Porque é que
o Sporting vai ser campeão?
1 – Porque a
fruta está verde.
Até o Pinto
da Costa percebe que ganhar sempre tem efeitos nocivos. A ilusão de um mercado
concorrencial é muito mais útil para o negócio e para a perpetuação do
monopólio de facto que existe do que a evidência desse monopólio. Dito por
outras palavras, o Porto tem o monopólio do sistema, mas é-lhe mais útil, a
longo prazo, manter a sugestão de que o que existe é um sistema de
concorrência. A debilidade intelectual e a subserviência do corpo crítico que
forma opinião na nossa comunicação social permitem a sustentação dessa
estratégia. Na verdade, o argumento que prova, racionalmente, o domínio do
sistema por parte do Porto é lógico, não tem nada de metafísico nem de
voluntarista – resume-se a um silogismo básico: A – O sistema (arbitragens,
financiamentos, legislação, disciplina, etc) é um factor decisivo na conquista
de resultados desportivos, no futebol português, de acordo com todos os seus
dirigentes (podem chamar-lhe a evidência
Calabote, para tornar a coisa mais consensual…); B – o Porto ganhou 20 dos
últimos 25 campeonatos e títulos em todas as épocas nos últimos 30 anos; C – o Porto
controla o sistema.
Tudo o resto
é ruído propositado, areia atirada para os olhinhos do maralhal, num processo
tão básico que nos faz, realmente, pensar que as pessoas têm aquilo que merecem.
Vivemos na Grunholândia, a terra em que os grunhos comem com talheres, escrevem
em blogues na internet, misturam putas com frutas e não distinguem o crepúsculo
do cabelo crespo do cú. Para os grunhos, é fácil explicar como é que um clube
que tem os árbitros na mão ganha três campeonatos em 20 anos: é porque o
padrinho diz. É claro que o Benfica corrompe os árbitros. Por isso é que todos
os anos é campeão.
Assente este
raciocínio lógico como ponto de partida, nem o Porto consegue ganhar sempre. O
que acontece, normalmente, é uma de duas coisas:
- um tiro de
bazuca na própria pata:
- uma redefinição
inconsciente de prioridades, por norma baseada no excesso de confiança.
Na primeira
categoria temos falhanços retumbantes, como foram os do regresso de Tomislav
Ivic, o da escolha de Octávio Machado para treinador ou o ano do Gi-Vi-Zé
(Del Neri, Fernandez, Couceiro). Nestes casos, é Pinto da Costa a tentar ser mais papista
que ele próprio, a tentar elevar a «cultura» a religião e a falhar.
Na segunda
categoria encontramos o caso do último título do Benfica, em que Pinto da
Costa, evidentemente cheio de confiança na superioridade do seu esquema, pensou
que poderia facilmente manter um técnico de segunda categoria (Jesualdo), vender
dois jogadores de primeira (Lucho e Lisandro), apostar forte na Liga dos
Campeões e, mesmo assim, ganhar o campeonato a um Sporting inofensivo e a um Luis
Filipe Vieira em processo de auto-imolação. A prova de que a má época do Porto
resultou muito das más escolhas do seu presidente e pouco ou nada do famigerado
castigo do Hulk é que, de um ano para o outro, o Porto mudou tudo o que pôde,
entre treinador e jogadores.
Como o
sistema é forte, mesmo nestas épocas o clube geralmente arranja uma maneira de
ganhar qualquer coisa e manter o pagode entretido, mas o que acontece,
claramente, e invariavelmente, a meio destas temporadas, é uma reorientação de
prioridades e uma redefinição de estratégias. O Porto começa a pensar na época
seguinte e, aí sim, começam a acontecer coisas realmente invulgares no futebol
português: o Boavista a ser campeão, o Braga a amarinhar e a apurar-se para a
Liga dos Campeões, o Sporting a ser beneficiado pelas arbitragens (ou, pelo
menos, não prejudicado) e a ganhar campeonatos, o Benfica a conseguir meter a
cabeça de fora e vender bilhetes e camisolas, decisões disciplinares ambíguas,
etc.
Na sua maior
parte, são o que eu chamo de «acções preparatórias», ou «acções ‘estão a ver?’».
O Porto abranda a pressão ou manipula o sistema de forma a poder argumentar que
o sistema, afinal, é para todos, legitimando o regresso ao controle do mesmo,
que invariavelmente, no ano seguinte, se segue, em força, de forma a que não
subsistam dúvidas sobre quem manda. E o Porto, graças à «genialidade gestora»
de Pinto da Costa, que «fez as opções certas na reconstrução da equipa», volta
a ser campeão, de preferência com 15 pontos de avanço para poder ganhar algum
nas competições europeias.
Este ano tem
tudo para ser um desses anos «preparatórios».
Porque o
Porto precisa desesperadamente de fazer dinheiro, e vai ter, simultaneamente,
de vender dois dos seus melhores jogadores e apostar forte na Liga dos Campeões,
após um ano desastroso. Essa opção vai começar a tornar-se clara não só esta
semana, com o fecho do mercado, como a partir do momento em que comece a
Champions.
Porque os
próprios jogadores vão menosprezar o campeonato e apostar na Champions. Querem
sair enquanto é tempo, ganharam dois campeonatos seguidos (o segundo sem
fazerem muito por isso, entregado pelo Benfica), a coisa tornou-se fácil,
confiam que o terceiro virá da mesma maneira, sem ser preciso trabalhar muito.
Porque o
treinador é uma merda, não tem mãozinhas para aquilo, e já devia ter ido, mas o
Pinto da Costa foi enganado pela conquista do campeonato e viu-se forçado a aceitá-lo
por mais um ano, mesmo não o querendo (afinal, ele não despede treinadores…)
Porque (por
estas razões e outras) no Porto o terceiro campeonato é sempre o mais difícil.
Mas,
sobretudo, porque o Sporting está disposto a tudo, e vai vender-se ao sistema.
É fácil ignorar
a delicadeza do momento do Sporting no meio da confusão, mas a verdade é que o
Sporting está, provavelmente, no ponto mais delicado da sua existência.
O fim da
«era Roquette», da suposta «gestão moderna», foi um lançar de toalha. Com o
regresso de Duque e Freitas, às costas de um Godinho que não risca nada a não
ser cheques pessoais para comprar jogadores (alguém tem dúvidas?), a aposta
forte no mercado, o Sporting juntou-se à matilha, deixou de querer se diferente
e está completamente a descoberto.
A primeira época
correu incrivelmente mal. Era suposto ficarem em segundo, para jogarem a
Champions e se financiarem, e acabaram em quarto. O Benfica lixou-os,
basicamente, naquele jogo do 1-0, na Luz. Nesse mesmo jogo, Vieira,
aparentemente, descaíu-se. «É para isto que queres controlar as arbitragens?»,
perguntou a Duque. Mas alguém duvida da matéria em cima da mesa nos almoços
entre o Vieira e o Duque? Não era croquetes, com certeza.
Esse jogo,
além da derrota temporária do «projecto» do Sporting e da jaula para os
grunhos, deixou-nos o fim da putativa aliança entre Benfica e Sporting contra o
Porto. Os Idiotas Cristóvãos ganharam, e os dois clubes de Lisboa vão ficar
separados – a guerrilha no mercado de Verão comprova-o claramente, e é um
prelúdio para outras guerras bem mais acirradas que por aí vêm.
Tudo isto
faz com que o Sporting esteja no ponto para ser cooptado por Pinto da Costa,
cuja estratégia magna nos 30 anos de presidência foi sempre manter-se aliado a
um dos clubes de Lisboa e, sobretudo, mantê-los de costas voltadas, manipulação
para a qual tanto os Damásios como os Roquettes sempre se mostraram amplamente
disponíveis, porque, com mais ou menos dinheiro, eram líderes fracos e estúpidos.
Mais ou
menos por altura do Benfica-Porto, a agulha vai começar a virar. O Sporting ainda
vai andar na luta, vai ter superado, com dificuldades iniciais naturais, uma
primeira volta muito difícil, sem ter de se preocupar muito com a Liga Europa (basta
ganhar os dois jogos em casa para se ser apurado, afinal, e é bom para dar
moral aos suplentes), e o Porto, apurado para os oitavos-de-final da Champions,
vai começar a perder o comboio a nível interno.
Lá para
Março as coisas vão estar mais claras, e por essa altura o Sporting já não vai
ter razões de queixa da arbitragem. É bem possível, até, que comecemos a ver
Duque e Pinto da Costa juntos em ocasiões informais, em reuniões antes das assembleias
gerais da Liga, e o Vieira a barafustar contra o sistema e a nova aliança
tácita.
No fim, o
Sporting terá ganho o campeonato de que desesperadamente precisa para não
morrer, o Porto acaba em segundo, ao sprint, garantindo a Champions para o ano
seguinte, e o Benfica, se não se põe a pau, ainda acaba em quarto, para que
fique bem marcada a vitória do sistema sobre os insurrectos – sobretudo se os
insurrectos insistirem em não vender os seus 15 jogos em casa ao polvo. Não ao Paul
mas ao de São Martinho de Penafiel.
E tudo
estará bem.
É claro que
o sistema, por si só, não chega, mas como a prosa já vai longa os outros dois
factores a favor do Sporting ficam para depois, com a gentileza dos fregueses.