Tenho de
pedir desculpas aos habitués, se é
que algum ainda resiste, mas, definitivamente, ando a lutar para subir de
divisão e a bola ficou de lado. Ainda por cima sem campeonato, menos bola tenho
visto. Não posso prometer nada a não ser que, quando tiver mais vida para isso,
voltarei a aparecer mais vezes.
Do pouco que
tenho ligado aos futebóis, ficou-me na retina a apresentação de
contas da SAD do Porto, feita numa cave das Antas perante uma plateia que, além
da camarilha toda e de três ou quatro cameramen no fundo da sala, não tinha
mais ninguém – para não haver o risco de qualquer incauto associado, apanhado
de surpresa, exclamar em voz alta: «35 milhões?! Foda-se, carago, que merda é esta!?»
O défice de
35 milhões de euros no ano desportivo que passou é perfeitamente colossal, não
só pelo montante como pelo que significa em termos de deve-e-haver regular do
Porto.
Recapitulando:
o Porto, já com a época a decorrer, faz a melhor venda na história do clube (o
Falcão – e não esqueçamos o Guarín... ou serão milhões da treta, como os do Micael?), vai à Liga dos Campeões (porque foi, se bem se lembram, e se tivesse
passado à fase seguinte não teria feito mais do que 3 ou 4 milhões além daquilo que fez) e ganha (é mais não perde, mas enfim…) o campeonato.
Resultado:
35 milhões de euros de prejuízo.
O que nos
dizem (com dificuldade…) os media?
Que os juros subiram e que o dinheiro do Hulk não entrou nas contas.
É pior a
emenda que o soneto, desde que quem ouve tenha dois dedos de tola. O que isso
quer dizer é que, praticamente no limite de exploração de recursos próprios, já
com receitas extraordinárias incluídas (a venda de jogadores), o Porto perde 25/30
milhões de euros por ano para conseguir competir pelo campeonato nacional com o
Benfica.
E porque é
que se pode falar nestes termos? Por duas razões fundamentais:
1 - Porque,
tal o fiasco na criação de receitas regulares, as receitas extraordinárias
tiveram de passar a ser ordinárias. Ou seja, o Porto, sem
vender pelo menos quatro-quintos-de-Falcão por ano, dá 20 milhões de prejuízo;
2 – Porque,
no próprio dia da apresentação de contas, se ficou a saber que o Porto vai pedir
novo empréstimo obrigacionista, para pagar 18 milhões de outra dívida
obrigacionista que vence em Dezembro – sendo que a dívida vai ser passada para
o longo prazo. Ou seja, o Porto já entrou, definitivamente, na espiral
financeira que não lhe vai permitir parar o endividamento sem perder grande
parte da sua capacidade competitiva.
O que se
está a passar no Porto, é preciso dizê-lo, é um cataclismo.
Neste espaço
já referi muitas vezes (mais do que as que devia, é verdade) que estamos a
assistir à queda de um mito. Poucos me terão levado a sério, nessas alturas, pensando
que é o clubismo a falar, e apenas mais alguns me levarão a sério agora, porque
ainda não viram, como São Tomé, o que está para a acontecer – mas afirmo: o que
se está a preparar no Porto é uma tempestade de tal forma perfeita que, quem
viver daqui a vinte anos, dificilmente acreditará que o futebol português
alguma vez tenha sido o que é hoje.
A
recuperação qualitativa e o redimensionamento do Benfica; o fim do regime de
Pinto da Costa, que abrirá um problema político de longo prazo no interior do
Porto assim que surgir a primeira derrota; o empobrecimento generalizado do
país durante os próximos 10/15 anos, levando a uma perda de competitividade na
Liga dos Campeões, que é fundamental para as finanças do clube. Isto vai
conjugar-se.
Os adeptos
do Porto, que não percebem mais de coisa alguma que quaisquer outros, e que são
tão facilmente sugestionáveis com vitórias como quaisquer outros, ainda estão,
e continuarão a estar durante mais alguns anos, em estado de negação,
alimentados pela ilusão (a mesma que durante muitos anos enganou os benfiquistas)
de que a supremacia sobre o Benfica é um estado natural das coisas, que se
prolongará ad eternum apenas porque
sim, porque é assim o universo. Essa ilusão, que é comum a todos os grandes
impérios antes de caírem, também faz parte da equação.
Quanto mais o
seu clube se enterrar em dívidas para continuar a competir com a aposta
financeira do Benfica, mais se tentarão convencer de que estão no mesmo
campeonato.
Ninguém, do
Porto, lhes explicará um factor essencial para compreender o verdadeiro cenário
em que esta luta decorre: o de que, para o Benfica, ter 400 milhões de passivo
é muito menos problemático do que para o Porto ter 300 milhões de passivo. É
como o Governo português querer fazer crer aos portugueses que Portugal está na
mesma situação de Espanha. Não está. A natureza do problema é a mesma, mas o
grau do problema não o é.
Pelo meio em
que está inserido (sobretudo-Lisboa contra sobretudo-Porto), pela natureza mais
abrangente do clube, pela maior dimensão popular que continua e continuará a
ter (porque o Benfica já parou de decrescer e a tendência agora será para
voltar a crescer em teros de adeptos, à medida que vá voltando a ganhar), por
tudo o que é evidente em termos de imagem (que se reflecte em dinheiro), por ter
um potencial de captura de receitas igualmente em crescendo (afinal, o Benfica não
ganha, desportivamente, em termos relevantes e continuados, há 20 anos!) contra
um Porto que já não tem mais onde inventar dinheiro a sério, os dois clubes não
estão, manifestamente, no mesmo pântano. O do Benfica dá pela cintura. O do
Porto dá pelo pescoço.
Para o Benfica,
regressar ao domínio do futebol português depende de conseguir manter a pressão.
Continuar a não pagar 18 milhões por Danilos, para depois poder pedir 25 milhões
por Javis Garcia. Continuar a obrigar o Porto a fazer crescer a sua dívida. Não
facilitar na vertente desportiva – não pensar que, sem trabalho, o sucesso
aparece por si próprio, nem deixar de investir na qualidade dentro de campo.
Manter a pressão, de forma continuada e tão forte quanto possível. Inventar
fundos, inventar televisões, apostar em tudo o que implique aproveitar a massa adepta
– esse é o ponto estratégico: sempre que o Benfica conseguir aumentar as
receitas no que tem a mais (os adeptos) obriga o Porto a endividar-se, porque
não tem alternativa.
Se isto
acontecer, o futebol português muda. E começa a mudar no dia em que o Porto não
venda o Hulk, para ganhar o campeonato, em que perca 50 milhões de euros, e em
que… não ganhe o campeonato.
Aí, a casa
vem abaixo.
*
Vi um bocado
do Freamunde-Benfica e a ideia com que fiquei do André Gomes é a mesma que já
tinha tido antes disso, ao vê-lo na equipa B: faz-me lembrar o Zidane a jogar à
bola, porque pensa antes dos outros e executa bem, mas não sei, em termos de vontade
de ser um grande jogador e campeão, se será suficientemente agressivo para
triunfar, quer no Benfica quer no futebol profissional.