domingo, 16 de dezembro de 2012

O melhor Benfica


A 16 de Dezembro de 2012, e com o Benfica no primeiro lugar do campeonato, é uma boa altura para lembrar a quem, eventualmente, não leu, na altura, ou já não se lembra, que, no final da última época, vaticinei que o Jesus já não passava o Natal como treinador do Benfica.

O que eu disse, na altura, numa carta aberta a Jesus, foi mais ou menos isto:

«Caro Jesus, eu sei que pensas que, para o ano, vai ser diferente. Estás a pensar que, com mais um ano em cima, a tua equipa vai subir de qualidade, mantendo o mesmo estilo de jogo, e que, se este ano já estiveste apenas a um jogo de ser campeão, na próxima época, com mais experiência, e com o Porto a perder o Hulk (pelo menos), dificilmente não serás campeão. Mas não é o que vai acontecer. O que vai acontecer é que as coisas vão começar a correr mal na pré-época, vais perceber que já perdeste os jogadores, que já nem confiam em ti nem têm paciência para te aturar. E, a partir daí, as coisas vão degradar-se e vais ter desejado sair neste Verão, para o bem de toda a gente.»

É o momento ideal para recordar esta minha previsão não só porque estamos a uma semana do Natal mas também porque ontem, com o Marítimo, vi o Benfica de Jesus fazer, que me lembre, o seu melhor jogo.

Com o Marítimo, o Benfica atacou como devia, e atacou bem. Defendeu como devia, e defendeu bem – a recuperar bolas no meio-campo adversário umas atrás das outras, como faz o Barcelona, por pura capacidade de antecipação.

Não o fez contra uma equipa banal mas contra uma equipa que sabe jogar futebol, que está desenhada para jogar em contra-ataque e que tem bons jogadores.

Não teve a sorte do jogo, pelo contrário: teve de lutar contra ela e contra um claro erro de arbitragem no primeiro golo, que resulta do primeiro remate do Marítimo, depois de um massacre de meia-hora sem marcar, a que se seguiu outro massacre de uma hora, a marcar quatro golos.

Não apanhou o Marítimo nem ninguém de surpresa, ao contrário do que acontecia durante os primeiros três meses da época do campeonato (em que, simplesmente, as equipas não estavam preparadas para lidar com aquela atitude de ataque desenfreado).

Nunca perdeu o controlo do jogo nem da cabeça. Nunca se desconcentrou. Fez o primeiro jogo a velocidade alta e constante durante os noventa minutos desde que me lembro.

E isto, para mim, é um bom jogo de uma equipa. Podia ser fora, para ser melhor? Podia. Podia ser contra o Real Madrid? Podia. Podia ser na final da Liga dos Campeões. Podia. Mas também podia ser em casa, com o Marítimo, para o campeonato, e ser uma merda de jogo, como tem sido quase sempre até aqui.

É claro que há explicações conjunturais para esta exibição.

Fisicamente, o Benfica está na melhor fase da época, como tem sido sempre nos últimos quatro anos. Muito mais difícil será encontrar uma equipa assim tão fresca a partir de Janeiro, quando as equipas do Jesus costumam quebrar (esta época, contudo, está a dar-se uma situação curiosa, como referi há uns tempos: a de que muitos jogadores essenciais vão chegar ao Inverno praticamente sem carga acumulada, devido a lesões, castigos e má forma actual. Ter elementos como Aimar, Gaitán, Luisão ou Carlos Martins frescos em Fevereiro/Março pode vir a ser perfeitamente decisivo).

Animicamente, a equipa está no máximo, depois de dar a volta ao dérbi. Ontem, a cada bola dividida, a decisão já estava feita no momento em que os jogadores do Benfica partiam para o duelo, tal a confiança com que estão. Neste momento os jogadores estão com aquele estado de espírito em que nem sequer pensam que podem falhar, e por isso ganham praticamente todos os 1x1.

A coincidência de quatro jogadores iminentemente colectivos e muito homogéneos na sua forma de jogar deu à equipa uma atitude colectiva – de jogar em equipa a atacar e a defender, de optar pelo passe antes da fina, de se mover em bloco – que raramente ou nunca tem. Falo de Matic, André Gomes, Ola John e Lima. São quatro jogadores de «Categoria E» - de equipa.

Matic dá ao meio-campo uma dimensão atacante que jamais teria com um Javi Garcia a jogar a «6». É um jogador de dimensão extra, muito mais próximo de um Witsel do que de Javi. Mesmo tirando o facto de estar num grande momento de forma, tem um kit de ferramentas – envergadura e força física, visão atacante e ampla do jogo, capacidade de passe perto e à distância, ausência de tiques tecnicistas e finteiros, capacidade de concentração – que fazem com que venha a ser a próxima grande venda do Benfica, no próximo Verão. A evoluir como está actualmente, Matic vai, facilmente, integrar uma das oito melhores equipas da Europa na próxima época. Já é o melhor «6» do campeonato, pois tem essa dimensão atacante que Fernando, por exemplo, não tem, e é um jogador feito para equipas grandes. Em termos de capacidades e estilo, é uma espécie de Yaya Touré – mas não tão bom, por enquanto. Uma equipa grande não precisa por aí além de um varredor especialista defensivo. Raramente tem de defender assim tanto. Precisa, sim, de jogadores que, em todas as posições do campo, construam jogo. Matic vai ter muito mais dificuldades contra o Porto, por exemplo, porque vai ter de defender mais, mas, nos outros 28 jogos do campeonato, é jogador para encher o meio-campo.

Devo dizer que, neste caso, sinto que tinha razão quando dizia que o meio-campo do Benfica, no ano passado, devia ter sido Javi-Matic-Witsel. Não percebo como é que o Jesus não viu isso.

André Gomes está na fase de apanhar com o Jesus em cima, como se viu ontem, mas não engana. A sua primeira ideia é sempre a equipa, a bola vai para onde tem de ir, as faltas aparecem quando têm de aparecer, falta-lhe ainda o estofo físico e melhorar o posicionamento defensivo, obviamente, mas é um daqueles jogadores que, por serem de equipa, fazem os outros melhores.

Vejo Ola John fazer coisas que já não julgava possível ver num extremo moderno. Ontem, vimos John fazer três, quatro, cinco centros em corrida, com o pé esquerdo, e meter a bola onde queria. Tal como o Pacheco dizia na televisão, depois do jogo com o Sporting, o defesa não tem opções, porque não pode dar-lhe um lado. Isso faz com que a mudança de velocidade e o pique nã sejam fundamentais no seu jogo. Tal como eu pensava, John é um pivô na linha, faz lembrar o Ronaldinho Gaúcho no Barcelona, em termos de abordagem ao jogo – sem se poder comparar em termos de classe, obviamente. Ontem, todo o ataque do Benfica estava centrado na linha do flanco esquerdo. Dai partiam os desequilíbrios. O melhor, para mim, em Ola John, é que a primeira opção é sempre o passe. Não acha que a boa jogadaseja passar por cinco adversários e entregar a bola de bandeja. Tem a mesma visão de jogo de Gaitán, mas muito mais desapego à bola e muito mais cuidado com a equipa. O jogo, em John, não trava: acelera, porque os outros jogadores, em vez de pararem, mexem-se. Veremos se não se estraga com a usual idolatria benfiquista.

Lima é o verdadeiro avançado titular desta equipa, precisamente porque faz o trabalho colectivo que permite ao ataque funcionar. E tem um poder físico que, juntamente com o de Matic e André Gomes (atenção, que o «menino» tem cabedal e não é tão lento como parece), dá ao miolo do Benfica uma pujança física que massacra. Algo que Aimar e Martins não conseguem dar.

Ou seja, em conclusão: tirando Jardel (bom jogador colectivo, também) e metendo Luisão, a melhor equipa do Benfica, em termos colectivos – ou seja, naquilo que conta – a melhor equipa do Benfica é que jogou ontem. Sem Aimar, Gaitán e Enzo Pérez.

É uma equipa que não dá garantias, no entanto. Não devemos esperar que Ola John, André Gomes e, mesmo, Cardozo, mantenham o nível actual. Os dois primeiros têm 19 anos (alguma vez isto aconteceu nos 30 anos de carreira de Jorge Jesus???!!!) e o segundo  nunca fez uma equipa inteira ao mesmo nível. O Benfica não vai ser sempre assim tão colectivo, e só será campeão com individualidades.

Por outras palavras, quando o colectivo falhar (e vai falhar, porque não foi suficientemente trabalhado nos últimos anos) o Benfica irá precisar de alguns momentos de Aimar, de alguns bons jogos de Gaitán, de alguns golos de Martins, de marcar golos de canto e de livre.

E aí, dando a mão à palmatória, com toda a alegria benfiquista, em relação à capacidade do Jesus em adaptar-se ao plantel – na verdade, é nesses momentos, em que tem de trabalhar limitado pelos condicionalismos dos plantéis feitos por outros ou por situações extraordinárias, que o Jesus melhor trabalha, como já devem ter reparado, e não quando começa a escolher brasileiros de segunda e a querer fazer equipas à sua imagem – continuo a não ver, ainda, no Benfica, uma dimensão estrutural, e colectiva, de campeão. Um filosofia e uma estabilidade de jogo que lhe permita manter um nível como o de ontem durante (não digo toda) a maior parte da época, e que lhe permita, por exemplo, ser melhor que o Porto na Luz e ir às Antas bater-se de igual para igual.

O que não quer dizer que o Benfica não tenha boas hipóteses de ser campeão. Aliás, imaginar esta equipa do Porto como tricampeã nacional, mais do que uma improbabilidade estatística, parece um claro optimismo exagerado. A bicefalia acentuada actual permite todos os cenários, e vai sempre criar uma situação anormal – uma equipa de terceira dimensão europeia (Benfica) a ganhar a outra de classe média-alta (Porto) ou uma equipa medíocre, em termos históricos, em comparação com outras (porto) a ganhar três campeonatos seguidos. Neste ponto, a sensação que tenho é que o Benfica-Porto vai decidir o campeonato, sendo que o Benfica tem uma hipótese em três de o vencer, precisando, para isso, de bater o Porto em casa.

Também não vejo este Porto, sem Hulk, a ganhar dois jogos seguidos para o campeonato na Luz, mas…

De qualquer forma, fica o reconhecimento: o Jesus, apesar de já não conseguir fazer a equipa crescer (e isto mantenho, porque é a própria equipa que, com a estabilidade do plantel, tem vindo a desenvolver a sua química), ainda não é desrespeitado pelos jogadores. A condição essencial para a implosão que previ não se cumpriu. Ainda bem. Sem cinismo. Não sou dos que preferem que a equipa perca para poderem dizer: «Vêem como eu tinha razão?»

Resta, agora, saber duas coisas:

- se a não-entrada de alguns jogadores, durante o Verão, para a equipa titular (defesa-esquerdo, médio-centro), acompanhada da saída de dois titulares, vai ser decisiva na fase em que o campeonato se decide, ou se os que estão chegam;

- se a pré-época foi suficientemente boa para permitir ao plantel (curto) enfrentar um  inverno que se prevê rigoroso e, provavelmente, «prolongado» pela presença em quatro competições.

Direi apenas que este era um ano excelente para acontecerem duas coisas: o Benfica voltar a ganhar a Taça de Portugal (admito que já tenho saudades, porra…); e o Porto, além de se mostrar «uma grande equipa europeia» na Liga dos Campeões, ser «obrigado a ganhar a Taça da Liga.

Nem que fosse para ver se, na final, jogavam com os suplentes, e se, ganhando, já não se queriam ver «livres desta»…

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O Benfica definiu a história do Sporting


Ponto 1 – Lembrem-me de dizer mal do Cardozo antes de cada jogo decisivo. Resulta. A bola vai batendo nos outros e entrando.

Ponto 2 – o Benfica pode ter achado o próximo grande jogador do futebol português. Há uns tempos disse que André Gomes me lembrava Zidane, neste momento lembra-me mais o Paulo Sousa com 19 anos. Um portento. Daqui a dois anos estaremos a falar da grande tragédia dos clubes portugueses: a de não conseguirem segurar os jogadores nacionais que podem fazer deles grandes, permanentemente, na Europa.

Ponto 3 – O Benfica pode ter começado aqui a ganhar o campeonato, se isso lhe permitir chegar ao jogo com o Porto em vantagem pontual. Se isso acontecer, o desenrolar desse jogo, pelas expectativas e ansiedade que deixará de gerar, será completamente diferente. Uma das razões para o Benfica perder campeonatos para o Porto é chegar ao jogo com o Porto, em casa, a precisar de ganhar sob risco de não ser campeão. Um jogo em que um empate permita manter a liderança muda completamente as coisas. É um facto histórico.

Ponto 4 - Se o Benfica tivesse jogado, esta noite, com 11.º classificado da Liga e o 11.º classificado fosse o Estoril-Praia, o jogo teria sido, provavelmente, exactamente o mesmo que foi em Alvalade.
Para ganhar um jogo fora, contra uma equipa inferior, depois de um jogo europeu de grande exigência mental, o que é preciso, mais que técnica, táctica ou frescura física, é classe. Fazer o jogo necessário. Nestes casos, a classe traduz-se por eficácia. Não é apenas passar a bola entre os defesas – é atacar bem nas poucas vezes em que se ataca, e meter a batata na baliza primeiro que o adversário, nem que demore 89 minutos (e se, aos 89 minutos, a bola é rematada, bate numa canela, na parte de baixo da barra, e cai um palmo dentro da baliza, nesse caso é muito bom sinal, porque é a estrelinha de campeão a brilhar).
Quando se permite à equipa da casa jogar em contra-ataque, seja o Moreirense ou o Sporting, o espaço e a vontade são tantas que quaisquer problemas psicológicos desaparecem. Poder fazer figura de equipa pequena foi óptimo para o Sporting, sobretudo porque, de facto, não há memória de uma equipa do Sporting tão pequena como esta. Mas isso já toda a gente sabia, desde os benfiquistas, acostumados a verem a lagartagem agigantar-se para ganhar a Taça Segunda Circular todos os anos, aos dirigentes do Sporting, que, «à Braga», aproveitaram todas as oportunidades para alimentar guerras artificiais.
Classe não é coisa que abunde nesta equipa do Benfica, evidentemente. Mas a rotina a alto nível vai faendo a diferença e é assim que a classe vai aparecendo. E, hoje, chegou. A segunda parte do Benfica, em desvantagem, a jogar em Alvalade, e com mais um jogo europeu nas pernas na semana passada, teve lampejos de classe e a sorte suficiente, sem a qual o benfica não consegue ganhar em Alvalade.
Sim, mais um jogo europeu, leram bem. Porque…

Ponto 5: Só um idiota é que se permitia, sequer, embarcar no folclore do «adiamento» e do cansaço. Aliás, quando ouvi os comentadores da Sport TV a dizerem que a meio da segunda parte «se notou o cansaço» fiquei a falar sozinho, e a perguntar: «Mas o cansaço de quê? De estarem sentados?»
É evidente que o Vercauteren estava preparado (e até agradecia) para jogar até no dia seguinte ao jogo do Videoton, porque assim teria tido o Benfica ainda menos refeito do decisivo jogo com o Barcelona, em Barcelona,onde jogou com 9 ou 10 dos titulares de hoje, enquanto o Sporting jogou com o Videoton com apenas três titulares de hoje. Qualquer nabo conseguiria perceber que, quanto mais cedo fosse o jogo, melhor seria para o Sporting. A última vez que os titulares do Sporting jogaram, entre Taça e Liga Europa, foi para aí há um mês. Se a equipa do Sporting rebentou na segunda parte é porque a sua preparação física é uma merda.
Se alguma equipa deveria ter rebentado na segunda parte essa equipa deveria ter sido o Benfica. Aliás, o cansaço entre alguns jogadores do Benfica foram óbvios (Garay, Ola John e Salvio incapazes de mudar de velocidade, Maxi Pereira, até o Lima) até ao momento do golo, em que a perspectiva de vitória os revigorou.

Ponto 6 – Só hoje é que a época do Sporting ficou dramática. Perder com o Benfica, em casa, é a única coisa que pode realmente estragar a época aos adeptos do Sporting, e o Godinho já vai a caminho.
O Sporting fechou hoje a sua época – e, como não vai poder voltar a jogar em contra-ataque até ao fim da época, à excepção do jogo como Porto em casa, continuará a ter as dificuldades das equipas pequenas para ganhar jogos de forma continuada. Acabará a temporada em quarto ou quinto lugar mas, acima de tudo, perdeu com o Benfica

Ponto 7 – A única coisa que fica, de realmente relevante, deste Sporting-Benfica, é a certeza de que o Benfica terá de continuar a lutar sozinho contra o Porto, com o Sporting a prestar-se ao papel de Sancho Pança, à espera que lhe caia qualquer coisa no prato.
Para o Benfica, penso eu, acabará por ser bom, porque o Sporting, historicamente, não mostra dimensão para ser mais que um outsider, que conseguirá, quanto muito, reclamar algumas vitórias. Num cenário de luta Benfica-Sporting, sem Porto, o Sporting não consegue superar o Benfica. Só tornará as coisas um pouco mais difíceis para o Benfica, na luta contra o Porto, mas isso não é um problema incontornável. É uma questão de tempo, e até pode ser melhor a emenda que o soneto.
Para o Porto, é óptimo. Uma aliança real Benfica-Sporting, a longo prazo, destruiria a hegemonia portista. Com Benfica e Sporting separados, o Porto terá, durante muito tempo, boas hipóteses de ganhar.
Para o Sporting, é trágico, porque se auto-sentencia a uma eterna secundarização. Os Cristóvãos que ficaram a rodear o Godinho (e os que vêm a seguir ainda vão ser piores) são muito mais broncos que os Duques que foram saindo.
Os Duques tinham um plano. Iam fazer um tango, uma dança de amor-ódio com o Benfica, para bater o Porto e, depois do rei decapitado, iam tentar superiorizar-se ao Benfica. Era um bom plano, porque o Sporting ainda tem qualidade estrutural para poder ser melhor que o Benfica. Difícil de concretizar, impopular entre os adeptos, mas bom.
Agora, a única coisa que é, um arrojo aos pés do Porto para bater o Benfica, que não tem nenhuma perspectiva além de aceitar ser um eterno segundo, com grandes probabilidades de continuar a ser segundo mesmo que o Porto venha a definhar, porque isso significaria que o Benfica teria ganho a luta de superpotências actualmente em curso.
Hoje, o Benfica cumpriu, também, o seu destino natural: definiu o que vai ser a história do Sporting nos próximos anos.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma equipa de pachachinhas


Quando ouvi o Carlos Carvalhal, na RTP, há quinze dias, dizer que, contra uma equipa de segundas figuras do Barcelona, «mal seria» se o o Benfica não fosse favorito, admito que pensei cá com os meus botões: «Deve ser, deve… Se não forem os russos a ganhar na Escócia bem fodidos estamos.»
Devo avisar que hoje, como já devem ter reparado, vou ser bastante ordinário. Porque me apetece.
Afinal, o Carvalhal tinha razão. Admito. A «ideia» de futebol do Barcelona – que é mais que uma ideia, é uma cultura –, quando não é interpretada por meia-dúzia de freaks da bola e quando não tem nada a ganhar, não é mais que uma vaga ideia, que poderia perfeitamente ter sido batida com uma única e simples qualidade por parte do Benfica: instinto assassino.
Azar.
É aquilo que este Benfica tem menos. Como eu já disse quinze milhões de vezes, esta equipa do Benfica não é agressiva. Falta-lhe a qualidade fundamental numa equipa de futebol. Chamem-lhe carácter, ambição, audácia, chamem-lhe o que quiserem, mas o que falta a esta equipa do Benfica é colhões. E enquanto lhe faltar colhões vai continuar a ser uma equipa de segunda, tenha os jogadores que tiver. Sem colhões, o máximo que pode acontecer a uma equipa é ir a uma ou outra final, de vez em quando, com muita sorte pelo meio, e inevitavelmente perdê-la. Nada que o Benfica não tenha feito, por exemplo, em 1989 e 1991, e que, historicamente, acabou por significar exactamente nada, como hoje facilmente se percebe.
Alguma classe, o Benfica até tem. Não é uma equipa totalmente sem classe. Faz as coisas mais ou menos certinhas. Mas não as consegue levar até ao fim porque lhe falta carácter.
Vi três momentos à campeão, hoje à noite, ao Benfica:
- quando entrou a defender em cima da baliza do Barcelona (algo só possível porque o Barcelona jogou sem nenhum dos seus quatro cérebros – Iniesta, Xavi, Busquets e Messi – que teriam facilmente transposto, em três passes, a primeira linha defensiva do Benfica);
- quando o Luisão virou o Messi ao contrário na primeira vez que o encontrou, de maneira a que ele entendesse que aquilo não era um jogo-treino nem um jogo para os recordes;
- e quando o Maxi Pereira deu duas ripadas seguidas no extremo do Barcelona a meio da segunda parte, quando se percebeu que o pessoal do meio-campo tinha entrado em modo zombie.
Tudo o resto – e o resto é o que fica, porque é o que define o resultado – foi, basicamente, uma cambada de pachachinhas encolhidas, todas molhadinhas por estarem a jogar com o Barcelona, algumas – André Gomes, Ola John, Nolito – com um bocadinho mais de classe que outras, alguma gente que vai poder ganhar alguma coisa quando tiver quatro ou cinco jogadores com colhões a jogar a seu lado, mas, no fundo, apenas uma cambada de pachachinhas, que foi fazer um jogo de futebol a Barcelona e não conquistar um apuramento na Liga dos Campeões a Barcelona, incapaz de cravar o punhal no momento em que o adversário estava à mercê, incapaz de ter a audácia suficiente para entrar na história, gente de fraca dimensão, que não tem, realmente, massa de campeã.

Como todos sabem, é-me um bocado igual ao litro se o Benfica passa ou não passa aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Continuo a achar que é um desperdício de recursos humanos quando se quer ser campeão nacional e nem sequer se tem a melhor equipa nacional. O que me chateou nesta noite foi voltar a perceber que o que tirou este apuramento ao Benfica foi a mesma fraqueza que lhe tirou o título no ano passado, e que tirará este ano, a menos que haja algum bambúrrio ou que o Porto chegue às meias-finais da Champions e cague no campeonato. A mesma fraqueza mental que levará a que, mesmo ganhando este campeonato, seja praticamente impossível ganhar o próximo, como levou a que fosse uma miragem a repetição do título em 2011. É a mesma debilidade.
É a mesma debilidade que acompanha o Benfica há cerca de 30 anos, e que a classe ocasional de alguns jogadores e treinadores e as contingências próprias do futebol têm disfarçado: ao Benfica, à sua equipa de futebol, falta carácter, espírito de conquista, agressividade, instinto assassino. Não falta, nunca faltou, jogadores: falta, e sempre faltou, competidores. Massa de campeão. Mais do que verniz de campeão, estofo.
Os benfiquistas podem continuar a falar de jogadores, de ilusões, durante mais 30 anos, mas só voltarão a ter uma equipa de futebol de topo europeu quando começarem a distinguir competidores de jogadores.

O que é que diferencia os grandes clubes europeus dos de segunda linha? Os grandes clubes europeus gastam algum dinheiro em talento, claro que sim, sem talento não há diferença, mas, quando querem, enfim, passar da qualidade às vitórias, ganhar, o que os clubes vitoriosos compram é carácter.
O carácter é mais raro que o talento.

Não queria acabar sem falar do Cardozo. O Benfica não foi eliminado por causa do Cardozo, nem o Cardozo é hoje pior ou melhor jogador que era há duas semanas. Foi mais importante, na eliminação do Benfica, o árbitro paneleiro do Celtic-Spartak (vi o jogo aos bochechos mas nesses bocados não vi nenhuma decisão do tipo que não mostrasse uma vontade enorme de fazer um favor ao fair-play e ao politicamente correcto e que não favorecesse o Celtic, culminando naquele penálti absurdo), a derrota em Moscovo (por falta de agressividade) ou o jogo em que o Celtic toca duas vezes na bola e ganha ao Barcelona por 2-1.
Mas, na última jogada do desafio, com o apuramento nos pés, isolado em frente ao guarda-redes, em corrida, o Cardozo – jogador de 28 anos, com toda a experiência possível e num momento de plenitude profissional, a jogar um dos desafios mais importantes da sua carreira – porque a bola lhe vai para o pé direito e porque tem de se virar para a baliza em corrida, o Cardozo, atentem bem… tropeça na bola. O Cardozo tropeça na bola.
E isso, meus caros amigos benfiquistas, mesmo que se consiga marcar 500 golos ao Santa Clara, ao Penafiel, ao Setúbal, ao Nacional da Madeira, isso define um jogador.
Não quero dizer aos meus caros amigos que metam o Cardozo no cú. Não quero. Mas só porque já o disse há muito tempo, aqui neste blog, e numa altura em que, salvo erro, ele até era o melhor marcador do campeonato.
Enquanto o seu jogador-chave for um Cardozo (este ou outro), as hipóteses do Benfica ter uma boa equipa europeia durante uma década, por exemplo, são exactamente iguais a zero. Seja lá qual for a «ideia de jogo» que o treinador do Benfica, por mais inteligente que se considere, tenha.

Quanto ao resto, é saber o que se quer, para se escolher o que se tem.

Sirva ao menos para isso mais esta derrota.