquele ente emana, dirão que sim com a cabeça e escreverão, emocionados, e em silêncio.

PS - Para que conste, sou da opinião que o Feirense tem muito mais razões de queixa do jogo da Luz que deste.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A verdadeira Liga Bwin

Quem é que quer saber de subidas e descidas em dia de jogo do Benfica? Absolutamente ninguém.
Como tal, algo completamente diferente.



Tenho 100 euros fictícios para apostar e quero chegar ao fim do campeonato com 300 euros fictícios (sim fictícios, porque isto das apostas é viciante, como alguns de vocês devem saber). A aposta mínima é de 2 euros e tenho de fazer uma aposta por cada jogo do campeonato. Talk is cheap. Vou usar odds da Bwin, para terá certeza de que estou dentro da ilegalidade. Como o tribunal decidiu que a Liga não pode dizer Bwin, vou chamar-lhe Liga Bwin.



Rio Ave- Académica

Empate, a 3.10.

Aposto 4 euros.

O Rio Ave não perde com a Académica. Mas também não ganha.



Feirense-Benfica

O Feirense marca 1 golo ao Benfica, a 2.65.

Aposto 5 euros.

E até digo mais: não vai ser nem de canto nem de livre. Vai mesmo ser em contra-ataque. Nestes relvados pequenos o problema das equipas a quem falta dez metros, como dizia o Pedroto, fica automaticamente resolvido. Se Maomé não vai à montanha…

Ah, e atenção, que tenho impressão que vai mesmo ser 1-1…



Setúbal-Olhanense

Vitória do Vitória, a 2.50.

Aposto 5 euros.

O Sérgio Conceição ganhou a Taça da Bélgica e foi vice-campeão da Bélgica (como adjunto, como o TOC), e empatou com o Sporting, mas em Setúbal vai perder.



Leiria-Paços

Vitória do Paços, a 3.50.

Aposto 3 euros.

Granda barraca: o Cajuda vai descer de divisão. E o Paços fica na primeira. O Paços começou a dar a volta com o Setúbal, virando de 0-1 para 2-1 nos oito últimos minutos, e agora vai fazer uma série de bons resultados e safa-se. Amanhã sai da linha de água.



Sporting-Beira-Mar

Handicap 0-2 para o Sporting (ou seja, o Sporting ganha por mais de dois golos), a 3.75.

Aposto 10 euros.

Até os girassóis vaio chorar de alegria por o Sporting voltar a ser Sporting. De um momento para o outro os jogadores vão voltar a ser dignos e o Choramingos vai secar as lágrimas e deixar de sentir a vontade de saltar lá para dentro.

A super-defesa do Beira-Mar já lá vai. A semana passada, com a Académica, parecia um passador. E o Beira-Mar vai ser dos que vai andar a lutar para não descer mesmo até à última.



Gil Vicente-Porto

Vitória do Gil Vicente, a 9.50.

Aposto 5 euros.

O choque do ano. O Benfica empata na Feira e o Porto, com hipótese de voltar ao primeiro lugar, vai perder o primeiro jogo no campeonato e falhar o recorde do Mortimore, com o Hulk a ver da bancada. O Porto só não perde o campeonato porque o Benfica não ganha na Feira. M fim-de-semana dramático quando ninguém esperava. Vai ser um golpe brutal na moral do Porto, que volta a falhar quando não podia.

«E depois chega o Pai Natal e vai com o Coelhinho e o Palhaço no comboio ao circo…»



Marítimo-Braga

Marcados mais de 3 golos, a 3.75.

Aposto 4 euros.

Vai ser um jogaço. E cheira-me a empate, mas com muitos golos, e como esta aposta vale mais do que a do empate simples, vou por aqui.



Total apostado: 36 euros.



Nota da Administração: o Alto Sacerdócio não se compromete com eventuais perdas e danos resultantes da utilização inadequada destes palpites. No entanto, se forem suficientemente loucos para os utilizarem e acabarem por enriquecer, não se esqueçam aqui do rapaz…

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Trissomia

A religião nacional que é o futebol português sofre de um cancro, que é mais uma condição típica que propriamente uma doença: a trissomia.

A trissomia do futebol português é a existência de três cromossomas igualmente fortes e antagónicos – o vermelho, o verde e o azul – cuja oposição permanente, associada a uma crescente voracidade de todos os recursos que os rodeiam, provoca a degradação do organismo que os suporta.

Tudo o que é podre no sistema do futebol em Portugal decorre dessa doença profunda, que mina todas as suas células. Tudo o que é futebol em Portugal está contaminado pelo vermelho, pelo verde ou pelo azul, e nem sequer faz sentido pensar em nada que o possa compor sem colocar, à partida, a trissomia, porque ela está lá dentro.

A secundarização do jogo é o principal efeito da trissomia. A lógica é a seguinte: «Isto pode ser bom para o futebol. Se for, é bom para todos. Mas isto é melhor para mim ou para ele?» É a este racional que obedece tudo o que se faz em Portugal. Faz-se pouco, e faz-se devagar, não se inova, porque há muito poucas coisas em que os interesses dos três grandes estejam de tal forma nivelados que uma parte não bloqueie o todo. Isto é válido nas pequenas e nas maiores coisas. Tanto vai da decisão sobre quantos votos deve ter uma associação qualquer nas eleições da FPF como da decisão de não mandar o Porto para a segunda divisão na sequência do Apito Dourado, que teria sido a mais importante na história do futebol em Portugal.

O que é bom para o jogo é sempre pensado em segundo lugar, logo após se algum dos grandes é prejudicado, ainda que conjunturalmente, com esse benefício colectivo



A macrocefalia é apenas uma das consequências dessa trissomia. Tudo se concentra nos três grandes clubes, dos títulos, ao poder, ao dinheiro. São três nações dentro de um país, e consomem tudo o que há para consumir.

A outra consequência, que acaba por resultar desta voracidade, no entanto, é menos debatida, e essa é a microcefalia. A grande dispersão de micro-poderes que, sem terem características de influenciar o sistema, o alimentam.



Em Portugal há apenas dois estratos de clubes: os três grandes e os outros. A existência de qualquer coisa que se assemelhe a uma classe média é pura ilusão. Quais seriam os clubes dessa classe média em Portugal? O Belenenses está para descer à II Divisão B, onde já se encontra o Boavista, que, como é evidente ia nu, e que vendeu a alma ao diabo para tentar ser maior do que o que alguma vez poderia realmente ser. Setúbal, Académica, Rio Ave e afins estão a uma época má de irem parar à II Liga. O Marítimo e Nacional não conseguem chegar realmente a existir, e vamos ver se sobrevivem na I Liga durante os próximos dez anos de vacas magras na Madeira, com os subsídios cortados. O Vitória de Guimarães está falido, e tem o mesmo problema do Braga: não ganha um título há décadas (não sei se alguma vez ganhou, sequer). O Braga? O Braga não é nada que já não tenha sido inventado. Um Guimarães, um Boavista, já fizeram o mesmo que o Braga vai fazendo agora, e o que vai levar ao desaparecimento do Braga como aspirante à grandeza será o mesmo que levou aqueles dois clubes. Quer Boavista, quer Guimarães, através de Valentim Loureiro e Pimenta Machado, fizeram os seus clubes crescer enquanto parasitas de um sistema corrupto e viciado, hospedados pelos três grandes. O crescimento era fictício. Quando cresceram ao ponto de se tornarem ameaçadores, foram extirpados do sistema – e bem, porque não passavam de parasitas. Ao Braga acontecerá a mesma coisa, a seu tempo. A mera impossibilidade de alcançar títulos de forma continuada ditará o fracasso de um projecto que tem o condão de aproveitar, à sua medida, tudo o que de viciado há no futebol português – o trauliteirismo, a pressão sobre os árbitros, a política da terra queimada na comunicação social, o futebol para o ponto, feio, porco e mau, etc.

Qualquer ideia de se ver alguém de entre os pequenos a guindar-se ao nível dos grandes é irreal. Ao contrário do que se pensa, a distância entre grandes e pequenos cada vez é maior. Bas olhar para os orçamentos. O ponto inicial é demasiado desigual para permitir que algum dia haja equidade. É como falar do crescimento económico dos países. Por exemplo, se Portugal crescer 5 por cento ao ano durante 30 anos e se a Alemanha crescer 0,5 por cento ao ano durante esses mesmos trinta anos, quem é que terá crescido mais? A Alemanha, porque a diferença inicial de dimensões era de tal forma grande que 0,5 na Alemanha representam, em termos de riqueza real, 5 vezes mais que os 5 por cento de Portugal. É como colocar o Gil Vicente ao lado do Benfica. Por mais que cresça dentro das suas possibilidades o Gil Vicente jamais alcançará a dimensão do Benfica. Mais depressa acaba o futebol em Portugal.



O problema da microcefalia é que a dimensão dos outros clubes é tão pequena que não chega, sequer, para que os seus projectos tenham uma possibilidade de sucesso. A escassez de massa crítica amputa essas possibilidades à nascença. Os pequenos clubes em Portugal não podem crescer, só podem tentar salvar-se.

A ausência de uma classe média é dramática para a qualificação do futebol português. Não é propriamente um segredo mal guardado: há mas de 2 mil anos, ao estudar quase 300 sistemas políticos diferentes, Aristóteles já tinha chegado há conclusão científica de que os sistemas mais propensos a problemas sociais e à conflitualidade eram aqueles em que havia grandes distâncias entre os mais ricos e os mais pobres, enquanto que noutros, em que havia uma classe média, esta servia quer como almofada dos conflitos (para proteger as suas propriedades) quer como criadora de riqueza.

Nos últimos dias os holandeses vieram cá ver que raio de país é este que consegue ter um dos melhores campeonatos do mundo com pouco dinheiro, com pouca organização, com uma formação completamente desprezada e em que a corrupção está institucionalizada. O que eles vão perceber é que o impulsiona o futebol português é a mera competição entre Benfica, Porto e Sporting. É puro darwinismo. Ao tentarem superar-se uns aos outros, arrastam o futebol português. A outra coisa que vão perceber é que o futebol português, na verdade, acaba aí, nesses três clubes.

É um caso interessante, para quem ainda se lembrar, daqui a dez anos, desta viagem dos holandeses: o que farão eles? Pensarão que vale a pena fazer regras-esteróides que fortaleçam artificialmente dois ou três clubes (Ajax, Feyenoord, PSV) em relação aos outros, de forma a conferir-lhes uma grandeza que lhes permita utilizar a riqueza do país para competirem internacionalmente, mesmo à custa do equilíbrio e da competitividade interna? Ou, dentro da melhor tradição pluralista holandesa, em que todos são iguais e todos têm os mesmos direitos perante a lei, colocados perante a estratificação do seu futebol entre os grandes e os outros e perante a eventualidade de eliminarem a classe média, dirão: «Estes portugueses são loucos. Este é um sistema condenado ao fracasso a longo prazo, por mera combustão interna»?



A coligação de pequenos clubes para elegerem o novo presidente da Liga, com base na não descida de divisão e no aumento de receitas televisivas, pode ser um momento definidor no futebol português. E, voltando à lógica trissómica de que já falei, Benfica, Porto e Sporting podem ter aqui uma oportunidade. O que for mais hábil a aproveitá-la pode tirar proveitos a longo prazo.

Durante estas últimas três décadas o Porto usou esse estatuto de campeão dos fracos e oprimidos para cimentar o seu poder no futebol português. Usou o factor província-capital para se insinuar, recorreu à milenar estratégia do patrão-cliente (patrão tem a mesma raíz de padrinho, note-se, que é pai – pater em romano – note-se…), fez-se passar por defensor da essência plebeia do futebol português, defensor dos pequenos perante os barões lisboetas. E assim fez a sua teia. Porque o poder dos pequenos só é escasso quando está espalhado. Assim que é agregado debaixo de uma unidade política superior, torna-se efectivo.

Mas não é fácil ver o Porto a manter esse statu quo. Por um lado, o Porto está a tentar sofisticar-se – basicamente, a tornar-se num barão como os outros. Por outro, os pequenos clubes já perceberam que a verdadeira estratégia do Porto nunca contemplou um verdadeiro apoderamento dos pequenos, mas antes fazer deles alimento, que facilmente se mastiga e se cospe quando não se deixa comer facilmente. A política de terra queimada, do vale tudo, por parte do Porto, não atinge só os seus dois rivais – por arrasto, atinge toda a gente. Todos os pequenos clubes que já se colocaram debaixo do guarda-chuva do Porto já perceberam (ou estão em vias disso) que a lealdade só funciona nos dois sentidos até certo ponto, e que depois disso facilmente o Porto os deixa cair. Isto é natural, é assim com o Porto e com qualquer potência superior, mas a questão é que o regime do Porto está saturado porque os pequenos já não se deixam enganar. Talvez se deixem enganar por Benfica e Sporting, pensando que as coisas podem ser diferentes (não serão nunca, de facto), mas pelo Porto é difícil.

O Sporting pareceria bem colocado para general da revolta dos pequenos. É um clube desligado do poder real do futebol português há muito tempo e facilmente poderia jogar a carta do «nós somos como vocês, eles comem tudo e não deixam nada». Até a iniciativa do Sporting em avançar para a Taça da Liga (o próprio Hermínio Loureiro é sportinguista dos sete costados, não sei se sabem), uma competição pensada para dar receitas aos pequenos (entre eles o Sporting, para que qualquer coisinha ajuda), o identificaria com as camadas baixas da bola.

Mas o Sporting tem um problema. Na verdade, tem dois. Por um lado, o Sporting é, de facto, um barão, e não quer ser outra coisa. O Sporting não é de se misturar. O Sporting é mais bancos, e penacho. Meter as patas na lama, andar a mexer no estrume, ir para o terreno, é mais complicado. Curiosamente, a única parte do Sporting que funciona realmente bem, e muito melhor que a dos seus rivais, é a que depende totalmente da relação com os pequenos clubes: a incrível rede de prospecção de jovens jogadores, que permite ao Sporting conhecer todos os potenciais Ronaldos que andam por Portugal desde os 7 anos. Mas mesmo isso é frágil, está assente em relações pessoais de muitos anos. Quando Aurélio Pereira abandonar o Sporting, até isso rui.

Por outro lado, o Sporting não tem estrutura. O que é facto é que anos e anos de Direcções inaptas e obcecadas com os gabinetes e com os relatórios e contas retiraram ao Sporting a capacidade real de descer a esse mesmo terreno. Aquilo é só engenheiros, doutores, pessoal dos bancos e das seguradoras. O Sporting é, hoje, o clube mais lisboeta, no pior sentido, de Portugal. Quase que diria que, mais do que confinado a Lisboa, o Sporting está confinado a Cascais. A parte que ainda manda, claro. Quando a Juve Leo subir definitivamente ao poder (e já não falta muito) as coisas hão-de mudar.

Finalmente, o Benfica. Não há nenhuma boa razão para os clubes pequenos confiarem no Benfica. Eu não confiaria. Não há nada no comportamento do novo monarca benfiquista, Luís Filipe Vieira, que indique que ele olhe para os clubes pequenos de forma diferente de Pinto da Costa. Aliás, todos os sinais indicam que Vieira não pretenda mais que ser um Pinto da Costa, mas para maior. O Benfica está muito mais envolvido no sistema que o Sporting, e continua a transportar um estigma de clube imperialista, posto sobre ele pelo Porto, que não será fácil de eliminar.

Mas o Benfica tem uma arma importante – uma arma que, normalmente, se bem utilizada, é sempre a arma decisiva: a económica. E o pretexto para a usar está em cima da mesa.



Quando se fala em repartir melhor as receitas televisivas o primeiro impulso, e lógico, de um benfiquista, é pôr os pés à parede. Claro. Se quem pode ganhar mais dinheiro com a televisão é o Benfica, então agora que a coisa vai começar a dar dinheiro a sério é que querem distribuí-lo? Nem pensar!

Mas provavelmente o Benfica teria tudo a ganhar se se colocasse, a ele próprio, à frente desse processo.

Por um lado, era uma forma de minorar os danos – e os danos vão mesmo acontecer, porque os clubes pequenos já perceberam que as receitas televisivas são os novos bingos, as novas bombas de gasolina, as novas SAD, e que é mesmo ali que vão agora buscar a pasta para estoirar em brasileiros de terceira classe. Como quem as tem são os três grandes, são mesmo eles quem vai pagar. Não lhes vão tirar tudo, nem nada que se pareça, mas vão tirar o suficiente. É inevitável, e é o que acontece em todos os países adiantados em relação ao nosso – o que quer dizer que chegará cá. O Benfica é quem mais tem a ganhar, logo é quem também tem mais a perder. Estar o mais dentro possível do processo de decisão é a melhor forma de proteger os seus interesses.

Por outro, sendo quem tem mais a distribuir, o Benfica é também quem mais bem posicionado fica para, através destas negociações, se for hábil, comprar lealdades – que é daquilo que realmente se trata. O Benfica já é o abono de família dos clubes pequenos, com as bilheteiras. Se se conseguir tornar também no seu subsídio de invalidez, através das receitas televisivas, e, sobretudo, se conseguir estabelecer uma relação com eles, e não contra eles, e transformar o seu poder potencial em poder real, o Benfica tornar-se-á no aliado natural de todos os pequenos clubes, com todos os dividendos que daí podem advir.

Finalmente, há que compreender que abdicar de uma parte de receitas é pior para Porto e Sporting do que para Benfica. Tirar 3 milhões do bolo de cada um para meter na mesa de todos não é a mesma coisa para o Benfica, que vai ganhar 25 ou 30, e para o Porto, que vai ganhar oitenta por cento disso. E toda a gente sabe disso. Por isso, se for inteligente, jogando o jogo dos pequenos (o que é sempre a melhor forma de sustentar o poder), o Benfica pode colocar-se numa situação em que, perdido algum dinheiro, nada mais tem a perder: se os outros dois grandes concordarem, o seu poder relativo sobre eles aumentará; se não quiserem, serão eles a fazer o papel de barão malvado e explorador dos pobrezinhos, o que se tornaria particularmente ingrato para o suposto campeão dos pequeninos, o Porto.



Há uma coisa que é preciso reter, nesta fase de aparente alteração de poderes no futebol português, em que se pretende criar nele uma classe média : quando essa classe média existe, em qualquer sistema, é sempre quem conquista os seus favores que governa.

O clube que melhor consegui compreender estas evidências será o que mais perto estará de dominar o sistema do futebol português (seja ele bom ou mau) nas décadas mais próximas, ao mesmo tempo que se adapta a uma realidade inevitável. Deixar de viver no passado é sempre uma parte importante de se ser líder.



Comecei este texto a pensar em escrever sobre as razões porque sou completamente contra as subidas e descidas de divisão no futebol português, e acabei por escrever uma posta de bacalhau com todos sem sequer referir esse tema. Embiquei para a trissomia e olha, vai ter de ficar para amanhã…

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O deus das pequenas coisas

Pablo Aimar é apenas humano. É limitado – e começa por ser limitado pelo próprio corpo.



O corpo de Aimar trai-o de duas maneiras.

Antes de mais, a razão para Aimar falhar tanto tecnicamente (aqui, tanto é em relação ao que ele tenta, e não ao que os outros fazem, pois ele consegue fazer mais que os outros) é porque o seu corpo não consegue acompanhar o seu pensamento. Aimar pensa muito bem, vê as jogadas que têm de ser feitas, consegue algumas, e as que falha são ou porque os colegas não atingem (e daí a diferença de ter tido Saviola, com quem se entende perfeitamente, no primeiro ano), ou porque, tecnicamente, o resto do corpo não está à altura do que ele tenta fazer. Acredito que isso é estrutural. A Aimar falta-lhe força, potência, e com isso perde tecnicamente.

Por outro lado, o corpo de Aimar traiu-o porque o impediu de jogar tanto como devia, de forma consecutiva, para atingir o seu melhor. O que Aimar perdeu no Valência, devido às lesões, na fase em que a sua carreira deveria estar a caminho do auge, não pôde voltar a ser recuperado. No seu melhor, em Valência, Aimar foi um dos melhores jogadores na Europa. E depois vieram as lesões. O Aimar de hoje, que é o melhor que o Benfica já teve, é apenas uma parte do Aimar de Valência. E mais do que isto, por razões óbvias, não vai dar.

Para que conste, o próprio Aimar de Valência, no seu melhor, só durou uns meses.

Aimar foi, desde cedo, um projecto traído pelo próprio corpo – um handicap natural que nunca lhe foi possível superar.



Aprendi a aceitar Aimar como um barómetro do Benfica, porque Aimar, como Luisão, é o melhor que o Benfica consegue ter como espinha dorsal de um projecto.

Não é, potencialmente, na minha opinião, o melhor jogador do Benfica. Witsel e Rodrigo, por exemplo, podem atingir níveis que Aimar não conseguiu atingir. Estruturalmente são mais sólidos, têm armas que Aimar nunca pôde ter. Mas Witsel e Rodrigo, sobre os quais se poderia construir uma grande equipa europeia, já cá não estarão quando estiverem na idade de conduzir a equipa em que jogarem aos grandes títulos. Entre os 27 e os 32 anos, Witsel e Rodrigo estarão a ganhar o triplo do que Aimar ganha hoje, numa das melhores equipas inglesas, italiana ou espanhola. Pelo contrário, entre os 28 e os 32 anos Aimar jogou no Benfica.

A espinha dorsal real do Benfica dos últimos 4 anos é composta por Luisão – suplente da selecção brasileira, mais pela rotina e pela presença colectiva que pela qualidade indiscutível, uma vez que é difícil distinguir Luisão de pelo menos 8 ou 9 outros defesas-centrais brasileiros – Javi Garcia – não-convocado na selecção espanhola – Pablo Aimar – contratado ao Saragoça, não-convocado para a selecção argentina e ausente em cerca de metade do tempo de jogo da equipa por questões físicas – e Cardozo – não-convocado para a selecção paraguaia no Campeonato do Mundo de 2010 aos 26 anos.

Se daqui tirarmos Javi Garcia – talvez… – e juntarmos Maxi Pereira, defesa-médio da selecção do Uruguai, temos o núcleo duro do Benfica, um grupo de jogadores cuja permanência de cinco ou mais anos de casa coincidirá com o seu apogeu de carreira, e que é, em última análise, o veículo da cultura da equipa para elementos que por ela transitam – Coentrão, Gaitán, Witsel, etc. – sem ficarem mais de dois ou três anos, saindo antes dos 25 a caminho de equipas maiores.

Se tomarmos a dimensão de uma equipa pelo melhor jogador que uma equipa tem a possibilidade de ter, Aimar está para o Benfica como Messi para o Barcelona, Ronaldo para o Real Madrid ou Rooney para o Manchester United. De alguma forma, as equipas acabam por se identificar com o seu melhor jogador, pois esse é um jogador-tipo. O Barça é Messi (e Xavi, e Iniesta, pois são todos iguais), o Real é Ronaldo, o United é Rooney, o Bayern é Ribéry, o Arsenal era Fabrégas (agora não se percebe bem o que é), o Liverpool era Gerard, o Benfica vai-se tornando Aimar. Não há grandes equipas sem um jogador-tipo materializado em campo.

Pablo Aimar é o 10 a que o Benfica tem direito.

Com Aimar, o Benfica nunca chegará ao patamar que o próprio Aimar não conseguiu atingir. Se conseguir gerir o seu handicap, se tiver sorte com os momentos de forma, com as lesões, com a sorte, se as coisas derem certo em vez de faltar uma passada, se a finta sair bem em vez da bola sair ligeiramente adiantada, como tantas vezes acontece, se a execução conseguir acompanhar minimamente a intenção, se o timing for bom, o Benfica pode ser melhor que o Porto, em Portugal, ocasionalmente, e fazer uma graça na Europa – mas ficando sempre numa segunda linha.



E se Aimar é a estrela a que o Benfica tem direito, o Benfica também é o gigante a que Aimar tem direito. Aimar tem classe para jogar numa equipa do top-8 europeu, por exemplo, mas nunca com o protagonismo que tem no Benfica, e raramente como titular. Podia jogar no campeonato inglês, mas jamais aguentaria a carga física ao ponto de jogar quatro ou cinco jogos seguidos como titular, como no campeonato português. Poderia ser tão ou mais importante do que é no Benfica em muitos outros clubes, mas em nenhum maior que o Benfica.

Para Aimar, o Benfica é o verdadeiro topo da sua carreira, porque aqui tudo se conjuga.

Sobretudo, uma parte que é menosprezada quando se considera a importância real do jogador na equipa.



Aimar é invulgarmente ciente da realidade para um jogador de futebol.

Lembro-me como se fosse hoje de ver o autocarro com os jogadores do Benfica a navegar lentamente sobre o mar de gente no Marquês de Pombal e de reparar em Pablo Aimar, na parte de trás, de braços cruzados no parapeito, a observar, serenamente, aquela alienação colectiva, com um sorriso, sem sentir sequer a necessidade de fazer palhaçadas, de exteriorizar sentimentos ou de corresponder à euforia que se vivia. Naquela situação-limite, Aimar tirava prazer em observar. E quase que se percebia que preferia estar em casa, sossegado, à espera do próximo treino, do que a fazer a festa pelo título.

Nssa altura percebi que Aimar é imune à estupidez natural do futebol. O Aimar que ouço hoje, o Aimar que reage hoje, em campo, é o mesmo Aimar do primeiro ano e do segundo ano.

Para Aimar, o futebol é o futebol, a equipa é a equipa, como ele próprio referiu na entrevista à Champions Magazine, e o folclore que rodeia o jogo é outra coisa.

O próprio visual, a forma de se apresentar, a ausência de preocupações estéticas, são típicos de quem se concentra absolutamente no jogo em si, prescindindo dos fenómenos paralelos, e de quem está na idade do prazer pelo jogo e não da perseguição do dinheiro.

Às vezes tenho a impressão de que Aimar só podia ser argentino. Parece que dentro de cada  argentino há sempre um ícone, um eremita ou um génio.

Numa equipa destinada a ser constituída por jovens jogadores em ascensão, que vêm de clubes menores para a um gigante mediático em que a pressão é constante, como o Benfica, um elemento plenamente consciente do que é importante e do que é secundário no futebol e na carreira de futebolista tem um valor inestimável.



Devo dizer que admiro muito mais Pablo Aimar pela personalidade que pela capacidade futebolística, e estou convencidíssimo de que, se hoje Aimar é o líder do Benfica em campo, é-o mais pelo que é fora dele do que pelo que joga. Nem sequer acho que Aimar seja, tecnicamente, e pelo que já disse, um jogador excepcional. Melhor que muitos, sim, mas não um sobredotado. Um verdadeiro bom jogador, sem artifícios, um jogador que vale pelo que é.

Tal como acontece com Luisão, o valor que Aimar tem para o Benfica, culturalmente, é muito superior ao seu valor de mercado enquanto futebolista fora do Benfica. Só no Benfica Aimar justificaria um salário de 130 mil euros por mês, como parece que recebe. E justifica-o.

Justifica-o a jogar quatro, dois ou um jogo por mês, com 32 ou com 35 anos. Não há dinheiro mais bem gasto. Num clube completamente vulnerável aos excessos, disposto a abdicar de tudo por paixões súbitas, irracional até ao limite, como não conheço outro, alguém que compreenda e ensine o lado real do jogo – como Aimar ensina, não só a colegas como a adeptos – tem sempre lugar. Mesmo depois de deixar de jogar.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Ser campeão é só isto?

No intervalo do jogo do Benfica aconteceu-me uma coisa muito chata: perdi a paciência.
Receio que vocês também vão perder a paciência comigo nas próximas semanas, porque não vai ser bonito.

Se daqui a dois meses houver, entre as dezenas de benfiquistas que cá vêm, mais de dois ou três a aturar-me, é capaz de ser muito. O eventual portista e sportinguista, por seu lado, vai divertir-se. Porque eu vou tratar mal aquela gente.


Posso começar? A primeira parte do Benfica, como mais de metade do tempo de jogo da equipa do Benfica durante toda esta temporada, não é digna nem do Benfica, nem de uma equipa que pretende ser campeã seja no que for. É só isto a que temos direito?

Não é aceitável aceitar-se tão pouco.

O Benfica será campeão este ano, reafirmo-o, mas não devia ser. Não sei se alguém devia ser, mas não é aceitável que uma equipa que joga tão pouco, que trabalha tão mal, que se exige a si própria tão pouco, seja consagrada campeã. O Benfica não tem estofo de campeão.

Devo dizer que falo da primeira parte porque nem sequer vi a segunda. Estão a ver? Perdi a paciência. Fui ver futebol americano e só soube do resultado no fim do jogo.

Eh pá, sinceramente, eu acho que vocês deviam passar uns dias sem cá vir, porque vai haver sangue.


Hoje o Benfica safou-se por entre os pingos da chuva. O Porto também? Caguei. O Porto não é um clube, é uma organização mafiosa legalizada através do futebol. Quando o capo di tutti capi morrer aquela merda vem por ali abaixo mais depressa que o tempo que leva a dizer cosa nostra. O Porto, daqui a vinte anos, vai andar a fazer piores figuras que o Sporting. Não quero saber do Porto para nada. Este Porto é como qualquer outra infecção – incha, desincha e depois passa, e o que vier a seguir estará muito mais próximo daquilo que o Porto realmente é.

O que eu quero saber é que uma equipa que vale uns 200 milhões de euros, com o mesmo treinador há três anos, numa situação privilegiada para fazer uma das melhores épocas da história do clube, entra para um jogo com o Gil Vicente, em Janeiro, e em vez de fazer desses 90 minutos uma exibição de potência e vontade faz um jogo-treino, e só não entrega o campeonato porque cada vez mais me convenço de que o campeonato está destinado. Esta gritante falta de profissionalismo só é possível porque os jogadores do Benfica sentem que não precisam de fazer mais. Como os que ganharam o campeonato de 2005 sentiram, como os que ganharam o de 2010 sentiram, e foi por isso que depois de ganharem esses campeonatos foi a merda que se viu.

Mas têm de fazer mais, e se mais ninguém diz, se anda tudo a bater punhetas aos meninos, digo eu. Vou fazer de Manuel Alegre e a mim ninguém me cala.


Quero muito acreditar que uma vitória neste campeonato, e noutros, seja uma forma de chegar a ter uma equipa como deve de ser, mas honestamente não tenho assim tanta certeza. Os antecedentes dizem-nos exactamente o contrário. Noutras ocasiões como esta o sucesso serviu, precisamente, para anestesiar o realismo.

Andamos a apanhar com Mestres da Treta a falar em «circulação da bola muita forte» quando não se consegue fazer mais de três passes seguidos da linha do meio-campo para a frente; com jogadores de futebol de salão que se vêm quando conseguem fazer meia-finta e o pagode, habituado a coxos, lhes bate palmas; com vedetas de banco a receber mais de 100 mil euros por mês para treinar; a ganhar jogos com ajudas dos árbitros, pelo peso da camisola, ou em golpes de sorte, como hoje no golo do Rodrigo. «Ah, mas o menino, se não tivesse chutado, a bola não entrava. E chutou com muita força…» Bardamerda. Se a bola não tivesse batido na cabeça do outro gajo agora andava aqui tudo aziado a dizer mal do Jesus, do Rodrigo, do Nolito, do Cardozo, daquela gente toda. «Ah, mas a sorte faz parte do jogo». O caraças. Para esta equipa do Benfica o jogo é que faz parte da sorte.

Isto é que é um «pico de forma»? Que maravilha… Espero nunca vir a ver o fundo de forma.


Não sou muito diferente dos outros benfiquistas: eu também tenho a tendência natural para dourar a pílula, e para querer ver o que não existe, e para, na evidência da pobreza franciscana a que estamos tragicamente limitados, fazer das coisas o que elas não são. E quando as coisas correm tão bem como estão a correr este ano em termos de resultados mais fácil se torna rendermo-nos à ilusão. Como não temos uma grande equipa fingimos que a temos e repetimo-lo até nos convencermos disso. Mas não temos. Temos uma equipa, em termos colectivos, pouco mais que vulgar.

Também não vou dizer que hoje, na estrada para Damasco, vi a luz e fiquei curado da benfiquite. Mas vacinado por uns meses penso que fiquei. E isso não é muito bom quando se está rodeado de doentes.


Por isso, sigam o meu conselho: se não se querem enervar, e se não querem acabar a chamar-me nomes (o que eu desde já agradeço), dêem-me alguma distância. Estou com azia e não vai mesmo ser nada bonito.


Vou falar menos do Benfica e quando falar não vai ser fácil encontrar aqui elogios. E vou falar menos porque não quero falar mal.

Por outro lado, há uma coisa que posso garantir: quando houver elogios, podem levá-los a sério.