Um clube vencedor não depende dos resultados. Porque todos
os clubes perdem, e isso significaria que, quando perdesse, esse clube seria, apenas, um clube
perdedor.
Um clube realmente vencedor ganha nas vitórias e ganha com as
derrotas.
Quando um jogador (o Rodrigo) diz que tem de se aprender com
os erros depois de perder um campeonato, uma Liga Europa e uma Taça de Portugal
de forma perfeitamente cruel, e nunca vista, esse jogador tem dentro de si a
doutrina dos verdadeiros campeões. É um gigante em potência. É dessa massa que
se fazem os clubes vencedores.
Num clube vencedor não há demissões. Nem de cargos nem de
responsabilidades. Demissão é apenas uma palavra cara para desistência. Um
eufemismo, inventado por pessoas fracas e orgulhosas, que não têm nem a força
suficiente para lutar nem a humildade suficiente para assumir que desistiram, e
que assim arranjam uma palavra para disfarçar ambas as fraquezas.
Num clube vencedor os elos mais fracos não são cortados e
deitados fora – são fortalecidos, com trabalho e inteligência. Num clube
vencedor, quando há um problema, não se faz de conta que não há problema –
enfrenta-se o problema e trabalha-se para encontrar uma solução.
Coragem para assumir as deficiências, humildade para
aprender, inteligência para encontrar um caminho. Estas é que são as condições
para o sucesso. Não é «ganhar», como dizem os grunhos, armados em pragmáticos.
Ganhar é sempre uma consequência, nunca uma causa. Ganhar nunca é um princípio.
Ganhar não é o princípio de nada, é sempre um fim, um resultado. Resulta de
alguma coisa, e essa coisa não é apenas uma forma de ganhar, mas uma forma de
viver.
Um clube vencedor não compra campeões: encontra a
matéria-prima e faz campeões.
De um clube vencedor as pessoas só devem sair em três situações:
ou quando se revela que não têm a inteligência, a humildade e a coragem que
está na massa dos vencedores; ou quando atingiram o seu limite de aprendizagem;
ou quando têm a oportunidade de ingressar num clube que lhes dê melhores
condições para exprimir o seu carácter de vencedor.
Se não for assim, é um erro. É uma demissão.
Num clube vencedor não há negações. Não se faz de conta nem
se vira a cara. Assume-se.
Um clube vencedor não acredita na sorte, e muito menos perde
tempo a discutir maldições ou bruxos de algibeira.
Um clube vencedor não crucifica um guarda-redes nem faz dele
bode expiatório de uma época porque deu um mau pontapé na bola.
Um clube vencedor tem de ir muito mais fundo do que isso.
Vamos pegar neste exemplo do Artur, porque é uma excelente oportunidade
para os crédulos benfiquistas meterem a mão na consciência e aprenderem alguma
coisa com a derrota.
Depois do Benfica-Porto da primeira volta o treinador do
Porto aareceu na conferência de imprensa a dizer que o Benfica tinha jogado em
pontapé para a frente. Caíu-lhe em cima o Carmo e a Trindade. Os crédulos benfiquistas,
ofendidíssimos, e liderados pelo seu treinador orgulhoso e ignorante, chamaram-lhe
tudo, com um único objetivo: o de negar a evidência.
A evidência é que o treinador tinha toda a razão. Na segunda
parte desse jogo, que foram os 45 minutos realmente decisivos do campeonato, este
Benfica, construído durante três anos
para conseguir responder naquele momento em que tinha de ir buscar o título,
passou o tempo a atrasar a bola para o guarda-redes, que tinha de a chutar para
a frente – e isto, repare-se, já depois de, na primeira parte, o Artur ter
oferecido a bola ao Jackson para marcar o golo, o que prova que, se o Benfica
voltou a insistir naquele tipo de jogada durante o resto do jogo, não foi
porque quis, mas porque NÃO CONSEGUIA FAZER MELHOR.
Nesses 45 minutos decisivos ficou claramente demonstrado
qual era a melhor equipa, quem jogava à campeão e quem iria ganhar o
campeonato (e com todo o mérito) se nada mudasse. Quando o jogo acabou, falou-se da fífia do Artur,
negou-se todas as evidências, eliminou-se, à partida, o assumir dos erros que
permitiria corrigi-los e evoluir, e o que é que aconteceu? Tudo continuou na
mesma.
Eu disse isto. Houve quem me chamasse «exigente» para não me
chamar estúpido.
Algumas semanas depois, no rescaldo de uma vitória «moralizadora»
sobre o Moreirense, voltei a apontar o defeito. O Benfica não jogava à campeão.
Depois de dar a volta ao jogo, a ganhar 2-1, começou a fazer aquilo a que o Jesus
chama de «gestão do resultado»: trocar a bola entre os defesas, a meio-campo,
e, ao mínimo entrave por parte do adversário, a atrasar a bola para o
guarda-redes, que a chutava para a frente e a dava, basicamente, ao Moreirense,
que, com espaço para avançar, até parecia uma equipa de futebol. E assim se
institui uma cultura de facilitismo e desresponsabilização numa equipa que,
supostamente, só é construída para responder a momentos de pressão - ou seja, a
ambientes em que nunca se deve esperar facilidades e em que não épossível fugir
à responsabilidade.
A coisa seguiu o seu processo natural. Teve o seu auge no
jogo com o Sporting. Os mesmos pecados, a mesma incapacidade de construir jogo
a partir da defesa sem ser em segundas bolas (uma incapacidade que existiu
sempre no Benfica de Jesus e que ele nunca conseguiu e provavelmente nunca
conseguirá corrigir, porque não admite que ela existe), bola para o Artur,
pontapé para a frente, confusão, bola para os outros, o jogo entregue. O Gaitán
inventa um golo. O árbitro defende outro. O resultado é bom. Conclusão, segundo
o Berardo e todos os grunhos? «Tudo está bem quando acaba bem.»
É claro que a coisa nunca acaba.
Vêm as eliminatórias da Liga Europa. «Gestão do resultado»,
bola para os outros, dez bolas nos postes. Mas o resultado sai bem. «Grande
equipa, campeões, grande treinador».
Sobe a pressão.
Chega o Estoril. O Benfica, incapaz de ter a bola,
cansado e vulgarizado. O Estoril, uma equipa banal, parecia o verdadeiro campeão. «Se
aquela bola do Maxi tivesse entrado…» Foi azar. Certo…
Vem o Porto. Vem o Kelvin. Vem a maldição, a bruxa, o azar.
Azar? Azar, quando se começa a ganhar 1-0 o jogo do título no campo de um
adversário que tinha de vencer?
Nas Antas, houve de tudo menos azar. Houve, sobretudo,
novamente, uma equipa que não sabe ter a bola. Houve a «gestão do resultado»,
que acabou com o resultado do costume.
Azar, por sofrer um golo aos 92 minutos? Meus caros,
perdoem-me a crueldade, mas se há momentos em que a sorte e o azar menos influência
têm num resultado é quer nos penáltis quer a partir dos 85 minutos de jogo. Aí o
que há é capacidade de resposta à pressão, quer mental quer funcional.
Não foi azar, foi aselhice. Uma equipa que jogasse como
campeã não teria sofrido aquele golo, pela
simples razão de que aquele remate nunca teria existido. Aos 92 minutos do jogo
do título, com um campeonato no bolso, não há golos, nem há remates, nem sequer
há perigo. Há equipas que sabem o que têm de fazer para ganhar, e equipas que não sabem.
Mas ficámo-nos pelo azar, claro. Afinal, o povo sofre, é preciso mimá-lo.
Seria quase desumano aceitar que se tinha perdido o
campeonato por demérito. Não, isso não. Seria um exercício de humildade e
sensatez praticamente impossível.
Como tal, vem o Chelsea e vem outro golo ao minuto 92. Foi o
quê, então? Foi o Guttmann, pois claro. Foi azar. Foi o destino. Foi o
guarda-redes que não saíu, o defesa que não marcou, o outro que não saltou, foi
tudo aquilo que era fácil de explicar às crianças que choram e aos idiotas que acreditam.
Permitam-me, então, caros crédulos, dizer-vos que o que foi
foram os cornos dos vossos ricos paizinhos.
O que foi foi um canto que nunca devia ter existido, porque
aos 90 minutos uma equipa vencedora não dá cantos, não dá hipóteses, e
sobretudo não dá a bola.
Não interessa. Morremos na praia, é verdade, mas, como
referiu o grande líder, houve quem tivesse morrido a subir para o barco.
Porreiro, pá. Somos grandes, porque há alguém pior do que nós. É sempre uma
bitola aceitável quando o cérebro não passa de um apêndice do aparelho digestitivo
Excelente.
«Pelo menos ganhamos a Taça.»
Vem a Taça. Regressa a «grande equipa», incapaz de controlar
um jogo perante uma formação de ex-juniores dispensados das equipas a sério.
Vem o golo, caído do céu aos trambolhões. Tudo bem, tudo seguro. Vem o minuto
80, um pepino do Artur, um golo em fora-de-jogo e depois, como o futebol não é
cruel nem nada, um ressalto e a Taça vai com os porcos.
A culpa há-de ser de alguém. Do Artur, do Cardozo, do
árbitro, do Jesus – vá-se lá saber porquê uma vez que a «gestão do resultado»
no momento em que o Artur entrega a bola ao tipo do Guimarães é a mesma «gestão
do resultado» que, durante quatro anos, o Jesus tem ensinado a equipa a fazer,
e ainda uma semana antes batiam-lhe palmas.
Eu, pessoalmente, não sei se o Artur joga mal com os pés. Eu
acho que o Artur joga tão mal com os pés como qualquer guarda-redes, e que por
isso é que é guarda-redes e não avançado. Mas há uma coisa que eu sei: ponham qualquer jogador –
qualquer jogador, mesmo o Messi – a fazer vinte pontapés para a frente, e desses vinte há
sempre um ou dois que saem pepinos. Se for um guarda-redes, mais.
O que me
preocupa, a mim, como observador que não percebe nada de futebol, não é se o Artur
joga bem ou mal com os pés, nem se o fiscal-de-linha errou de propósito ou sem
querer.
A mim, o que me interessa é o que leva o pior pontapeador de uma equipa como a do Benfica, que deve jogar para ganhar tudo e está em vantagem durante 80 por cento do tempo, a ser obrigado a fazer vinte pontapés para a frente durante um jogo, sabendo-se, pela estatística, que noventa por cento dessas bolas vão acabar na posse do adversário.
Os crédulos nem sequer pensam nisto. Não querem pensar. Preferem
partir do princípio que a vitima (o Artur) é, na verdade, o culpado. E é por
isso que o Benfica é um clube perdedor.
O Benfica não é campeão porque não conseguiu os resultados?
Errado.
O Benfica não é campeão porque não joga como um campeão, não
pensa como um campeão e não vive como um campeão.
E, como tal, é apenas justo que não seja campeão.
O verdadeiro pecado do Benfica não é o Artur não saber
chutar, nem o Jesus não saber treinar. O verdadeiro pecado do Benfica é os
benfiquistas aceitarem como normal o vazio de pensamento, a ausência de
sensatez e de humildade, porque ao fazê-lo estão a entregar o seu clube ao
sabor dos resultados, e a deixá-lo no meio da rua.
Ao fazê-lo estão a demitir-se.
Um clube vencedor não se faz de quem desiste.