Não sou, como todos bem sabem, propriamente um jesuíta, mas há algo de profundamente imoral
quando um arrivista como o TOC – que antes de receber de bandeja o cargo mais fácil
do futebol mundial (e de o fazer parecer, não o esqueçamos, um bicho de sete
cabeças), não tinha feito nada de nada – se arroga, de sobrancelha franzida e
nariz empinado, a dar lições de trabalho a um tipo como o Jorge Jesus, que, no
futebol português, já passou por tudo e mais alguma coisa, que subiu a pulso
(com ou sem vitaminas) e que, até ver, é dez vezes mais treinador do que ele.
«A sorte dá trabalho», diz o TOC, antes e depois de, num
jogo perfeitamente equilibrado, marcar um golo no último minuto, com dois
ressaltos num remate falhado a fazerem a bola passar por cima do guarda-redes.
Tenho uma aversão extrema aos tipos que acham que só eles é
que trabalham, e que ninguém trabalha mais do que eles. Não vejo neles grande
diferença para os troikistas do Norte (neste caso da Europa) que, privilegiados
pelo sistema em que vivem – e cuja construção não é mérito deles mas dos que os
antecederam – acham que podem decidir que os outros não trabalham, ou porque
não querem ou porque não sabem, e que por isso não merecem nada.
É suposto o Jorge Jesus, que anda nisto há 30 anos, ou o
Peseiro, que já fez cinquenta vezes mais piscinas que o Vítor Pereira, serem
desrespeitados por um idiotazinho encartado que teve a sorte (a sorte!) de
arranjar um bom emprego?
Porque o que o TOC disse, mesmo, foi isto: «Ah, ele diz que temos
sorte em Braga? O que ele está a dizer é que quando lá vamos somos favorecidos.» Vai daí, ataca, pelo único ponto em que pode
pegar: o dos resultados.
Se o Vítor Pereira ganhou com um golo às três tabelas aos 89
minutos, o José Peseiro, que pôs uma equipa inferior a jogar de igual para
igual e, muitas vezes, melhor que o Porto, perdeu porque trabalhou menos ou
pior?
Gostava de ter visto o inginhêiro
Salbador a defender o seu treinador
como teria defendido, certamente, se tivesse sido o Jesus a gabar-se de ser
melhor que o Peseiro (como aconteceu com o Domingos), da mesma forma que
gostaria de ter visto a reacção do inginhêiro
Salbador se, em vez do Alex Sandro, tivesse sido o Melgarejo a fazer aquele
penálti nítido e o Braga perdesse no último minuto, como gostaria de saber se também
passaram fotografias do penálti do Fernando sobre o Hugo Viana por baixo da
porta do Benquerença no final do jogo de hoje.
Ficamos, também, sem saber se, nos últimos cinco dias, o
Porto deixou de trabalhar bem ou se, simplesmente, teve o azar de, em vez de
marcar um golo às três tabelas no último minuto, sofrer um auto-golo inaceitável
até para um iniciado a dez minutos do fim.
O Pereira anda inchado, e eu gosto disso. Gosto de o ver a
cagar de alto para o Jesus, a dizer que se ri quando olha para o que ele ganha,
a dizer que quem não ensina a sua equipa a controlar um jogo é incompetente, da
mesma maneira que gosto de ver o Peseiro a dizer que este é o melhor Porto
desde o Mourinho. Gosto de ver isso tudo porque tudo isso é manifestamente exagerado
e arrogante. Gosto de ver que se toma esta equipa do Porto, e este treinador, como
algo muito melhor do que aquilo que são.
Também gosto bastante de ver toda a gente, a começar pelo
próprio treinador, a dizer que o Porto está mais forte sem o Hulk, porque agora
«é mais equipa e depende menos das individualidades». Gosto bastante porque me
lembro perfeitamente de ouvir o Pinto da Costa dizer na sequência da vitória do
Benfica no campeonato de 2010, que «só um atrasado mental (sic) é que acha que
qualquer equipa do Mundo fica mais forte sem um jogador como o Hulk.»
É toda uma mistificação do tão tentado «campeonato dos
túneis» que cai por terra – o tal campeonato em que o tal Porto prejudicado perdeu tantos pontos a jogar
com o Hulk como sem o Hulk, e em que já estava a 8 pontos do Benfica antes do
Hulk começar aos pontapés aos gorilas. Afinal, do que o Porto precisava para
ser uma equipa sério era de vender o terceiro melhor jogador do mundo, que foi
jogar para o Zenit de São Petersburgo.
Em relação ao jogo de hoje, fico com algumas ideias:
- que o Braga, a jogar contra os suplentes do Porto, e numa
competição que pode ganhar, não conseguiu jogar tão motivado como se esperaria.
Vai ser preciso o Benfica ir lá, em Fevereiro, para podermos voltar a ver o
Braga a encontrar a sua razão de existir, o Mossoró a comer a relva, o Alan a
ter outra vez 20 anos, o Hugo Viana a reaprender a marcar livres. É tudo uma
questão de motivação;
- que o Pinto da Costa não vai dizer «desta já nos
livrámos», porque, se dissesse, algué poderia pensar que foram lá jogar com os
suplentes por favor;
- e que, no fim deste miniciclo fratricida (que, estupidamente,
os cérebros da Santa Aliança ainda não encontraram maneira de evitar), aconteceu,
por pura coincidência, aquilo que já tinha acontecido nos últimos dez jogos
entre Braga e Porto: cada um teve o resultado que precisava, sem prejudicar em
demasia o outro. O Porto ganha na prova que quer ganhar e é eliminado (ia a dizer
retribui com uma derrota, mas não quero ser mal interpretado…) na prova em que dificilmente
teria disponibilidade para ganhar; o Braga perde na prova em que já tem o lugar
praticamente definido (o terceiro, entenda-se) e ganha na prova que, realmente,
quer ganhar.
Foi uma questão de sorte, certamente, porque em Braga se
defrontaram as duas únicas equipas e os dois únicos clubes que trabalham em
Portugal.
Pode ser que tenham azar…