Nunca julguei que o Paulo Vinicius fosse um jogador tão
importante para o futebol português – pelo que me lembro, segundo a imprensa do
regime, o último jogador decisivo no futebol português foi o Vandinho,
injustamente suspenso por três meses por andar ao soco no túnel de Braga, e
graças ao qual o Benfica foi campeão em 2010.
No entanto, a acusação lançada a público nos últimos dias,
de que o árbitro Duarte Gomes faria parte de uma conspiração orquestrada pelo
presidente do Conselho de Arbitragem da Liga, Vítor Pereira, para entregar o
título de campeão nacional ao Benfica, fez-me ir ver ao You Tube a escandalosa
expulsão do Paulo Vinicius no tempo de descontos do jogo com o Setúbal.
Confesso que ia preparado para admitir que o Duarte Gomes
tivesse dado largas à sua costela benfiquista – algo que, ao que me lembre,
nunca beneficiou o Benfica (tal como com o Pedro Proença, por exemplo) – e que,
desta vez, tivesse aproveitado, cirurgicamente, e com pouca habilidade, a
oportunidade de beneficiar o Benfica, por prejuízo de entreposta pessoa. Se
isso fosse verdade, o grau de premeditação e de pouca-vergonha necessária para o
fazer tão às claras significaria, claramente, que, de facto,
estaria em marcha uma campanha obscura para dar o campeonato ao Benfica, se não
por toda pelo menos por uma parte da arbitragem portuguesa.
(Dizem que o Salino devia ter sido expulso, mas disso não
fui à procura, porque o Salino, para não ter sido expulso, é porque,
claramente, não é um jogador essencial para ganhar ao Benfica.)
Depois de ver as imagens, tudo se tornou mais claro.
Tornou-se claro, por um lado, que o Paulo Vinicius pode ser
um jogador excepcional, mas que não o é pela inteligência, porque, aos 93
minutos de um jogo em que a sua equipa está a ganhar por 4-1, com os outros
centrais todos lesionados ou castigados, faz uma obstrução ostensiva, e com
contacto físico, a um jogador do Setúbal que ia lançado em direcção à baliza,
sem nenhum outro defesa entre ele e o guarda-redes.
Por outro lado, confirmei que Duarte Gomes é um excelente
árbitro, muito acima da mediocridade geral, e que está acima do nível de
coragem de praticamente todos (senão mesmo todos) os seus colegas de profissão em Portugal.
Tomou uma decisão justa e correcta numa altura em que teria espaço (na opinião
pública, não de acordo com as regras) para se esconder e fazer de conta que não sabia.
Ter-lhe-ia sido muito mais fácil optar por dar o amarelo, pela simples razão de
que os cães que ladram no Norte são muitos mais e metem muito mais medo que os
cães que ladrariam em Lisboa (pelo menos na bancada sul da Segunda Circular,
porque na bancada norte a opção também já está tomada).
Pedro Proença, provavelmente, ter-se-ia escondido. E não o
teria feito por ser pior árbitro, ou por estar comprado, mas porque tem um
sentido de preservação maior que o de Duarte Gomes, o que lhe possibilitou ir
muito mais longe do que Duarte Gomes sem ser tão bom árbitro.
Estou à vontade para dizer isto porque, para mim, só há três
árbitros em Portugal que têm demonstrado ser «incorruptíveis», no sentido de
não se deixarem pressionar (mais do que o normal) pelo sistema. São eles Pedro
Proença, Duarte Gomes e (podem deixar cair os queixos), Bruno Paixão. Sim,
Bruno Paixão. Bruno Paixão é um mau árbitro – mas é-o porque quer. Ou melhor,
é-o porque prefere ser um mau árbitro e estar no centro das atenções a ser «apenas» mais um
excelente árbitro. Tecnicamente, Bruno Paixão poderia
ser um dos melhores árbitros europeus, até porque tem um ego enorme e uma
vaidade insuperável. No entanto, é um apenas um sociopata egocêntrico. Vive
para estar no centro das atenções. Quando não há razões para isso, inventa-as,
e inventa-as quase sempre. É uma pessoa doente, que precisa mais de alimentar o
seu umbigo do que de ser um bom árbitro. Mas é incorruptível, pela simples
razão de que não arbitra nem para enriquecer, nem para ser internacional, nem
para ir a finais do Europeu ou da Liga dos Campeões – arbitra para ser
insultado e para que se fale dele. Não há nada com que ele seja verdadeiramente
aliciável, porque o que ele quer já tem, e prefere não arriscar a perdê-lo ao ser apanhado em escutas policiais ou em casas de alterne do Norte.
Todos os outros árbitros portugueses, além destes três
(ainda não conheço bem alguns dos novos, apesar de haver dois ou três que me
pareçam ter potencial), vivem confortavelmente dentro do sistema, alimentando-o
e alimentando-se dele, uns favorecendo sobretudo o Benfica (quando podem),
outros favorecendo o Porto. Estes últimos são mais, por uma razão simples: o
Porto tem a posição elevada no sistema, tem mais força institucional e
mediática adquirida, e pode prejudicá-los mais.
Actualmente – e já no tempo do Apito Dourado era assim
sobretudo em relação aos árbitros internacionais – a corrupção não se faz pela
via patrimonial. Ou seja, não se paga aos árbitros para roubar. Isso acontecia
(hoje não sei se acontecerá) com os Jacintos Paixões, com os José Guímaros, com
os José Silvanos, com os Francisco Silvas. Com a escumalha da arbitragem, gente
barata, pouco acima do lixo.
Com os bons árbitros – que são os que realmente têm
importância porque, salvo algumas excepções, apitam os jogos decisivos – a
corrupção sempre se fez sobretudo através da manipulação das carreiras.
Manipulando uma carreira dá-se a árbitro o melhor de dois mundos: a
oportunidade de ser árbitro nos jogos importantes a nível nacional e
internacional e a oportunidade de ganhar muito dinheiro, de forma legalizada. É
uma espécie de corrupção dentro da lei. Promovem-se árbitros de categoria (2.ª,
1.ª, internacional) para os premiar pelo desempenho a favor de determinadas equipas.
O sistema, hoje, está controlado pelo Porto, porque ainda
não apareceu quem desafiasse a lógica instalada de que, para se subir na vida,
na arbitragem portuguesa, pode-se beneficiar quem se quiser, mas, em última
instância, em caso de dúvida, não se pode prejudicar o Porto. O que está
instalado, mais que um sistema de corrupção organizada (acredito que o Apito
Dourado mudou alguma coisa, nesse aspecto) é um sistema de medo
instalado, ou de subserviência à autoridade. Não acredito que Porto ou Benfica
manipulem o Vítor Pereira ou as classificações dos árbitros, mas acredito que
os árbitros estão condicionados por sentirem que os clubes têm muito poder sobre as
suas carreiras, e que beneficiam mais facilmente o Porto porque sentem que o
Porto tem mais poder do que o Benfica. Ainda assim, não acho que os
campeonatos, actualmente, sejam premeditadamente decididos pelos árbitros –
e muito menos pelo Pedro Proença ou pelo
Duarte Gomes. Acho, sim, que é muitíssimo difícil o Porto perder um campeonato
porque qualquer árbitro ou qualquer conjunto de árbitros assim o decidam, e
tenho a certeza de que o Porto já não perde um campeonato por causa dos
árbitros há décadas.
Este sistema corrompido que existe hoje teve um período
decisivo de implantação: a primeira metade da década de 90, o cúmulo da pouca
vergonha, em que a Associação de Futebol do Porto, através do então seu
corruptíssimo presidente Adelino Pinto, em concluio com Pinto da Costa, usavam
o facto da AF Porto ter a primazia na escolha de cargos da FPF para escolherem
o presidente do Conselho de Arbitragem, que por sua vez tinha a prerrogativa de
alterar as classificações dos árbitros. Um desses presidentes do CA da FPF foi
o próprio Lourenço Pinto, advogado de Pinto da Costa, certamente graças ao seu
ilustríssimo passado desportivo e arbitral. A década de 90 foi, por inteiro, um
tratado de corrupção, e a época mais negra do futebol português. Quem nasceu ou
começou a ver futebol depois disso não tem ideia de quão baixo é possível
descer em termos de degradação ética e cívica. A história colocará esses anos
90 no seu lugar.
E isto leva-me à terceira conclusão que tirei após ver a
expulsão do famigerado Paulo Vinicius e as declarações de António Salvador e
Vítor Pereira: a de que estamos a assistir à rotineira e anual fase da
mistificação do eventual título do Benfica.
Não é difícil de identificar. Acontece todos os anos em que
é preciso acontecer, e acontece sempre por esta altura - que não se localiza no tempo mas na classificação: é sempre que o Benfica está a três ou menos pontos que o Porto.
Quando a coisa ainda não está certa, o Porto monta o seu caso – é uma questão
cultural instituída, que se espalhou, por osmose aos seus aliados (neste
momento o Braga, noutros, por exemplo, o Guimarães, quase sempre o Sporting, e respectivos
cães-de-fila na imprensa). Aproveita um ou dois casos em que
o Benfica é, lícita ou ilicitamente, favorecido, e cria um discurso que ou, por
um lado, é justificativo da eventual derrota no campeonato, ou,
preferivelmente, ajuda a evitar essa derrota. É o que o Porto espera que
aconteça em Braga: que o árbitro do jogo, sentindo-se pressionado pela opinião
pública e pela suspeição (que não precisa de ter razões para existir para produzir efeitos), decida contra o
Benfica nos vários momentos em que terá de agir sobre pressão, e que isso venha
a valer uma vitória ou, pelo menos, um empate ao Braga, mas sobretudo, ao
Porto.
Os mais novos não devem deixar-se impressionar. Desde o
início dos anos 70, pelo menos, que, segundo os seus dirigentes e treinadores,
o Porto não perde um campeonato que não seja por causa dos árbitros, e não há
nenhum campeonato em que o Benfica não tenha sido beneficiado pelos árbitros.
Isto é o bê-a-bá do futebol português. Está institucionalizado. Como tem dado
resultados – porque o povo é estúpido, e os árbitros fazem parte do povo –
todos os outros adoptaram o sistema, o que leva a algo que é trágico para o
futebol português: que, nos últimos quarenta anos, não tenha havido, segundo as
próprias pessoas que participam directamente no campeonato, um único campeão
justo. Ou seja, que não tenha havido um campeão, apenas uma equipa que chegou
ao fim de uma prova organizada pela FPF com mais pontos que as outras,
signifique isso o que significar.
Eu gosto que assim seja.
Gosto que a premissa que deu início à chamada «era do
dragão» tenha sido o de que o campeonato é um jogo sujo e viciado, e que essa
premissa, por razões mais que justificadas, se tenha mantido até hoje.
Gosto que o Porto tenha tomado a opção de lançar lama sobre
a glória do Benfica (na altura penta-finalista da Taça dos
Campeões, e em que o que ficava de umas épocas para outras eram os jogadores, e
não o(s) dirigente(s)) para a poder conquistar, porque, hoje, não há água que chegue,
nem nunca haverá – por mais esforços que se façam nas salas de imprensa e nas
redacções orquestradas para esse efeito – para lavar a suposta glória do Porto.
É um problema que se resolve a si próprio. Está resolvido
desde a origem. O tempo passa. A glória é passageira. Hoje, já poucos
benfiquistas se lembram dos tempos em que o Benfica andava a fazer a figura do
Sporting, dos 13 anos a penar, como ninguém se lembra de que o Benfica foi
bicampeão europeu. Sabe-se que foi, mas significa pouco para quem vive agora. Já
pouca gente se lembra do primeiro Porto campeão europeu, ou do tão celebrado
penta. É passado, e vai ficando cada vez mais passado. O que se mantém,
contudo, é a lama.
Gosto que o Vítor Pereira insinue que o campeonato está a
ser entregue pelos árbitros ao Benfica. Sempre que o faz, segue a linha
histórica do Porto, segundo a qual o campeonato é uma coisa viciada. O que leva
a que, sempre que o Porto ganha um campeonato, esteja, simplesmente, a ganhar
uma coisa que admite ser viciada. Podem ser vinte, trinta ou quarenta. Enquanto
a premissa for esta, a perversão é a mesma.
Para ser campeão, o Porto optou por queimar tudo. Tornou-se,
então, campeão. De quê? De nada que valha a pena ganhar. De coisa nenhuma.
O preço da glória, para o Porto, é este. Pode tê-la, mas não
pode limpá-la, porque foi o próprio Porto a querê-la suja, ao não admitir a
derrota como uma coisa possível e limpa.
E daqui não há saída, por mais voltas que se dê. Será assim
enquanto o Porto for campeão, quando o Benfica vier a ser campeão, quando o Sporting,
o Boavista, o Braga ou o Moreirense forem campeões. Ao sugerirem que os dados
estão viciados, todos os treinadores, dirigentes e jogadores continuam a cuspir
no próprio prato onde vão ter de comer - pelo simples facto de não haver outro.
O verdadeiro triunfador do futebol português será aquele qu,
não apenas venha a ganhar, mas que, ganhando o privilégio de impôr o
discurso, venha a conseguir mudá-lo. O que implica aprender a perder. Algo incompatível com hegemonias artificiais.
Só no dia em que ocorrer uma epifania cívica e se perceber que
andar a jogar um jogo viciado é mau para todos, sobretudo para os que o podem
ganhar, é que o futebol português voltará a ter a elementar inocência que o
tornará, novamente, algo de digno. Mas vai levar mais vinte anos.
Que o principal prejudicado desta imensa porcaria,
historicamente, venha a ser a equipa que mais ganhou com ela, é apenas justo.
E ainda é mais justo que não seja concebível, para ninguém,
que algum dia haja em Portugal um campeonato verdadeiramente limpo enquanto nele
estiverem envolvidas quaisquer pessoas que tenham sido enlameadas pela
coabitação com Jorge Nuno Pinto da Costa – incluindo todos os futuros dirigentes
do Porto e dos outros clubes que tenham jogado com as regras que ele ditou.
Hoje, Pinto da Costa é a lama que não sai. E ainda bem.
Muito bom. Cada vez melhor. Parabéns Hugo.
ResponderEliminarUm abraço
O "velho" Hugo está de volta :). Bem vindo sejas ;). Grande post ;).
ResponderEliminar"Pinto da Costa é a lama que não sai." Super!
Gostei muito , parabens .
ResponderEliminarO falecido ex presidente corrupto da afp , era Adriano pinto , da negra era dos pintos no futebol português : pinto da costa , adriano pinto ,lourenço pinto e pinto de sousa .
É caso para dizer , quando vem a dita gripe aviária para acabar com esta raça .
Claro que antes de PC os campeonatos eram limpos e não existia corrupção. Triste pensar.
ResponderEliminarfoda-se, como te atreves a falar assim?! referes-te a quê? ao mito de o Benfica ser o "clube do regime"? ao calabote? lava a boca! o Benfica sempre foi a bandeira deste mesquinho e ignorante país, pois conseguia triunfar, arrastar multidões, graças à qualidade e classe dos jogadores, autênticos símbolos venerados não só cá como LÁ FORA!
Eliminarvai lamber as bolas ao velho...
Um post muito forte,muito forte mesmo.Força Hugo.
ResponderEliminargostei do post, quero apenas fazer uma correcção;
ResponderEliminarjá vi o Duarte Gomes beneficiar o slb descaradamente bem mais do que uma vez (assim de repente os 3 penaltis por mão na bola em 20 minutos na luz na época passada contra o guimarães vêm-me á cabeça). Daí não ter estranhado o vermelho ao gajo dos corruptos B
Também já o viste prejudicar o slb num célebre Benfica - Sporting 2-2, com aquele penalty fantasma sobre o Jardel.
Eliminarsó um desses penalties suscitou dúvidas... enfim... quer dizer que por serem marcados num curto espaço de tempo certamente terão sido mal marcados... claro... belo argumento
EliminarO melhor elogio que poso fazer ao Hugo é dizer que o que ele faz aqui é SERVIÇO PÚBLICO! E oxalá todos notemos a sorte que temos em lê-lo e em comprovar que aqui se debate o futebol"sem complexos" . Mais vale um post aqui do que os três jornas desportivos juntos...
ResponderEliminarE eu antes brincava quanto ao facto de o Hugo poder fazer parte do futuro do Benfica, mas agora vejo que não é estupidez nenhum. Tem mais visão que todos esses dirigentes que para aí andam...
Obrigado Hugo.
Excelente post, muito bem escrito e construído. Texto para guardar. Parabéns!
ResponderEliminarBrilhante.
ResponderEliminarConcordo com o Feher29: "Mais vale um post aqui do que os três jornais desportivos juntos..."
Aos três jornais acrescentaria uma boa parte dos blogs afectos ao Benfica. Pensar para escrever é muito diferente de escrever sem pensar e apenas para agradar...
Caro hugo num campeonato que desde ha 40 anos é corrompido, porque continuas a assistir e a ficar tão desiludido (vide post após o benfica-porto da espoca passada) se bem sabes que estes campeonatos ate o pinto da costa sair nao valem nada???
ResponderEliminarDaniel Santos
Pela mesma razão por que fui para o Marquês em 2010, mesmo sabendo que isso de pouco valeria.
EliminarPorque a vida, se for só lucidez, não vale a pena viver.
Porque sou doente, pá.
Mas, fundamentalmente, porque acredito que, um dia, vai valer a pena gostar de futebol e gostar de viver neste país.
Chama-me tolo. Se calhar tens razão.
"Os mais novos não devem deixar-se impressionar. Desde o início dos anos 70, pelo menos, que, segundo os seus dirigentes e treinadores, o Porto não perde um campeonato que não seja por causa dos árbitros, e não há nenhum campeonato em que o Benfica não tenha sido beneficiado pelos árbitros. Isto é o bê-a-bá do futebol português. "
ResponderEliminarA ironia é tanta que nem sei por onde lhe pegar. Fico-me pelo LOL
Boas,
ResponderEliminarOut of toppic, só para dizer que em 25/01/2012 disse isto acerca do Aimar num post aqui no "templo":
Anónimo25/01/2012, 11:08:00
(...)Espero que o Aimar fique no Benfica porque, e espero não me enganar, não o vejo a ir para as Arábias para jogar à bola a troco de dinheiro. Admito que possa sair a perder dinheiro, para ir para o River pela paixão que tem pelo clube e pelo futebol(...)
Bolas, ia-me enganando!!
Mas mesmo assim continuo a gostar muito deste gajo. E acho que a saída era mais pela força que o Benfica estava a fazer do que por vontade própria.
RS